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Caso 2: morte súbita após cirurgia de revascularização miocárdica em paciente de 49 anos, feminina, diabética, dislipidêmica, hipertensa, obesa

CORRELAÇÃO ANATOMOCLÍNICA

Caso 2 - morte súbita após cirurgia de revascularização miocárdica em paciente de 49 anos, feminina, diabética, dislipidêmica, hipertensa, obesa

George Barreto Miranda; Vera Demarchi Aiello

Instituto do Coração (InCor) HC-FMUSP, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Vera Demarchi Aiello Laboratório de Anatomia Patológica do Instituto do Coração HCFMUSP Av. Dr Enéas C. Aguiar, 44 São Paulo - SP. CEP: 05403-000 E-mail: vera.aiello@incor.usp.br

Palavras-chave: Morte Súbita Cardíaca, Revascularização Miocárdica, Hipertensão, Obesidade, Diabetes Mellitus

Mulher de 49 anos, natural de São João da Boa Vista (SP) e procedente de Guarulhos (SP) apresentou morte súbita em reinternação para tratamento de infecção de ferida operatória de cirurgia de revascularização miocárdica.

A paciente era assintomática até o dia 22 maio de 2009, quando apresentou dor precordial intensa, com irradiação para membro superior esquerdo e foi internada com o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio.

Era portadora de diabetes mellitus, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia e hipertensão arterial. O pai faleceu aos 55 anos devido a acidente vascular encefálico e a mãe estava viva com 71 anos e sem doença cardiovascular.

A avaliação da função ventricular e da anatomia coronária foi realizada na internação do infarto, a qual ocorreu em outro hospital.

O ecocardiograma (25 maio de 2009) revelou diâmetros de aorta de 32 mm, átrio esquerdo 43 mm, ventrículo esquerdo em diástole 57 mm; fração de ejeção de ventrículo esquerdo 47%; espessura de septo interventricular 11 mm e de parede posterior 10 mm. Havia hipocinesia inferolaterodorsal.

A cinecoronariografia (28 maio de 2009) revelou lesão de 70% em ramo descendente anterior no seu terço médio e oclusão do ramo circunflexo antes de ramo ventricular posterior. Não foram observadas lesões obstrutivas em coronária direita e havia circulação colateral da coronária direita para o ramo circunflexo; a ventriculografia revelou acinesia lateral.

Após a internação, evoluiu com crises de dispneia e "chiado no peito", além de angina aos esforços moderados.

O exame físico na sua primeira consulta no InCor (1 julho de 2009) revelou peso 113 kg, altura 166 cm, índice de massa corpórea 41 kg/m2, frequência cardíaca 80 bpm, pressão arterial 140 x 90 mm Hg. O exame dos pulmões foi normal, e a ausculta cardíaca revelou sopro sistólico +/4+ em foco mitral. Não havia anormalidades no exame do abdômen, das extremidades e do pescoço.

Os exames laboratoriais (29 julho de 2009) revelaram: 12,7 g / dL de hemoglobina, 26,9% de hematócrito, 7150 leucócitos /mm3 e 348000 plaquetas/mm3; glicemia 186 mg/dL, hemoglobina glicada 8,8%; ureia 35 mg/dL, creatinina 0,7 mg/dL, colesterol total 109 mg / dL, HDL-C 43 mg/dL, LDL-C 38 mg/dL, triglicérides 141 mg / dL, TSH 4,74 µU/L e T4 livre 0,86 ng/dL.

O ECG (13 outubro de 2010) revelou ritmo sinusal, frequência 57 bpm, PR de 139 MS, DQRS 79 MS, QT 392 MS; SÂQRS +10º e não havia ondas Q patológicas ou alterações da regularização ventricular (Figura 1).


Foram prescritos na primeira consulta: 10 mg de sinvastatina, 100 mg de metoprolol, 100 mg de ácido acetilsalicílico, 50 mg de losartana, 20 mg de propatilnitrato, 50 mg de losartana, 12,5 mg de hidroclorotiazida, 250 mg de clorpropamida diários.

O cardiologista intervencionista não considerou como caso ideal para angioplastia e foi indicada cirurgia de revascularização miocárdica.

A cirurgia de revascularização (14 outubro de 2009) consistiu da realização de enxerto de mamária esquerda terminolateral em desdendente anterior e ponte veia safena para ventricular posterior esquerda. A internação transcorreu sem complicações, e a paciente recebeu alta hospitalar no 7º dia de pós-operatório (21 outubro de 2009) com a prescrição de medicações semelhantes a aquelas que faziam uso, exceto pela troca de sinvastatina por 10 mg de rosuvastatina e acréscimo de metformina 500 mg diários.

Cerca de duas semanas após a intervenção, queixou-se de dor em região esternal e apresentou saída de secreção purulenta em terço inferior do esterno. Não havia febre. Foram colhidas culturas desse material, e prescritos 1g de ciprofloxacino diários (27 outubro de 2009). As culturas revelaram-se positivas para Pseudomonas aeruginosa sensível ao ciprofloxacino, e staphylococcuscoagulase negativo resistente à oxacilina.

Os exames laboratoriais (28 outubro de 2010) revelaram: hemoglobina 9,8 g/dL, hematócrito 28,4 g/dL, 9.640 leucócitos/mm3 (1% bastões, 76% segmentados, 11% linfócitos e 11% monócitos), 394.000 plaquetas/mm3, sódio 139 mEq/L, potássio 4,4 mEq/L, ureia 42 mg/dL, creatinina 1,1 mg/dL, glicemia 155 mg/dl, hemoglobina glicada 8,5% e ácido úrico 3,8 mg/dL.

Foi prescrito ciprofloxacino, contudo sem melhora da secreção, e a paciente foi internada para controle da infecção (4 de novembro de 2009), quando foi acrescentada teicoplanina 800 mg diários.

O exame físico (4 de novembro de 2009) revelou frequência cardíaca 68 bp, pressão arterial 130x90 mm Hg, presença de secreção purulenta em região esternal baixa e leve hiperemia de região de safenedtomia.

Exames laboratoriais (4 de novembro de 2009) revelaram hemoglobina 10,2 g/dL, hematócrito 32%, leucócitos 9.800/mm3 (neutrófilos 72%, eosinófilos 1%., linfócitos 16% e monócitos 11%), plaquetas 447.000/mm3, velocidade de hemossedimentação 60 mm, PCR 20,1 mg/L, glicose 156 mg/dL, uréia 33 mg / dL, creatinina 1,37 mg/dL (FG = 43 ml/1,73 m2/min), sódio 137 mg / dL, potássio 4,1 mEq/L.

A tomografia de tórax (4 de novembro de 2009) revelou esternorrafia com bom alinhamento dos fragmentos ósseos e discreto borramento da gordura pré-esternal. As estruturas vasculares mediastinais eram de calibre normal e contornos regulares. A traqueia e os brônquios principais eram permeáveis e de calibre normal. Não havia adenomegalias. Havia cardiomegalia com pequeno derrame pericárdico. Presença de discreto enfisema centrolobular bilateral e opacidade irregular no segmento superior do lobo inferior esquerdo, inespecífica, com espessamento pleural associado adjacente. Foram, ainda, observados: litíase vesicular e borramento da gordura pararrenal à direita. O rim direito era de dimensões reduzidas.

Na manhã do dia seguinte à internação, foi encontrada caída no chão do banheiro, consciente, sem déficit motor, desorientação e, segundo a paciente, sem cefaleia. Não se recordava de como caíra. A pressão arterial foi 98 x 68 mm Hg, foi conduzida ao leito e foram administradas solução salina 0,9% e dopamina; 40 min após, apresentou episódio de pré-síncope com frequência cardíaca de 139 bpm e pressão arterial de 107x 71 mm Hg e a saturação de O2 era 94%, em uso de máscara de oxigênio e alguns minutos depois apresentou parada cardiorrespiratória não responsiva às manobras de ressuscitação e faleceu (6h45 de 5 de novembro 2009).

Aspectos clínicos

Trata-se de uma mulher de 49 anos, com infarto do miocárdio e disfunção ventricular esquerda, submetida a revascularização miocárdica e com alta hospitalar no sétimo dia operatório. Uma semana depois apresentou infecção de ferida operatória, tratada com antibióticos. Na evolução, foi internada com diagnóstico de mediastinite.

Na manhã do dia seguinte, sofreu síncope no banheiro; estava consciente, sem déficit motor, desorientada e sem cefaleia. Não recordava como caíra. Estava hipotensa e taquicárdica. Em seguida, sofreu parada cardiorrespiratória e faleceu.

Trata-se de síncope por baixo débito cardíaco em uma mulher com pelo menos cinco fatores de risco para tromboembolismo pulmonar: acima de 40 anos, pós-operatório de cirurgia de grande porte, diabetes, obesidade e infecção1,2. A suspeita clínica de tromboembolismo pulmonar (TEP) aguda baseia-se na identificação de um ou mais fatores de risco e um quadro clínico compatível. Não há um quadro clinico específico ou patognomônico de tromboembolismo pulmonar agudo. Na maioria de pacientes com suspeita clínica de tromboembolismo pulmonar, esta não será confirmada, e o diagnóstico final poderá apontar para uma condição alternativa.

Deve-se sempre considerar o diagnóstico de TEP agudo frente a um dos seguintes cenários clínicos: síncope em pós-operatório na presença de fatores de risco, sintomas torácicos agudos na presença de TVP aguda, pacientes criticamente enfermos ou com trauma; pacientes com taquiarritmias súbitas e inexplicáveis, na presença de fatores de risco; arritmia crônica e que se apresentam com dor pleurítica e hemoptise súbitas; descompensação inexplicável de insuficiência cardíaca ou de pneumopatia crônica; e parada cardiorrespiratória2-6.

Em 2007, foi publicado um estudo realizado no InCor-USP, onde foram efetuadas 406 autópsias, das quais 34,1% tiveram diagnóstico de tromboembolismo pulmonar como causa morte. Os dados também mostraram uma divergência no diagnóstico para TEP de aproximadamente 63% entre o diagnóstico clínico e a autópsia. Existem várias hipóteses que justificam essa discrepância, uma vez que o TEP pode se manifestar com um quadro clínico oligossintomático e não ser reconhecido, ou ser tão catastrófico ao ponto de ser confundido com uma patologia cardíaca primaria7.

Outro possível diagnóstico é da síndrome pós-pericardiotomia. A paciente em questão estava com duas semanas da cirurgia, referindo dor torácica em região esternal com saída de secreção purulenta, velocidade de hemosedimentação aumentada e um pequeno derrame pericárdico evidenciado pela tomografia de tórax.

A síndrome pós-pericardiotomia é uma complicação pós-operatória comum após cirurgia cardíaca. A etiologia aponta para um componente autoimune, relacionado aos anticorpos anticoração. A incidência de síndrome varia de 10 a 30%, sendo observada uma redução da incidência com o aumento da idade8. Manifesta-se entre a primeira e terceira semana pós-cirurgia. Os pacientes podem se apresentar com febre, dor pleurítica na região anterior do tórax, derrame pleural ou pericárdico, atrito pericárdico, aumento da dor na ferida cirúrgica, leucocitose e VHS acima de 40, exatamente como no caso estudo.

As consequências mais graves dessa síndrome englobam: tamponamento cardíaco, constricção pericárdica, obstrução dos enxertos, podendo - uma dessas complicações ter sido a causa morte da paciente.

Morte súbita cardíaca (MSC) também se mostra um diagnóstico para esse caso. A presença de disfunção ventricular em paciente com miocardiopatia isquêmica é um potente preditor de MSC. Um desequilíbrio transitório entre o suprimento e a demanda, seja por oclusão ou espasmo do enxerto no pós-operatório, pode ter gerado um sistema de reentrada levando uma arritmia ventricular letal.

A síndrome de QT longo é opção entre os diagnósticos para a paciente. Quando analisamos o eletrocardiograma, calculamos um QT corrigido de 550 ms pela fórmula de bazett. A ciprofloxacina, antibiótico usado pela paciente para tratamento da mediastinite, pode ter contribuído para o QT longo e induzido uma arritmia maligna, culminando na síncope e parada cardiorrespiratória (Dr. George Barreto Miranda).

Hipótese diagnóstica: tromboembolismo pulmonar agudo. (Dr. George Barreto Miranda)

Necrópsia

O coração pesou 540 g e apresentava hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo e infarto cicatrizado na parede diafragmática (Figura 2). Havia aterosclerose coronariana com lesões obstrutivas críticas (>70%) em terço inicial do ramo interventricular anterior e terço distal do ramo circunflexo da coronária esquerda. Havia ainda trombose antiga recanalizada também no terço distal do ramo circunflexo. A ponte de safena para ramo interventricular posterior mostrava trombose recente completamente oclusiva (Figura 3). O enxerto de artéria torácica interna esquerda (mamária) para ramo interventricular anterior estava pérvio em toda a sua extensão. Não encontramos sinais histológicos de isquemia miocárdica recente.



A causa terminal do óbito foi tromboembolismo pulmonar maciço bilateral, com trombos recentes ocluindo completamente as artérias pulmonares direita e esquerda ao nível dos hilos (Figura 4). Histologicamente não havia sinais de organização desses tromboêmbolos.


Outros achados de necrópsia dignos de nota foram a presença de pequena quantidade de secreção esverdeada nas bordas da ferida operatória e de moderada quantidade de secreção francamente purulenta nos seios da face, caracterizando uma sinusite frontal. O estudo histológico das bordas da ferida cirúrgica incluindo o osso esterno revelou exsudato fibrino-leucocitário e restos celulares necróticos e ausência de bactérias ou fungos (Figura 5). O estudo do baço mostrou esplenite aguda reacional. O local de origem dos tromboêmbolos não foi determinado (Dra. Vera Demarchi Aiello).


Diagnósticos anatomopatológicos: doença isquêmica do coração com infarto cicatrizado em parede diafragmática; aterosclerose coronariana operada com trombose da ponte de safena para ramo interventricular posterior; sinusite purulenta frontal; esplenite aguda reacional (Dra. Vera Demarchi Aiello).

Causa de óbito: tromboembolismo pulmonar maciço bilateral, recente (Dra. Vera Demarchi Aiello).

Comentários

A paciente em questão havia sido tratada com revascularização miocárdica por aterosclerose coronariana de grau acentuado, porém apresentou morte súbita no pós-operatório tardio em decorrência de tromboembolismo pulmonar maciço. Vários fatores podem ser considerados predisponentes à trombose venosa e tromboembolismo no pós-operatório. Dentre eles, a imobilidade no leito, condições sistêmicas como inflamação doenças neoplásicas etc. Em um estudo americano que inclui quase 200.0009 hospitalizações para cirurgia ou procedimento invasivo cardiovascular verificou-se que a incidência de tromboembolismo venoso variou conforme o procedimento realizado, sendo de 1,2% nos operados de aneurisma de aorta abdominal, 1,1% nos pacientes submetidos à amputação de membros e 0,54% naqueles submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica. A razão de chance de ocorrência de tromboembolismo venoso foi de 3,9 nas correções de aneurisma de aorta abdominal e de 1,9 na revascularização miocárdica, quando comparados ao procedimento de endarterectomia de carótida e de 1,14 para o gênero feminino10.

A paciente que aqui discutimos era diabética, apresentava sinusite purulenta e suspeita de infecção da ferida operatória, e, além disso, apresentava sobrepeso. Essas condições sem dúvida favoreceram o desenvolvimento do tromboembolismo. Havia um estado pró-trombótico sistêmico, a julgar também pela presença de trombose da ponte de safena (Dra. Vera Demarchi Aiello).

Editor da seção:ajmansur@incor.usp.br)

Editores associados: Desidério Favarato (dclfavarato@incor.usp.br). Vera Demarchi Aiello (anpvera@incor.usp.br)

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  • Correspondência:

    Vera Demarchi Aiello
    Laboratório de Anatomia Patológica do Instituto do Coração HCFMUSP
    Av. Dr Enéas C. Aguiar, 44
    São Paulo - SP. CEP: 05403-000
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Maio 2013
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