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Especialistas em Imagens Intervencionistas do Coração - A Nova Face da Imagem Cardíaca

Palavras-chave
Cardiologia/educação; Cardiologia/tendências; Competência Clínica; Difusão de Inovação; Educação de Pós-Graduação em Medicina; Imagem Multimodal/tendências; Substituição da Valva Aórtica Transcateter/economia.

Com o envelhecimento da população mundial, tem havido, paralelamente, o crescimento de doenças cardíacas valvares. O desenvolvimento e estabelecimento da substituição valvular aórtica percutânea (TAVR, em inglês) proporcionou uma nova estrutura para o tratamento desses pacientes por meio de uma equipe multidisciplinar de planejamento e tratamento. Esta equipe cardiovascular multidisciplinar permite o compartilhamento de diferentes conhecimentos e especialidades, com o intuito de melhorar o atendimento aos pacientes. Embora a TAVR seja um exemplo, muitas outras intervenções cardíacas estruturais percutâneas para válvula mitral, apêndice atrial esquerdo, fechamento de escape paravalvar e válvula tricúspide continuarão expandindo o arsenal de terapias menos invasivas para esses pacientes, tipicamente considerados como de alto risco.

Dentro desse contexto de contínua expansão de dispositivos e procedimentos, tem havido um aumento na demanda por médicos com habilidades procedimentais específicas e treinamento avançado em imagem cardíaca, tanto em ecocardiografia quanto em tomografia computadorizada cardíaca (TCC). Entretanto, a relativa novidade desta subespecialidade traz muitos desafios. Diante da escassa definição dos requisitos de treinamento e conjuntos de habilidades, além da falta de reembolso procedimental e reconhecimento adequados ao avançado nível de imagens peri-procedimentais e cuidados médicos, há muitas barreiras à sustentabilidade e expansão desta subespecialidade única.

Formação em imagem de doenças cardíacas estruturais

Embora a formação em imageamento multimodal já tenha sido bem delineada,11 Chandrashekhar Y, Dilsizian V, Kramer CM, Marwick T, Min JK, Shaw L, et al. Implementing multimodality imaging in the future. JACC Cardiovasc Imaging. 2016;9(2):91-8. ainda não há diretrizes específicas quanto à formação e/ou requisitos para especialistas em imagens de doenças cardíacas estruturais (DCE), conforme demonstrado pelos resultados de uma pesquisa recentemente realizada na Europa.22 Grapsa J, Kunadian V, Capodanno D, Vidal-Perez R, Radu M, Christia P, et al. Joint EACVI HIT/EAPCI young survey/ESC CoT survey: training and education for 'multimodality imaging in structural interventions': the rise of a new sub-specialty? Eur Heart J Cardiovasc Imaging. 2016;17(12):1432-3. Alguns dos desafios atualmente enfrentados pelos bolsistas de cardiologia que buscam formação em imagem de DCE incluem a procura por centros de formação com volume clínico de alto risco suficiente e exposição a uma variedade de procedimentos de alto risco, de modo a obter capacitação para além dos procedimentos tradicionais de TAVR. Isto traz uma questão inevitável sobre se a formação adequada em imagens de DEC deve, assim, ficar reservada a um pequeno número de centros com conhecimento e experiência suficientes em tais procedimentos. O que deve constituir o portfólio mínimo de procedimentos, seu grau de complexidade, o número de casos realizados para o planejamento de procedimentos e a orientação intraprocedimental a fim de obter a proficiência adequada são algumas das perguntas cujas respostas permanecem obscuras.

A maioria dos programas de alto volume é capaz de oferecer uma exposição abrangente, para uma formação adequada, particularmente nos procedimentos de TAVR, fechamento de apêndice atrial esquerdo (AAE) e defeito do septo atrial (DSA). O reparo mitral percutâneo com o sistema MitraClip (Abbott Vascular, Menlo Park, CA) também está se tornando cada vez mais comumente realizado, e deve passar a integrar o treinamento padrão de especialistas em imagens de DCE. Por outro lado, procedimentos percutâneos, tais como o fechamento de escape paravalvar, a troca valvar mitral transcateter e as intervenções percutâneas na válvula tricúspide, são mais complexos e menos realizados e, portanto, devem envolver diferentes expectativas quanto ao que se considera como requisito mínimo para obtenção de proficiência.

Importantes atribuições profissionais

Recentemente, elaboramos um breve panorama de algumas das principais características e atributos necessários ao sucesso dos especialistas em imagem de doenças estruturais cardíacas (DCE).33 Wang DD, Geske J, Choi AD, Khalique O, Lee J, Atianzar K, et al. Navigating a career in structural heart disease interventional imaging. JACC Cardiovasc Imaging. 2018 Sep 6:pii:S1936-878X(18)30651-X [Epub ahead of print] Um dos principais componentes consiste em possuir excelentes compreensão e formação nessas modalidades de imagem, para que o profissional possa integrar e suscintamente apresentar as informações à equipe cardiovascular, bem como adicionar valor a outras recomendações em testes diagnósticos e interpretação de dados, particularmente quando há relatos conflitantes.

No planejamento pré-procedimento, a revisão e síntese de estudos de imagens seriadas são necessárias para se avaliar mudanças progressivas na função cardíaca, no tamanho das câmaras e na gravidade da patologia valvar. Isso é particularmente importante quando há doença multivalvar, podendo representar um desafio tanto para decisões diagnósticas quanto terapêuticas. Frequentemente, o imageamento multimodal e a avaliação hemodinâmica podem ser necessários ao esclarecimento de questão(ões) clínica(s).

Durante a orientação intraprocedimental, os especialistas em imagens DCE aprendem a ser ágeis, focados, conscientes e capazes de se proteger da exposição à radiação. A capacidade de aplicar um pensamento crítico multimodal para integrar e combinar informações clínicas e achados de imagem (fluoroscopia e ETE) implica em um conjunto de habilidades adquiridas em processos de formação, que os especialistas em imagens podem desenvolver ao longo do tempo. O especialista em imagens intervencionistas que conduz a geração de imagens com pensamento crítico torna-se inestimável ao sucesso do procedimento, muito mais do que qualquer forma de sobreposição ou fusão de imagens. O conhecimento aprofundado de dispositivos específicos e etapas procedimentais, bem como a comunicação clara, sucinta e oportuna com o cardiologista intervencionista e outros membros da equipe, são atributos críticos de um especialista em imagem DCE bem sucedido, implicando, assim, em um conhecimento sólido da importância de seu papel e dos momentos de exercê-lo.

Em termos de pós-procedimento, os especialistas em imagem de DCE devem ser capazes de correlacionar achados de imagem com resultados intraprocedimentais e potenciais complicações do equipamento. A exposição a uma variedade de intervenções em DCE é necessária para gerar uma carga suficiente de experiência em imagens, de modo a permitir a mitigação de complicações e promover a segurança durante procedimentos transcateter de alto risco. Um especialista em imagens DCE que tenha desenvolvido tais conjuntos de habilidades exclusivas será um recurso indispensável para uma equipe cardiológica de DCE, e um componente essencial para a excelência em resultados e segurança de procedimentos.

Dada a natureza dinâmica deste campo, podemos esperar mudanças contínuas no currículo de treinamento padrão, refletindo atualizações importantes na literatura médica, iterações de equipamentos e mudanças em procedimentos. Tais mudanças podem ser acompanhadas através da participação em encontros anuais e seminários patrocinados pela indústria, além da participação em cursos on-line de EMC e workshops de imagens estruturais, os quais podem ajudar a atualizar e melhorar as habilidades em imagem.

A exposição à radiação é um potencial risco laboral para o especialista em imagens de DCE

Embora a questão da exposição à radiação apenas tenha começado a ser adequadamente estudada há relativamente pouco tempo,44 Salaun E, Carles S, Bigand E, Pankert M, Aldebert P, Jaussaud N, et al. High Radiation Exposure of the imaging specialist during structural heart interventions with echocardiographic guidance. JACC Cardiovasc Interv. 2017;10(6):626-7.,55 Crowhurst JA, Scalia GM, Whitby M, Murdoch D, Robinson BJ, Turner A,et al. Radiation exposure of operators performing transesophageal echocardiography during percutaneous structural cardiac interventions. J Am Coll Cardiol. 2018;71(11):1246-54. ela certamente representa um dos mais importantes riscos laborais ao especialista em imagens de DCE. Ambas as publicações44 Salaun E, Carles S, Bigand E, Pankert M, Aldebert P, Jaussaud N, et al. High Radiation Exposure of the imaging specialist during structural heart interventions with echocardiographic guidance. JACC Cardiovasc Interv. 2017;10(6):626-7.,55 Crowhurst JA, Scalia GM, Whitby M, Murdoch D, Robinson BJ, Turner A,et al. Radiation exposure of operators performing transesophageal echocardiography during percutaneous structural cardiac interventions. J Am Coll Cardiol. 2018;71(11):1246-54. confirmam que o especialista em imagens de DCE pode estar sujeito a níveis muito altos de exposição à radiação em casos estruturais.

Portanto, dado o aumento da complexidade desses procedimentos, que exigem mais orientações fluoroscópicas e de imagem, contamos apenas com a esperança de que esta continue sendo uma área importante para futuras pesquisas e desenvolvimento tecnológico. Atualmente, uma série de medidas simples, como o uso de avental protetor de chumbo, escudos portáteis de chumbo suspensos no teto e o afastamento da fonte de raios-X, podem representar estratégias importantes para minimizar a exposição e o risco potencial a ela associado.55 Crowhurst JA, Scalia GM, Whitby M, Murdoch D, Robinson BJ, Turner A,et al. Radiation exposure of operators performing transesophageal echocardiography during percutaneous structural cardiac interventions. J Am Coll Cardiol. 2018;71(11):1246-54.,66 Hirshfeld JW Jr, Ferrari VA, Bengel FM, Bergersen L, Chambers CE, Einstein AJ, et al. 2018 ACC/HRS/NASCI/SCAI/SCCT Expert Consensus Document on Optimal Use of Ionizing Radiation in Cardiovascular Imaging: Best Practices for Safety and Effectiveness: A Report of the American College of Cardiology Task Force on Expert Consensus Decision Pathways. J Am Coll Cardiol. 2018;71(24):2829-55.

Os ambientes de trabalho e a administração dos hospitais precisam apoiar e proporcionar o fornecimento dos recursos necessários a minimizar as consequências potenciais da exposição excessiva à radiação, como delineado pelos autores.

A remuneração e a sustentabilidade do ambiente de trabalho

Na maioria dos programas nos EUA, o especialista em imagens intervencionais de DCE é considerado como parte do grupo de cardiologia geral não invasiva. Isso ocorre em grupos de clínicas particulares, clínicas de grupo vinculadas a hospitais ou em grandes centros de pesquisa acadêmica. Com isso, cria-se um significativo descompasso entre a quantidade de tempo necessária para planejar e orientar procedimentos complexos em DCE e a remuneração atualmente alocada ao especialista em imagens de DCE. Atualmente, no sistema norte-americano, a quantidade de unidades de valor relativo de trabalho médico (wRVUs) dita as métricas para fins remuneração e salários finais. Simplificando, quanto mais procedimentos um médico fizer, mais estudos ele lerá, e mais ele/ela pode cobrar.

O modelo atual não reflete o tempo dispendido em planejamento procedimental e o conjunto de habilidades necessários para orientar, de forma bem sucedida, intervenções complexas em DCE, e tampouco considera os potenciais efeitos adversos à saúde do especialista em imagens DCE, como a exposição à radiação. Tomemos, por exemplo, um procedimento MitraClip relativamente simples. Este procedimento de Mitraclip é dependente da orientação intraprocedimental na ecocardiografia transesofágica (ETE), e requer 90 minutos ou mais de orientação procedimental ininterrupta em tempo real para a ETE-3D. Tudo isso é faturado sob um mesmo código intraprocedimental de ETE para DCE (93355), ao qual se atribui um valor de wRVUs de 4,66, totalizando, assim, uma remuneração de US$230,00. No mesmo intervalo de tempo, outro cardiologista “não invasivo” pode ter lido de 10 a 15 ecocardiogramas transtorácicos (avaliados em 1,3 wRVU por estudo), ou 3 a 4 ETEs (avaliados em 2,3 wRVU por estudo), o que demonstra, pelas métricas tradicionais de produtividade, mais valor para a instituição do que o especialista em imagens intervencionistas funcionando como segundo operador no procedimento Mitraclip, o qual, inclusive, fica exposto à radiação [fonte: http://asecho.org/2018-medicare-physician-fee-schedule-final-rule].

Os especialistas em imagens de DCE devem continuar a defender o reconhecimento dos requisitos exclusivos necessários ao êxito nesta subespecialidade emergente. A sustentabilidade da carreira profissional em imagens de DCE é diretamente dependente da utilização de métricas justas de produtividade. Muitos bolsistas graduados demonstram claro interesse em buscar formação adicional em imagem intervencionista de DCE. O mais provável é que um modelo baseado em salário facilite uma carreira bem-sucedida em diagnóstico por imagem de DCE, ao contrário do modelo tradicional de produtividade por wRVUs. Até que sejam estabelecidas diretrizes setoriais para esse campo emergente, os códigos de procedimentos diferenciais continuarão a ser uma falha na alocação de remuneração do tempo do diagnóstico por imagem de DCE.

Direcionamentos futuros

A presença de um especialista em imagens de DCE é fundamental para o crescimento e sucesso de qualquer programa com alto volume de DCE. Os resultados recentes e fortemente positivos do estudo COAPT77 Stone GW, Lindenfeld J, Abraham WT, Kar S, Lim DS, Mishell JM, et al. Weissman NJ, et al.and Investigators C. Transcatheter mitral-valve repair in patients with heart failure. N Engl J Med. 2018 Sep 23 [Epub ahead of print] enfatizam a oportunidade de uma discussão em nível multi-setorial. A fim de permitir o crescimento sustentável e continuar a oferecer o suporte em diagnóstico por imagem necessário à segurança do paciente e ao sucesso dos supracitados procedimentos transcateter de alto risco, é necessário revisar o modelo estrutural e de remuneração atual, que oferece insignificante reconhecimento ao especialista em imagens de DCE, um co-operador absolutamente necessário à execução bem sucedida destes procedimentos.

Juntos, estes achados enfatizam a necessidade crítica e a oportunidade de reconhecer a imagem intervencionista de DCE como uma subespecialidade da Cardiologia e do Diagnóstico por Imagens Cardíacas - e, fundamentalmente, de legitimar o especialista em imagens de DCE como segundo operador de procedimentos, igualmente dedicado a um excepcional atendimento ao paciente.

References

  • 1
    Chandrashekhar Y, Dilsizian V, Kramer CM, Marwick T, Min JK, Shaw L, et al. Implementing multimodality imaging in the future. JACC Cardiovasc Imaging 2016;9(2):91-8.
  • 2
    Grapsa J, Kunadian V, Capodanno D, Vidal-Perez R, Radu M, Christia P, et al. Joint EACVI HIT/EAPCI young survey/ESC CoT survey: training and education for 'multimodality imaging in structural interventions': the rise of a new sub-specialty? Eur Heart J Cardiovasc Imaging 2016;17(12):1432-3.
  • 3
    Wang DD, Geske J, Choi AD, Khalique O, Lee J, Atianzar K, et al. Navigating a career in structural heart disease interventional imaging. JACC Cardiovasc Imaging 2018 Sep 6:pii:S1936-878X(18)30651-X [Epub ahead of print]
  • 4
    Salaun E, Carles S, Bigand E, Pankert M, Aldebert P, Jaussaud N, et al. High Radiation Exposure of the imaging specialist during structural heart interventions with echocardiographic guidance. JACC Cardiovasc Interv 2017;10(6):626-7.
  • 5
    Crowhurst JA, Scalia GM, Whitby M, Murdoch D, Robinson BJ, Turner A,et al. Radiation exposure of operators performing transesophageal echocardiography during percutaneous structural cardiac interventions. J Am Coll Cardiol 2018;71(11):1246-54.
  • 6
    Hirshfeld JW Jr, Ferrari VA, Bengel FM, Bergersen L, Chambers CE, Einstein AJ, et al. 2018 ACC/HRS/NASCI/SCAI/SCCT Expert Consensus Document on Optimal Use of Ionizing Radiation in Cardiovascular Imaging: Best Practices for Safety and Effectiveness: A Report of the American College of Cardiology Task Force on Expert Consensus Decision Pathways. J Am Coll Cardiol 2018;71(24):2829-55.
  • 7
    Stone GW, Lindenfeld J, Abraham WT, Kar S, Lim DS, Mishell JM, et al. Weissman NJ, et al.and Investigators C. Transcatheter mitral-valve repair in patients with heart failure. N Engl J Med 2018 Sep 23 [Epub ahead of print]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2018
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