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Mortalidade materna por hemorragia no Estado de Santa Catarina, Brasil

Resumos

A hemorragia representa um conjunto de causas que incide sobre a mulher durante o ciclo grávido-puerperal e com atenção indevida resulta em morte. Os autores têm como objetivo analisar as mortes maternas relacionadas à hemorragia ocorridas no estado de Santa Catarina, Brasil. Os dados foram obtidos junto ao Sistema de Informações de Mortalidade e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos do Ministério da Saúde do Brasil. Estudo descritivo no qual foram analisados 491 óbitos maternos ocorridos no período de 1997 a 2010. Desses, 61 estiveram relacionados à hemorragia, correspondendo a 12,42%, sendo a hemorragia pós-parto a causa mais prevalente, com 26 óbitos, seguida por descolamento prematuro de placenta com 15, representando 67,21% dos casos. A mortalidade materna por hemorragia é um problema de saúde pública no Estado de Santa Catarina, devido a sua alta prevalência e as causas básicas são preveníveis.

Mortalidade materna; Causas de morte; Hemorragia pós-parto; Enfermagem obstétrica


Hemorrhage represents a set of causes that focuses on women during the pregnancy and puerperal period, and that, with improper attention, results in death. The authors aimed to analyze maternal deaths related to hemorrhage that occurred in the state of Santa Catarina, Brazil. The data were obtained from the Mortality Information System and Live Births Information System from the Brazilian Ministry of Health. This was a descriptive study, in which 491 maternal deaths that occurred in the period 1997-2010 were analyzed. Of these, 61 were related to hemorrhage, corresponding to 12.42%; postpartum hemorrhage was the most prevalent cause, with 26 deaths, followed by placental abruption with 15, representing 67.21% of the cases. The maternal mortality from hemorrhage is a public health problem in the state of Santa Catarina, due to its high prevalence and the fact that its underlying causes are preventable.

Maternal mortality; Causes of death; Postpartum hemorrhage; Obstetrical nursing


La hemorragia representa un conjunto de causas que incide sobre la mujer durante el ciclo gestacional y puerperal, y con una atención indebida resulta en la muerte. Los autores tienen como objetivo analizar las muertes maternas relacionadas con la hemorragia, ocurridas en el Estado de Santa Catarina, Brasil. Los datos fueron obtenidos del Sistema de Información de Mortalidad y Sistema de Información sobre Nascidos Vivos, del Ministerio de Salud del Brasil. Estudio descriptivo en el cual fueron analizados 491 muertes maternas, durante el período de 1997 al 2010. De los cuales, 61 estuvieron relacionadas con la hemorragia, correspondiendo a 12,42%, siendo la hemorragia post-parto la causa más prevalente con 26 muertes, seguida por el desprendimiento prematuro de placenta con 15, representando el 67,21% de los casos. La mortalidad materna por hemorragia es un problema de salud pública en el Estado de Santa Catarina, debido a su alta prevalencia y las causas básicas que son prevenibles.

Mortalidad materna; Causas de muerte; Hemorragia postparto; Enfermería obstétrica


Introdução

A hemorragia pós-parto é o excesso na perda de sangue associado com o trabalho de parto ou nascimento da criança. Definida como perda de sangue maior que 500 ml ou como uma quantidade que afeta adversamente a fisiologia materna, como a pressão sanguínea e o hematócrito. É dividida em duas categorias: imediata (até 24 horas após nascimento) ou tardia (24 horas após parto)(11. Hofmeyr GJ, Abdel-Aleem H, Abdel-Aleem MA. Uterine massage for preventing postpartum haemorrhage. Cochrane Database Syst Rev.2008;(3):CD006431.).

Classicamente, hemorragia pós-parto (HPP) é definida como uma perda de sangue superior a 500 ml, no parto vaginal e 1000 ml em parto ocorrido por cesariana(22. Andolina K, Daly S, Roberts N, Tolosa J, Wapner R. Objective measurement of blood loss at delivery: is it more than a guess? Am J ObstetGynecol. 1999;180:S69). Na prática, a quantidade de sangue perdida é estimada subjetivamente, e a gravidade da hemorragia é frequentemente subestimada(33. Sosa CG, Althabe F, Belizán JM, Buekens P. Risk factors for postpartum hemorrhage in vaginal deliveries in a Latin-American population. ObstetGynecol.2009;113(6):1313-9. ).

A etiologia mais comum da HPP é a atonia uterina, complicação presente em um em cada 20 partos. Os fatores de risco para atonia são: gestação múltipla, hidramnios, macrossomia, trabalho de parto precipitado ou prolongado, corioamnionite ou simplesmente incapacidade para o músculo contrair pelo uso de tocolíticos ou anestesia geral(44. Khan K, Wojdyla D, Say L, Gülmezoglu AM, Van Look PF. WHO analysis of causes of maternal death:a systematic review. Lancet. 2006;367(9516):1066-74. ).

Em um estudo(33. Sosa CG, Althabe F, Belizán JM, Buekens P. Risk factors for postpartum hemorrhage in vaginal deliveries in a Latin-American population. ObstetGynecol.2009;113(6):1313-9. ) realizado na Argentina e Uruguai, a HPP foi classificada em moderada, em que a perda de sangue é de pelo menos 500 ml, e severa, em que a é de 1.000 ml. No mesmo estudo foram identificados os seguintes fatores de risco para a primeira: retenção de placenta (33,3%), gravidez múltipla (20,9%), macrossomia (18,6%), episiotomia (16,2%) e necessidade de sutura perineal (15,0%). E no caso de HPP severa: retenção da placenta (17,1%), gravidez múltipla (4,7%), macrossomia (4,9%), indução trabalho parto (3,5%), necessidade de sutura perineal (2,5%)(33. Sosa CG, Althabe F, Belizán JM, Buekens P. Risk factors for postpartum hemorrhage in vaginal deliveries in a Latin-American population. ObstetGynecol.2009;113(6):1313-9. ).

A morte materna associada à hemorragia é frequente nos países em desenvolvimento, nos quais as mulheres estão mais expostas a riscos e também a condições econômicas desfavoráveis(44. Khan K, Wojdyla D, Say L, Gülmezoglu AM, Van Look PF. WHO analysis of causes of maternal death:a systematic review. Lancet. 2006;367(9516):1066-74. ).

No Brasil, as causas de mortes maternas, independente da região, são as doenças hipertensivas e a hemorragia, intercalando a posição em alguns estados, sem a análise dos determinantes dos óbitos maternos(55. Morse ML, Fonseca SC, Barbosa MD, Calil MB, Eyer FPC. Mortalidade materna no Brasil: o que mostra a produção científica nos últimos 30 anos. Cad Saúde Pública. 2011;27(4):623-38. ). Em Santa Catarina, estado da Região Sul do Brasil, no conjunto da bibliografia consultada sobre morte materna, é apresentada a razão de mortalidade materna e as causas que desencadearam esse evento. Os resultados mostram que a maior proporção das mortes maternas foi de óbitos obstétricos diretos e a hemorragia perfez 30,3%(66. Souza ML. Coeficiente de mortalidade materna segundo tipo de óbito, grupo etário, paridade, local de residência e tipo de parto: obituário hospitalar, 1975 a 1979. Florianópolis, SC (Brasil). Rev Saúde Pública. 1983;17(4):279-89.

7. Peixoto HCG, Martins HEL, Gregório VRP, Knobel R. Perfil da mortalidade materna em Santa Catarina. Enferm Global [Internet]. 2005 [citado 2008 ago. 29];(8):1-11.Disponível em: http://revistas.um.es/eglobal/article/view/326
-88. Souza ML, Burgardt D, Ferreira LAP, Bub MBC, Monticelli M, Lentz HE. Girls from Santa Catarina: losing your life to become a mother.Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2010 [cited 2012 Sept 19];44(2):318-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v44n2/en_11.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v44n2/en...
).

As causas básicas da morte materna são difíceis de estimar, principalmente nos países em desenvolvimento, nos quais os sistemas de registros são inadequados e/ou inexistentes. Os dados são associados à incerteza e à dificuldade em identificar claramente a causa do óbito como materna(99. Sousa MH, Cecatti JG, Hardy EE, Serruya SJ.Morte materna declarada e o relacionamento de sistemas de informações em saúde. Rev SaúdePública. 2007;41(2):181-9.). O atestado de óbito é uma das fontes para obter a causa básica da morte materna, no qual a causa do óbito deve constar de forma clara e fidedigna.

Desde o ano de 1997, o registro da morte materna tornou-se um dever dos estados e municípios do Brasil, por determinação de um ato normativo que declara a morte materna um evento de notificação compulsória. A mensuração da mortalidade materna pode resultar na definição adequada de políticas públicas. No contexto internacional, é enfatizada a prestação de serviços qualificados e a melhoria da atenção obstétrica nos serviços de saúde para redução da mortalidade materna(1010. World Health Organization (WHO), Global Health Observatory (GHO). Maternal and reproductive health [Internet]. Geneva: WHO; 2011 [cited 2012 Jan 17]. Available from: http://www.who.int/gho/maternal_health/en/
http://www.who.int/gho/maternal_health/e...
-1111. Brasil. Ministério da Saúde. Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal [Internet]. Brasília; 2004 [citado 2008 ago. 29]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/informes/psfinfo22.pdf
http://189.28.128.100/dab/docs/publicaco...
).

Considerando o cenário encontrado e que o governo brasileiro é signatário do pacto para redução da mortalidade materna, relacionado a um dos objetivos do milênio(1010. World Health Organization (WHO), Global Health Observatory (GHO). Maternal and reproductive health [Internet]. Geneva: WHO; 2011 [cited 2012 Jan 17]. Available from: http://www.who.int/gho/maternal_health/en/
http://www.who.int/gho/maternal_health/e...
), este estudo buscou responder a seguinte questão: como se apresenta a mortalidade materna por hemorragia no Estado de Santa Catarina e o que revela?

Método

Trata-se de um estudo descritivo retrospectivo, de base populacional, numa série temporal, no Estado de Santa Catarina. Os dados foram coletados no DATASUS/Ministério da Saúde do Brasil, Sistema de Informações de Mortalidade – SIM(1212. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS.Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). [Internet]. Brasília; 2011 [citado 2012 fev. 12]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=040701
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) e de Nascidos Vivos – SINASC(1313. Brasil. Ministério da Saúde.Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). [Internet]. Brasília; 2011 [citado 2012 fev. 12]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=21379
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/...
), referentes a mulheres residentes em Santa Catarina, no período de 1997 a 2010.

Os óbitos foram identificados a partir de informações contidas na declaração de óbito como: ano, região de ocorrência e causa básica codificada conforme CID 10º revisão(1414. Organização Mundial da Saúde (OMS). CID-10 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde: 10ª rev. São Paulo: EDUSP; 2001.) na qual são definidos os diagnósticos, relacionados a hemorragia. Portanto, foram incluídos os óbitos cuja causa, por categorias, estavam classificados nos códigos a seguir: O00 Gravidez ectópica, O43 Transtorno da placenta, O44 Placenta prévia, O45 Descolamento prematuro da placenta, O46 Hemorragia ante-parto não classificada em outra parte (NCOP), O67 Trabalho de parto e parto complicados por hemorragia intraparto, (NCOP), O72 Hemorragia pós-parto.

Os dados coletados foram revistos aplicando para tal o fator de correção resultante de pesquisa desenvolvida na realidade brasileira(1515. Luizaga CTM, Gotlieb SLD, Mello Jorge MHP, Laurenti R. Mortes maternas: revisão do fator de correção para os dados oficiais. EpidemiolServ Saúde. 2010;19(1):7-14. ). Com os dados revistos, foi realizado o cálculo da Razão de Mortalidade Materna por Hemorragia (RMMH), para cada ano da série temporal, e a porcentagem de óbitos por hemorragia conforme causa básica por categoria CID 10(1414. Organização Mundial da Saúde (OMS). CID-10 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde: 10ª rev. São Paulo: EDUSP; 2001.). A RMMH foi calculada adotando-se a fórmula: número de óbitos por causa materna relacionada a hemorragia, sobre o número de nascidos vivos no período, multiplicado por uma constante 100.000(1616. Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Manual dos Comitês de Morte Materna. 3ª ed. Brasília; 2007.).

Este estudo foi desenvolvido no contexto do Macroprojeto Catarinas: nascimento, vida e morte, aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina (CEPSH-UFSC), protocolo nº 209/2008, prorrogado para julho de 2012, observado o que determina a Resolução nº 196/1996, do Ministério da Saúde do Brasil.

Resultados

No período de 1997 a 2010, no Estado de Santa Catarina, foram identificadas 61 mortes relacionadas a hemorragia, representando 12,42% do total dos óbitos maternos. Os dados, por macrorregião, sobre as mortes maternas relacionadas à hemorragia e a sua distribuição percentual são mostrados na Tabela 1. Os percentuais variaram de 25,53% na Macrorregião do Vale do Itajaí a 7,89 na macrorregião da Serra Catarinense.


Tabela 1 - Morte Materna específica por hemorragia, ocorrida no Estado de Santa Catarina por Macrorregião de Saúde, no período de 1997 a 2010


A RMMH por macrorregião do Estado de Santa Catarina, no período de 1997 a 2010, foi de 5,73 conforme apresentado na Tabela 3. A maior RMMH por macrorregião foi na Foz do Rio Itajaí com valor de 9,21 e a menor, na macrorregião Nordeste, com 3,22.

Os dados apresentados na Tabela 2 referem-se às mortes maternas por hemorragia nas categorias específicas segundo a CID 10(1414. Organização Mundial da Saúde (OMS). CID-10 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde: 10ª rev. São Paulo: EDUSP; 2001.), ocorridas no Estado de Santa Catarina, no período de 1997 a 2010. Das 61 mortes maternas por hemorragia registradas no período, o maior percentual foi 42,62% de hemorragia pós-parto e o menor, de 1,64% de transtorno da placenta.


Tabela 2 - Morte Materna específica por hemorragia por categorias da causa básica, ocorridas no Estado de Santa Catarina no período de 1997 a 2010


A RMMH por macrorregião do Estado de Santa Catarina, no período de 1997 a 2010, foi de 5,73 conforme apresentado na Tabela 3. A maior RMMH por macrorregião foi na Foz do Rio Itajaí com valor de 9,21 e a menor, na macrorregião Nordeste, com 3,22.


Tabela 3 - RMMH ocorrida no Estado de Santa Catarina por Macrorregião de Saúde, no período de 1997 a 2010


Discussão

A hemorragia representa um conjunto de causas que levam a uma morte materna obstétrica direta, ou seja, aquela que ocorre por complicações obstétricas durante a gravidez, parto ou puerpério, devido a intervenções, omissões, tratamento incorreto ou a uma cadeia de eventos resultantes de qualquer dessas causas(1616. Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Manual dos Comitês de Morte Materna. 3ª ed. Brasília; 2007.).

A hemorragia na gestação, parto ou puerpério representa um conjunto de causas de morte materna que na CID 10(1414. Organização Mundial da Saúde (OMS). CID-10 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde: 10ª rev. São Paulo: EDUSP; 2001.) foram agrupadas como categorias. Neste estudo foram encontradas variações que demonstram a necessidade de atenção, devido a ação de fatores indiretos como, preenchimento incorreto das fichas de investigação e da própria declaração de óbito. Dos registros inadequados podem resultar números que não expressem adequadamente as variações no risco destas mortes(77. Peixoto HCG, Martins HEL, Gregório VRP, Knobel R. Perfil da mortalidade materna em Santa Catarina. Enferm Global [Internet]. 2005 [citado 2008 ago. 29];(8):1-11.Disponível em: http://revistas.um.es/eglobal/article/view/326).

No presente estudo, o percentual de mortes maternas por hemorragia no estado de Santa Catarina foi de 12,42%, como mostra a Tabela 1. As diferenças percentuais observadas em todas as macrorregiões podem indicar diferenças na qualidade dos serviços de saúde existentes e também na qualidade do preenchimento da declaração de óbito. O maior percentual de mortes foi identificado para a macrorregião do Vale do Itajaí 25,53%. Esse alto índice de morte pode estar associado à falta de um sistema de referência e contra-referência que não identifica o risco da gestação, parto e puerpério, falta de planejamento e abandono de mulheres gestantes(88. Souza ML, Burgardt D, Ferreira LAP, Bub MBC, Monticelli M, Lentz HE. Girls from Santa Catarina: losing your life to become a mother.Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2010 [cited 2012 Sept 19];44(2):318-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v44n2/en_11.pdf
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).

A morte materna por hemorragia é o pior desfecho da assistência obstétrica e em Recife, 25,4% das internações em UTI obstétrica foram por esta causa(1717. Amorim MMR, Katz L, Valenca M, Araujo DE. Morbidade materna grave em UTI obstétrica no Recife, Região Nordeste do Brasil. RevAssocMed Bras. 2008;54(3):261-6. ). Na Síria, um estudo realizado sobre as causas de morte materna mostrou que 88% das mortes eram obstétricas diretas, 65% das quais relacionadas à hemorragia, e que o óbito ocorreu durante o trabalho de parto e parto. A inabilidade e a falta de competência clínica para o atendimento foram fatores desencadeadores de 54% desses óbitos(1818. Bashour H, Abdulsalam A, Jabr A, Cheikha S, Tabbaa M, Lahham M, et al. Maternal mortality in Syria: causes, contributing factors and preventability. Trop Med Int Health. 2009;14(9):1122-7.).

Dados apresentados na tabela 2, conforme as categorias da CID 10(1414. Organização Mundial da Saúde (OMS). CID-10 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde: 10ª rev. São Paulo: EDUSP; 2001.), evidenciam a hemorragia pós-parto, foi a causa com maior frequência na série estudada, com uma variação proporcional diferente do descolamento prematuro da placenta, que foi a segunda causa.

A hemorragia pós-parto ocorre aproximadamente em 4% dos partos vaginais e as estimativas são que 25% tenha como desfecho a morte(1919. Mousa HA, Alfirevic Z. Treatment for primary postpartum haemorrhage. Cochrane Database Syst Rev.2007;(1):CD003249.). Além disso, um estudo sobre morte materna adotando o near miss a a - É uma quase morte por alguma complicação durante a gravidez, parto ou puerpério, mas que sobreviveram devido ao acaso ou ao bom cuidado hospitalar(20-21) como referência mostrou que a hemorragia está entre os eventos mais comuns, antecedido por complicações hipertensivas, e que os índices de mortalidade materna são reduzidos a partir do conhecimento sobre como atuar diante desse problema(2222. Ali AA, Khojali A, Okud A, Adam GK, Adam I. Maternal near-miss in a rural hospital in Sudan. BMC Pregnancy Childbirth. 2011 Jun 29;11:48.).

Um estudo de revisão sobre o manejo expectante e manejo ativo do terceiro estágio do trabalho de parto mostrou que a gestão ativa no parto foi introduzida para tentar reduzir a hemorragia, uma das principais causas de morte(2323. Prendiville WJP, Elbourne D, McDonald SJ. Active versus expectant management in the third stage of labour. Cochrane Database Syst Rev. 2009;(3):CD000007.). Além disso, os autores abordam o manejo ativo como uma ação eficiente para mulheres com alto risco para hemorragia, as quais podem sucumbir ao parto por ausência de pessoal qualificado e de insumos, como medicação uterotônica.

Uma tecnologia para redução da mortalidade materna por hemorragia são os serviços básicos de emergência obstétrica (ocitócicos parenteral, antibióticos e anticonvulsivantes, partos assistidos, extração manual da placenta, remoção de produtos retidos) e, se necessário, outros serviços obstétricos de emergência abrangentes (serviços básicos, cesarianas e transfusões de sangue)(2424. Paxton A, Maine D, Freedman L, Fry D, Lobis S. The evidence for emergency obstetric care.Int J Gynaecol Obstet. 2005;88(2):181-93.). Na Malásia, um estudo mostrou que as taxas de mortalidade materna diminuíram mais entre as mulheres encaminhadas para cuidados de emergência obstétrica do que entre aquelas que se apresentavam sem encaminhamento ao centro de saúde do distrito(2525. Fournier P, Dumont A, Tourigny C, Dunkley G, Dramé S. Improved access to comprehensive emergency obstetric care and its effect on institutional maternal mortality in rural Mali. Bull World Health Organ. 2009;87(1):30-8.).

A RMMH apresenta irregularidades, conforme pode ser visto nos dados apresentados na Tabela 3. Os valores obtidos não têm variação uniforme de aumento ou redução, não se podendo configurar uma tendência(66. Souza ML. Coeficiente de mortalidade materna segundo tipo de óbito, grupo etário, paridade, local de residência e tipo de parto: obituário hospitalar, 1975 a 1979. Florianópolis, SC (Brasil). Rev Saúde Pública. 1983;17(4):279-89.). Na série deste estudo, a RMMH foi de 5,73 mortes maternas por hemorragia para cada 100.000 nascidos vivos, mostrando que o risco que a mulher grávida apresenta de morrer por hemorragia é cinco vezes maior do que pelas demais causas.

No presente estudo, a distribuição da RMME na macrorregião da Foz do Rio Itajaí perfez o valor de 9,21/100.000 nascidos vivos para série estudada, acima da média do Estado de Santa Catarina. Esse resultado pode estar associado às deficiências nos serviços de saúde para atendimentos às urgências e emergências obstétricas, inexistência de sistemas de referência e contra-referência, dentre outras.

Estudos sobre morte materna relacionada a hemorragia confirmam que a RMM é um indicador importante para avaliação do evento e da qualidade dos serviços de atenção materno-infantil(66. Souza ML. Coeficiente de mortalidade materna segundo tipo de óbito, grupo etário, paridade, local de residência e tipo de parto: obituário hospitalar, 1975 a 1979. Florianópolis, SC (Brasil). Rev Saúde Pública. 1983;17(4):279-89.,88. Souza ML, Burgardt D, Ferreira LAP, Bub MBC, Monticelli M, Lentz HE. Girls from Santa Catarina: losing your life to become a mother.Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2010 [cited 2012 Sept 19];44(2):318-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v44n2/en_11.pdf
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).

Conclusão

A análise das mortes maternas por hemorragia no Estado de Santa Catarina revelou que se trata de uma manifestação clínica cuja ocorrência está vinculada a condições regionais. O maior percentual (25,53%) na macrorregião do Itajaí pode estar associado às dificuldades na identificação de gestantes com risco gravídico, à falta de serviços de referência e de captação precoce, com o devido encaminhamento das gestantes pelos serviços da Atenção Básica.

Na série deste estudo, a RMMH foi de 5,73 mortes maternas por hemorragia para cada 100.000 nascidos vivos, evidenciando que o risco que a mulher grávida apresenta de morrer por hemorragia é cinco vezes maior que pelas demais causas. A alta mortalidade materna com RMMH instável revela o risco de morte por hemorragia a que as mulheres estão expostas em todas as macrorregiões do Estado de Santa Catarina. Isso demonstra que o evento não está devidamente controlado no contexto dos serviços assistenciais, apesar da existência de tecnologias clínicas e cirúrgicas. Demonstra ainda a necessidade do desenvolvimento da habilidade para o manejo adequado do terceiro estágio do trabalho de parto.

Os resultados de estudos com série histórica representam uma contribuição aos profissionais de saúde para que possam refletir sobre a realidade na qual trabalham. Revelam a necessidade da adoção de protocolos que integrem a observação clínica e social, de modo que seja ofertada às mulheres assistência no tempo devido. Desvelam ainda a necessidade de sensibilização dos profissionais para desenvolver a cultura da inovação para incorporar na prática assistencial os avanços científicos e tecnológicos, a exemplo dos protocolos integrados, para que haja a redução da mortalidade materna por hemorragia.

Agradecimentos

Suporte financeiro do Projeto Gestão em Rede: Prevenção da Mortalidade Materna e Neonatal. Edital PPSUS 003/2012. FAPESC - Termo de Outorga 13075/2012-3.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2013

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2012
  • Aceito
    20 Abr 2013
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