Acessibilidade / Reportar erro

Remodelação Cardíaca: Conceitos, Impacto Clínico, Mecanismos Fisiopatológicos e Tratamento Farmacológico

Resumo

A remodelação cardíaca é definida como um conjunto de mudanças moleculares, celulares e intersticiais cardíacas, que se manifestam clinicamente por alterações no tamanho, massa, geometria e função do coração, em resposta à determinada agressão. Esse processo resulta em mal prognóstico, pois está associado com a progressão da disfunção ventricular e arritmias malignas. Nessa revisão, são discutidos os conceitos e as implicações clínicas da remodelação, além do papel fisiopatológico de diferentes fatores, incluindo morte celular, metabolismo energético, estresse oxidativo, inflamação, colágeno, proteínas contráteis, transporte de cálcio, geometria e ativação neurohormonal. Finalmente, o artigo apresenta o tratamento farmacológico, que pode ser dividido em três estágios: estratégias consolidadas, promissoras e potenciais.

Palavras-Chave:
Remodelação Ventricular; Insuficiência Cardíaca; Conduta do Tratamento Medicamentoso; Disfunção Ventricular / fisiopatologia

Abstract

Cardiac remodeling is defined as a group of molecular, cellular and interstitial changes that manifest clinically as changes in size, mass, geometry and function of the heart after injury. The process results in poor prognosis because of its association with ventricular dysfunction and malignant arrhythmias. Here, we discuss the concepts and clinical implications of cardiac remodeling, and the pathophysiological role of different factors, including cell death, energy metabolism, oxidative stress, inflammation, collagen, contractile proteins, calcium transport, geometry and neurohormonal activation. Finally, the article describes the pharmacological treatment of cardiac remodeling, which can be divided into three different stages of strategies: consolidated, promising and potential strategies.

Keywords
Ventricular Remodeling; Heart Failure; Medication Therapy Management; Ventricular Dysfunction / physiopathology

Introdução

O termo remodelação ou remodelamento foi utilizado, pela primeira vez, em 1982, por Hockman e Buckey, no modelo de infarto do miocárdio (IM). O termo visava caracterizar a substituição do tecido necrótico infartado por tecido cicatricial, de reparação.11 Hockman JS, Bulkley BH. Expansion of acute myocardial infarction: an experimental study. Circulation. 1982;65(7):1446-50. Em 1985, Janice Pfeffer foi a primeira pesquisadora a utilizar o termo remodelação no contexto atual, para caracterizar o aumento progressivo da cavidade ventricular esquerda, que ocorria no modelo de infarto experimental, em ratos.22 Pfeffer JM, Pfeffer MA, Braunwald E. Influence of chronic captopril therapy on the infarcted left ventricle of the rat. Circ Res. 1985;57(1):84-95. Nos anos seguintes, a palavra foi utilizada, esporadicamente, em artigos sobre alterações morfológicas após o infarto agudo do miocárdio. Em 1990, Pfeffer e Braunwald publicaram revisão sobre a remodelação após o infarto do miocárdio, e a expressão foi cunhada para caracterizar alterações morfológicas após o infarto, particularmente o aumento da cavidade do ventrículo esquerdo (VE).33 Pfeffer MA, Braunwald E. Ventricular remodeling after myocardial infarction: experimental observations and clinical implications. Circulation. 1990;81(4):1161-72. Esse artigo popularizou o termo, mas, nos anos seguintes, o termo remodelação foi aplicado em diferentes situações clínicas, abrangendo diversas alterações fisiopatológicas. Assim, em 2000, foi publicado um consenso sobre remodelação, resultado de um fórum internacional. Nessa diretriz, remodelação cardíaca foi definida como o conjunto de variações moleculares, celulares e intersticiais cardíacas, que vão se manifestar clinicamente por alterações no tamanho, massa, geometria e função do coração, em resposta a determinada agressão.44 Cohn JN, Ferrari R, Sharpe N. Cardiac remodeling-concepts and clinical implications: a consensus paper from an international forum on cardiac remodeling. Behalf of an International Forum on Cardiac Remodeling. J Am Coll Cardiol. 2000;35(3):569-82. Importante ressaltar que, apesar de o fórum reconhecer a existência de dois tipos de remodelação, uma fisiológica ou adaptativa e a remodelação patológica, o foco do artigo foi a remodelação patológica. Do mesmo modo, o foco dessa revisão será a remodelação cardíaca deletéria.

Caracterização Clínica

O diagnóstico clínico da remodelação baseia-se na detecção de mudanças na morfologia – alterações no diâmetro da cavidade, massa (hipertrofia e atrofia), geometria (espessura da parede e na forma do coração), áreas com cicatriz (caracteristicamente após o infarto), fibrose e infiltrado inflamatório (como nas miocardites).44 Cohn JN, Ferrari R, Sharpe N. Cardiac remodeling-concepts and clinical implications: a consensus paper from an international forum on cardiac remodeling. Behalf of an International Forum on Cardiac Remodeling. J Am Coll Cardiol. 2000;35(3):569-82. Os métodos mais utilizados para detectar essas mudanças são o ecocardiograma, a ventriculografia e, recentemente, a ressonância nuclear magnética.55 Anand IS, Florea VG, Solomon SD, Konstam MA, Udelson JE. Noninvasive assessment of left ventricular remodeling: concepts, techniques and implications for clinical trials. J Card Fail 2002;8(6 Suppl):S452-64. Um exemplo da detecção clínica do processo de remodelação é o que ocorre nas fases aguda e crônica após o IM. Na fase aguda, podemos observar dilatação do segmento infartado, secundário ao processo de expansão. Na fase crônica, pode ocorrer processo de hipertrofia excêntrica da região não infartada secundário a diferentes estímulos (Figura 1). Portanto, apesar de complexo, a remodelação após o infarto caracteriza-se, clinicamente, pelo aumento da cavidade ventricular.44 Cohn JN, Ferrari R, Sharpe N. Cardiac remodeling-concepts and clinical implications: a consensus paper from an international forum on cardiac remodeling. Behalf of an International Forum on Cardiac Remodeling. J Am Coll Cardiol. 2000;35(3):569-82.,55 Anand IS, Florea VG, Solomon SD, Konstam MA, Udelson JE. Noninvasive assessment of left ventricular remodeling: concepts, techniques and implications for clinical trials. J Card Fail 2002;8(6 Suppl):S452-64.

Figura 1
Remodelação do ventrículo esquerdo na fase crônica do infarto agudo do miocárdio (IAM).

Outra forma de diagnóstico, mas ainda não utilizada na prática clínica de forma rotineira, consiste na detecção de marcadores celulares. Esse fenômeno baseia-se no fato de que o processo de remodelação envolve a reexpressão de genes do período fetal. Assim, diversos marcadores podem sugerir remodelação, incluindo as alterações da cadeia pesada da miosina, com diminuição da alfa e aumento da beta-miosina, aumento da alfa-actina, aumento dos peptídeos natriuréticos, diminuição do GLUT-4 e aumento do GLUT-1, diminuição da SERCA2a, aumento da galectina-3, substituição do substrato preferencial energético de ácidos graxos para glicose, aumento da caveolina, aumento na expressão da oxido nítrico sintase neuronal e aumento da enzima conversora de angiotensina.66 Zornoff LA, Paiva SA, Duarte DR, Spadaro J. Ventricular remodeling after myocardial infarction: concepts and clinical implications. Arq Bras Cardiol. 2009;92(2):157-64.

7 Expert Group on Biomarkers. Biomarkers in cardiology--part 1--in heart failure and specific cardiomyopathies. Arq Bras Cardiol. 2014;103(6):451-9.
-88 Swynghedauw B. Phenotypic plasticity of adult myocardium: molecular mechanisms. J Exp Biol. 2006;209(Pt 12):2320-7.

Implicações Clínicas

Disfunção cardíaca

A disfunção cardíaca é a principal implicação do processo de remodelação, que constitui um substrato fisiopatológico para o aparecimento e para a progressão da disfunção ventricular. Essa interação inicia-se com alterações genéticas em resposta a uma agressão ao coração, com reexpressão de genes do período fetal. Consequentemente, surgem alterações celulares e moleculares cardíacas, que resultam em perda progressiva da função ventricular, em princípio assintomática, evoluindo posteriormente com os sinais e sintomas característicos da insuficiência cardíaca44 Cohn JN, Ferrari R, Sharpe N. Cardiac remodeling-concepts and clinical implications: a consensus paper from an international forum on cardiac remodeling. Behalf of an International Forum on Cardiac Remodeling. J Am Coll Cardiol. 2000;35(3):569-82.

5 Anand IS, Florea VG, Solomon SD, Konstam MA, Udelson JE. Noninvasive assessment of left ventricular remodeling: concepts, techniques and implications for clinical trials. J Card Fail 2002;8(6 Suppl):S452-64.
-66 Zornoff LA, Paiva SA, Duarte DR, Spadaro J. Ventricular remodeling after myocardial infarction: concepts and clinical implications. Arq Bras Cardiol. 2009;92(2):157-64.,99 Heusch G, Libby P, Gersh B, Yellon D, Lopaschuk G, Opie L. Cardiovascular remodelling in coronary artery disease and heart failure. Lancet. 2014;383(9932):1933-43. (Figura 2).

Figura 2
Sequência de eventos desde a agressão à disfunção cardíaca. IC: Insuficiência cardíaca.

Aspecto relevante a ser considerado é que o aparecimento de disfunção ventricular tem implicações no prognóstico. De fato, ao redor de 50% dos pacientes com diagnóstico de disfunção cardíaca morrerão no período de cinco anos. Adicionalmente, 40% dos pacientes morrem no período de um ano após a primeira hospitalização por insuficiência cardíaca.1010 Liu L, Eisen HJ. Epidemiology of heart failure and scope of the problem. Cardiol Clin. 2014;32(1):1-8. Uma parcela significativa dos óbitos associados ao processo de remodelação/disfunção é devido à morte súbita,1111 Pimentel M, Zimerman LI, Rohde LE. Stratification of the risk of sudden death in nonischemic heart failure. Arq Bras Cardiol 2014;103(4):348-57. o que significa que o fato de o paciente estar assintomático não é garantia de boa evolução. Apesar do aumento da sobrevida com o tratamento contemporâneo, os índices de mortalidade permanecem inaceitavelmente elevados.1212 Braunwald E. Heart failure. JACC Heart Fail. 2013;1(1):1-20.

Arritmias

Já está bem estabelecido que a remodelação cardíaca esteja associada com arritmias ventriculares malignas, incluindo a taquicardia ventricular sustentada e a fibrilação ventricular. Esse fenômeno decorre de diferentes alterações, que serão discutidas a seguir.

O primeiro mecanismo envolvido seriam modificações dos canais iônicos, entre as quais se destacam a perda da inativação dos canais de sódio, modificações dos canais de cálcio e potássio e alterações no trocador Na+-Ca2+. Essas alterações causariam prolongação dos potenciais de ação, encontro praticamente universal em modelos de remodelação.1313 Coronel R, Wilders R, Verkerk AO, Wiegerinck RF, Benoist D, Bernus O. Electrophysiological changes in heart failure and their implications for arrhythmogenesis. Biochim Biophys Acta. 2013;1832(12):2432-41.,1414 Wang Y, Hill JA. Electrophysiological remodeling in heart failure. J Mol Cell Cardiol. 2010;48(4):619-32.

Outro mecanismo seriam alterações nas junções comunicantes intercelulares, responsáveis pelo contato entre células adjacentes e, portanto, pelo acoplamento elétrico. As proteínas das junções comunicantes são chamadas conexinas e, no coração, a conexina mais importante é a conexina 43. Nos corações normais, a conexina 43 se encontra nos discos intercalares. Na remodelação, no entanto, existe diminuição da intensidade de marcação da conexina 43, além de redistribuição da proteína ao longo da lateral da célula. Uma das consequências seria a prolongação do intervalo QT e o aparecimento de arritmias.1313 Coronel R, Wilders R, Verkerk AO, Wiegerinck RF, Benoist D, Bernus O. Electrophysiological changes in heart failure and their implications for arrhythmogenesis. Biochim Biophys Acta. 2013;1832(12):2432-41.,1414 Wang Y, Hill JA. Electrophysiological remodeling in heart failure. J Mol Cell Cardiol. 2010;48(4):619-32.

Finalmente, o coração remodelado usualmente apresenta aumento no conteúdo de colágeno. O colágeno fibrilar miocárdico é dividido em três componentes que são denominados de epimísio, perimísio e endomísio. O epimísio envolve todo o músculo cardíaco e constitui as superfícies endocárdica e epicárdica. A partir do epimísio, grupos de miofibras interligam-se por uma rede denominada perimísio. As fibras perimisiais dão origem ao endomísio que se constitui de uma fina rede em volta de cada miócito, ligando-os uns aos outros e aos capilares vizinhos. Com o aumento do colágeno (fibrose), envolvendo os três componentes, podem ocorrer bloqueios na condução elétrica, favorecendo o aparecimento de arritmias por reentrada. Assim, sabe-se que a fibrose está associada com arritmias e risco de morte súbita e, portanto, estratégias que diminuem a fibrose, como o uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina, reduzem a vulnerabilidade para arritmias.1515 de Jong S, van Veen TA, de Baker JM, Vos MA, van Rijen HV. Biomarkers of myocardial fibrosis. J Cardiovasc Pharmacol. 2011;57(5):522-35.

Complicações do IM

Nas primeiras horas após a oclusão coronariana, simultaneamente à necrose das miofibrilas, pode ocorrer desintegração do colágeno interfibrilar. A perda desse tecido de sustentação torna a região mais propensa à distensão e, consequentemente, mais suscetível às deformações. Assim, pode ocorrer deslizamento de áreas musculares necróticas, com realinhamento dos miócitos na parede infartada. Como consequência, há afilamento da região comprometida e dilatação da cavidade. Essa dilatação ventricular aguda, caracterizada por adelgaçamento e distensão da parede infartada, é denominada expansão do infarto.33 Pfeffer MA, Braunwald E. Ventricular remodeling after myocardial infarction: experimental observations and clinical implications. Circulation. 1990;81(4):1161-72. Tal expansão predispõe ao aparecimento de ruptura ventricular, e representa o substrato anatômico para a posterior formação de aneurismas.33 Pfeffer MA, Braunwald E. Ventricular remodeling after myocardial infarction: experimental observations and clinical implications. Circulation. 1990;81(4):1161-72.

Mecanismos Fisiopatológicos de Disfunção Cardíaca

Apesar do consenso de que a remodelação ventricular resulta em deterioração da função ventricular, os mecanismos para esse fenômeno ainda não estão completamente esclarecidos. Alguns potenciais fatores envolvidos nesse processo são descritos na Tabela 1 e discutidos abaixo.

Tabela 1
Fisiopatologia da disfunção ventricular na remodelação cardíaca

Morte celular

Podemos identificar três mecanismos principais de morte do miócito: apoptose ou morte celular programada, necrose e autofagia.

Anteriormente, apesar de aceito o papel da morte celular na progressão da disfunção cardíaca, a participação exata da apoptose ou necrose nos diferentes modelos de agressão cardíaca era tema de intenso debate. No entanto, recentemente, evidências sugerem que esses mecanismos estão intimamente relacionados e podem representar diferentes faces de um mesmo processo, chamado necroptose.1616 Burchfield JS, Xie M, Hill JA. Pathological ventricular remodeling: mechanisms: part 1 of 2. Circulation. 2013;128(4):388-400.

A autofagia é um processo intracelular nos quais componentes citoplasmáticos defeituosos ou desnecessários são degradados por lisossomas.1717 Wang C, Wang X. The interplay between autophagy and the ubiquitin-proteasome system in cardiac proteotoxicity. Biochim Biophys Acta. 2015;1852(2):188-94. A homeostase proteica ou proteostase depende do equilíbrio delicado entre síntese, transporte, modificações pós-translacionais e degradação de proteínas. A ruptura desse equilíbrio pode resultar em acúmulo de proteínas defeituosas, e em um processo conhecido como proteotoxicidade. Portanto, a autofagia desempenha papel crucial na prevenção da proteotoxicidade, podendo ter a participação do sistema ubiquitina1717 Wang C, Wang X. The interplay between autophagy and the ubiquitin-proteasome system in cardiac proteotoxicity. Biochim Biophys Acta. 2015;1852(2):188-94. e das chaperonas, também conhecidas como proteínas de choque térmico (heat shock protein-HSP).1818 Tarone G, Brancaccio M Keep your heart in shape: molecular chaperone networks for treating heart disease. Cardiovasc Res. 2014;102(3):346-61. Recentes evidências indicam que a progressão da disfunção ventricular pode estar associada com alterações do processo de autofagia. Nesse sentido, a autofagia pode ser adaptativa ou deletéria, dependendo do contexto.1616 Burchfield JS, Xie M, Hill JA. Pathological ventricular remodeling: mechanisms: part 1 of 2. Circulation. 2013;128(4):388-400.

17 Wang C, Wang X. The interplay between autophagy and the ubiquitin-proteasome system in cardiac proteotoxicity. Biochim Biophys Acta. 2015;1852(2):188-94.
-1818 Tarone G, Brancaccio M Keep your heart in shape: molecular chaperone networks for treating heart disease. Cardiovasc Res. 2014;102(3):346-61.

Portanto, apesar da existência de diferentes vias de morte celular, a perda progressiva de miócitos parece desempenhar papel de destaque no processo de remodelação, tornando-se alvo atraente para intervenções terapêuticas.

Metabolismo energético

Outro fator potencialmente responsável pela alteração da função cardíaca no coração remodelado é o déficit energético, que resulta do desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio. Em condições normais, os ácidos graxos livres são o principal substrato energético do coração, com participação variando de 60% a 90%. Metabólitos de ácidos graxos livres e glicose entram no ciclo do ácido cítrico por meio de β-oxidação e glicólise, respectivamente, gerando FADH2 e NADH. Posteriormente, esses substratos participam da produção de ATP nos complexos de transportadores de elétrons na mitocôndria. A energia gerada é estocada e transportada na forma de fosfocreatina.1919 Doenst T, Nguyen TD, Abel ED. Cardiac metabolism in heart failure: implications beyond ATP production. Circ Res. 2013;113(6):709-24.

Na remodelação cardíaca, já foram identificadas diversas alterações do metabolismo energético, incluindo diminuição na utilização dos ácidos graxos livres e aumento da utilização de glicose. Em consequência da diminuição da β-oxidação, pode ocorrer acúmulo anormal de triglicerídeos e lipotoxicidade. Adicionalmente, já foram descritas atrofia mitocondrial e alterações funcionais mitocondriais. O conjunto dessas alterações resulta em menor disponibilidade de energia para as proteínas miocárdicas com atividade ATPásica, e na geração de espécies reativas ao oxigênio, resultando em estresse oxidativo com todas as suas consequências.2020 Campos DH, Leopoldo AS, Lima-Leopoldo AP, Nascimento AF, Oliveira-Junior SA, Silva DC, et al. Obesity preserves myocardial function during blockade of the glycolytic pathway. Arq Bras Cardiol. 2014;103(4):330-7.

21 Azevedo PS, Minicucci MF, Santos PP, Paiva SA, Zornoff LA. Energy metabolism in cardiac remodeling and heart failure. Cardiol Rev. 2013;21(3):135-40.
-2222 Santos PP, Oliveira F, Ferreira VC, Polegato BF, Roscani MG, Fernandes AA, et al. The role of lipotoxicity in smoke cardiomyopathy. PLoS One. 2014;9(12):e113739.

Estresse oxidativo

No coração, as espécies reativas de oxigênio podem se originar de diversas fontes, dentre as quais se destacam os transportadores de elétrons mitocondriais, sistema NADPH oxidase, atividade da cicloxigenase, citocromo P450, glicose oxidase, xantina oxidase, lipoxigenase e degradação das catecolaminas. Em situações fisiológicas, há um equilíbrio entre a produção das espécies reativas e os sistemas antioxidantes. Quando a produção de espécies reativas excede a capacidade de neutralização, fica caracterizada situação conhecida como estresse oxidativo.2323 Takimoto E, Kass DA. Role of oxidative stress in cardiac hypertrophy and remodeling. Hypertension. 2007;49(2):241-8.

Existem evidências robustas de que a remodelação cardíaca está associada com estresse oxidativo por aumento na produção de espécies reativas associado à diminuição das defesas antioxidantes. Esse fenômeno levaria a várias condições, como peroxidação lipídica, oxidação proteica, dano do DNA, disfunção celular, proliferação de fibroblastos, ativação de metaloproteinases, estímulo da apoptose, alterações nas proteínas responsáveis pelo trânsito de cálcio, ativação de vias de sinalização para hipertrofia, entre outras.2424 Sawyer DB, Siwik DA, Xiao L, Pimentel DR, Singh K, Colucci WS. Role of oxidative stress in myocardial hypertrophy and failure. J Mol Cell Cardiol. 2002;34(4):379-88.

25 Giordano FJ. Oxygen, oxidative stress, hypoxia, and heart failure. J Clin Invest. 2005;115(3):500-8.
-2626 Munzel T, Gori T, Keaney JF Jr, Maack C, Daiber A. Pathophysiological role of oxidative stress in systolic and diastolic heart failure and its therapeutic implications. Eur Heart J. 2015;36(38):2555-64. Portanto, o estresse oxidativo parece desempenhar papel fisiopatológico de destaque na remodelação cardíaca.

Inflamação

Atualmente, acredita-se que tanto a resposta imune adaptativa como a inata é ativada em resposta a agressões cardíacas. Enquanto o sistema inato resulta em resposta inflamatória mais inespecífica, o sistema adaptativo induz resposta mais específica, mediada pelas células B e T.2727 Mann DL. Innate immunity and the failing heart: the cytokine hypothesis revisited. Circ Res. 2015;116(7):1254-68.

Evidências experimentais mostraram que mediadores inflamatórios induzem reexpressão de enzimas do período fetal, crescimento celular, ativação de metaloproteinases, proliferação de fibroblastos e perda progressiva de miócitos por meio de apoptose. Do mesmo modo, antagonismo da resposta inata (antagonistas de toll-like receptors , TNF, IL-1 e IL-8) atenuou o processo de remodelação após o infarto. Além disso, a modulação da resposta adaptativa (macrófagos, linfócitos T reguladores e B) pode induzir remodelação mais favorável, principalmente no modelo de isquemia miocárdica.2727 Mann DL. Innate immunity and the failing heart: the cytokine hypothesis revisited. Circ Res. 2015;116(7):1254-68.

28 Epelman S, Liu PP, Mann DL. Role of innate and adaptive immune mechanisms in cardiac injury and repair. Nat Rev Immunol. 2015;15(2):117-29.
-2929 Frieler RA, Mortensen RM. Immune cell and other noncardiomyocyte regulation of cardiac hypertrophy and remodeling. Circulation. 2015;131(11):1019-30.

Portanto, apesar das experiências negativas anteriores com inibidores de citocinas em ensaios clínicos, a resposta inflamatória permanece como alvo potencial para intervenções terapêuticas.

Colágeno

No coração, existe uma complexa e organizada rede de colágeno. As fibras de colágeno encontradas no interstício são predominantemente dos tipos I e III (95% do colágeno total). As principais funções dessa rede são: regular a apoptose, resistir às deformações patológicas, manter o alinhamento das estruturas, regular a capacidade de distensão do músculo cardíaco e a transmissão de força durante o encurtamento da fibra cardíaca, e expressar citocinas e fatores de crescimento.3030 Zannad F, Rossignol P, Iraqi W. Extracellular matrix fibrotic markers in heart failure. Heart Fail Rev. 2010;l;15(4):319-29.

As fibras colágenas são firmemente justapostas, com fortes ligações químicas e resistentes à degradação causada pela maioria das proteases. Algumas enzimas, entretanto, têm atividade colagenolítica, entre as quais se destacam as metaloproteinases. A quebra da rede de colágeno interfibrilar pode ter inúmeras consequências, tanto na arquitetura quanto na função ventricular. Assim, no modelo de infarto agudo do miocárdio, o aumento da atividade das metaloproteinases foi acompanhado de dilatação ventricular progressiva, associada à disfunção cardíaca. A inibição farmacológica das metaloproteinases, em diferentes modelos, atenuou o processo de remodelação.3131 Deb A, Ubil E. Cardiac fibroblast in development and wound healing. J Mol Cell Cardiol. 2014;70:47-55.,3232 Spinale FG, Janicki JS, Zile MR. Membrane-associated matrix proteolysis and heart failure. Circ Res. 2013;112(1):195-208.

Do mesmo modo, acúmulo anormal de colágeno III, e principalmente de colágeno I (mais rijo, maior e mais estável), foi detectado em diversos modelos de agressão, estimulado por diferentes vias de sinalização, incluindo TGF-β, endotelina-1, angiotensina II, fator de crescimento tissular conectivo e fator de crescimento derivado de plaqueta. Nesse cenário, a fibrose foi associada com aumento da rigidez miocárdica, disfunção diastólica, piora da contração, piora do fluxo coronário e arritmias malignas. Adicionalmente, a presença de fibrose foi preditora de mortalidade em pacientes com disfunção cardíaca.3333 López B, González A, Ravassa S, Beaumont J, Moreno MU, San José G, et al. Circulating biomarkers of myocardial fibrosis: the need for a reappraisal. J Am Coll Cardiol. 2015;65(22):2449-56.,3434 Leask A. Getting to the heart of the matter: new insights into cardiac fibrosis. Circ Res. 2015;116(7):1269-76.

Portanto, o conteúdo de colágeno desempenha papel crítico na manutenção da arquitetura e da função cardíaca. No processo de remodelação, entretanto, pode ocorrer desequilíbrio entre a síntese e degradação do colágeno com diversos efeitos deletérios.

Proteínas contráteis

O processo de remodelação ventricular caracteriza-se por alterações na miosina, a principal proteína contrátil, composta de um par de cadeias pesadas (α e β) e dois pares de cadeias leves. Dependendo da composição das cadeias, podemos identificar três isoenzimas (V1, V2 e V3) de diferentes espécies no miocárdio. Essas isoenzimas possuem os mesmos pares de cadeias leves, variando apenas em relação à composição das cadeias pesadas (αα nas V1, αβ nas V2 e ββ nas V3). A atividade ATPásica da miosina depende de sítios ativos localizados nas cadeias pesadas, sendo a maior observada para a fração α. Portanto, a composição das isoenzimas determina a capacidade contrátil do miócito. Durante a remodelação, além de haver predomínio da forma fetal das cadeias leves da miosina, usualmente ocorre aumento da isoforma V3, acompanhado de diminuição da isoforma V1. A relevância dessa observação em modelos com roedores tem sido questionada, pelo fato de humanos já apresentarem predomínio da isoforma V3. No entanto, em casos de remodelação e disfunção cardíaca, uma diminuição adicional da isoforma V1 já foi observada em humanos. Além disso, aumento da isoforma 2 da troponina T e diminuição da fosforilação da troponina I já foram observados no coração remodelado.3535 Maytin M, Colucci WS. Molecular and cellular mechanisms of myocardial remodeling. J Nucl Cardiol. 2002;9(3):319-27.,3636 Swynghedauw B. Molecular mechanisms of myocardial remodeling. Physiol Rev. 1999;79(1):215-62.

Transporte de Cálcio

O transporte de cálcio pelo retículo sarcoplasmático é um processo ativo, complexo, que envolve a participação de vários componentes. Sistemas de membrana e sistemas intracelulares de cálcio (canais de cálcio do tipo-L, receptor de rianodina, calsequestrina) regulam a quantidade de cálcio ofertado às proteínas contráteis durante o processo de contração. Da mesma forma, a ativação da calmodulina quinase e a fosforilação da fosfolambam estimulam enzimas (SERCA-2a) responsáveis pela maior captação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático, promovendo melhora do relaxamento.3737 Luo M, Anderson ME. Mechanisms of altered Ca²+ handling in heart failure. Circ Res. 2013;113(6):690-708.

Em situações de remodelação e disfunção ventricular, evidências apontam para alterações no sistema transporte de cálcio, como diminuição dos canais-L e receptores de rianodina, bem como diminuição da atividade da calsequestrina e calmodulina quinase. Adicionalmente, observou-se redução na fosforilação da fosfolambam, resultando na redução na atividade da SERCA-2a. Portanto, o processo de remodelação resulta em diminuição da oferta de cálcio durante a sístole e aumento de cálcio na diástole. Assim, alterações nas proteínas envolvidas no trânsito de cálcio podem contribuir para a disfunção cardíaca no coração remodelado.3737 Luo M, Anderson ME. Mechanisms of altered Ca²+ handling in heart failure. Circ Res. 2013;113(6):690-708.,3838 Feridooni HA, Dibb KM, Howlett SE. How cardiomyocyte excitation, calcium release and contraction become altered with age. J Mol Cell Cardiol. 2015;83:62-72.

Alterações de geometria

Conforme descrito anteriormente, o processo de remodelação está associado a alterações em diferentes mecanismos relacionados com disfunção cardíaca. Em alguns modelos, alterações na geometria, incluindo mudanças na espessura da parede, no diâmetro da cavidade e na configuração normal do VE (de elíptica para forma mais arredondada), podem ter consequências funcionais. Por exemplo, em modelos experimentais de IM, os animais apresentaram aumento da cavidade ventricular associado com função sistólica global do VE deprimida. Por outro lado, a capacidade intrínseca de gerar força (contratilidade) dos miócitos estava preservada.3939 Anand IS. Ventricular remodeling without cellular contractile dysfunction. J Card Fail. 2002;8(6 Suppl):S401-8. No modelo de constrição de aorta, aproximadamente 50% dos animais desenvolveram dilatação do VE, acompanhada de edema pulmonar, enquanto os animais restantes permaneceram com padrão concêntrico de hipertrofia, sem sinais de edema. Não foram observadas diferenças na função contrátil entre os dois grupos. Desse modo, em algumas situações, as alterações na geometria, por si, poderiam comprometer a função global do ventrículo por alterar as condições de carga a que o coração é submetido.4040 Norton GR, Woodiwiss AJ, Gaasch WH, Mela T, Chung ES, Aurigemma GP, et al. Heart failure in pressure overload hypertrophy. The relative roles of ventricular remodeling and myocardial dysfunction. J Am Coll Cardiol. 2002;39(4):664-71.

Outro aspecto relevante associado ao papel da geometria na função cardíaca refere-se à influência da rotação e da torção ventriculares. A função ventricular normal requer coordenação entre a atividade elétrica e a atividade mecânica. Seguindo a trajetória das fibras de Purkinje, a parede ventricular esquerda é primeiramente ativada na região endocárdica do septo e parede livre ventricular, caminhando do ápice para a base do ventrículo. A resposta mecânica, no entanto, é caracterizada por dessincronia fisiológica das regiões subendocárdicas e subepicárdicas.4141 Buckberg GD, Hoffman JI, Coghlan HC, Nanda NC. Ventricular structure-function relations in health and disease: Part I. The normal heart. Eur J Cardiothorac Surg. 2015;47(4):587-601.

O fenômeno de rotação é definido como movimento circunferencial ao redor do eixo longitudinal. Na fase de contração isovolumétrica, ocorre um breve movimento de rotação horária na região do ápice do VE, seguido de grande e sustentada rotação anti-horária na fase de ejeção. Associado a esse movimento, há encurtamento das fibras subendocárdicas e estiramento das fibras subepicárdicas, seguido de encurtamento simultâneo das fibras endocárdicas e epicárdicas durante a ejeção. Em contraste, a região da base exibe movimento de rotação anti-horária na fase isovolumétrica e rotação horária na fase de ejeção, de menor amplitude em comparação ao ápice. A diferença ou gradiente da rotação entre as regiões do ápice e da base caracteriza a torção. Assim, esse processo descreve o grau de deformação sofrido pelo miocárdio. Na diástole, a deformação ventricular é revertida.4141 Buckberg GD, Hoffman JI, Coghlan HC, Nanda NC. Ventricular structure-function relations in health and disease: Part I. The normal heart. Eur J Cardiothorac Surg. 2015;47(4):587-601. A primeira consequência da torção sistólica é a geração de maior pressão intracavitária com mínimo encurtamento, reduzindo a demanda por energia. Além disso, a presença de torção induz distribuição mais equitativa do estresse, proporcionando um encurtamento de fibras mais homogêneo através da parede ventricular. Do mesmo modo, a torção diastólica, que se inicia na fase de relaxamento isovolumétrico, permite a presença de vetores subendocárdicos e subepicárdicos contraindo e alongando simultaneamente e, desse modo, facilita o restabelecimento de forças de recolhimento e a restauração da arquitetura ventricular como antes da contração isovolumétrica. Portanto, a perda da torção está associada a um comprometimento da função sistólica e diastólica do VE.4242 Buckberg GD, Hoffman JI, Coghlan HC, Nanda NC. Ventricular structure-function relations in health and disease: Part II. Clinical considerations. Eur J Cardiothorac Surg. 2015;47(5):778-87. Na remodelação, as mudanças na arquitetura do coração podem induzir alterações da torção, contribuindo para a deterioração da função cardíaca. Consequentemente, em algumas situações, a restauração cirúrgica da geometria ventricular poderia ter efeitos favoráveis.4343 Buckberg G, Athanasuleas C, Conte J. Surgical ventricular restoration for the treatment of heart failure. Nat Rev Cardiol. 2012;9(12):703-16.

Ativação neurohormonal

Dois dos principais sistemas envolvidos no processo de remodelação são o sistema simpático e o sistema renina-angiotensina-aldosterona. A ativação desses sistemas estimula vias de sinalização intracelulares com consequente aumento da síntese proteica em miócitos e fibroblastos causando hipertrofia celular e fibrose. Outros efeitos descritos são a ativação de fatores de crescimento, ativação das metaloproteinases, sobrecarga hemodinâmica por vasoconstrição e retenção hídrica, aumento do estresse oxidativo e efeito citotóxico direto, levando à morte celular por necrose ou apoptose.4444 Sayer G, Bhat G. The renin-angiotensin-aldosterone system and heart failure. Cardiol Clin. 2014;32(1):21-32.

45 Albuquerque FN, Brandão AA, Silva DA, Mourilhe-Rocha R, Duque GS, Gondar AF, et al. Angiotensin-converting enzyme genetic polymorphism: its impact on cardiac remodeling. Arq Bras Cardiol. 2014;102(1):70-9.
-4646 Florea VG, Cohn JN. The autonomic nervous system and heart failure. Circ Res. 2014;114(11):1815-26. O bloqueio desses sistemas desempenha importante papel na prevenção ou atenuação do processo de remodelação secundário a vários estímulos.

Tratamento Farmacológico

O tratamento farmacológico da remodelação cardíaca pode ser dividido em três estágios: estratégias consolidadas, promissoras e potenciais (Figura 3).

Figura 3
Tratamento farmacológico da remodelação cardíaca. IECA: Inibidores da enzima de conversão da angiotensina; BRA: Bloqueadores dos receptores da angiotensina II.

No grupo de estratégias já consolidadas, os inibidores da enzima conversora da angiotensina, os betabloqueadores e os antagonistas da aldosterona foram eficazes em atenuar o processo de remodelação em diferentes modelos experimentais.4444 Sayer G, Bhat G. The renin-angiotensin-aldosterone system and heart failure. Cardiol Clin. 2014;32(1):21-32.

45 Albuquerque FN, Brandão AA, Silva DA, Mourilhe-Rocha R, Duque GS, Gondar AF, et al. Angiotensin-converting enzyme genetic polymorphism: its impact on cardiac remodeling. Arq Bras Cardiol. 2014;102(1):70-9.

46 Florea VG, Cohn JN. The autonomic nervous system and heart failure. Circ Res. 2014;114(11):1815-26.
-4747 Reis Filho JR, Cardoso JN, Cardoso CM, Pereira-Barretto AC. Reverse cardiac remodeling: a marker of better prognosis in heart failure. Arq Bras Cardiol. 2015;104(6):502-6. Esses resultados foram validados em estudos clínicos e, atualmente, esses fármacos estão indicados em pacientes com disfunção cardíaca e fração de ejeção < 40%.4747 Reis Filho JR, Cardoso JN, Cardoso CM, Pereira-Barretto AC. Reverse cardiac remodeling: a marker of better prognosis in heart failure. Arq Bras Cardiol. 2015;104(6):502-6.

Em relação a estratégias promissoras, destaca-se o LCZ696. Esse composto reúne em uma molécula a valsartana (antagonista do receptor da angiotensina II), com o sacubitril (inibidor da neprilisina, enzima que metaboliza peptídeos natriuréticos, urodilatina, bradicinina e adrenomedulina). Estudos experimentais evidenciaram atenuação da dilatação da cavidade e da fibrose miocárdica como, por exemplo, após o infarto experimental.4848 von Lueder TG, Wang BH, Kompa AR, Huang L, Webb R, Jordaan P, et al. Angiotensin receptor neprilysin inhibitor LCZ696 attenuates cardiac remodeling and dysfunction after myocardial infarction by reducing cardiac fibrosis and hypertrophy. Circ Heart Fail. 2015;8(1):71-8.

Os resultados experimentais incentivaram a realização de um grande ensaio clínico. No estudo PARADIGM-HF,4949 McMurray JJ, Packer M, Desai AS, Gong J, Lefkowitz MP, Rizkala AR, et al; PARADIGM-HF Investigators and Committees. Angiotensin-neprilysin inhibition versus enalapril in heart failure. N Engl J Med. 2014;371(11):993-1004. foram randomizados mais de oito mil pacientes sintomáticos (classe funcional da NYHA II-IV) com queda da fração de ejeção para receber LCZ696 ou enalapril. Após seguimento de 27 meses, o grupo LCZ apresentou menor mortalidade, menor mortalidade cardiovascular e menos hospitalizações por insuficiência cardíaca.4949 McMurray JJ, Packer M, Desai AS, Gong J, Lefkowitz MP, Rizkala AR, et al; PARADIGM-HF Investigators and Committees. Angiotensin-neprilysin inhibition versus enalapril in heart failure. N Engl J Med. 2014;371(11):993-1004. Portanto, o LCZ696 provavelmente vai modificar o tratamento de pacientes com disfunção cardíaca sistólica sintomática.

Considerando os tratamentos potenciais, os principais alvos são os mecanismos fisiopatológicos discutidos anteriormente, principalmente em estudos experimentais. A morte celular tem sido um dos principais alvos de estudo. Estudos mostraram que a ciclosporina A e a neuregulina-1 podem atenuar a apoptose, e a necrostatina-1 inibe a apoptose via inibição da caspase-8 e a necrose via bloqueio da calpaína. Modulação das chaperonas e do sistema ubiquitina (controlando a degradação proteica) também levaria a uma maior sobrevida.5050 Tarone G, Balligand JL, Bauersachs J, Clerk A, De Windt L, Heymans S, et al. Targeting myocardial remodelling to develop novel therapies for heart failure: a position paper from the Working Group on Myocardial Function of the European Society of Cardiology. Eur J Heart Fail. 2014;16(5):494-508. A fibrose também tem sido um atraente alvo para intervenções. A inibição da trombospondina-1 e da galectina-3 está associada à diminuição do conteúdo do colágeno.5151 de Boer RA, van der Velde AR, Mueller C, van Veldhuisen DJ, Anker SD, Peacock WF, et al. Galectin-3: a modifiable risk factor in heart failure. Cardiovasc Drugs Ther. 2014;28(3):237-46. O mesmo fenômeno foi observado com a administração de torasemida e de metformina.5050 Tarone G, Balligand JL, Bauersachs J, Clerk A, De Windt L, Heymans S, et al. Targeting myocardial remodelling to develop novel therapies for heart failure: a position paper from the Working Group on Myocardial Function of the European Society of Cardiology. Eur J Heart Fail. 2014;16(5):494-508. Além disso, a administração de CXL-1020, um doador de nitroxila, promoveu melhor sensibilidade das proteínas contráteis ao cálcio com consequente melhora funcional, associada à atenuação da hipetrofia.5050 Tarone G, Balligand JL, Bauersachs J, Clerk A, De Windt L, Heymans S, et al. Targeting myocardial remodelling to develop novel therapies for heart failure: a position paper from the Working Group on Myocardial Function of the European Society of Cardiology. Eur J Heart Fail. 2014;16(5):494-508. Ainda, a modulação do processo inflamatório, incluindo inibição de macrófagos, linfócitos T e de diversas citocinas têm sido estudada em diferentes modelos, com resultados promissores.5252 Saxena A, Russo I, Frangogiannis NG. Inflammation as a therapeutic target in myocardial infarction: learning from past failures to meet future challenges. Transl Res. 2015 Jul 17. [Epub ahead of print].

Pelo exposto, o estudo de novos compostos para a atenuação da remodelação/disfunção cardíaca é um processo contínuo e, atualmente, são várias as estratégias com potencial para uso clínico.

Conclusão

A remodelação cardíaca está associada ao aparecimento e progressão da disfunção ventricular, arritmias e prognóstico ruim. Após o infarto, pode predispor à ruptura ventricular e formação de aneurismas. Apesar de avanços na terapêutica, a mortalidade associada à remodelação/disfunção cardíaca permanece alta. Portanto, o conhecimento dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos no processo de remodelação é prioritário, inclusive para o estabelecimento de novas estratégias de tratamento.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

References

  • 1
    Hockman JS, Bulkley BH. Expansion of acute myocardial infarction: an experimental study. Circulation. 1982;65(7):1446-50.
  • 2
    Pfeffer JM, Pfeffer MA, Braunwald E. Influence of chronic captopril therapy on the infarcted left ventricle of the rat. Circ Res. 1985;57(1):84-95.
  • 3
    Pfeffer MA, Braunwald E. Ventricular remodeling after myocardial infarction: experimental observations and clinical implications. Circulation. 1990;81(4):1161-72.
  • 4
    Cohn JN, Ferrari R, Sharpe N. Cardiac remodeling-concepts and clinical implications: a consensus paper from an international forum on cardiac remodeling. Behalf of an International Forum on Cardiac Remodeling. J Am Coll Cardiol. 2000;35(3):569-82.
  • 5
    Anand IS, Florea VG, Solomon SD, Konstam MA, Udelson JE. Noninvasive assessment of left ventricular remodeling: concepts, techniques and implications for clinical trials. J Card Fail 2002;8(6 Suppl):S452-64.
  • 6
    Zornoff LA, Paiva SA, Duarte DR, Spadaro J. Ventricular remodeling after myocardial infarction: concepts and clinical implications. Arq Bras Cardiol. 2009;92(2):157-64.
  • 7
    Expert Group on Biomarkers. Biomarkers in cardiology--part 1--in heart failure and specific cardiomyopathies. Arq Bras Cardiol. 2014;103(6):451-9.
  • 8
    Swynghedauw B. Phenotypic plasticity of adult myocardium: molecular mechanisms. J Exp Biol. 2006;209(Pt 12):2320-7.
  • 9
    Heusch G, Libby P, Gersh B, Yellon D, Lopaschuk G, Opie L. Cardiovascular remodelling in coronary artery disease and heart failure. Lancet. 2014;383(9932):1933-43.
  • 10
    Liu L, Eisen HJ. Epidemiology of heart failure and scope of the problem. Cardiol Clin. 2014;32(1):1-8.
  • 11
    Pimentel M, Zimerman LI, Rohde LE. Stratification of the risk of sudden death in nonischemic heart failure. Arq Bras Cardiol 2014;103(4):348-57.
  • 12
    Braunwald E. Heart failure. JACC Heart Fail. 2013;1(1):1-20.
  • 13
    Coronel R, Wilders R, Verkerk AO, Wiegerinck RF, Benoist D, Bernus O. Electrophysiological changes in heart failure and their implications for arrhythmogenesis. Biochim Biophys Acta. 2013;1832(12):2432-41.
  • 14
    Wang Y, Hill JA. Electrophysiological remodeling in heart failure. J Mol Cell Cardiol. 2010;48(4):619-32.
  • 15
    de Jong S, van Veen TA, de Baker JM, Vos MA, van Rijen HV. Biomarkers of myocardial fibrosis. J Cardiovasc Pharmacol. 2011;57(5):522-35.
  • 16
    Burchfield JS, Xie M, Hill JA. Pathological ventricular remodeling: mechanisms: part 1 of 2. Circulation. 2013;128(4):388-400.
  • 17
    Wang C, Wang X. The interplay between autophagy and the ubiquitin-proteasome system in cardiac proteotoxicity. Biochim Biophys Acta. 2015;1852(2):188-94.
  • 18
    Tarone G, Brancaccio M Keep your heart in shape: molecular chaperone networks for treating heart disease. Cardiovasc Res. 2014;102(3):346-61.
  • 19
    Doenst T, Nguyen TD, Abel ED. Cardiac metabolism in heart failure: implications beyond ATP production. Circ Res. 2013;113(6):709-24.
  • 20
    Campos DH, Leopoldo AS, Lima-Leopoldo AP, Nascimento AF, Oliveira-Junior SA, Silva DC, et al. Obesity preserves myocardial function during blockade of the glycolytic pathway. Arq Bras Cardiol. 2014;103(4):330-7.
  • 21
    Azevedo PS, Minicucci MF, Santos PP, Paiva SA, Zornoff LA. Energy metabolism in cardiac remodeling and heart failure. Cardiol Rev. 2013;21(3):135-40.
  • 22
    Santos PP, Oliveira F, Ferreira VC, Polegato BF, Roscani MG, Fernandes AA, et al. The role of lipotoxicity in smoke cardiomyopathy. PLoS One. 2014;9(12):e113739.
  • 23
    Takimoto E, Kass DA. Role of oxidative stress in cardiac hypertrophy and remodeling. Hypertension. 2007;49(2):241-8.
  • 24
    Sawyer DB, Siwik DA, Xiao L, Pimentel DR, Singh K, Colucci WS. Role of oxidative stress in myocardial hypertrophy and failure. J Mol Cell Cardiol. 2002;34(4):379-88.
  • 25
    Giordano FJ. Oxygen, oxidative stress, hypoxia, and heart failure. J Clin Invest. 2005;115(3):500-8.
  • 26
    Munzel T, Gori T, Keaney JF Jr, Maack C, Daiber A. Pathophysiological role of oxidative stress in systolic and diastolic heart failure and its therapeutic implications. Eur Heart J. 2015;36(38):2555-64.
  • 27
    Mann DL. Innate immunity and the failing heart: the cytokine hypothesis revisited. Circ Res. 2015;116(7):1254-68.
  • 28
    Epelman S, Liu PP, Mann DL. Role of innate and adaptive immune mechanisms in cardiac injury and repair. Nat Rev Immunol. 2015;15(2):117-29.
  • 29
    Frieler RA, Mortensen RM. Immune cell and other noncardiomyocyte regulation of cardiac hypertrophy and remodeling. Circulation. 2015;131(11):1019-30.
  • 30
    Zannad F, Rossignol P, Iraqi W. Extracellular matrix fibrotic markers in heart failure. Heart Fail Rev. 2010;l;15(4):319-29.
  • 31
    Deb A, Ubil E. Cardiac fibroblast in development and wound healing. J Mol Cell Cardiol. 2014;70:47-55.
  • 32
    Spinale FG, Janicki JS, Zile MR. Membrane-associated matrix proteolysis and heart failure. Circ Res. 2013;112(1):195-208.
  • 33
    López B, González A, Ravassa S, Beaumont J, Moreno MU, San José G, et al. Circulating biomarkers of myocardial fibrosis: the need for a reappraisal. J Am Coll Cardiol. 2015;65(22):2449-56.
  • 34
    Leask A. Getting to the heart of the matter: new insights into cardiac fibrosis. Circ Res. 2015;116(7):1269-76.
  • 35
    Maytin M, Colucci WS. Molecular and cellular mechanisms of myocardial remodeling. J Nucl Cardiol. 2002;9(3):319-27.
  • 36
    Swynghedauw B. Molecular mechanisms of myocardial remodeling. Physiol Rev. 1999;79(1):215-62.
  • 37
    Luo M, Anderson ME. Mechanisms of altered Ca²+ handling in heart failure. Circ Res. 2013;113(6):690-708.
  • 38
    Feridooni HA, Dibb KM, Howlett SE. How cardiomyocyte excitation, calcium release and contraction become altered with age. J Mol Cell Cardiol. 2015;83:62-72.
  • 39
    Anand IS. Ventricular remodeling without cellular contractile dysfunction. J Card Fail. 2002;8(6 Suppl):S401-8.
  • 40
    Norton GR, Woodiwiss AJ, Gaasch WH, Mela T, Chung ES, Aurigemma GP, et al. Heart failure in pressure overload hypertrophy. The relative roles of ventricular remodeling and myocardial dysfunction. J Am Coll Cardiol. 2002;39(4):664-71.
  • 41
    Buckberg GD, Hoffman JI, Coghlan HC, Nanda NC. Ventricular structure-function relations in health and disease: Part I. The normal heart. Eur J Cardiothorac Surg. 2015;47(4):587-601.
  • 42
    Buckberg GD, Hoffman JI, Coghlan HC, Nanda NC. Ventricular structure-function relations in health and disease: Part II. Clinical considerations. Eur J Cardiothorac Surg. 2015;47(5):778-87.
  • 43
    Buckberg G, Athanasuleas C, Conte J. Surgical ventricular restoration for the treatment of heart failure. Nat Rev Cardiol. 2012;9(12):703-16.
  • 44
    Sayer G, Bhat G. The renin-angiotensin-aldosterone system and heart failure. Cardiol Clin. 2014;32(1):21-32.
  • 45
    Albuquerque FN, Brandão AA, Silva DA, Mourilhe-Rocha R, Duque GS, Gondar AF, et al. Angiotensin-converting enzyme genetic polymorphism: its impact on cardiac remodeling. Arq Bras Cardiol. 2014;102(1):70-9.
  • 46
    Florea VG, Cohn JN. The autonomic nervous system and heart failure. Circ Res. 2014;114(11):1815-26.
  • 47
    Reis Filho JR, Cardoso JN, Cardoso CM, Pereira-Barretto AC. Reverse cardiac remodeling: a marker of better prognosis in heart failure. Arq Bras Cardiol. 2015;104(6):502-6.
  • 48
    von Lueder TG, Wang BH, Kompa AR, Huang L, Webb R, Jordaan P, et al. Angiotensin receptor neprilysin inhibitor LCZ696 attenuates cardiac remodeling and dysfunction after myocardial infarction by reducing cardiac fibrosis and hypertrophy. Circ Heart Fail. 2015;8(1):71-8.
  • 49
    McMurray JJ, Packer M, Desai AS, Gong J, Lefkowitz MP, Rizkala AR, et al; PARADIGM-HF Investigators and Committees. Angiotensin-neprilysin inhibition versus enalapril in heart failure. N Engl J Med. 2014;371(11):993-1004.
  • 50
    Tarone G, Balligand JL, Bauersachs J, Clerk A, De Windt L, Heymans S, et al. Targeting myocardial remodelling to develop novel therapies for heart failure: a position paper from the Working Group on Myocardial Function of the European Society of Cardiology. Eur J Heart Fail. 2014;16(5):494-508.
  • 51
    de Boer RA, van der Velde AR, Mueller C, van Veldhuisen DJ, Anker SD, Peacock WF, et al. Galectin-3: a modifiable risk factor in heart failure. Cardiovasc Drugs Ther. 2014;28(3):237-46.
  • 52
    Saxena A, Russo I, Frangogiannis NG. Inflammation as a therapeutic target in myocardial infarction: learning from past failures to meet future challenges. Transl Res. 2015 Jul 17. [Epub ahead of print].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2015
  • Data do Fascículo
    Jan 2016

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2015
  • Revisado
    25 Set 2015
  • Aceito
    15 Set 2015
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br