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Cintilografia Miocárdica após Revascularização Percutânea em Pacientes Assintomáticos: Futilidade ou tem Utilidade?

Palavras-chave
Doença da Artéria Coronariana/cintilografia; Revascularização Miocárdica; Intervenção Coronária Percutânea; isquemia miocárdica

A cintilografia miocárdica (CM) é um método não invasivo consagrado na prática clínica para a avaliação de pacientes com suspeita de cardiopatia isquêmica ou com doença arterial coronariana (DAC) estabelecida.11 Henzlova MJ, Duvall WL, Einstein AJ, Travin MI, Verberne HJ. ASNC imaging guidelines for SPECT nuclear cardiology procedures: Stress, protocols, and tracers. J Nucl Cardiol. B2016;23(3):606-39. Na avaliação diagnóstica encontra sua principal indicação na investigação de pacientes com probabilidade pré-teste intermediária de DAC,22 Hendel RC, Berman DS, Di Carli MF, Heidenreich PA, Henkin PA, Pellikka PA, et al. ACCF/ASNC/ACR/AHA/ASE/SCCT/SCMR/SNM 2009 appropriate use criteria for cardiac radionuclide imaging: a report of the American College of Cardiology Foundation Appropriate Use Criteria Task Force, the American Society of Nuclear Cardiology, the American College of Radiology, the American Heart Association, the American Society of Echocardiography, the Society of Cardiovascular Computed Tomography, the Society for Cardiovascular Magnetic Resonance, and the Society of Nuclear Medicine. Circulation. 2009;119(22): e561-87. sendo difícil dissociar o valor diagnóstico da informação prognóstica obtida com o método. Por meio de critérios de gravidade validados na literatura, como a extensão da isquemia, podemos determinar o risco de o paciente apresentar eventos cardiovasculares no futuro.33 Bourque JM, Beller GA. Stress myocardial perfusion imaging for assessing prognosis: an update. JACC Cardiovasc Imaging. 2011;4(12):1305-19. Nos pacientes com DAC estabelecida, a CM pode auxiliar na estratificação de risco para eventos como infarto do miocárdio não fatal e morte cardíaca, bem como na avaliação de sintomas sugestivos de isquemia miocárdica. Embora o valor da quantificação de isquemia tenha sido tema de debate nos últimos anos, é inegável que na prática clínica pode auxiliar na tomada da decisão terapêutica.44 Hachamovitch R, Hayes SW, Friedman JD, Cohen I, Berman DS. Comparison of the short-term survival benefit associated with revascularization compared with medical therapy in patients with no prior coronary artery disease undergoing stress myocardial perfusion single photon emission computed tomography. Circulation. 2003;107(23):2900-7.,55 Shaw LJ, Berman DS, Maron DJ, Mancini GB, Hayes SW, Hartigan PM, et al. Optimal medical therapy with or without percutaneous coronary intervention to reduce ischemic burden: results from the Clinical Outcomes Utilizing Revascularization and Aggressive Drug Evaluation (COURAGE) trial nuclear substudy. Circulation. 2008;117(1):1283-91.

A CM pode ser útil na avaliação de pacientes submetidos a procedimento de revascularização cirúrgica ou percutânea, principalmente se o paciente apresentar sintomas. Embora a realização de CM possa ser indicada em pacientes assintomáticos após 2 anos da intervenção coronariana percutânea (ICP) ou após 5 anos do procedimento cirúrgico,66 Wolk MJ, Bailey SR, Doherty JU, Douglas PS, Hendel RC, Kramer CM, et al. ACCF/AHA/ASE/ASNC/HFSA/HRS/SCAI/SCCT/SCMR/STS 2013 multimodality appropriate use for the detection and risk assessment of stable ischemic heart disease. J Am Coll Cardiol. 2014; 63(4):380-406. poucos estudos na literatura analisaram o tempo adequado para a realização do estudo funcional em pacientes assintomáticos e a validade da realização do mesmo. A prática cardiológica contradiz frequentemente o que é recomendado, não sendo rara a avaliação de pacientes assintomáticos em um período menor do que é sugerido na literatura.

Nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, de Andrade et al.,77 de Andrade LF, Souza AC, Peclat T, Bartholo C, Pavanelo T, Lima RSL. O valor prognóstico e o uso clínico cintilografia de perfusão miocárdica em pacientes assintomáticos após intervenção coronariana percutânea. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(6):784-793. avaliaram o valor prognóstico e o uso clínico da cintilografia de perfusão miocárdica em pacientes assintomáticos após ICP.77 de Andrade LF, Souza AC, Peclat T, Bartholo C, Pavanelo T, Lima RSL. O valor prognóstico e o uso clínico cintilografia de perfusão miocárdica em pacientes assintomáticos após intervenção coronariana percutânea. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(6):784-793. Os autores realizaram um estudo retrospectivo avaliando 647 pacientes que realizaram CM após ICP. Cinquenta e três por cento dos pacientes apresentaram CM anormal (30% anormais com isquemia e 23% anormais sem isquemia). A taxa anual de óbitos foi superior naqueles com perfusão anormal sem isquemia comparada nos grupos com isquemia e CM normal (3,3% X 2% X 1,2%, p = 0,021). A taxa anual de revascularização foi de 10,3% no grupo com isquemia, 3,7% naquelas com CM normal e 3% no grupo com CM anormal sem isquemia. Foram preditores independentes de mortalidade e revascularização, respectivamente, defeito perfusional maior do que 6% e defeito isquêmico maior que 3%. Quarenta e dois por cento dos pacientes realizaram CM menos de 2 anos após o procedimento de ICP e não foram observadas diferenças relevantes em relação aos que realizaram após este período.

A presença de isquemia silenciosa nos pacientes submetidos à ICP não é incomum, e usualmente está relacionada à evolução da DAC em territórios remotos e não nas áreas revascularizadas.88 Rajagopal V, Gurm HS, Brunken RC, Prothier EE, Bhatt DL, Lauer MS. Prediction of death or myocardial infarction by exercise single photon emission computed tomography perfusion scintigraphy in patients who have recent coronary artery stenting. Am Heart J. 2005;149(3):534-40.,99 Zellweger MJ, Fahrni G, Ritter M, Jeger RV, Wild D, Buser PM, et al; BASKET Investigators. Prognostic value of "routine" cardiac stress imaging 5 years after percutaneous coronary intervention: the prospective long-term observational BASKET (Basel Stent Kosteneffektivitäts Trial) LATE IMAGING Study. JACC Cardiovasc Interv. 2014;7(6):615-21. O estudo de de Andrade et al.77 de Andrade LF, Souza AC, Peclat T, Bartholo C, Pavanelo T, Lima RSL. O valor prognóstico e o uso clínico cintilografia de perfusão miocárdica em pacientes assintomáticos após intervenção coronariana percutânea. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(6):784-793. demonstrou que 30% dos pacientes apresentavam isquemia mesmo não referindo sintomas e que o período de 2 anos não modifica de maneira relevante a informação obtida pela CM. Não existem dados na literatura que demonstrem consistentemente que o diagnóstico de isquemia após ICP modifique desfechos clínicos. O estudo ISCHEMIA foi delineado para determinar qual o valor da quantificação da isquemia por meio de métodos não invasivos e se esta informação apresenta interação com a decisão terapêutica e desfechos clínicos, mas seus resultados ainda não são conhecidos.1010 Maron DJ, Hochman JS, O'Brien SM et al. International Study of Comparative Health Effectiveness with Medical and Invasive Approaches (ISCHEMIA) trial: Rationale and design. Am Heart J. 2018; 201:124-35. À luz do conhecimento atual, a presença de isquemia detectada pela CM é sabidamente um marcador de risco cardiovascular e pode auxiliar na tomada de decisão terapêutica. Particularmente em pacientes submetidos à ICP, se a mesma foi realizada de maneira incompleta ou se o paciente não apresentou angina como manifestação de DAC, a realização de CM antes do tempo sugerido na literatura pode ser útil e não fútil. Cabe ao médico assistente considerar se deve esperar o tempo sugerido na literatura para reavaliar o paciente, pois a base teórica para esta conduta não apresenta respaldo consistente.

  • Minieditorial referente ao artigo: O Valor Prognóstico e o uso Clínico da Cintilografia de Perfusão Miocárdica em Pacientes Assintomáticos após Intervenção Coronariana Percutânea

References

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    Henzlova MJ, Duvall WL, Einstein AJ, Travin MI, Verberne HJ. ASNC imaging guidelines for SPECT nuclear cardiology procedures: Stress, protocols, and tracers. J Nucl Cardiol. B2016;23(3):606-39.
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    Hendel RC, Berman DS, Di Carli MF, Heidenreich PA, Henkin PA, Pellikka PA, et al. ACCF/ASNC/ACR/AHA/ASE/SCCT/SCMR/SNM 2009 appropriate use criteria for cardiac radionuclide imaging: a report of the American College of Cardiology Foundation Appropriate Use Criteria Task Force, the American Society of Nuclear Cardiology, the American College of Radiology, the American Heart Association, the American Society of Echocardiography, the Society of Cardiovascular Computed Tomography, the Society for Cardiovascular Magnetic Resonance, and the Society of Nuclear Medicine. Circulation. 2009;119(22): e561-87.
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    Wolk MJ, Bailey SR, Doherty JU, Douglas PS, Hendel RC, Kramer CM, et al. ACCF/AHA/ASE/ASNC/HFSA/HRS/SCAI/SCCT/SCMR/STS 2013 multimodality appropriate use for the detection and risk assessment of stable ischemic heart disease. J Am Coll Cardiol. 2014; 63(4):380-406.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2018
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