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Utilidade do ultra-som intracoronariano na decisão do tratamento de pacientes com lesões duvidosas no tronco da coronária esquerda

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a segurança e eficácia da estratégia de tratamento cirúrgico ou conservador em pacientes com de lesões duvidosas de tronco da coronária esquerda (TCE), baseada nos achados do ultra-som intracoronariano (USIC). MÉTODOS: Incluídos 66 pacientes consecutivos com lesões angiograficamente duvidosas no TCE submetidos a avaliação ao USIC. Foram divididos em dois grupos de acordo com os achados do USIC. Grupo I, mantidos em tratamento clínico [área mínima da luz (AML) > 6,0 mm² e/ou diâmetro mínimo da luz (DML) > 2,5 mm] e Grupo II, encaminhados a revascularização (AML < 6,0 mm² e/ou DML < 2,5 mm). Avaliou-se a ocorrência de eventos cardíacos maiores (óbito, infarto agudo do miocárdio e/ou revascularização da lesão alvo) durante a evolução. RESULTADOS: Quarenta e um (62%) pacientes foram alocados no Grupo I e 25 (38%) no Grupo II. A média de seguimento foi de 42,1 meses. A angiografia coronariana não conseguiu diferenciar os dois grupos pela gravidade da lesão (DML 1,98 mm Grupo I versus 1,72 mm Grupo II, p = 0,75) ao contrário do USIC (DML 3,41 mm Grupo I versus 2,01 mm Grupo II, p < 0,001). Não houve óbito ou infarto do miocárdio no Grupo I. A sobrevida livre de eventos cardíacos maiores foi de 95% no grupo I versus 87,5% no Grupo II (p=ns). CONCLUSÃO: A estratégia de decisão de tratamento de pacientes com lesões angiograficamente duvidosas no TCE, guiada pelos achado do USIC, mostrou-se segura e eficaz.

Ultra-sonografia de intervenção; artérias coronárias; revascularização miocárdica


OBJECTIVE: To evaluate the safety and efficacy of surgical treatment approach vs. conservative approach in patients with ambiguous lesions in the left main coronary artery (LMCA), based on intracoronary ultrasound (ICUS) findings. METHODS: Sixty-six consecutive patients with angiographically ambiguous lesions were included and submitted to ICUS assessment. They were divided in two groups, according to the ICUS findings. Group I was maintained under clinical treatment [minimal lumen area (MLA) > 6.0 mm² and/or minimal lumen diameter (MLD) > 2.5 mm] and Group II was submitted to revascularization (MLA < 6.0 mm² and/or MLD < 2.5 mm). The occurrence of major cardiac events (death, acute myocardial infarction and/or revascularization of the target lesion) was assessed during follow-up. RESULTS: Forty-one (62%) patients were allocated in Group I and 25 (38%) in Group II. Mean follow-up was 42.1 months. The coronary angiography did not differentiate the two groups regarding lesion severity (MLD 1.98 mm in Group I vs. 1.72 mm in Group II; p = 0.75) in opposition to ICUS (MLD 3.41 mm in Group I vs. 2.01 mm in Group II; p < 0.001). There was no death or myocardial infarction in Group I. The survival rate free of major cardiac events was 95% in Group I vs. 87.5% in Group II (p=ns). CONCLUSION: Treatment decision-making of patients with ambiguous lesions in the LMCA guided by ICUS findings showed to be safe and effective.

Ultrasonography interventional; coronary vessels; myocardial revascularization


ARTIGO ORIGINAL

Utilidade do ultra-som intracoronariano na decisão do tratamento de pacientes com lesões duvidosas no tronco da coronária esquerda

Vinicius Daher Vaz; Andrea Claudia Leão de Souza Abizaid; Alexandre Antonio Cunha Abizaid; Fausto Feres; Rodolfo Staico; Luiz Alberto Piva Mattos; Ibraim Pinto; Luiz Fernando Leite Tanajura; Amanda G. M. R. Sousa; José Eduardo M. R. Sousa

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Andrea Souza Abizaid Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 04012-909 – São Paulo, SP E-mail: aabizaid@iee.dante.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a segurança e eficácia da estratégia de tratamento cirúrgico ou conservador em pacientes com de lesões duvidosas de tronco da coronária esquerda (TCE), baseada nos achados do ultra-som intracoronariano (USIC).

MÉTODOS: Incluídos 66 pacientes consecutivos com lesões angiograficamente duvidosas no TCE submetidos a avaliação ao USIC. Foram divididos em dois grupos de acordo com os achados do USIC. Grupo I, mantidos em tratamento clínico [área mínima da luz (AML) > 6,0 mm2 e/ou diâmetro mínimo da luz (DML) > 2,5 mm] e Grupo II, encaminhados a revascularização (AML < 6,0 mm2 e/ou DML < 2,5 mm). Avaliou-se a ocorrência de eventos cardíacos maiores (óbito, infarto agudo do miocárdio e/ou revascularização da lesão alvo) durante a evolução.

RESULTADOS: Quarenta e um (62%) pacientes foram alocados no Grupo I e 25 (38%) no Grupo II. A média de seguimento foi de 42,1 meses. A angiografia coronariana não conseguiu diferenciar os dois grupos pela gravidade da lesão (DML 1,98 mm Grupo I versus 1,72 mm Grupo II, p = 0,75) ao contrário do USIC (DML 3,41 mm Grupo I versus 2,01 mm Grupo II, p < 0,001). Não houve óbito ou infarto do miocárdio no Grupo I. A sobrevida livre de eventos cardíacos maiores foi de 95% no grupo I versus 87,5% no Grupo II (p=ns).

CONCLUSÃO: A estratégia de decisão de tratamento de pacientes com lesões angiograficamente duvidosas no TCE, guiada pelos achado do USIC, mostrou-se segura e eficaz.

Palavras-chave: Ultra-sonografia de intervenção, artérias coronárias, revascularização miocárdica

Pacientes com lesão grave no tronco da coronária esquerda (TCE) estão associados a prognóstico reservado a longo prazo1,2. A cirurgia de revascularização coronariana já demonstrou prolongar a sobrevivência de pacientes com lesões significativas no TCE3,4. A condução de pacientes sem lesões significativas no TCE para cirurgia de revascularização coronariana poderia levar, contudo, ao uso inapropriado de enxertos disponíveis, bem como à oclusão prematura dos enxertos ou das próprias artérias nativas. A angiografia é considerada o método padrão de referência e o mais utilizado para o diagnóstico invasivo da doença coronariana. Entretanto, pode apresentar limitações em algumas situações, como na verificação do grau de severidade das lesões no TCE. Ademais, estudos com necropsia e ultra-som intracoronariano (USIC) têm demonstrado várias situações em que o TCE apresentava lesões significativas e, freqüentemente, nesses, a angiografia não acusava lesões expressivas5,6.

O USIC é um método invasivo que permite identificar as reais dimensões do vaso, os componentes da placa aterosclerótica e mensurar com precisão a luz arterial, sendo este um método mais sensível do que a angiografia para avaliar aterosclerose em fase inicial7,8. Vários estudos já demonstraram a utilidade do USIC na identificação de lesões em tronco da coronária esquerda9-11.

O objetivo deste estudo é avaliar a segurança e eficácia da estratégia de tratamento cirúrgico ou conservador em pacientes portadores de lesões duvidosas de TCE, baseada nos achados do USIC.

Métodos

Pacientes - De dezembro de 1999 a junho de 2004 foram incluídos 66 pacientes consecutivos que apresentavam lesões angiograficamente duvidosas no TCE (lesões moderadas, exclusivamente aorto-ostiais, tronco curto, entre outras) e que foram encaminhados para avaliação ao USIC no serviço de cardiologia invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cargiologia. Para avaliar o grau de severidade das lesões foram utilizadas as seguintes variáveis ultra-sonográficas: área mínima da luz (AML) e diâmetro mínimo da luz (DML). Os pacientes com AML > 6,0 mm2 e/ou DML > 2,5 mm, não preencheram critérios ultra-sonográficos de lesões graves, foram mantidos em tratamento clínico e alocados no Grupo 1. Pacientes com AML < 6,0 mm2 e/ou DML < 2,5 mm foram definidos como portadores de lesões graves e encaminhados para cirurgia de revascularização coronariana (Grupo 2).

As informações a respeito da evolução de todos os pacientes foram obtidas por meio de prontuário hospitalar e completadas por contato telefônico. Dois pacientes, dos quais não obtivemos os dados da evolução clínica, foram excluídos do estudo. Os eventos cardíacos maiores, objetivo primário do estudo, incluíam óbito cardíaco (definido como óbito de origem cardíaca ou quando uma causa específica não pudesse ser determinada), infarto do miocárdio (consenso da European Society of Cardiology/American College of Cargiology)12 e revascularização do vaso alvo (definido como intervenção cirúrgica ou percutânea relacionada ao tronco da coronária esquerda).

Procedimento - Todos os exames ultra-sonográficos foram realizados pelo mesmo aparelho (ClearView - Boston Scientific). Após a administração de 0,2 mg de nitroglicerina intracoronariana e 100/kg de heparina endovenosa, o transdutor do USIC era avançado sobre o guia intracoronariano, até aproximadamente 10 mm distal ao TCE e, em seguida, o transdutor era recuado da parte distal da artéria até a aorta, utilizando um equipamento de tração automática à velocidade constante de 0,5 mm/s, para aquisição da seqüência de imagens.

Angiografia coronariana quantitativa - Foi utilizado o programa MEDIS versão 5.1 (medical imaging system, QCA-CMS) para a angiografia quantitativa das lesões no TCE. Por meio de detecção automática de bordos e calibração pelo cateter coronário foram analisadas as seguintes variáveis: diâmetro mínimo da luz (DML), diâmetro de estenose (DE%), diâmetro de referência (DR) e extensão do TCE. O DML foi mensurado durante a diástole, no local de maior severidade da luz. Os diâmetros de referências foram mensurados nos locais considerados angiograficamente normais, nos 5 mm proximais e distais à lesão, quando possível. Utilizou-se somente a referência distal quando a lesão fosse aorto-ostial. Discriminamos o sítio da lesão quanto à localização, isto é, ostial, terço médio ou distal. A angiografia também foi utilizada para avaliar o número de vasos, além do TCE, com lesões maiores do que 50%.

Ultra-som intracoronariano - O dados do USIC foram avaliados por meio do programa TapeMeasure (Indec System, Mountainview, Califórnia) para análise das imagens ultra-sonográficas gravadas previamente em fitas de VHS. Foram mensuradas no sítio da lesão e nas referências, a AML, a área da membrana elástica externa, correspondente à área do vaso (AV), a área de placa (AP), DML e a extensão do TCE.

Foram calculadas ainda: porcentagem de placa ou carga de placa (PB) = AP / AV; e a área de estenose (AS) = [ (ALM referência – ALM lesão) x 100 ] / ALM referência

Análise estatística - A análise estatística foi realizada por meio do programa StatsDirect versão 1.617 e os dados foram analisados na "intenção de tratamento". As diferenças entre as variáveis categóricas foram comparadas entre os dois grupos utilizando o teste do qui-quadrado, ou teste exato de Fisher quando apropriado. As comparações entre as variáveis contínuas foram feitas utilizando o teste t de Student. As correlações entre as variáveis do USIC e as da ACQ foram realizadas por meio do método de correlação de Pearson. As curvas de probabilidade de eventos cardíacos maiores foram feitas de acordo com o método de Kaplan-Meier.

Resultados

De acordo com os critérios ultra-sonográficos utilizados, 41 (62%) pacientes foram mantidos em acompanhamento clínico (Grupo 1) e 25 (38%) pacientes encaminhados à cirurgia de revascularização coronariana (Grupo 2). Não houve diferença estatisticamente significante em relação às características clínicas e angiográficas basais, entre os dois grupos (tab. 1). Apenas um paciente do Grupo 2 não foi submetido à cirurgia na época da avaliação ultra-sonográfica, por decisão do paciente. Não ocorreram complicações durante o procedimento ultra-sonográfico. Um exemplo da avaliação ao USIC pode ser observado na figura 1.


Na angiografia coronariana, a maioria das lesões eram aorto-ostiais (44%), seguidas de distais (34%) e em terço médio (22%), não havendo diferença significante entre os dois grupos. Quando a lesão à angiografia era aorto-ostial ou distal, apenas 31% e 30% dos pacientes, respectivamente, preencheram os critérios ultra-sonográficos de lesão grave; quando as lesões localizavam-se no terço médio do TCE à angiografia, 66% foram consideradas graves ao USIC. A angiografia coronariana quantitativa não conseguiu discriminar os dois grupos de acordo com a gravidade das lesões. As médias do DML (1,77 ± 1,12 mm grupo 1 versus 1,68 ± 1,06 mm grupo 2, p = 0,75) e do DE (36,42 ± 15,1% grupo 1 versus 35,22 ± 14,6% grupo 2, p = ns) foram semelhantes em ambos os grupos. No entanto, ao USIC, observamos menores valores de DML e ALM, bem como maior AP e AS, no Grupo 1, em comparação ao Grupo 2. As principais variáveis ultra-sonográficas e angiográficas estão descritas na tabela 2. Não houve uma boa correlação entre as variáveis da angiografia quantitativa com as do ultra-som intracoronariano (DLM r = 0,152, p = 0,32 e DR r = 0,174, p = 0,26), mesmo comparando os dois grupos separadamente.

Sessenta e quatro (96,9%) pacientes tiveram o seguimento clínico completo. A média de seguimento foi de 42,1 ± 15,6 meses (de seis a setenta meses). Cinco (7,8%) pacientes apresentaram eventos cardíacos maiores durante a evolução. No Grupo 1, dois (5%) pacientes apresentaram eventos cardíacos. Um paciente foi encaminhado à cirurgia em outro serviço, para correção de comunicação interatrial e cirurgia de revascularização coronariana cinco meses após a nossa avaliação. Provavelmente essa paciente possuía compressão extrínseca do TCE pela artéria pulmonar, como já descrito na literatura13. O segundo paciente também foi submetido a cirurgia, por progressão da lesão no TCE, 34 meses após a avaliação inicial. No Grupo 2, três (12,5%) pacientes apresentaram eventos durante a evolução. Dois pacientes evoluíram a óbito, um na recuperação pós-cirúrgica e o outro sete meses após a cirurgia, por edema agudo de pulmão. Um terceiro paciente diabético, do Grupo 2, apresentou infarto do miocárdio 23 meses após a cirurgia. As descrições sumárias dos eventos estão resumidas na tabela 3. Na análise univariada nenhuma variável clínica, angiográfica ou ultra-sonográfica foi preditora de eventos cardíacos maiores.

A curva de Kaplan-Meier demonstrou que ao final de setenta meses de evolução, 95% dos pacientes mantidos em tratamento clínico estavam livres de eventos cardíacos maiores e 87,5% no grupo cirúrgico (fig. 2A). Quando se incluiu a revascularização de qualquer lesão coronariana nos eventos cardíacos maiores, a sobrevida livre de eventos foi de 87,5% no Grupo 1 e 75,0% no Grupo 2 (fig. 2B).


Discussão

O presente estudo demonstra a utilidade e segurança do USIC na tomada de decisão em pacientes com lesões angiograficamente duvidosas no TCE.

O TCE constitui o segmento de maior relevância na árvore coronariana, pela sua implicação prognóstica e terapêutica. Pacientes com lesões coronarianas graves no TCE tem sua sobrevida prolongada pela cirurgia de revascularização miocárdica. No entanto, pacientes com lesões duvidosas no TCE podem ter dois destinos: revascularização coronariana (cirurgia ou intervenção percutânea) ou tratamento clínico. Caso não haja uma definição do grau de severidade da lesão em questão, podem-se cometer dois equívocos importantes. O primeiro seria encaminhar pacientes sem lesões significativas para cirurgia, o que poderia ocasionar (1) a oclusão precoce dos enxertos ou das artérias coronárias nativas; (2) a utilização prematura de um enxerto; e (3) submeter o paciente à cirurgia com os riscos inerentes a ela. O segundo seria manter em tratamento clínico paciente com lesões graves no TCE, sabidamente com prognóstico tardio reservado.

Nas últimas décadas, vários estudos com necropsia e USIC vêm comprovando que a angiografia pode tanto subestimar como superestimar lesões no TCE. Hermillere cols.14, avaliando 27 TCE normais à angiografia, observou em 89% desses algum grau de placa aterosclerótica ao USIC, sendo 27% delas consideradas graves. Isner e cols.15, utilizando a necropsia, observaram que a análise de lesões no TCE através da angiografia subestimou (39%) ou superestimou (25%) as lesões em 64% das vezes. Em nosso estudo, a angiografia coronariana também não conseguiu discriminar os dois grupos pela gravidade da lesão no TCE, como observado pelos resultados similares dos DLM e DE dos dois grupos. Por isso, nos últimos anos, outros métodos invasivos, como o USIC e a reserva de fluxo coronariano, vêm sendo considerados para avaliação de lesões duvidosas à angiografia16-18.

O USIC é uma técnica tomográfica com visualização direta do interior do vaso, que permite uma visualização única in vivo das camadas arteriais. Recentemente, demonstrou ser útil também na estratificação de lesões coronarianas, inclusive nas localizadas no TCE19,20. Corroborando com os achados dos estudos prévios, em nosso estudo, ao contrário da angiografia, o USIC permitiu diferenciar as lesões no TCE em graves ou não. Um achado importante do estudo foi a constatação de que mais da metade das lesões não foi considerada grave ao USIC, resultado concordante com o da literatura20. É interessante salientar que em lesões localizadas em outros segmentos que não o TCE observa-se o inverso, ou seja, por volta de 60% das lesões são consideradas graves ao USIC17. Outro dado importante se insere no fato de que houve uma pior concordância entre o USIC e a angiografia quando as lesões foram ostiais e distais, em contra-oposição às lesões localizadas no terço médio do TCE.

Assim como a gravidade das lesões na angiografia coronariana correlaciona-se com a ocorrência de eventos cardíacos, alguns estudos longitudinais também demonstraram o mesmo com o USIC, pois nesses estudos suas variáveis (AML e DML) foram preditoras independentes de eventos cardiovasculares21,22. No entanto, ao contrário dos outros segmentos das artérias coronárias, onde existe um valor de corte de gravidade da lesão mais definido (AML < 4,0 mm2), no TCE esse valor é menos consensual. Recentemente, a utilização da reserva de fluxo fracionada e do Doppler intracoronariano em lesões no TCE conseguiu definir valores de corte para AML que fossem determinantes de algum grau de isquemia miocárdica23. No entanto, o ponto de corte apropriado da AML ainda não está definido, pois dependendo do estudo em questão, a AML variou de 5,0 até 8,0 mm2 20,23.Outros estudos que utilizaram os métodos invasivos de fluxo coronariano no TCE, também observaram que o DML ao USIC se correlacionava com isquemia miocárdica, principalmente quando esse fosse menor do que 2,5 mm21. Embora não houvesse um valor de corte consensual das variáveis ultra-sonográficas na época em que nosso estudo foi desenhado, a maioria dos pacientes do Grupo 2 teve valores da AML e DML menores do que o estabelecido (fig. 3A e 3B).


Apesar da constatação de uma correlação positiva entre a isquemia miocárdica, detectada por métodos invasivos ou não, e a AML e DML ao USIC, poucos estudos prospectivos clínicos avaliaram lesões no TCE. Abizaid e cols.21, em uma análise retrospectiva de lesões duvidosas no TCE avaliadas pelo USIC, observaram uma sobrevida livre de eventos nos pacientes mantidos clinicamente de 86% ao longo de um ano. Além do mais, observaram que o DML ao USIC foi preditor independente de eventos cardíacos, principalmente quando fosse menor do que 2,5 mm. Recentemente, Fassa e cols.20, avaliando prospectivamente 214 pacientes com lesões duvidosas no TCE, utilizando uma estratégia também guiada pelo USIC, encontraram uma sobrevida livre de eventos de 88,4% nos pacientes mantidos em tratamento clínico, no seguimento médio de 3,5 ± 2,1 anos20. No presente estudo, a decisão de encaminhar à cirurgia de revascularização coronariana, ou não, pacientes com lesões no TCE angiograficamente duvidosas baseou-se exclusivamente nos resultados do USIC. Essa estratégia guiada pelo USIC conferiu aos pacientes uma excelente sobrevida livre de eventos cardíacos maiores, ao longo de 42 meses de seguimento. Ademais, o grupo de pacientes mantidos em tratamento clínico obteve uma sobrevida livre de eventos semelhante a dos pacientes encaminhados à cirurgia, sem que houvesse óbito ou infarto nos pacientes mantidos clinicamente. Vale ressaltar, que no pioneiro estudo prospectivo de Fassa e cols.20 considerou-se grave a lesão no TCE que tivesse AML < 7,5 mm2. Por sua vez, dez (15,5%) pacientes de nosso estudo possuíam AML entre 6,0 e 7,5 mm2 e dois foram mantidos em tratamento clínico, sem que se observasse a ocorrência de eventos cardíacos durante a evolução.

Limitações - O presente estudo foi desenhado de forma não-randomizada e, portanto, sofreu das limitações inerentes a esse método. Desse modo, não podemos afirmar que pacientes com ALM < 6 mm2 ou DLM < 2,5 mm (lesões consideradas graves ao USIC) se beneficiariam do tratamento exclusivamente clínico em contra-oposição à cirurgia de revascularização. No entanto, como é consensual que o tamanho da área de isquemia miocárdica seja um preditor importante de eventos cardíacos, e tendo em vista os inúmeros estudos que demonstraram algum grau de isquemia em lesões no TCE com ALM < 8,0 mm2, provavelmente, seria antiético manter esses pacientes apenas em tratamento clínico. Os pacientes do grupo cirúrgico foram tratados exclusivamente por cirurgia de revascularização, não incorporando, portanto, as intervenções percutâneas com stents farmacológicos.

Conclusão

O presente estudo demonstrou a eficácia e segurança de uma estratégia de tratamento guiada exclusivamente pelos achados do USIC, em pacientes com lesões angiograficamente duvidosas no TCE. Sugerindo que pacientes com lesão no TCE e AML > 6,0 mm2 e o DML > 2,5 mm ao USIC possam ser mantidos em acompanhamento exclusivamente clínico, com uma ótima sobrevida livre de eventos cardíacos maiores.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 28/09/05; Revisado recebido em 17/10/05; Aceito em 17/10/05.

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  • Correspondência:

    Andrea Souza Abizaid
    Av. Dr. Dante Pazzanese, 500
    04012-909 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jan 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      17 Out 2005
    • Revisado
      17 Out 2005
    • Recebido
      28 Set 2005
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