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Ciência alguns aspectos de sua evolução: tudo em rápido escorço

Ciência alguns aspectos de sua evolução - Tudo em rápido escorço

José de Mello Moraes

Professor catedrático de Química Agrícola da Escola Superior de Agricultura "" Luiz de Queiroz", da Universidade de S. Paulo

Aula inaugural de 1947

A ciência se modifica sem cessar. Renova-se de quando em quarrlo. Destroi o que estatuiu e, sobre as ruinas do que desmantelou, edifica novo e vistoso castelo com aquilo que admite como verdade. Dir-se-ia que seus fundamentos repousam em areia movediça. Presta-se, por isso, a que sua evolução seja examinada sob esse aspecto.

É bem de ver que o aludido assunto — a evolução da ciência a — é por demais vasto e não pode ser passado em revista, embora em aula denominada de inaugural. Tópicos, tirados daqui e acolá, em determinada sequência, sao, contudo, suficientes para demonstrar que a ciência nao se apresenta com arquitetura acabada. Nunca adquiriu estabilidade. Note-se que o que ela considera hoje como exato, é tido amanho, como falso. Isto não impede que, não raro, ressuscite o passado.

A Grécia genial revelou com Aristarco de Samos que o universo era maior do que se supunha, acrescentando que as estrelas e o sol nao giravam ao derredor do planeta terra. A terra é que se movia. Nao se lhe deu crédito- Arquimedes se mostra como sábio. Nao foi êle que resolveu o problema da coroa do ouro do rei Hierão? Nao inculca em seu tratado — "Sôbre os corpos flutuantes" — que se valeu da experimentação para esse fim? Demócrito — o Filósofo que ri — sonha com o átomo, pôsto que para êle os elementos fossem apenas a água, o fogo, o ar e a terra. Não obstante Arquimedes, com seus laivos do experimentador, verifica-se, em exame de conjunto, que o grego, se notável como o foi, se ateve, diante da ciência, à atitude dedutiva. Partia de axiomas para tirar ilações lógicas, à moda da geometria euclidiana.

Os árabes, no entanto, é que se afobavam com a experimentação, maxime no domínio do que viria a ser a química. Ansiavam-se em busca da pedra filosofal, do elixir da longa vida e da transmutação dos metais comuns em ouro reluzente. Era o reino da alquimia. Pouco importa que isso se revestisse de roupagem de magia. O que.é inegável é que, com as experiências levadas a efeito, chegou-se à descoberta de vários elementos químicos: -o mercúrio, o fósforo, etc...

Roger Bacon abeberou-se com a técnica dos árabes, apoderando-se, outrossim, da sabedoria que a Idade Média possuía, com o germen fecundo do método dedutivo :— observação, experimentação e, ao depois, generalização. A ciência mwvra-se destarte dos instrumentos que a levariam ao esplendor. O grego lhe entregara a dedução, como chave para decifrar os enigmas da natureza. O árabe, a indução.

É, porém Galileu que se assenhoreia do método científico em sua integridade. Kepler em menor grau. Ambos estabeleceram que os planetas, inclusive a terra, revoluteiam ao redor do sol Assegura-se que a órbita é elitica. Apesar de Aristarco de Samos, julgava se que a terra era o centro do universo e imóvel. A ciência derrota a Bíblia, ou melhor, os que a interpretam, sem lampejos de inteligência. Galileu, o sábio, é inquieto e irreverente. Do alto da torre inclinada de Piza, deixa cair am peso de libra e outro de dez, justamente quando sour, colegas professores "se dirigiam para as cátedras com grave dignidade em presença dos discípulos". Os pesos atingem o solo ao mesmo tempo, praticamente. Estava aberta a brecha na autoridade incontrastável de Aristóteles. Criava-se a lei da qüèdà das' contos. Ilusão de ótica somente, na opinião dos cátedra ticos austeros, que asseguravam ser impossível que um Aristóteles tivesse laborado em engano... Esqueça-se o episódio: contistador do "Eppur si muove"

A ciência não pára e continua sua marcha triunfal. Surge Newton, bem como Leibnitz e outros. O impreciso, meio caótico ná Astronomia, adquire coerência, de um jato, com a lei da (rravttacao. Até o cometa Halley perde sua auréola tétrica. Nao é mais o pressagiador da morte de príncipes e reis. É simples, cometa. Newton: é o Einstein da época, na Inglaterra. Leibnitz é ofuscado. Na França, inaugura Descartes a filosofia moderna. Voltaire, o diabólico, é que, em suas "Lettres Philosophiques", vulgariza Newton, embora este já nao existisse mais. Incrementa-lhe a fama- A França prossegue a obra do autor da lei da gravitaçâo. A maça, desprendendo-se da árvore, é iluminadora do sistema planetário, com o sol ao centro e de outros astros.

Olhe-se agora para a terra. O "Beagle" efetua um cruzeiro singrando os mares, perlustrando regiões sucessivas. A bordo se encontra Darwin. Observa a flora e a fauna, que se alteram em seus espécimens, com distribuição geográfica de espécies e gêneros Aristóteles sofre novo embate. Perde o tetro de árbitro da sabedoria. Darwin desfecha-lhe o obús da "seleção natural. As espécies nao sã imutáveis, através dos séculos. Nao há mal que a.seleção natural, como foi concebida, esteta hoje em dia para ficar reduzida a frangalhos. Os seus farrapos subsistem ainda, entretecidos de maneira diferente 4a original. A mutabilidade da espécie ficou de pé e altaneira. K De Vries não a atestou? As linhas puras de Johannsen valer para transcurso de tempo limitado. Não é assim a ciência?

Isolada observação de um abade, realizada com ervilhas, oferece e ensêjo para o conhecimento da hereditariedade. Desaparecia Surpresa do "atavismo" ifle é manifestação descomplicada do patrimómio dos genitores, reconstruído pelo acasalamento. Segue normas matemática Correns, Morgan e outros batem na mesma tecla, aumentando-lhe a sonoridade A Drosófila, pequenina, é formidável laboratório para observações e experiências no desencanto' do modo pelo qual se comportam plantai e animais, nas dependências de genitores e descendentes O milho,também,é outros que tais.

A mente humana náo é relegada à penumbra. Tente-se devássá-la rémovendo-se sobre seu funcionamento se imaginaram anteriormente. Frèud esforçà-se para imprimir-lhe caráter sexual. Nem o sonho é desprezado para isso. Pavlov, na Rússia, se levanta como um Deus. com seus reflexos condicionados. O cão é material próprio para investigações desse naipe. A torre do silêncio, que nem a revolução soviética destruiu, é o farol que norteia as pesquisas. O cão raciocina. Deforma-a lhe a psiché. provocando distúrbios mórbidos, mentais. O mecanismo do raciocínio é apresentado em base fundamental. Adler, discípulo de Freud, apela com esse fim a conjunturas sociais.

Abandone-se, porém, o que diz respeito ao ser humano, em sua forrma material ou espiritual. Não se cogite nem sequer das etapas de seu aperfeiçoamento, desde sua origem de linhagem paralela ao macaco até o homem de hoje em dia, o arquiteto incansável da ciência. E faça-se a ressurreição do átomo. Êle perdeu o significado de unidade indivisível da matéria inerte Continua a ser unidade, mas não indivisível. O que é interessante assinalar é que a Física lidava com moléculas. O átomo era entregue ás especulações da Química. A molécula foi examioada, por prismas os mais variados. Brown, em 1828, constatara que esporos minúsculos, vistos ao microscópio, moviam-se. Que representaria tal fato de importante? Bem depois é que se calculou que esses esporos de Brown deslocavam-se, porque sofriam embates das moléculas do líquido em que se achavam em suspensão. Horizontes amplos se delineiam para a ciência. O movimento browniano sé patenteia como correlacionado com o movimento, molecular, concomi tan temente com a elevação da temperatura. Em virtude disso, e após experiências simples, determinou-se, por extrapolação, a energia oa zero isto é, a temperatura de menos 273°C, justamente onde o novimento molecular desaparece, cessando de existir. É o zero absoluto, também chamado de Kelvin.

Outro físico, Otto Stern, logra medir diretamente a velocidade molecular, criando para isso engenhosos petrechos. Maxyell assegura que "numa- coleção de grande número de partículas em movimento irregular, as colisões mútuas chegam a um estudo em que a energia total do sistema será em média igual nerte distribuída entre todas as partículas. Jean Perrin calcula a energia cinética das partículas brownianas, estendendo o mesmo cálculo as moléculas de qualquer substância, baseado no princípio do equidivisão. A unidade de carga elétrica nos pequeníssimos corpos, é determinada por Milikan, em 1911. com o concurso do "efeito fotoelétrico". Einstein é gênio indiscutível. A sua teoria da relatividade não convém que seja trazida à baila, embora se encontre exposta em vulgarização ao alcance das inteligências nao familiarizadas com a Física ou com sua estonteante matemática. O espaço curvo não espanta. Na terra, a linha reta, traçada á superfície, acaba por voltar ao ponto de partida...

Mas, a Física retoma o átomo da Química e o disseca, embora fosse considerado como a menor quantidade imaginável de matéria. E mostra que êle é um universo em miniatura. Núcleo central positivo com um ou mais eletrônios negativos, em constante movimento. Capas eletrônicas escalonam-lhe o número e sua complexibilidade. É desnorteante ? Nao. É esclarecedor do que se passa. A sua periodicidade, posta a descoberto por Mendelejeff, torna-se clara como a luz do dia sem nuvens. A isctopta é transparente. A reunião dos átomos em moléculas, quando viável, é mero entrozamento ou partilhamento de eletrônios. Desfazem-se obscuridades.

Como se fosse taumaturgo, Rutherford sonda o minúsculo corpo do átomo. As partículas a (alfa) se transformam em projéteis. O esqueleto atômico é desnudo, percebendo-se a distribuição de cargas elétricas. O núcleo se revela, desviando ou ricocheteando particular a (alfa)- O eletrônio não atua sôbre elas. Também a sua massa é insignificante. 1840 vezes menor do que a de um átomo de hidrogênio. Possui, todavia, o mínimo de energia, que é suficiente para que não caia no núcleo. O estado Inicial de tal energia é de excitação quântica O movimento subatômico esbarra, porém, na mecânica clássica, que o obs-curece. Bohr procurava remover o entrave. Erwin Schroeder, austríaco e Werner Heisenberg, alemão, físicos ambos, estruturaram novo sistema de mecânica para explicá-lo, embora partindo de premissas diversas. As disparidades aparentes das teorias, que rada qual formulou, desapareceram, porque se demonstrou que matematicamente eram equivalentes. O átomo simplificado de Demóstenes se converte em complicado arranjo mecânico. O núcleo é que, segundo o modelo de Rutherford, deve ser centro morto, imóvel, em redor do qual revoluteiam os eletrônios.

Pouco antes, porém, já sé havia constatado a desintegração da matéria. Becquerel, com suas chapas fotográficas, tivera surp-cra profunda, algo misteriosa. O rádio do casal Curie desvenda a cortina de transmutação dos elementos. O alquimista que foi desprezado patenteia-se como lídimo precursor nesse terreno. A ciência reflui ao passado remoto, desentravando a verdade dos escombros em que a sepultara, por mais de século. É possível calcular a idade da terra, com base da transmutação do urânio, tório, actínio e seus afins.

Mas, se o rádio e outros elementos das famílias radioativas se transmutam espontaneamente, qual a razão por que não se poderá provocar coisa semelhante, com técnica adequada para isso é. Insiste-se no bombardeamento dos átomos. Fotografa-se o projétil infinitesimal, que lhe penetra no âmago. Não é fotografia direta. É da névoa que se forma na câmara de bombardeio. Merle Tuve. Hafstad e Van de Graf constróem o esmagado de átomos, em Washington. O ciclotrônio se ergue na Califórnia, graças a Lawrence. É que Cockcrofl tinha conseguido produzir feixe paralelo de protônios, que se moviam com a velocidade de 10 000 quilômetros por segundo.

O azôto em colisão nuclear com o hélio se convertem em oxigênio e hidrogênio. Não o oxigênio comum, mas o pesado, de número atômico 17. O lítio e o mesmo hidrogênio produzem dois núcleos de hélio. O boro (na.5) vira em carbono (n.a.6). O sódio em magnésio. O alumínio (13) em silício (14). O hidrogênio pesado, ou Deuterônio e consequente a água, também pesada, são frutos de pesuisas análogas. Além do argônio, com crescente pêso atômico, os elementos se mostram rebeldes à desintegração ou transformações nos moldes em voga. Resistem ao esmagamento. E de tudo o que se atingiu com esses conhecimentos, resultou a bomba atômica, a destruidora terrlfica. É capaz de aniquilar a humanidade.

So isso ? Não. Aperfeiçoou o entendimento principalmente em relação ao sol. Acreditava-se ingenuamente que esse astro se queimava. Qual seria o combustível que era consumido ? Não se sabia isso. Ademais, existia ingenuidade em conceber-se combustão á temperatura de milhares de graus. Em 1929, dois jovens sábios, Atkinson e Houtermans comprovam que é possível a realização de reações termonucleares, em altíssimas temperaturas. Os núcleos se despem das capas eletrônicas. Apresentara-se nús em irregular agitação. A energia cinética do movimento térmico se acentua. A persistência das colisões torna assim mais eficiente do que o bombardeamento dos átomos para a transmutação dos elementos. Weizsäcker, na Alemanha, reconnect a importância das reações nucleares cíclicas na produção da energia solar. O sol não se queima, portanto. É sede somente de reações cíclicas termonucleares. Os principais figurantes na sequência são "os núcleos de carbono e azôto, juntamente com os termo-protônios com que colidem. Começa-se com o carbono comum, C,12. Um impacto de protônio converte no insópito leve do azôto (N.13) com liberação de energia em forma de raios g (gama). O azôto leve é instável e reajusta-se com a emissão de partícula b (beta) positiva, tornando-se em núcleo estável do isétopo mais pesado do carbono C13. Outro impacto de protônio leva esse carbono ao azôto comum (N,14) e da incensa radiação gama. Em seguida, o núcleo de azóto comum condindo com o terceiro protônio, faz nascer o instável isôtopo do oxigênio (0,15) o qual rapidamente se transforma em azôto estável (N,15) emitindo partícula b (beta). Por fim, esse izôto, ao receber em seu interior novo protônio, quebra-se em partes iguais:— um núcleo de carbono (C,12) e outro de helio, isto é partícula a, alfa. Está fechada a cadeia. Está explicada a origem da poderosa energia solar.

Qual a prova que assim o seja ? É que o cálculo da energia total desprendida na reação cíclica termonuclear corresponde à energia irradiada pelo sol. Dr. Hans Bete a calculou por ocasião da Conferência de Física Teórica, realizada em 1998 em Washington.

É por conseguinte, em virtude da transmutação dos elementos que a vida se iniciou e se mantém na terra. A planta sintetisa substâncias orgânicas, mercê da energia daí proveniente, fornecendo alimento aos animais: glucídios, lipídios, proteínas e vitaminas. Até as rochas se alteram pelo mesmo motivo, proporcionando minerais à alimentação dos que constituem o reino vegetal e animal, na natureza. A extinção do sol seria a morte de tudo. Será que o trágico acontecimento há de se converter em realidade ? É evidente que sim. O sol perecerá indubitavelmente. Ficará recoberto de gelo eterno. Acontece, porém, que ele rão irá perdendo calor, como se acreditava, progressivamente. Antes disso, à medida que se consuma, contrair-se-á e haverá emissão de mais energia térmica. As florestas incendiar-se-ão na terra, bem como as cidades, embora opulentas em arranha-céus de cimento armado Os mares e oceanos, depois das suas águas entrarem em ebolição, não conterão mais esse líquido, que se evaporará por completo. A humanidade de então, pacífica ou belicosa, próspera ou esfomeada, extinguir-se á carbonizada. A ciência sucumbe diante da Escritura Sagrada : água, ao depois, fogo para extermínio final. Não será preciso que as doutas congregações dos estabelecimentos de ensino nem a elite que aqui se encontra, se reunam para ouvir qualquer aula inaugural. Será o silêncio tranquilo. É bem exato que essa tragédia suprema ocorrerá daqui a milhões ou bilhões de anos. Permaneça-se, pois, sem receio do terrível evento. Durma-se calmamente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Fev 2013
  • Data do Fascículo
    1947
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