Acessibilidade / Reportar erro

Variabilidade da Frequência Cardíaca em Pacientes com Diabetes e Hipertensão

Palavras-chave:
Hipertensão; Diabetes Mellitus; Doença Crônica; Frequência Cardíaca; Sistema Nervoso Autônomo

O sistema nervoso autônomo regula a frequência cardíaca através da resposta simpática e parassimpática a diferentes estímulos. A flutuação entre os intervalos dos batimentos cardíacos consecutivos, denominada variabilidade da frequência cardíaca (VFC), é ferramenta valiosa para avaliar a atividade do sistema nervoso autônomo.11 Xhyheri B, Manfrini O, Mazzolini M, Pizzi C, Bugiardini R. Heart rate variability today. Prog Cardiovasc Dis. 2012;55(3):321-31. Uma diminuição da VFC é um marcador de tônus parassimpático reduzido e de tônus simpático aumentado, há muito considerado como tendo impacto negativo no prognóstico da doença cardiovascular.22 Huikuri HV, Stein PK. Heart rate variability in risk stratification of cardiac patients. Prog Cardiovasc Dis. 2013;56(2):153-9.

Em 1996, a Sociedade Europeia de Cardiologia e a Sociedade Norte-Americana de Marca-Passo e Eletrofisiologia sugeriram padrões para a avaliação, a interpretação fisiológica e o uso clínico da análise da VFC nos domínios ‘tempo’ e ‘frequência’ em registros de curto e longo prazo.33 Heart rate variability: standards of measurement, physiological interpretation and clinical use. Task Force of the European Society of Cardiology and the North American Society of Pacing and Electrophysiology. Eur Heart J. 1996;17(3):354-81. Sugeriu-se que algumas medidas não lineares funcionavam melhor do que as tradicionais para a predição de eventos adversos futuros em vários grupos de pacientes. Mais recentemente, novas ferramentas computacionais foram obtidas a partir de dinâmica não linear e sistemas complexos.44 Mirvis DM, Goldberger AL. Electrocardiography. In: Bonow RO, Mann DL, Zipes DP, Libby P, Braunwald E. (editors). Braunwald's heart disease: a textbook of cardiovascular medicine. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2012. p. 126-67. Embora a base fisiológica das medidas não lineares da VFC seja menos compreendida do que a das medidas convencionais, especula-se que a dinâmica não linear forneça melhor compreensão do comportamento não linear que comumente ocorre nos sistemas humanos devido à sua natureza dinâmica e complexa.55 Perkiomaki JS. Heart rate variability and non-linear dynamics in risk stratification. Front Physiol. 2011;2:81.,66 Higgins JP. Nonlinear systems in medicine. Yale J Biol Med. 2002;75(5-6):247-60. Alinhado com isso, observou-se uma boa concordância entre algumas medidas não lineares de VFC e o escore de risco cardiovascular de Framingham, sugerindo que eles pudessem ser utilizados para triar risco cardiovascular.77 Jelinek HF, Md Imam H, Al-Aubaidy H, Khandoker AH. Association of cardiovascular risk using non-linear heart rate variability measures with the Framingham risk score in a rural population. Front Physiology. 2013;4:186. Em 2015, o e-Cardiology Working Group da Sociedade Europeia de Cardiologia e a Associação Europeia de Ritmo Cardíaco lançaram uma revisão crítica das novas metodologias para analisar a VFC, incluindo taxa de entropia, escala fractal e plot de Poincaré, e sua aplicação em diferentes estudos fisiológicos e clínicos.88 Sassi R, Cerutti S, Lombardi F, Malik M, Huikuri HV, Peng CK, et al. Advances in heart rate variability signal analysis: joint position statement by the e-Cardiology ESC Working Group and the European Heart Rhythm Association co-endorsed by the Asia Pacific Heart Rhythm Society. Europace. 2015;17(9):1341-53.

Alterações nos índices dos domínios ‘tempo’ e ‘frequência’ da VFC foram observadas com frequência em doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, sendo associadas com disfunção cardíaca autônoma.99 Wilson LC, Peebles KC, Hoye NA, Manning P, Sheat C, Williams MJ, et al. Resting heart rate variability and exercise capacity in type 1 diabetes. Physiol Rep. 2017;5(8):e13248.,1010 Anaruma CP, Ferreira MJ Jr, Sponton CH, Delbin MA, Zanesco A. Heart rate variability and plasma biomarkers in patients with type 1 diabetes mellitus: effect of a bout of aerobic exercise. Diabetes Res Clin Pract. 2016 Jan;111:19-27. Como a coexistência de diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica é muito comum, alguns estudos compararam a VFC de pacientes diabéticos tipo 2 com e sem hipertensão, chegando a resultados contraditórios ao usar análise da VFC nos domínios ‘tempo’ e ‘frequência’.1111 Takahashi N, Nakagawa M, Saikawa T, Ooie T, Yufu K, Shigematsu S, et al. Effect of essential hypertension on cardiac autonomic function in type 2 diabetic patients. J Am Coll Cardiol. 2001;38(1):232-7.

12 Istenes I, Korei AE, Putz Z, Németh N, Martos T, Keresztes K, et al. Heart rate variability is severely impaired among type 2 diabetic patients with hypertension. Diabetes Metab Res Rev 2014;30(4):305-15.
-1313 Solanki JD, Basida SD, Mehta HB, Panjwani SJ, Gadhavi BP. Comparative study of cardiac autonomic status by heart rate variability between under-treatment normotensive and hypertensive known type 2 diabetics. Indian Heart J. 2017;69(1):52-6. Entretanto, o uso da dinâmica não linear para análise da VFC na coexistência de diabetes tipo 2 e hipertensão ainda carece de estudo.

Nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Bassi et al.,1414 Bassi D, Cabiddu R, Mendes RG, Tossini N, Arakelian VM, Caruso FC, et al. Efeitos da coexistência de diabetes tipo 2 e hipertensão sobre a variabilidade da frequência cardíaca e capacidade cardiorrespiratória. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(1):64-72. publicaram um estudo que avalia a influência da hipertensão arterial sistêmica na modulação cardíaca autônoma e na capacidade cardiopulmonar de pacientes diabéticos tipo 2, que foram divididos em dois grupos: normotenso (n = 32, idade = 51 ± 7,5 anos) e hipertenso (n = 28, idade = 51 ± 6,9 anos). Os dois grupos apresentaram controle glicêmico inadequado (grupo normotenso: hemoglobina glicada = 8,00 ± 2,14%; grupo hipertenso: hemoglobina glicada = 8,70 ± 1,60%; p = 0,39), tendo o grupo hipertenso maior resistência insulínica [grupo normotenso: índice de resistência insulínica (HOMA-IR) = 4,0 ± 4,0; grupo hipertenso: HOMA-IR = 8,0 ± 6,6; p = 0,02). Esses autores descobriram que indivíduos com hipertensão e diabetes apresentaram menor SD1 (derivada do plot de Poincaré) e entropia de Shannon, ambas sendo medidas não lineares da VFC, em comparação aos pacientes diabéticos não hipertensos. Além disso, SD2 (derivada do plot de Poincaré) e entropia aproximada correlacionaram-se negativamente com as variáveis de capacidade de exercício.

Embora não se tenha avaliado um grupo controle, os resultados sugerem que a hipertensão arterial sistêmica comprometa ainda mais a VFC em diabéticos. Tais dados reforçam os achados epidemiológicos, mostrando que a combinação de diabetes mellitus e hipertensão induz maior remodelamento cardíaco do que qualquer uma das condições isoladas.1515 Rosa CM, Xavier NP, Campos DH, Fernandes AA, Cezar MD, Martinez PF, et al. Diabetes mellitus activated fetal gene program and intensifies cardiac remodeling and oxidative stress in aged spontaneously hypertensive rats. Cardiovasc Diabetol. 2013 Oct 17;12:152. Além disso, a insuficiência cardíaca é mais prevalente em pacientes com as duas doenças. Estudos adicionais são necessários para estabelecer o papel da disfunção nervosa autônoma como preditora de mau prognóstico em pacientes com diabetes e hipertensão coexistentes.

  • Minieditorial referente ao artigo: Efeitos da Coexistência de Diabetes Tipo 2 e Hipertensão sobre a Variabilidade da Frequência Cardíaca e Capacidade Cardiorrespiratória

Agradecimento

Suporte financeiro através de FUNDECT (Proc. n. 23/200.495/2014) e CNPq (Proc. n. 308674/2015-4).

References

  • 1
    Xhyheri B, Manfrini O, Mazzolini M, Pizzi C, Bugiardini R. Heart rate variability today. Prog Cardiovasc Dis. 2012;55(3):321-31.
  • 2
    Huikuri HV, Stein PK. Heart rate variability in risk stratification of cardiac patients. Prog Cardiovasc Dis. 2013;56(2):153-9.
  • 3
    Heart rate variability: standards of measurement, physiological interpretation and clinical use. Task Force of the European Society of Cardiology and the North American Society of Pacing and Electrophysiology. Eur Heart J. 1996;17(3):354-81.
  • 4
    Mirvis DM, Goldberger AL. Electrocardiography. In: Bonow RO, Mann DL, Zipes DP, Libby P, Braunwald E. (editors). Braunwald's heart disease: a textbook of cardiovascular medicine. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2012. p. 126-67.
  • 5
    Perkiomaki JS. Heart rate variability and non-linear dynamics in risk stratification. Front Physiol. 2011;2:81.
  • 6
    Higgins JP. Nonlinear systems in medicine. Yale J Biol Med. 2002;75(5-6):247-60.
  • 7
    Jelinek HF, Md Imam H, Al-Aubaidy H, Khandoker AH. Association of cardiovascular risk using non-linear heart rate variability measures with the Framingham risk score in a rural population. Front Physiology. 2013;4:186.
  • 8
    Sassi R, Cerutti S, Lombardi F, Malik M, Huikuri HV, Peng CK, et al. Advances in heart rate variability signal analysis: joint position statement by the e-Cardiology ESC Working Group and the European Heart Rhythm Association co-endorsed by the Asia Pacific Heart Rhythm Society. Europace. 2015;17(9):1341-53.
  • 9
    Wilson LC, Peebles KC, Hoye NA, Manning P, Sheat C, Williams MJ, et al. Resting heart rate variability and exercise capacity in type 1 diabetes. Physiol Rep. 2017;5(8):e13248.
  • 10
    Anaruma CP, Ferreira MJ Jr, Sponton CH, Delbin MA, Zanesco A. Heart rate variability and plasma biomarkers in patients with type 1 diabetes mellitus: effect of a bout of aerobic exercise. Diabetes Res Clin Pract. 2016 Jan;111:19-27.
  • 11
    Takahashi N, Nakagawa M, Saikawa T, Ooie T, Yufu K, Shigematsu S, et al. Effect of essential hypertension on cardiac autonomic function in type 2 diabetic patients. J Am Coll Cardiol. 2001;38(1):232-7.
  • 12
    Istenes I, Korei AE, Putz Z, Németh N, Martos T, Keresztes K, et al. Heart rate variability is severely impaired among type 2 diabetic patients with hypertension. Diabetes Metab Res Rev 2014;30(4):305-15.
  • 13
    Solanki JD, Basida SD, Mehta HB, Panjwani SJ, Gadhavi BP. Comparative study of cardiac autonomic status by heart rate variability between under-treatment normotensive and hypertensive known type 2 diabetics. Indian Heart J. 2017;69(1):52-6.
  • 14
    Bassi D, Cabiddu R, Mendes RG, Tossini N, Arakelian VM, Caruso FC, et al. Efeitos da coexistência de diabetes tipo 2 e hipertensão sobre a variabilidade da frequência cardíaca e capacidade cardiorrespiratória. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(1):64-72.
  • 15
    Rosa CM, Xavier NP, Campos DH, Fernandes AA, Cezar MD, Martinez PF, et al. Diabetes mellitus activated fetal gene program and intensifies cardiac remodeling and oxidative stress in aged spontaneously hypertensive rats. Cardiovasc Diabetol. 2013 Oct 17;12:152.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2018
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br