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Complicações da hipertensão arterial em homens e mulheres atendidos em um ambulatório de referência

Resumos

OBJETIVO: Avaliar se o sexo se associa à hipertrofia ventricular esquerda, ao acidente vascular cerebral e à insuficiência renal em hipertensos atendidos em ambulatório de referência. MÉTODOS: Dados de 622 hipertensos, admitidos com diagnóstico de hipertrofia ventricular esquerda baseado no eletrocardiograma, de insuficiência renal, na creatinina > 1,4 mg/dl, e de acidente vascular cerebral em história pregressa e exame físico. Regressão logística foi utilizada para estimar odds ratio da associação entre sexo e lesão de órgãos-alvo da hipertensão, ajustadas para raça, idade e sua duração. RESULTADOS: A média das idades foi 48,4±13,8 anos, 74,1% eram mulheres, 84,9% mulatos ou negros. Quase a metade dos homens e mais de 40% das mulheres apresentavam pelo menos um evento definido com lesão órgão-alvo. Insuficiência renal foi maior nos homens, OR ajustada (ORa) = 2,73; (p=0,002). Nos pacientes brancos, a freqüência de acidente vascular cerebral foi significantemente (p=0,017) maior nos homens (4/33) do que nas mulheres (0/56) e, na análise para idade > 49 anos, a prevalência de hipertrofia ventricular esquerda foi significantemente maior em homens, ORa = 1,99; (p=0,024). CONCLUSÃO: Os dados obtidos sugerem maior prevalência de insuficiência renal em homens do que em mulheres, de acidente vascular cerebral em homens brancos do que em mulheres brancas, e de hipertrofia ventricular esquerda em homens do que em mulheres com idade > 49 anos.

sexo; hipertensão arterial


OBJECTIVE: To assess the association between sex and left ventricular hypertrophy, stroke, and renal failure in hypertensive patients in a referral outpatient care unit. METHODS: This study assessed 622 hypertensive patients diagnosed with left ventricular hypertrophy based on electrocardiography, renal failure based on serum creatinine level > 1.4 mg/dL, and stroke based on a previous history and physical examination. Logistic regression was used to estimate the odds ratio of the association between sex and target-organ lesions in hypertension adjusted for race, age, and duration of the disease. RESULTS: The mean age of the patients was 48.4±13.8 years; 74.1% were women, and 84.9% were mulattos or blacks. Almost half of the men and more than 40% of the women had had at least 1 definite event involving a target-organ lesion. The incidence of renal failure was greater among men [adjusted OR (ORa) = 2.73, P= 0.002]. In white patients, the incidence of stroke was significantly (P= 0.017) greater among men (4/33) than among women (0/56), and, in the age group > 49 years, the prevalence of left ventricular hypertrophy was significantly greater among men (ORa = 1.99, P= 0.024). CONCLUSION: The data obtained suggest a greater prevalence of renal failure in men than in women, of stroke in white men than in white women, and of left ventricular hypertrophy in men than in women aged 49 years and above.

sex; arterial hypertension


ARTIGO ORIGINAL

Complicações da hipertensão arterial em homens e mulheres atendidos em um ambulatório de referência

Antonio Carlos Beisl Noblat; Marcelo Barreto Lopes; Gildete Barreto Lopes; Antonio Alberto Lopes

Salvador, BA

Universidade Federal da Bahia

Endereço para Correspondência Endereço para Correspondência Antonio Carlos Beisl Noblat R: Quintino de Carvalho, 126/204 40155-280 – Salvador, BA E-mail: noblat@ufba.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar se o sexo se associa à hipertrofia ventricular esquerda, ao acidente vascular cerebral e à insuficiência renal em hipertensos atendidos em ambulatório de referência.

MÉTODOS: Dados de 622 hipertensos, admitidos com diagnóstico de hipertrofia ventricular esquerda baseado no eletrocardiograma, de insuficiência renal, na creatinina > 1,4 mg/dl, e de acidente vascular cerebral em história pregressa e exame físico. Regressão logística foi utilizada para estimar odds ratio da associação entre sexo e lesão de órgãos-alvo da hipertensão, ajustadas para raça, idade e sua duração.

RESULTADOS: A média das idades foi 48,4±13,8 anos, 74,1% eram mulheres, 84,9% mulatos ou negros. Quase a metade dos homens e mais de 40% das mulheres apresentavam pelo menos um evento definido com lesão órgão-alvo. Insuficiência renal foi maior nos homens, OR ajustada (ORa) = 2,73; (p=0,002). Nos pacientes brancos, a freqüência de acidente vascular cerebral foi significantemente (p=0,017) maior nos homens (4/33) do que nas mulheres (0/56) e, na análise para idade > 49 anos, a prevalência de hipertrofia ventricular esquerda foi significantemente maior em homens, ORa = 1,99; (p=0,024).

CONCLUSÃO: Os dados obtidos sugerem maior prevalência de insuficiência renal em homens do que em mulheres, de acidente vascular cerebral em homens brancos do que em mulheres brancas, e de hipertrofia ventricular esquerda em homens do que em mulheres com idade > 49 anos.

Palavras-chave: sexo, hipertensão arterial

O risco de complicações de hipertensão arterial, em geral, é maior em homens do que em mulheres1. Nos grupos mais idosos esta diferença entre os sexos reduz-se, particularmente, ao risco de complicações cardiovasculares, acentuadamente aumentada nas mulheres após a menopausa2,3. Além da idade, a raça também deve ser levada em consideração, na comparação entre homens e mulheres, em relação a eventos adversos da hipertensão arterial. Nos Estados Unidos, o risco de estágio final de doença renal atribuído à nefropatia hipertensiva, por exemplo, é maior em negros do que em brancos e em homens do que em mulheres4-6. Na faixa etária de 20 a 50 anos de idade, o risco de estágio final de doença renal por hipertensão arterial é 30% maior em homens do que em mulheres, e as diferenças entre sexos similares em negros e brancos4. Estas diferenças entre os sexos tendem a aumentar nas faixas etárias mais avançadas nos brancos e reduzir em negros, devido à elevada incidência de estágio final de doença renal por hipertensão arterial na mulher negra mais idosa.

Não fica claro se as diferenças entre homens e mulheres, relatadas em estudos epidemiológicos comunitários, refletem o ocorrido em pacientes que procuram atendimento médico. Além da prevalência e gravidade do problema, fatores sóciodemográficos, incluindo sexo, raça e idade têm se comportado como mediadores da demanda de pacientes para os serviços de prevenção e tratamento7,8. Barreiras para o acesso aos cuidados de saúde bem como os níveis de conhecimento sobre a gravidade do problema e das medidas de controle, podem exercer importantes papeis na prevalência de complicações de doenças crônicas (e.g., hipertensão arterial), observadas em certos grupos sociodemograficos avaliados em ambulatórios ou hospitais8-10.

Nosso objetivo é avaliar se o sexo se associa à hipertrofia ventricular esquerda, ao acidente vascular cerebral e à insuficiência renal em hipertensos atendidos em ambulatório de referência.

Métodos

Estudo de corte transversal, utilizando dados de 622 hipertensos admitidos em ambulatório de referência para hipertensão arterial, de agosto/1982 a julho/1986. A avaliação dos pacientes incluiu dados de anamnese, exame físico, eletrocardiograma e exames laboratoriais de rotina.

Ultra-sonografia de aparelho urinário, radiografia de tórax na posição póstero-anterior, urografia excretora, arteriografia renal seletiva, além de exames laboratoriais adicionais, como proteinúria quantitativa e biopsia renal foram realizados nos pacientes com suspeita de hipertensão arterial secundária, sendo diagnosticados 10 casos de glomerulopatias, 7 de doença de artéria renal, 1 com rins policísticos e 1 cushing iatrogênico.

A pressão arterial foi medida pelo método auscultatório no braço direito em três posições (deitado, sentado e em pé), com intervalos de 2min entre as medidas, utilizando-se o esfigmomanômetro de coluna de mercúrio e braçadeiras com manguito para adulto, de 12 cm de largura por 23 cm de comprimento. O manguito era insuflado até 30 mmHg acima da medida da pressão arterial sistólica previamente medida pelo método palpatório e feita a desinsuflação lenta, a uma velocidade de 2 a 3 mmHg por segundo. A pressão arterial sistólica foi determinada pela ausculta do 1º som contínuo (fase I dos sons de Korotkoff) e a pressão arterial diastólica pelo desaparecimento do som (fase V). As pressões sistólica e diastólica utilizadas na análise foram determinadas através das médias das três medidas iniciais. Foram considerados hipertensos pacientes com pressão arterial sistólica >140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica >90 mmHg, ou que se encontravam em uso de medicação anti-hipertensiva. Quanto à gravidade, a hipertensão arterial foi categorizada em leve, moderada e grave, de acordo com a classificação utilizada à época da coleta dos dados11. Os pacientes que já apresentavam lesões de órgãos-alvo foram considerados como graves, independente dos níveis pressóricos. Hipertensão arterial acelerada e/ou maligna foi definida à fundoscopia, quando presentes na retina hemorragias, exsudatos e/ou edema de papila. As complicações da hipertensão arterial foram avaliadas através de dados do exame clínico e exames complementares. O diagnóstico de hipertrofia ventricular esquerda tomou por base critérios eletrocardiográficos (índice de Sokolow-Lyon). Acidente vascular encefálico foi identificado por história de evento prévio (incluindo acidente isquêmico transitório) ou sua seqüela, através do exame físico. Pacientes com creatinina sérica >1,4 mg/dl foram considerados portadores de insuficiência renal. Os pacientes com história de hipertensão arterial em um dos pais, avós ou irmãos foram considerados como história familiar positiva. A duração de hipertensão arterial diagnosticada foi estratificada em três níveis, <1 ano, >1 a < 10 e >10 anos. A procedência foi classificada em capital do Estado da Bahia (Salvador), interior da Bahia ou outro estado. A raça foi classificada em 3: branca, mulata e negra, de acordo com a classificação de Krieger, modificada por Azevedo12, 13.

O teste t para amostras independentes foi utilizado para comparar médias de idade e o teste do qui-quadrado, ou o teste exato de Fisher, utilizado para comparar variáveis representadas por proporções. Regressão logística múltipla foi usada para estimar a odds ratio (OR) da associação entre gênero e cada tipo de lesão de orgãos-alvo. A OR foi ajustada para sexo, raça (duas variáveis indicadoras dicotômicas, uma para identificar os mulatos e outra os negros), idade (como variável contínua) e duração da hipertensão arterial (três categorias). O teste de homogeneidade de Breslow-Day foi utilizado para detectar variações estatisticamente significantes na OR da associação sexo versus lesão de órgão-alvo entre dois grupos raciais (o grupo de pacientes brancos e o que incluía negros e mulatos) e nos dois grupos etários (<49 e >49 anos). O software Statistical Package for Social Science - SPSS, versão 10.0 para Windows foi utilizado para comparações entre dois grupos e para a regressão logística múltipla14,15. Utilizou-se o módulo Exact2K do Computer Programs for Epidemiologists, versão 3 para o teste exato de Fisher quando uma das variáveis era categorizada em mais de 2 níveis16. Utilizou-se o módulo Casecont deste mesmo software para estimar OR e respectivo intervalo de confiança (IC) de 95% em uma das tabelas com célula com valor zero (0)16. Para o cálculo da OR, nessa situação específica, 0,5 foi adicionada a cada célula.

Resultados

A amostra foi composta de 461 (74,1%) mulheres e 161 (25,9%) homens, sendo as médias de idade (em torno de 48,5 anos) similares nos dois grupos (tab. I). A mediana de idade foi de 48 anos no grupo geral e em mulheres e de 49 anos em homens. Não se observou diferença estatisticamente significante entre os sexos nas formas secundárias de hipertensão arterial, na gravidade, no uso de anti-hipertensivos, na procedência e historia familiar. Observou-se maior freqüência de mulheres (20,6%), comparativamente aos homens (14,3%), sendo estatisticamente significante a diferença na distribuição racial entre os sexos (p = 0,021); maior freqüência de hipertensos diagnosticada há pelo menos um ano (p = 0,004) e uma tendência para maior freqüência de uso de antihipertensivos (p = 0,06) observada mais em mulheres do que em homens.

Diferentes classes de antihipertensivos foram utilizados respeitando-se a condição econômica dos pacientes, indicação e resposta terapêutica aos medicamentos. No entanto, os antihipertensivos mais frequentemente utilizados foram os disponibilizados pela rede pública.

Aproximadamente 47,2% dos homens e 42,3% das mulheres apresentavam pelo menos uma das complicações de hipertensão arterial consideradas na presente análise (i.e., insuficiência renal, acidente vascular cerebral, hipertrofia ventricular esquerda). Os resultados das associações entre sexo e tipo específico de lesão de órgão-alvo, são apresentadas na tabela II. A relação entre o número de pacientes com e sem insuficiência renal, tanto na análise não-ajustada quanto na ajustada, foi 2,7 vezes maior em homens do que em mulheres ORa = 2,73; (IC 95%) = 1,46-5,08; (p = 0,002). Na amostra total, não se observou diferença estatisticamente significante entre os sexos no que se refere a acidente vascular cerebral e hipertrofia ventricular esquerda.

A prevalência de acidente vascular cerebral for significantemente (p = 0,017) maior em homens brancos (4/33) do que em mulheres brancas(0/56). Os homens brancos apresentaram maior frequência de insuficiência renal e de hipertrofia ventricular esquerda do que as mulheres brancas. Diferenças que entre os sexos, não foram estatisticamente significantes (tab. III).

Semelhante ao observado no grupo geral, no grupo de pacientes classificados como mulatos ou negros, a freqüência de insuficiência renal foi significantemente maior em homens do que em mulheres ORa = 2,63; (IC 95%) = 1,34-5,16; p = 0,005). Sexo não se associou de forma estatisticamente significante a acidente vascular cerebral e a hipertrofia ventricular esquerda em negros.

Em pacientes com idade <49 anos, a freqüência de hipertrofia ventricular esquerda foi menor nos homens, mas as de acidente vascular cerebral e insuficiência renal maiores nos homens. Nenhuma das diferenças observadas no grupo etário <49 anos, no entanto, alcançaram significância estatística (p > 0,05).

Contrariamente ao que foi observada no grupo <49 anos, no grupo >49 anos, a prevalência ajustada de hipertrofia ventricular esquerda foi significantemente maior em homens do que em mulheres ORa = 1,99; (IC 95%) = 1,09-3,61; (p = 0,024) e a prevalência de insuficiência renal também significantemente maior em homens do que em mulheres. Seguindo o padrão observado na amostra total prevalência de acidente vascular cerebral foi maior em homens, porém sem significância estatística.

A tabela IV mostra os valores de p dos testes de homogeneidade das odds ratio da associação entre sexo e cada uma das lesões de orgãos-alvo nos dois estratos de raça (branca vs mulata+negra) e nos dois estratos de idade (<49 vs >49 anos). Os testes de homogeneidade relevaram que a variação da odds ratio da associação entre sexo e acidente vascular cerebral nos grupos raciais apresentada na tabela III foi estatisticamente significante (p = 0,024). Similarmente, a odds ratio da associação entre sexo e hipertrofia ventricular esquerda mostrada na tabela V variou significantemente entre os grupos etários (p = 0,024).

Discussão

No presente estudo observou-se predomínio marcante de mulheres, correspondendo a mais de 70% dos pacientes estudados. Além do mais, na época da consulta inicial, as mulheres apresentavam maior freqüência de uso de antihipertensivos e tempo mais longo de estabelecimento do diagnostico de hipertensão arterial em comparação aos homens, salientando a maior conscientização das mulheres nos cuidados da saúde e maior aderência ao tratamento em relação aos homens.

Quase a metade dos homens e mais de 40% das mulheres já apresentavam pelo menos uma das complicações de hipertensão arterial consideradas no presente estudo. No grupo geral, em negros e em indivíduos com idade >49 anos, diferença estatisticamente significante entre homens e mulheres foi observada para insuficiência renal. A prevalência de pacientes que apresentavam na consulta inicial creatinina >1,4 mg/dl foi quase 3 vezes maior em homens do que em mulheres apos se ajustar para idade e raça. A análise estratificada por faixa etária evidenciou que o resultado no grupo geral foi em grande parte decorrente de forte associação entre sexo e creatinina em pacientes com idade > 49 anos. É possível que o maior volume de massa muscular em homens tenha contribuído para a forte associação entre sexo e creatinina sérica elevada. Os achados, no entanto, são condizentes com o maior risco dos homens para insuficiência renal crônica, particularmente estágio final de doença renal por nefropatia hipertensiva5, 6. Além do sexo masculino, a idade avançada e a raça negra são fatores de risco para insuficiência renal crônica e estágio final da doença renal por nefropatia hipertensiva5,6,17-23. É importante avaliar se a maior prevalência de hipertensão arterial não diagnosticada e/ou a menor aderência ao tratamento antihipertensivo podem explicar a maior prevalência de insuficiência renal e estágio final da doença renal devido a nefropatia hipertensiva em homens do que em mulheres observada em nossa amostra.

Diferente do que se observou para insuficiência renal, sexo não se associou de forma estatisticamente significante com a prevalência de acidente vascular cerebral e de hipertrofia ventricular esquerda no grupo geral. Ao se estratificar a análise por grupos raciais e faixas etárias, no entanto, diferenças entre os sexos foram observadas para acidente vascular cerebral e hipertrofia ventricular esquerda, respectivamente. No grupo de pacientes brancos todos os casos de acidente vascular cerebral foram detectados nos homens. Diferente do que foi encontrado na análise do grupo geral na análise específica para pacientes brancos, a associação entre sexo e acidente vascular cerebral foi estatisticamente significante. Infelizmente no subgrupo de pacientes brancos não foi possível obter odds ratio ajustada para idade através da regressão logística. É importante notar, no entanto, que a média de idade e a duração da hipertensão dos homens brancos que apresentaram acidente vascular cerebral não diferiu significantemente dos valores observados nas mulheres brancas. É, portanto, pouco provável que a idade e a duração da hipertensão arterial expliquem as diferenças na prevalência de acidente vascular cerebral entre homens e mulheres brancos. No grupo de negros e mulatos as prevalências de acidente vascular cerebral em homens e em mulheres foram bem mais próximas comparativamente ao descrito no grupo de pacientes brancos. Além do mais, a prevalência de acidente vascular cerebral foi significantemente maior na mulher negra comparativamente à branca.

Prevalência significantemente maior de hipertrofia ventricular esquerda foi observada em homens do que em mulheres com idade >49 anos apos o ajuste para raça e duração da hipertensão arterial. Esta diferença observada entre os sexos na faixa etária >49 anos tem importância clínica, considerando-se que massa ventricular esquerda e hipertrofia ventricular esquerda são importantes fatores de risco de eventos cardiovasculares fatais24-26.

Os resultados referentes à relação entre sexo e lesão de órgãos alvo da hipertensão arterial apresentados no nosso trabalho são potencialmente generalizáveis para outros grupos de pacientes atendidos ambulatorialmente, particularmente em ambulatório de referência. Uma das limitações do estudo foi ter sido realizado na década de 80, porém, as características da população atendida no serviço, atualmente, devem ser semelhantes, visto que o serviço continua sendo referência para o Estado. No entanto, tais resultados aplicam-se à população do estudo e fazem parte dos componentes do serviço. Os dados alertam para a possível influência da composição racial dos pacientes e da idade nas comparações entre homens e mulheres referentes à lesão de órgãos alvo da hipertensão arterial. É importante também considerar que a extensão do problema na população geral exerce influência na prevalência de eventos observados, quando do atendimento ambulatorial. A sobrevida dos pacientes, as barreiras para o acesso aos serviços de saúde, aspectos do comportamento que determinam a procura espontânea de cuidados preventivos ou curativos são fatores que podem influenciar na prevalência de complicações de órgãos-alvo da hipertensão arterial em pacientes avaliados ambulatorialmente. No Brasil, a hipertensão arterial juntamente com diabetes mellitus, constituem-se em umas das principais causas de morte, um importante fator de risco para doenças cardiovasculares e estágio final da doença renal27. Entretanto, a nossa população é pouca informada quanto aos riscos de hipertensão arterial e suas taxas permanecem elevadas28. Além do mais os médicos freqüentemente não alertam os hipertensos sobre a necessidade de perder peso, praticar exercícios e parar de fumar9, permitindo que fatores de risco sejam detectados pela primeira vez ao procurarem serviços de emergência, devido a complicações da doença, como a encefalopatia hipertensiva, insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral, insuficiência renal e eventos isquêmicos coronarianos. O diagnóstico tardio e o controle inadequado da hipertensão arterial podem ter contribuído para a freqüência elevada de complicações observadas em homens e mulheres no nosso estudo.

Concluindo, a prevalência de insuficiência renal foi significantemente maior em homens do que em mulheres portadores de hipertensão arterial avaliados ambulatorialmente. As diferenças entre os sexos na prevalência de insuficiência renal foram ainda mais acentuadas em paciente com idade > 49 anos. A prevalência de acidente vascular cerebral foi signficantemente maior em homens brancos do que em mulheres brancas. Intervenções visando o diagnóstico mais precoce da hipertensão arterial e melhoria do acesso dos pacientes visando o controle adequado da pressão arterial deverão contribuir para reduzir o risco de complicações de órgãos alvo em homens e mulheres das diversas faixas etárias e grupos raciais.

Recebido para Publicação em 24/2/03

Aceito em 6/1/04

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  • Endereço para Correspondência
    Antonio Carlos Beisl Noblat
    R: Quintino de Carvalho, 126/204
    40155-280 – Salvador, BA
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Out 2004
    • Data do Fascículo
      Out 2004

    Histórico

    • Recebido
      24 Fev 2003
    • Aceito
      06 Jan 2004
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