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A Elevada Pressão do Combate a Pandemia da COVID-19

Palavras-chave
COVID-19; Betacoronavírus; Pandemia; Doenças Cardiovasculares; Hipertensão; Idosos; Hospitalização; Comorbidades

Apesar de já estarmos há quase dois anos no enfrentamento dos desafios impostos pelo novo coronavírus, ainda nos resta um longo caminho a ser percorrido. A rápida e fácil propagação do vírus não só preocupa a população e a sociedade científica como um todo, como também escancarou a fragilidade do sistema público de saúde brasileiro, tido como universal. Os números falam por si - as taxas exorbitantes de infectados e, consequentemente, de números de óbitos nos fizeram e fazem questionar a condução desta crise sanitária.

Neste cenário, indivíduos idosos e com comorbidades, tais como hipertensão arterial, diabetes, obesidade e doença arterial coronariana, foram os que mais sofreram com a COVID-19.11 Costa I, Bittar CS, Rizk SI, Araújo Filho AE, Santos KAQ, Machado TIV, et al. The Heart and COVID-19: What Cardiologists Need to Know. Arq Bras Cardiol. 2020;114(5):805-16. O vírus no organismo leva a extensa disfunção endotelial,22 Nagele MP, Haubner B, Tanner FC, Ruschitzka F, Flammer AJ. Endothelial dysfunction in COVID-19: Current findings and therapeutic implications. Atherosclerosis. 2020 Dec;314:58-62. intermediada por citocinas inflamatórias e fatores trombogênicos, lesões microvasculares disseminadas e graves complicações, tais como: embolia pulmonar e sistêmica, injúria miocárdica e disfunção renal.33 Evans PC, Rainger GE, Mason JC, Guzik TJ, Osto E, Stamataki Z, et al. Endothelial dysfunction in COVID-19: a position paper of the ESC Working Group for Atherosclerosis and Vascular Biology, and the ESC Council of Basic Cardiovascular Science. Cardiovascular research. 2020;116(14):2177-84. Essas manifestações mostraram-se potencialmente fatais, em especial neste grupo aqui elencado, pela concomitante presença de doenças cardiovasculares (DCV).

Dentre as DCV, a hipertensão arterial (HA) destaca-se por sua elevada prevalência; no Brasil e na China, por exemplo, mais de 20% da população total é hipertensa, valor que chega a 71,7% em indivíduos acima de 70 anos.44 Barroso WKS, Rodrigues CIS, Bortolotto LA, Mota-Gomes MA, Brandao AA, Feitosa ADM, et al. Brazilian Guidelines of Hypertension - 2020. Arq Bras Cardiol. 2021;116(3):516-658.,55 Deng Y, Xie, W, Liu T, Wang S, Wang M, Zan Y, et al. Association of Hypertension with Severity and Mortality in Hospitalized Patients with COVID-19 in Wuhan, China: a single-centered, retrospective study. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(5):911-921. A HA se mostra como grave problema de saúde pública, sendo a si atribuídos 14% das internações gerais e a responsabilidade por elevado e em ascensão número de óbitos. Em 2015, no Brasil, foram registradas 47.288 mortes por HA, número este que aumentou para 53.022 em 2019.66 Brasil. Ministério da Saúde. Datasus: Hipertensão Arterial. Brasilia;2019.

Deng et al.,55 Deng Y, Xie, W, Liu T, Wang S, Wang M, Zan Y, et al. Association of Hypertension with Severity and Mortality in Hospitalized Patients with COVID-19 in Wuhan, China: a single-centered, retrospective study. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(5):911-921. nesta publicação desta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, de modo muito objetivo, avaliaram a associação entre HA e a gravidade/mortalidade em pacientes hospitalizados pela COVID-19 na China. Em uma coorte retrospectiva de 337 pacientes, elencam-se as características clínicas e laboratoriais dos 112 pacientes hipertensos, comparados a um grupo de normotensos. No grupo dos hipertensos, observou-se que eles eram mais idosos, com mais comorbidades associadas (como, doença renal e doença cerebrovascular) e desenvolveram mais complicações no curso da infecção, com maior necessidade de suplementação de oxigênio e evolução para síndrome do desconforto respiratório agudo grave.55 Deng Y, Xie, W, Liu T, Wang S, Wang M, Zan Y, et al. Association of Hypertension with Severity and Mortality in Hospitalized Patients with COVID-19 in Wuhan, China: a single-centered, retrospective study. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(5):911-921.

De modo consistente, os dados apresentados por estes autores mostram que as provas inflamatórias, como proteína C reativa e procalcitonina estão mais elevadas nestes pacientes, bem como ocorre maiores níveis séricos de marcadores de lesão cardíaca (troponina T, creatina quinase MB e NT-proBNP). O grau de hipertensão arterial também esteve associado a maior gravidade da COVID-19, uma vez que 60% dos pacientes com HA estágio III com COVID-19 desenvolveram quadros críticos da doença.55 Deng Y, Xie, W, Liu T, Wang S, Wang M, Zan Y, et al. Association of Hypertension with Severity and Mortality in Hospitalized Patients with COVID-19 in Wuhan, China: a single-centered, retrospective study. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(5):911-921. O estudo também mostrou que HA esteve associada a quase 2,2 mais chances de morrer por COVID-19 (OR: 2,093 [IC95%: 1,094-4,006], p=0,024).55 Deng Y, Xie, W, Liu T, Wang S, Wang M, Zan Y, et al. Association of Hypertension with Severity and Mortality in Hospitalized Patients with COVID-19 in Wuhan, China: a single-centered, retrospective study. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(5):911-921.

Outros pesquisadores corroboram os achados apresentados por estes autores e também sugerem que a HA é a comorbidade mais comumente relacionada ao aumento de mortalidade em pacientes com COVID-19.77 Zuin M, Rigatelli G, Zuliani G, Rigatelli A, Mazza A, Roncon L. Arterial hypertension and risk of death in patients with COVID-19 infection: Systematic review and meta-analysis. J Infection. 2020;81(1):e84-e6. O que explicaria a gravidade associada entre este binômio ainda não foi completamente elucidado. Aventa-se a hipótese de uma possível interface entre o vírus e HA com o sistema renina angiotensina aldosterona,88 Zemlin AE, Wiese OJ. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) and the renin-angiotensin system: A closer look at angiotensin-converting enzyme 2 (ACE2). Ann Clin Biochemist. 2020;57(5):339-50. além da disfunção endotelial que é inerente às duas doenças. A invasão celular pelo vírus seria facilitada pela enzima conversora da angiotensina 2 (ECA-2), que é amplamente encontrada nas células cardíacas e pulmonares. Assim, esse passaporte seria o pontapé inicial para, posteriormente, o vírus desencadear uma exuberante cascata inflamatória e explicando, em parte, o grave acometimento cardiopulmonar imposto pela COVID-19.99 Bourgonje AR, Abdulle AE, Timens W, Hillebrands JL, Navis GJ, Gordijn SJ, et al. Angiotensin-converting enzyme 2 (ACE2), SARS-CoV-2 and the pathophysiology of coronavirus disease 2019 (COVID-19). J Pathol.2020;251(3):228-48.

De fato, é certo que o combate à pandemia da COVID-19 envolve medidas de isolamento social e vacinação em massa. Contudo, ações que promovam assistência de saúde adequada à população devem ser igualmente priorizadas e mantidas de forma perene no enfrentamento de qualquer contexto adverso, ainda mais evidente neste momento que vivemos. Dessa forma, oportunizar o correto tratamento de doenças tão prevalentes, como a HA, pode contribuir de forma significativa para a redução da mortalidade da COVID-19.

  • Minieditorial referente ao artigo: Associação da Hipertensão com a Gravidade e a Mortalidade de Pacientes Hospitalizados com COVID-19 em Wuhan, China: Estudo Unicêntrico e Retrospectivo

Referências

  • 1
    Costa I, Bittar CS, Rizk SI, Araújo Filho AE, Santos KAQ, Machado TIV, et al. The Heart and COVID-19: What Cardiologists Need to Know. Arq Bras Cardiol. 2020;114(5):805-16.
  • 2
    Nagele MP, Haubner B, Tanner FC, Ruschitzka F, Flammer AJ. Endothelial dysfunction in COVID-19: Current findings and therapeutic implications. Atherosclerosis. 2020 Dec;314:58-62.
  • 3
    Evans PC, Rainger GE, Mason JC, Guzik TJ, Osto E, Stamataki Z, et al. Endothelial dysfunction in COVID-19: a position paper of the ESC Working Group for Atherosclerosis and Vascular Biology, and the ESC Council of Basic Cardiovascular Science. Cardiovascular research. 2020;116(14):2177-84.
  • 4
    Barroso WKS, Rodrigues CIS, Bortolotto LA, Mota-Gomes MA, Brandao AA, Feitosa ADM, et al. Brazilian Guidelines of Hypertension - 2020. Arq Bras Cardiol. 2021;116(3):516-658.
  • 5
    Deng Y, Xie, W, Liu T, Wang S, Wang M, Zan Y, et al. Association of Hypertension with Severity and Mortality in Hospitalized Patients with COVID-19 in Wuhan, China: a single-centered, retrospective study. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(5):911-921.
  • 6
    Brasil. Ministério da Saúde. Datasus: Hipertensão Arterial. Brasilia;2019.
  • 7
    Zuin M, Rigatelli G, Zuliani G, Rigatelli A, Mazza A, Roncon L. Arterial hypertension and risk of death in patients with COVID-19 infection: Systematic review and meta-analysis. J Infection. 2020;81(1):e84-e6.
  • 8
    Zemlin AE, Wiese OJ. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) and the renin-angiotensin system: A closer look at angiotensin-converting enzyme 2 (ACE2). Ann Clin Biochemist. 2020;57(5):339-50.
  • 9
    Bourgonje AR, Abdulle AE, Timens W, Hillebrands JL, Navis GJ, Gordijn SJ, et al. Angiotensin-converting enzyme 2 (ACE2), SARS-CoV-2 and the pathophysiology of coronavirus disease 2019 (COVID-19). J Pathol.2020;251(3):228-48.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Nov 2021
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