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O Volume Médio Plaquetário Diminui na Presença de Fístula da Artéria Coronária?

Palavras-chave
Ativação Plaquetaria; Síndrome Coronariana Aguda; Volume Plaquetário Médio; Inflamação; Angiografia Coronária

Há muito tempo sabe-se que a ativação plaquetária está envolvida na gênese de diversas doenças cardiovasculares, especialmente as síndromes coronarianas agudas e as demais doenças ateroscleróticas.11 Libby P. Mechanisms of acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2013;369(9):883-4. Estudos da década de 70 já demonstravam que a lesão endotelial era capaz de desencadear uma cascata de eventos inflamatórios que leva à ativação plaquetária e consequente trombose vascular.22 Stemerman MB. Thrombogenesis of the rabbit arterial plaque: an electron microscopic study. Am J Pathol. 1973;73(1):7-26.

As plaquetas ativadas possuem um tamanho maior devido à sua atividade enzimática e metabólica aumentada.33 Khandekar, MM, Khurana AS, Deshmukh SD, Kakrani AL, Katdare AD, Inamdar AK. Platelet volume indices in patients with coronary artery disease and acute myocardial infarction: an Indian scenario. J Clin Pathol. 2006;59(2):146-9. Essas observações levaram à realização de uma série de estudos que avaliaram a correlação entre o volume plaquetário médio (VPM) e as doenças cardiovasculares. A maioria desses estudos encontrou uma correlação positiva entre as variáveis com maior risco de eventos isquêmicos nos pacientes com VPM mais elevado.44 Kiliçli-Çamur, N. Demirtunç R, Konuralp C, Eskiser A, Başaran Y. Could mean platelet volume be a predictive marker for acute myocardial infarction? Med Sci Monit. 2005;11(8):CR387-92.,55 Venturinelli ML, Hovnan A, Soeiro AM, Nicolau JC, Ramires JAF, DÁmico E, et al. Platelet Activation in Different Clinical Forms of the Coronary Artery Disease (Roll of P-Selectin and others Platelet Markers in the Stable and Unstable Angina). Arq Bras Cardiol. 2006;87(4):446-50. Esses estudos foram reproduzidos em diversas situações diferentes com resultados semelhantes. Apesar disso, eles nunca foram testados em ensaios clínicos de grande porte, como parte da tomada de decisão. Assim, não existe evidência robusta para utilizar o VPM, ou mesmo outros testes de atividade plaquetária mais complexos, na prática clínica diária como fator de risco cardiovascular até o momento atual.66 Michelson, AD. Platelet function testing in cardiovascular diseases. Circulation. 2004;110(19):e489-93.,77 Tsiara S, Elisaf M, Jagroop IA, Mikhailidis DP. Platelets as predictors of vascular risk: is there a practical index of platelet activity? Clin Appl Thromb Hemost. 2003;9(3):177-90.

Fístulas coronárias (FAC) são achados raros, estando presentes em cerca de 0,2% dos adultos submetidos à angiografia coronária.88 Latson LA. Coronary artery fistulas: how to manage them. Catheter Cardiovasc Interv. 2007;70(1):110-6. A principal etiologia é congênita, com um aumento recente da etiologia adquirida devido ao maior número de procedimentos invasivos com o desenvolvimento da hemodinâmica.99 Said SA, El Gamal MI, Van der Werf T. Coronary arteriovenous fistulas: collective review and management of six new case: changing etiology, presentation, and treatment strategy. Clin Cardiol. 1997;20(9):748-52.

Na maior parte das vezes, elas são pequenas e clinicamente assintomáticas, não exigindo um tratamento específico. Em casos excepcionais, quando há drenagem para as câmaras direitas e o débito da fístula é alto, pode ocorrer o fenômeno de “roubo coronariano”, com diminuição do fluxo sanguíneo para o miocárdio e isquemia local, especialmente em situações de aumento da demanda de oxigênio, como durante o esforço físico. Nessas situações, o paciente pode apresentar dor torácica e necessitar de algum tratamento intervencionista.1010 Buccheri D, Chirco PR, Geraci S, Caramanno G, Cortese B. Coronary artery fistulae: anatomy, diagnosis and management strategies. Heart Lung Circ. 2018;27(8):940-51. Em sua grande maioria, a presença de fístulas não está correlacionada com aumento do risco de eventos isquêmicos miocárdicos, mas pode haver aterosclerose precoce em caso de persistência de fístulas de alto débito.1111 Challoumas D, Pericleous A, Dimitrakaki IA, Danelatos C, Dimitrakakis G. Coronary arteriovenous fistulae: a review. Int J Angiol. 2014;23(1):1-10.

O estudo realizado por Sincer et al.1212 Sincer I, Çekici Y, Cosgun M, Aktas G, Gunes Y, et al. O volume médio plaquetário diminui na presença de fístula da artéria coronária? (Arq Bras Cardiol. 2019;113(1):71-76 buscou avaliar a presença de uma correlação entre o VPM e as FAC. Na população analisada, observou-se uma correlação negativa entre esses fatores, estando o VPM mais baixo relacionado à presença de FAC. Esse achado diverge daquele visto nas demais doenças cardiovasculares, em que há um aumento do VPM, como já citado. Como a fístula coronária não é uma doença inflamatória e não está correlacionada ao aumento do risco de eventos ateroscleróticos, esse achado pode ser real. A explicação fisiopatológica para esse achado, no entanto, é desconhecida e sua aplicabilidade prática é extremamente limitada. A observação da correlação entre VPM e FAC também pode ter sido meramente aleatória a despeito de estatisticamente significativa. Esse fato é comum quando se testa a correlação de diversas variáveis com um desfecho. Mais estudos envolvendo a análise da ativação plaquetária nas doenças coronarianas ateroscleróticas e não-ateroscleróticas ainda são necessários para que possamos adicionar esse dado à nossa prática clínica diária, tanto como marcador de risco como eventualmente como forma de guiar a terapêutica.

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References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Ago 2019
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