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Carvão da cana

à Associação dos Usineiros de São Paulo

limos. Snrs. Presidente e demais membros do Conselho Diretor da Associação dos Usineiros de São Paulo.

Senhores associados:

Cumpre-me, em primeiro lugar, agradecer aos senhores componentes dessa pujante entidade de classe, a escolha do meu nome para, como seu representante, proceder a uma inspeção nos canaviais da Alta Sorocabana (Assis, Maracaí, Pal-mital, etc.) onde irromperam alguns focos da doença conhecida por Carvão da Cana, e, ao mesmo tempo opinar, em relatório, sobre as medidas a serem postas em prática, visando o controle ou mesmo a erradicação completa do mal.

Pondo os meus prestimos à disposição dessa Associação, não alimento a pretensão de corresponder plenamente ao encargo recebido, mas tão somente contribuir, de alguma forma, para aclarar o problema do "Carvão" e de outras doenças, que poderão pôr em risco a lavoura canavieira do nosso Estado, e mesmo do Brasil.

A princípio; era de meu intuito apresentar, aos senhores associados, um estudo mais pormenorizado da doença em questão,, ilustrando os vários tópicos com profusa citação da literatura extrangeirao Decidi, entretanto, depois da visita à zona infestada, focalizar somente os pontos vitais relativos ao seu contrôle, pois aquele primeiro intento tomaria algum tempo e, a meu ver, as circunstâncias urgem.

- Quero, de minha parte, evitar maiores delongas e espero que o problema seja atacado com presteza e resolução, afim de evitarrse ou reduzir possíveis prejuízos, cujo montante a ninguém é dado avaliar. Talvez careçam de importância, talvez sejam vultuosos, capazes mesmo de afetar seriamente a economia da indústria açucareira. Desde já posso dizer, todavia que o meu prognóstico não é nada alentador, a menos que se tomem medidas urgentes e criteriosas. Entretanto, é preciso ponderar que fatores múltiplos - principalmente os de ordem ecológica e fisiológica - atuando muitas vezes em sentido diferente, dão ao assunto uma complexidade tal, que nenhum técnico poderá garantir qual será o comportamento de uma doença recem-introduzida, numa região. Diga-se de passagem, que o "Carvão" é doença temida em toda parte e já tem determinado elevados danos na India, Africa do Sul, Maurício, Tucuman e em outros pontos do globo, onde a cana é cultivada. Infelizmente, é muito possível, quase certo mesmo, que aqui, o seu comportamento não seja diferente, do que se tem verificado em outras regiões açucareiras.

Devo ainda, de inicio, congratular-me com os senhores associados, pela forma altamente meritoria com que essa útil entidade vem encarando os complexos problemas da produção agrícola-industrial, não descurando, também, da parte referente à defesa da lavoura de cana - pedra angular da indústria do açúcar - contra as pragas e doenças que a afetam. Com isso, essa Associação dá provas de um profundo interesse pelas soluções dos problemas técnicos da agricultura, indício evidente de uma mentalidade elevada e culta, voltada para o progresso e bem estar comuns. A ninguém é lícito, pois, deixar sem aplausos tais medidas de alto alcance, que visam, antes de tudo, garantir a estabilidade da indústria de cana em nosso Estado.

É de minha obrigação, ainda, deixar consignados, aqui, os meus agradecimentos ao snr. Renato Barbosa Rezende e ao Dr. Wilson Brandão Toffano pelo muito que fizeram, no sentido de facilitar a minha incumbência. Também ao Dr. Luiz Xavier de Lima e ao Dr. Antonio Corrêa Meyer, o meu reconhecimento pelas gentilezas recebidas.

Snrs. Associados :

Demorei-me na zona da Alta Sorocabana, de 26 a 30 de maio, percorrendo e inspecionando, sempre em companhia do Dr. Wilson Brandão Toffano - agrônomo do Instituto Biológico, encarregado do serviço do "Carvão" - várias propriedadas canavieiras, situadas nos municípios de Assis e municípios vizinhos e onde sabia ter sido verificada a ocorrência do "Carvão da Cana".

E' preciso esclarecer, ainda, que a inspeção realizada, em toda a zona, teve por objeto recolher impressões gerais da doença, da extensão do ataque, do comportamento das variedades cultivadas na região, etc. e não se teve em mira fazer um levantamento fito-sanitário, que seria aliás um trabalho longo e escaparia à nossa finalidade.

Município de Assis

Foram visitadas e vistoriadas as propriedades que se seguem, com as respectivas áreas, em cana:

Usina Nova América, em 27 e 28 de maio

P.O.J. 36 e 213 105 alqueires

Co. 290 155 alqueires

Nesta propriedade, o Instituto Biológico já destruiu, ou melhor, já procedeu à aradura de, aproximadamente, 70 (setenta) alqueires, dos 105 existentes com as variedades P.O.J. 36 e 213.

Até há poucos dias atrás, estavam em serviço, nesta propriedade, 2 tratores e respectivo conjunto. Atualmente, só um deles está em funcionamento, pois o outro foi retirado. Esperava o Instituto Biológico (Circ. 133/48 dessa Associação) terminar a destruição dos canaviais das variedades, tidas como suscetíveis, na Usina Nova América, por todo o mês de maio p. passado. Não o poude fazer pela deficiência de material e de pessoal. Apesar de ter sido iniciado o serviço noturno e dos esforços dispendidos pelo Dr. Wilson Brandão Toffano que, diga-se de passagem, são dignos de encomios, os trabalhos de aradura caminham morosamente e, nesse andar, não terminarão antes de meados de julho vindouro.

Aliás, pelo que estou informado, os trabalhos de destruição dos canaviais afetados, daquela Usina, deveriam ter início em agosto de 1947, mas, por falta de óleo combustível, só começaram em Dezembro. Com as chuvas copiosas, próprias dessa época do ano, os trabalhos resultaram infrutíferos, até março.

Mais adiante, voltaremos a fazer novas considerações a respeito dos trabalhos de destruição dos canaviais das variedades suscetíveis (P.O.J. 36 e 213).

Engenho Taruman, de Germano Holzhausen (29 de maio)

P.O.J. 36, 213 55 alqueires

Co. 290 e outras 28 alqueires

O proprietário deste engenho empreitou a destruição da área plantada, com as variedades suscetíveis, tendo já arado 52 dos 55 alqueires. Em tôda a área arada, é Imprescindível fazer-se o repasse a enxadão, ou mesmo proceder-se a uma segunda lavra.

Desta Fazenda é que foi remetido ao Instituto Biológico, pelo agrônomo regional Dr. Américo Furtado de Oliveira, o primeiro material atacado pelo "Carvão". Podemos considerá-la, portanto, como o foco inicial da doença no Estado de São Paulo.

O Instituto Biológico mantém ainda, na Fazenda Taruman, bem como em outros pontos da zona infestada, um canteiro de experimentação, com diversas variedades de cana, sujeitando-as às provas de inoculação natural, com o fim de aquilatar-se sua resistência ou suscetibilidade à doença. Esse canteiro, eu o considero valiosísimo e não tenho dúvidas em qualificá-lo, mesmo, como o melhor serviço prestado, até agora, na luta contra o "Carvão". No caso de ser posto em execução o plano de erradicação geral da doença, na zona da Alta Sorocabana, eu me permito sugerir que esses canteiros se conservassem como último reduto a ser destruido. E isso para que se pudessem colher, pelo maior espaço de tempo possível, os ensinamentos e outros dados de valor inestimável, principalmente daqueles que dizem respeito ao comportamento das diversas variedades lá existentes, sob as condições de clima e solo paulistas. E se, por circunstância superveniente, tal plano (de erradicação) for abandonado, por exemplo, por inoperante, eu sugeriria, então, a instalação imediata de um verdadeiro campo experimental, com vários alqueires de terra, arrendados, digamos por 10 anos, e sob os cuidados de pessoal habilitado e com residencia no local. Seria esse campo, a meu ver, a melhor fonte de informações e de dados concretos sôbre o grau de suscetibilidade das diferentes variedades de cana, em relação ao "Carvão.

Na Fazenda Turuman, ainda estava reservada a mim (e ao Dr. Wilson) uma surpresa que me deixou apreensivo. Conquanto soubesse que a Co. 290, a variedade que ocupa cerca de 70% da área canavieira do Estado, tivesse sido classificada por Mathur (1945), na Índia, como moderadamente suscetível em relação ao "Carvão", não esperava encontrar tantos casos de infecção, em uma plantação nova (cana-planta). Trata-se de um lote de mais ou menos, 14 alqueires. plantado em Fevereiro deste ano, com "pontas" de Co. 290, oriundas da Estação Experimental de Cana de Piracicaba, em substituição à antiga cultura de P.O.J. 36 e P.O.J. 213 que havia sido destruida. O snr. Geraldo Holzhausen, gerente da propriedade, o mesmo que notou o "Carvão", pela primeira vez, em São Paulo, foi mostrar-nos a cultura afetada. De fato, a infecção era grande e generalisada: contamos, em 10 sulcos, 30 casos de "Carvão" e poderíamos ter contado centenas deles, se fosse do nosso agrado. Convém esclarecer aqui que, até então, o Instituto Biológico tinha apenas noticia da ocorrência de casos esporádicos de "Carvão", na cana Co. 290 (4 ou 5 casos relatados em toda a zona).

Em Tucuman (Argentina) is)ssa variedade foi, anteriormente, considerada praticamente imune e, pelo que sei, vem sendo, de ano para ano, reclassificada, tendo já descido bastante na escala de resistência.

Todavia, é prematuro retirar do fato acima, conclusões alarmantes ou pessimistas, quanto ao montante dos danos. Somente observações futuras, feitas com frequência e cuidado nos poderão revelar, exatamente, a reação e o comportamento da Co. 290 em face do "Carvão". Fica pois, dado o sinal de alerta. E, na minha opinião, todos os snrs. Usinelros devem, sem perda de tempo, escolher um lote nas suas melhores terras, se já não o fizeram, e promover a multiplicação intensiva das variedades tidas como resistentes, afim de que possam fazer em tempo hábil, e caso as circunstâncias o exijam, a renovação de seus canaviais com "pontas" próprias e selecionadas. (Consultar a Estação Experimental de Cana de Piracicaba e o Instituto Biológico). Sendo uma medida de baixo custo é, ao meu ver, de grande prudência e representa, senão a melhor, pelo menos a arma mais segura que temos no momento para enfrentar o "Carvão". E' que, no caso de verifi-car-se uma infecção grave e generalizada da Co. 290, em nosso Estado, essa medida de precaução evitará o pânico e a consequente corrida à cata de outras variedades. Em Tucuman, sucedeu exatamente isso quando, em 1944, o "Carvão" assumiu um caráter epifitótico. Estabeleceu-se, como não podia deixar de ser, o câmbio negro das variedades resistentes, precisando o Governo daquela Nação Intervir, por um Decreto (N. 9.255 de 12 de Abril de 1944), fixando os preços por tonelada de "pontas", promovendo a distribuição equitativa das mudas e, mesmo, declarando de utilidade pública e sujeitos à expropriação, os canaviais de variedades resistentes. Por êsse mesmo Decreto, aquele Governo prestava auxílio financeiro aos plantadores de cana, que se achavam em situação difícil e aflitiva, para que pudessem proceder à renovação de seus canaviais. Por considerá-lo de grande interesse, vou transcrever o seu teor, em apenso, a este relatório.

Município de Maracaí (Comarca de Araguassú)

Foram Inspecionadas, neste município, as plantações da Fazenda Santa Rita e Santa Amélia, pertencentes à Maracaí S/A - Agrícola e Pecuária, e à Fazenda "Esperança", do sr. Nicolau Carpentiere.

Maracaí S/A - Agrícola e Pecuária (27 de maio) Fazenda Santa Rita

P.O.J. 213 11 alqueires

Co. 290 70 "

P.O.J. 2727

1 alqueire

P.O.J. 2878

Fazenda Santa Amélia (Secção de "Sossêgo")

P.O.J. 213 15 alqueires

As culturas das variedades P.O.J. 213. de ambas as Fazendas, apresentam diversos casos de "Carvão", mas os danos verificados são mínimos. Não obstante, vão ser cortadas as canas, pela primeira vez, éste ano (cana-planta), e o Instituto Biológico vai destruí-las, logo após o corte.

Fazenda "Esperança", de N. Carpentiere (27 de maio)

P.O.J. 213 e outras 14,5 alqueires

Co. 290 2,5 "

Na plantação de P.O.J. 213, foram verificados varios casos de "Carvão". Como no caso anterior, trata-se de início de iníecção.

Municípios de Palmital e Ibirarema

Ao chegarmos à cidade de Palmital, desabou forte chuva que se prolongou noite a dentro, tornando intransitáveis as estradas do município. Assim, as únicas informações que recebemos, foram prestadas por intermédio do agrônomo regional Dr. Mozart Silveira. São as seguintes: a comarca de Palmital compreende cerca de 2.400 propriedades agrícolas, sendo 1.700, no município e 700, em Ibirarema. Nesta região, contam-se mais de 25 pequenos engenhos para fabricação de pinga. As plantações de cana das variedades P.O.J. 36 e 213 são pequenas - sendo a maior de 5 alqueires. A pedido do agrônomo regional, os proprietários fizeram a destruição dos canaviais afetados. Resta saber se ela foi bem feita e completa.

CONSIDERAÇÕES SÔBRE O SERVIÇO DE DESTRUIÇÃO DOS CANAVIAIS DE VARIEDADES SUSCETÍVEIS P.O.J. 36 e P.O.J. 213

Este serviço vem sendo feito pelo Instituto Biológico, por uma verba de Cr$ 250.000,00 fornecida pelo Instituto do Açúcar e do Álcool. Visa ou visava, creio eu, a erradicação parcial ou quiçá total do agente causai da doença, pela destruição' total dos hospedeiros suscetíveis, o que impediria a sua propagação e disseminação aos canaviais de outras zonas. O fungo - Ustilago scitaminea - não encontrando mais plantas para atacar, tenderia a desaparecer. Estava de pleno acôrdo com essa medida; entretanto, a meu ver, a situação mudou bastante depois que verificámos, na Fazenda Taruman, aquele forte ataque na plantação de Co. 290, cujas touceiras infetadas continuam, agora, como focos da doença. Valerá a pena destrui-las, também ? No caso afirmativo, dever-se-ia pôr em prática o plano de erradicação total.

Como foi dito linhas atrás, esses trabalhos vêm se processando com muita lentidão, devido à falta de meios materiais. Pela mesma razão, o serviço feito, em alguns lugares, deixa muito a desejar. Encontram-se, com freqüência, nas imediações de tocos, touceiras vivas das variedades erradicadas, atacadas de "Carvão". Nem a direção esclarecida, do Dr. Spencer Corrêa de Arruda, nem os esforços dispendidos pelo seu auxiliar Dr.

Wilson Brandão Toffano, conseguiram imprimir, ao trabalho, o ritmo acelerado, desejável. E, diga-se, também, que ninguém o fará melhor com tão parcos recursos. Mas, de outro lado, não podemos esquecer, no entanto, de que o valor técnico daquela medida, reside, justamente, na celeridade e perfeição do serviço executado.

PLANO DE ERRADICAÇÃO

Antes de tudo, diga-se, que a erradicação de um parasito recém-introduzido, em um pais, porém ainda confinado a uma dada zona, representa, de fato, a solução ideal e mais decisiva para combater-se a doença por êle causada.

Pondo de parte o lado econômico da questão, e analizando só, sob o ponto de vista técnico-prático, o plano de erradicação, proposto pela douta "Comissão para o estudo da Execução das Medidas de Erradicação da Doença "Carvão da Cana", comissão esta formada por personalidades de indiscutível capacidade cientifica, não tenho dúvidas em expender a minha desautorizada opinião. E dest'arte, julgo que o plano de erradicação só deverá ser tentado, depois:

a) - que se proceder a um rigoroso levantamento fitossanitário nos municipios do Estado e nos Estados vizinhos, afim de conhecer-se, exatamente, a extensão e distribuição da doença.

b) - que se tiver certeza de que nenhum canavial (mesmo destinados à forragem) situado nas vizinhanças da zona infestada (Municípios vizinhos), irá ficar sem ser cuidadosamente inspecionado, e mantido sob severa vigilância.

c) - que se verificar que, de fato, a doença está circunscrita somente à zona da Alta Sorocabana, o que eu, desde já, ponho em dúvida.

Convém ponderar, quanto a este item, os dois fatos seguintes: 1) - a intensa produção de esporos que se formam no "chicote" (milhões e milhões desses órgãos de propagação do fungo) e a sua fácil disseminação pelas correntes aéreas e outros vetores; 2) - como uma consequência do item anterior, o mesmo fenômeno que se deu na Argentina poderá verificar-se aqui. Lá, o "Carvão" foi constatado pela primeira vez em 1940, "cuando em noviembre de ese ano el fitopatólogo lo halló en la caña P.O.J. 36 en una finca situada en la parte Sur del Departamento de La Capital. En marzo de 1941, lo encontró otra vez en la misma variedad, en una finca de Cruz Alta. Por recomendación de esta Estación Experimental se tomaron todas las medidas posibles para extirpar el mal en estas dos fincas. A la vez se puso em conocimiento de los cañeros e industriales (mediante correspondencia, circulares y publicaciones en la prensa local) la aparición de la plaga, y se pidió a todos que inspeccionaram sus cañaverales a fin de descubrir cualquier nuevo foco de la enfermedad, pero a pesar de todo esto, y de las numerosas inspecciones realizadas por el personal de la Estación Experimental y de sus Agrónomos de Zona, no se encontraron nuevos focos, hasta el mes de noviembre de 1941, cuando la plaga apareció simultáneamente en la cana P.O.J. 36, en casi todas partes de las zonas cañeras de Tucuman, Salta y Jujuy".

d) - que se chegar à conclusão de que é mister organizar um corpo de inspetores, cujos componentes sejam pessoas honestas e sem medo do trabalho, capazes, enfim, de desempenharem, cabalmente, o seu papel, percorrendo e vistoriando, com frequência, as plantações e as culturas erradicadas.

e) - que se fizer ampla divulgação em todo o Estado, e mesmo fora dele, por meios de material de museu, fotografias, cartazes, filmes, etc., dos sintomas da doença e da promessa de um prêmio à pessoa que descobrir uma planta atacada de "Carvão", numa zona ainda não infestada.

f) -que se tiver certeza de que a destruição dos canaviais se processará com celeridade e perfeição de modo a não ficar uma touceira de cana na zona infestada.

g) - que se tiver absoluta certeza da não existência, entre nós, de outro hospedeiro (planta suscetível) além da cana de açúcar.

São essas, snrs. Usineiros, algumas das considerações que desejava expender sobre o assunto. Nas conclusões contudo, voltarei, ainda, a êle.

CONCLUSÕES

1 - O "Carvão da cana é doença grave e temida em várias regiões canavieiras. Eis algumas informações recentes sôbre sua importância econômica: McMartin (1947) diz que na África Oriental Portuguesa e na Rodésia, o agente causal do "Carvão" está determinando sérios prejuízos. Nesta última região toda, a Co. 301 foi afetada, sendo desaconselhada a propagação dessa variedade. Mathur (1945) na índia, aconselha a redução das áreas plantadas com as variedades altamente suscetíveis - Co. 313 e Co. 312 e a submeter à rigorosa vigilância as variedades moderadamente suscetíveis - Co. 370, Co. 385, Co. 513, Co. 290 e Co. 214. Por fim, aconselha o incremento da área cultivada com as variedades resistentes - Co. 356, Co. 419, Co. 421, Co. 395 e P.O.J. 2878. Cross (1946) diz que o "Carvão", em Tucuman, determinou verdadeira crise na indústria açucareira argentina e considera a doença como a maior ameaça à produção, desde a epifitia do Mosaico em 1916, "hasta el extremo de haver necesario el abandono de centenares de miles de surcos de caña de estas variedades (P.O.J. 36 M., P.O.J. 36 rayada y Paz Posse (P.O.J. 36 morada).

2 - E', portanto, provável que o fungo, causador do "Carvão" - Ustilago scitaminea, seja por uma questão de virulência de raça, ssja porque encontre condições ecológicas favoráveis, torne a doença bastante grave em nosso Estado ou em em outras regiões do nosso País.

3 - E' preciso ter em mente que todo o parasito desconhece fronteiras ou quaisquer outras linhas divisórias convencionais. Assim, o problema do "Carvão" não é únicamente paulista, é nacional. Uma vez estabelecido aqui, é quase certo que, mais cedo ou mais tarde, os esporos do fungo do "Carvão" alcançarão o Rio e depois o Norte do País. Não foi à toa que o presidente Farnsl, na Argentina, declarou o "Carvão" como plaga nacional, no Decreto que, entre outras providências, incluía as de auxílio financeiro aos plantadores de cana. (Decreto já cit.)

4 - O plano de erradicação da doença, na zona infestada da Alta Sorocabana, representa a solução ideal, mas só deverá ser tentado depois de um estudo meticuloso, abrangendo os múltiplos aspectos da questão, e de um rigoroso levantamento fito-sanitário, no Estado, o que acredito já ter sido feito pela douta "Comissão para o Estudo da Execução das Medidas de Erradicação da Doença "Carvão da Cana". Seria, a meu ver, um desastre técnico e econômico, e envolveria tremenda responsabilidade, ss procedêssemos à expropriação, à destruição e à indenisação de extensas áreas canavieiras, e, logo depois, o "Carvão" fosse descoberto, em outro ponto do Estado. Diz muito bem aquela ilustre Comissão, num dos seus considerandos "que o agente da doença é um fungo especialmente adaptado à disseminação, a longa distância, pelo vento e outros veículos". Não se falando do vento, quero lembrar a-penas um fato que me deixou apreensivo, no tocante à disseminação provável do agente do "Carvão" as grandes áreas canavieiras de S. Paulo. Quero me referir ao intenso tráfico de caminhões e automóveis que demandam o Norte do Paraná e, na volta, se espalham pelo interior paulista, passando justamente à beira de canaviais fortemente infestados.

5 - O que me parece fora de dúvida é que, com plano de erradicação ou sem êle, todos os snrs. Usineiros e plantadores em geral, devem, quanto antes, promover a multiplicação das variedades, tidas como resistentes ao "Carvão", preparando-se, assim, para a renovação de seus canaviais, caso as circunstâncias o determinem. Tal providência - a da multiplicação intensiva das variedades resistentes - representa, no meu entender, um seguro feito contra o "Carvão", sendo o prêmio desse seguro bastante módico, pelos benefícios que dele poderão advir. Devem também, os snrs. Usineiros, consultar a Estação Experimental de Cana de Piracicaba e o Instituto Biológico e seguir rigorosamente os seus ensinamentos referentes à escolha do local, situação dos "Viveiros", serviços de "roguing" contra o Mosaico e outras doenças, etc.

6 - Os snrs Usineiros devem cooperar, também, no sentido de ser descoberto qualquer novo foco da doença. E isso porque as infecções iniciais do "Carvão" da cana, em geral passam desapercebidas e muitas vezes escapam ao mais rigoroso levantamento fito-sanitário, feito por inspetores volantes. Penso eu que o administrador, o feitor, o colono, o cortador de cana ou o empreiteiro deligente, enfim aqueles que, pela função do próprio trabalho, estão em contacto diuturno com uma dada gleba de terra, quando convenientemente instruidos, poderão, com probabilidades infinitamente maiores topar com os primeiros casos de "Carvão" numa propriedade.

7 - Muito de propósito deixo de recomendar ou fazer apologia de qualquer variedade de cana, em relação ao "Carvão". Só poderia fazê-lo, aliás, se me reportasse às experiências ex-trangeiras, principalmente as levadas a efeito na Estación Experimental Agrícola de Tucuman e que se acham condensadas na publicação de Kreibohn de la Vega - "Situación actual de las variedades de caña de azúcar, com relación a la plaga del "Carbon". Suscetibilidad demonstrada por la variedades cultivadas em la Estación Experimental Agrícola. 1947". Os ensaios de variedades do Instituto Biológico no município de Assis, conquanto datem de pouco tempo e se limitem a 2 ou 3 canteiros, representam já uma fonte de informações úteis. Sugiro, pois, que se consulte aquele Instituto neste particular.

8 - Seria de interesse indiscutível a ida de um ou mesmo dois técnicos à Argentina afim de observarem "in loco", principalmente na Provincia de Tucuman, os resultados lá obtidos na luta contra o "Carvão". E isso porque a experiência argentina principalmente no tocante à questão da suscetibilidade das variedades de cana já é longa e cheia de percalços. Muitos ensinamentos poderiam advir dal. Poder-se-ia também examinar a possibilidade e vantagem da introdução em nosso Pais de novas variedades de cana resistentes ao "Carvão" e à outras doenças.

9 - A idéia, da restruturação da Estação Experimental de Cana de Piracicaba, levantada pelo snr. Fulvio Morgantl, é, por todos os títulos, digna de ser acoroçoada e convertida em realidade. Já é tempo de possuirmos um organismo maior e mais eficiente para cuidar dos problemas da cana, em seus múltiplos aspectos. A indústria açucareira em nosso País, para que tenha condições de estabilidade e progresso, deve repousar em uma lavoura sã, explorada com métodos racionais e orientada por um corpo de técnicos a ela unicamente dedicados.

Piracicaba, 7 de junho de 1948. Ruben de Sousa Carvalho

EXPLICAÇÃO DAS FIGURAS

Fig. 1 - Canavial atacado pelo "Carvão", e vistoriado pelo autor. Variedade P.O.J. 213.

Fig. 2 - Sintomas apresentados pelo "Carvão".

Fjg. 3 - Hastes de cana com internódios longos e finos, mostrando "chicotes". Var. P.O.J. 213.

Fig. 4 - Haste de cana mostrando um longo "chicote". Var. P.O.J. 213.

Fig. 5 - Broto lateral afetado de "Carvão" antes da emissão do "chicote".

Fig. 6 - O mesmo broto da figura anterior visto com maior aumento e mostrando os sintomas internos.

Fig. 7 - Canavial novo da variedade Co. 290 atacado pelo "Carvão". Fazenda Turuman, Assis.

Fig. 8 - Cana-planta da variedade Co. 209 da Fazenda Turuman, mostrando sintomas de "Carvão".

  • Carvão da cana

    Ruben de Sousa Carvalho
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      1949
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