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Trabalho em equipe em Unidade Coronariana: facilidades e dificuldades* * Extraído da tese "Aspectos facilitadores e dificultadores do trabalho em equipe em Unidade de Alta Densidade Tecnológica", Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, 2015.

Resumo

OBJETIVO

Identificar, junto à equipe multiprofissional, aspectos facilitadores e dificultadores do trabalho em equipe em Unidade Coronariana.

MÉTODO

Estudo descritivo, com dados qualitativos e quantitativos, realizado em Unidade Coronariana/Hospital público. População constituída de profissionais atuantes na Unidade há, pelo menos, um ano. Excluídos os afastados do trabalho e os que não foram não localizados. Para a coleta de informações, utilizou-se da Técnica do Incidente Crítico por meio de entrevista semiestruturada. Para a análise dos dados, utilizaram-se da Análise de Conteúdo e Técnica do Incidente Crítico.

RESULTADOS

Participaram 45 profissionais: 29 profissionais de enfermagem; 11 médicos; quatro fisioterapeutas e um psicólogo. Emergiram 49 situações (77,6% com referências negativas); 385 comportamentos (54,2% com referências positivas); e 182 consequências (71,9% com referências negativas). Referências positivas facilitam o trabalho em equipe, e as negativas o dificultam. Relacionamento interprofissional colaborativo/comunicativo foi evidenciado como facilitador; baixa colaboração entre agentes/gerenciamento inadequado como dificultador.

CONCLUSÃO

Apesar de predominarem situações e consequências negativas, ênfase em comportamentos positivos revela esforço dos agentes para vencer obstáculos e realizar trabalho em equipe.

Descritores
Equipe de Assistência ao Paciente; Relações Interprofissionais; Hospitais; Equipe de Enfermagem

Abstract

OBJECTIVE

To identify, within a multidisciplinary team, the facilitating and hindering aspects for teamwork in a coronary care unit.

METHOD

A descriptive study, with qualitative and quantitative data, was carried out in the coronary care unit of a public hospital. The study population consisted of professionals working in the unit for at least one year. Those who were on leave or who were not located were excluded. The critical incident technique was used for data collection, by means of semi-structured interviews. For data analysis, content analysis and the critical incident technique were applied.

RESULTS

Participants were 45 professionals: 29 nursing professionals; 11 physicians; 4 physical therapists; and 1 psychologist. A total of 49 situations (77.6% with negative references); 385 behaviors (54.2% with positive references); and 182 consequences emerged (71.9% with negative references). Positive references facilitate teamwork, whereas negative references hinder it. A collaborative/communicative interprofessional relationship was evidenced as a facilitator; whereas poor collaboration among agents/inadequate management was a hindering aspect.

CONCLUSION

Despite the prevalence of negative situations and consequences, the emphasis on positive behaviors reveals the efforts the agents make in order to overcome obstacles and carry out teamwork.

Descriptors
Patient Care Team; Interprofessional Relations; Hospitals; Nursing, Team

Resumen

OBJETIVO

Identificar junto al equipo multiprofesional los aspectos facilitadores y dificultadores del trabajo en equipo en Unidad Coronaria.

MÉTODO

Estudio descriptivo, con datos cualitativos y cuantitativos, llevado a cabo en Unidad Coronaria/Hospital público. Población constituida de profesionales actuantes en la Unidad desde hace por lo menos un año. Excluidos los retirados del trabajo y los que no fueron ubicados. Para la recolección de informaciones, se utilizó la Técnica del Incidente Crítico mediante entrevista semiestructurada. Para el análisis de los datos, se utilizó el Análisis de Contenido y la Técnica del Incidente Crítico.

RESULTADOS

Participaron 45 profesionales: 29 profesionales de enfermería; 11 médicos; cuatro fisioterapeutas y un psicólogo. Surgieron 49 situaciones (77,6% con referencias negativas); 385 comportamientos (54,2% con referencias positivas); y 182 consecuencias (71,9% con referencias negativas). Las referencias positivas facilitan el trabajo en equipo y las negativas lo dificultan. La relación interprofesional colaborativa/comunicativa fue evidenciada como facilitadora; la baja colaboración entre agentes/gestión inadecuada como dificultadora.

CONCLUSIÓN

A pesar de predominar las situaciones y consecuencias negativas, el énfasis en comportamientos positivos desvela el esfuerzo de los agentes por vences obstáculos y realizar trabajo en equipo.

Descriptores
Equipo de Atención al Paciente; Relaciones Interprofesionales; Hospitales; Grupo de Enfermería

Introdução

Constata-se estreita relação entre o modelo de atenção à saúde, o modelo de organização dos serviços de saúde e o trabalho em equipe. O modelo de atenção clínico influencia a formação profissional em saúde, e o modelo de organização dos serviços ancora-se no método funcional11 Littike D, Sodré F. A arte do improviso: o processo de trabalho dos gestores de um Hospital Universitário Federal. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3051-62.-22 Silva SEM, Moreira MCN. Equipe de saúde: negociações e limites da autonomia, pertencimento e reconhecimento do outro. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3033-42..

A organização do trabalho pautada na divisão parcelar11 Littike D, Sodré F. A arte do improviso: o processo de trabalho dos gestores de um Hospital Universitário Federal. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3051-62.) conduz a um aspecto técnico e também a uma divisão social. Esse contexto não potencializa a realização do trabalho em equipe por não pressupor integração e compartilhamento entre saberes e ações por diferentes profissionais, gerando ruídos na comunicação entre os agentes da equipe. Para que isso seja superado, sugere-se enfoque ancorado na multidisciplinaridade e fundamentado na lógica de integração de saberes e práticas.

Entende-se que o trabalho em equipe deve ter um objetivo comum/único, sendo atingido coletivamente com contribuição de todos os seus componentes. Isto possibilita a consolidação das equipes como tais, destacando-se que a união entre os seus membros e as relações de confiança e respeito são fatores que contribuem para tal consolidação22 Silva SEM, Moreira MCN. Equipe de saúde: negociações e limites da autonomia, pertencimento e reconhecimento do outro. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3033-42.-33 Silva JC, Contim D, Ohl RIB, Chavaglia SRR, Amaral SEM. Perception of the residents about their performance in the multidisciplinary residency program. Acta Paul Enferm [Internet]. 2015 [cited 2015 May 12];28(2):132-8. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v28n2/en_1982-0194-ape-28-02-0132.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ape/v28n2/en_19...
.

O trabalho em equipe requer mais do que o agrupamento de profissionais distintos no mesmo ambiente de trabalho22 Silva SEM, Moreira MCN. Equipe de saúde: negociações e limites da autonomia, pertencimento e reconhecimento do outro. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3033-42., devendo haver colaboração e comunicação efetivas entre agentes, com troca de saberes e complementaridade de ações. Pertinente destacar que a colaboração interprofissional contribui para a melhoria da qualidade da assistência ao paciente44 Morgan S, Pullon S, McKinlay E. Observation of interprofessional collaborative practice in primary care teams: an integrative literature review. Int J Nurs Stud. 2015;52(7):1217-30..

Ao abordar o tema, salientam-se as contribuições quanto à proposta de conceito e tipologia de equipes, integração e agrupamento. Considera-se que o trabalho em equipe representa uma modalidade de trabalho coletivo construído pela articulação entre as intervenções técnicas e as interações entre os agentes55 Peduzzi M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev Saúde Pública. 2001;35(1):103-9..

Neste estudo, com base nas pesquisas identificadas22 Silva SEM, Moreira MCN. Equipe de saúde: negociações e limites da autonomia, pertencimento e reconhecimento do outro. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3033-42.,55 Peduzzi M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev Saúde Pública. 2001;35(1):103-9.-66 Rissardo LK, Carreira L. Organization of healthcare and assistance to the elderly indigenous population: synergies and particularities of the professional context. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(1):72-9., concebe-se o conceito de trabalho em equipe como estratégia e ferramenta de organização do trabalho em saúde na perspectiva da articulação e integração, com corresponsabilização dos diferentes profissionais, na construção e implementação coletiva de objetivos comuns, possibilitando, também, aos profissionais superação de obstáculos no cotidiano de trabalho. O trabalho em equipe pressupõe relações que promovam colaboração e comunicação para além da dimensão pessoal, com vistas ao auxílio mútuo no desenvolvimento do trabalho, amparando-se em relações dialógicas e horizontalizadas.

O trabalho em equipe representa ferramenta com potencial para favorecer a prática de trabalho integrado/articulado em unidades de alta densidade tecnológica, e para responder, de maneira mais coerente, às demandas reais de saúde dos usuários, na perspectiva de superação da prática cotidiana pautada na lógica segmentada e biológica, dividida por procedimentos e tarefas voltados para doenças e não para sujeitos. Nesse sentido, entende-se que essas características são adequadas à Unidade Coronariana (UCO), cujas especificidades das demandas dos pacientes, do pessoal empregado, dos recursos tecnológicos envolvidos e do espaço físico do setor, articulados, requerem interação profissional efetiva para assistência integral aos seus usuários.

A UCO é um setor destinado a cuidados críticos que conta com área física, recursos materiais, equipamento de alta densidade tecnológica e equipe multidisciplinar que visam ao atendimento a pacientes com síndrome coronariana aguda. Entretanto, esse contexto não necessariamente assegura que o trabalho se realize na modalidade de equipe. Para que haja assistência adequada aos pacientes, pressupõe-se articulação e/ou integração de diversas categorias profissionais, sustentando a realização do trabalho na perspectiva da integralidade do cuidado e superando a lógica fragmentada e parcelar do trabalho. A identificação de fatores que facilitam e dificultam o trabalho em equipe na UCO pode contribuir para a implementação de ações que favoreçam sua realização e, ao que se sabe, até o momento, tais aspectos não foram identificados, neste cenário. Assim, este estudo objetivou identificar, junto à equipe multiprofissional da UCO, aspectos facilitadores e dificultadores, para o trabalho em equipe.

Método

Trata-se de um estudo descritivo, utilizando dados qualitativos e quantitativos, realizado na UCO de um hospital público, de ensino, de nível terciário, que dispõe de 291 leitos, no município de Uberaba-MG, referência para atendimento de alta densidade tecnológica.

Utilizou-se da Técnica do Incidente Crítico (TIC) que possibilita a coleta de observações diretas do comportamento humano em situações específicas77 Flanagan JC. A Técnica do incidente crítico. Arq Bras Psicol. 1973;25(2):99-141., contribuindo para o levantamento de concepções, percepções e atitudes no que se refere ao objeto da investigação88 Dela Coleta JA, Dela Coleta MF. A técnica dos incidentes críticos: 30 anos de utilização no Brasil na psicologia, administração, saúde e educação. Taubaté: Cabral; 2004.. Os Incidentes Críticos (ICs) devem conter, necessariamente, as situações, os comportamentos dos profissionais frente a elas e as consequências decorrentes99 Dela Coleta JA. A técnica dos incidentes críticos: aplicações e resultados. Arq Bras Psicol Aplic. 1974;26(2):35-58..

Como referencial teórico, foram utilizados conceitos do processo de trabalho em saúde1010 Gonçalves RBM. Práticas de saúde: processos de trabalho e necessidades. São Paulo: CEFOR; 1992., sendo os seus elementos (objeto, finalidade, instrumentos e agentes) essenciais para ancorar e analisar os resultados referentes à dinâmica do trabalho em equipe de saúde.

A UCO é uma unidade crítica que contempla 10 leitos para assistência a pacientes com síndrome coronariana aguda. Possui recursos materiais e tecnológicos específicos para o atendimento em cardiologia. A equipe de trabalho é composta por 68 profissionais, sendo 17 médicos; 10 enfermeiras; uma coordenadora do serviço de enfermagem que acumula a responsabilidade técnica pela UCO e Unidade de Terapia Intensiva Adulto Geral; 33 técnicos/auxiliares de enfermagem e quatro fisioterapeutas. Além destes, uma psicóloga, uma nutricionista e uma assistente social também fazem parte dos profissionais da unidade, no entanto, não ficam exclusivamente no setor, pertencem também a outros departamentos. Em cada plantão, a equipe é constituída por: dois médicos, um enfermeiro, seis técnicos/auxiliares de enfermagem e um fisioterapeuta. O organograma vigente, à época da coleta de dados, apresentava uma lógica hierarquizada e verticalizada.

Do total de 68 profissionais da equipe de saúde, participaram aqueles que atenderam aos critérios de inclusão, atuar na referida unidade há, pelo menos, um ano. Foram excluídos aqueles que se encontravam afastados do trabalho à época da coleta dos dados, os que se recusaram a participar e os que não foram localizados, após três tentativas para agendamento da entrevista. Assim, a amostra final foi composta por 45 profissionais (66,2%), distribuindo-se em 20 técnicos/auxiliares de enfermagem (44,5%), 11 médicos (24,4%), nove enfermeiros - incluindo a coordenadora do serviço de enfermagem da UTI Adulto Geral e UCO (20,0%), quatro fisioterapeutas (8,9%) e um psicólogo (2,2%).

Não participaram 23 profissionais, dos quais 14 foram excluídos (oito técnicos/auxiliares de enfermagem, dois enfermeiros, dois médicos, um nutricionista e um assistente social) por não atenderem aos critérios de inclusão. Nove profissionais (cinco técnicos/auxiliares de enfermagem e quatro médicos) se recusaram a participar, alegando indisponibilidade de tempo e/ou dificuldade/embaraço em responder a entrevistas.

Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada guiada por um roteiro, sendo este submetido, anteriormente, à validação aparente e de conteúdo por três peritos na temática e em metodologia de pesquisa. Posteriormente, foi feito teste-piloto com cinco profissionais que estariam de férias à época da coleta definitiva dos dados.

Para coleta de dados definitiva, a entrevista foi aplicada pela própria pesquisadora, face a face, gravada em meio digital, em dia e local previamente agendados, em comum acordo entre os participantes, responsáveis pelo serviço e pesquisadora, em ambiente que garantia a privacidade. Os dados foram coletados durante o mês de janeiro/2014. Para assegurar sigilo e privacidade, os participantes foram identificados como E1, E2, E3 e assim por diante, até E45, sendo a letra E utilizada para representar a entrevista do participante, e o numeral, a ordem sequencial de realização da entrevista, sem haver preocupação com a distinção de categoria profissional, uma vez que o interesse do estudo é pela equipe, em seu conjunto.

Para análise dos dados, as entrevistas foram transcritas por profissional específico, capacitado para os propósitos deste estudo, os textos foram conferidos, um a um, pela pesquisadora. Após leitura exaustiva das entrevistas pela pesquisadora, os ICs foram extraídos, isolando as situações, os comportamentos e as consequências e formando a tríade que caracteriza o IC. Considerando os relatos, observados e/ou vivenciados pelos participantes, os mesmos receberam atribuição positiva ou negativa, o que foi entendido como facilitador ou dificultador para o trabalho em equipe de saúde, respectivamente. Para análise dos ICs, utilizou-se, a princípio, da estatística descritiva, que contribui para descrição e síntese dos dados1111 Polit DF, Beck CT, Hungler BP. Fundamentos de pesquisa em enfermagem: métodos, avaliação e utilização. 7ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2011. , a fim de quantificar situações, comportamentos e consequências. Após, os relatos pertinentes a cada situação, comportamento e consequência foram analisados por meio da Análise de Conteúdo1212 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011., empregando-se as etapas propostas por Dela Coleta99 Dela Coleta JA. A técnica dos incidentes críticos: aplicações e resultados. Arq Bras Psicol Aplic. 1974;26(2):35-58.. A análise dos dados foi realizada à luz do referencial teórico adotado e do objeto do estudo. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EERP-USP com CAAE 19822813.1.0000.5393. Os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

Os resultados são apresentados por meio da identificação dos ICs relatados, destacando-se as situações, os comportamentos e as consequências no que tange ao trabalho em equipe de saúde, no cenário em foco. Ressalta-se que não foram considerados relatos de situações que não tivessem sido experienciadas ou observadas, representando meramente opiniões, relatos genéricos, e não ICs.

As 45 entrevistas realizadas resultaram em 49 situações que se revelaram como IC, envolvendo 385 comportamentos e 182 consequências. As 49 situações identificadas na análise dos ICs foram agrupadas em três categorias por afinidade de conteúdo (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das categorias de Situações positivas e negativas, referentes ao trabalho em equipe de saúde, extraídas dos incidentes críticos relatados pelos profissionais da Unidade Coronariana de um hospital público - Uberaba, MG, Brasil, 2014.

Constata-se que a maioria das situações tem referência negativa (77,6%), entendidas como dificultadoras para o trabalho em equipe.

A categoria Colaboração entre agentes engloba, principalmente, situações a respeito da colaboração entre os profissionais na assistência ao paciente, no sentido de ajuda mútua e da comunicação e valorização das informações fornecidas por outro colega sobre caso clínico e conduta terapêutica. Concentra o maior número de situações negativas (32,6%), evidenciando-se nas falas:

(...) o enfermeiro não dá assistência na ajuda ao técnico igual deveria (...) eu fiz a minha parte sozinha, porque a colega foi cuidar dos pacientes dela (...) ficam dois pacientes pra cada um (...) eu não tive ajuda (...) me deixou sozinha! (E32).

(...) droga vasoativa, o médico suspende a droga. Aí ele não comunica, nem pro enfermeiro, nem pro técnico que está cuidando do paciente e desliga, suspende, só pausa a bomba, que isso já aconteceu, pausou a bomba e não comunicou (E47).

A categoria Gerenciamento de agentes destaca-se por reunir somente referências negativas (22,5%). Abrange situações pertinentes ao número deficiente de profissionais, em decorrência de faltas não justificadas; dimensionamento e distribuição de pessoal inadequado; pouco comprometimento do profissional com o trabalho e sentimento de desvalorização profissional, como é possível identificar nas falas que se seguem:

(...) Ontem mesmo a gente ficou em quatro funcionários, a gente já está ficando em cinco, que não pode, porque são seis, dois para cada isolamento, e a gente está ficando em cinco. E ontem a gente ficou em quatro, eu fui a que fiquei sozinha (...) (E4).

Eu tive "Doença X" há pouco tempo (...) liga pra falar: 'você voltando dia dois, dia três você está de plantão, 12 horas.' (...) Nem pergunta como você está. (...) Eu não recebi nenhum telefonema, fiquei 30 dias afastada e não recebi, só dos meus colegas, mas da própria chefia, não. (E15).

Os 385 comportamentos foram agrupados por afinidade de conteúdo em três categorias (Tabela 2), à luz do referencial teórico adotado na pesquisa.

Tabela 2
Distribuição das categorias de Comportamentos positivos e negativos, referentes ao trabalho em equipe de saúde, extraídas dos incidentes críticos relatados pelos profissionais da Unidade Coronariana de um hospital público - Uberaba, MG, Brasil, 2014.

Os 385 comportamentos relatados indicam que cada situação descrita pode envolver inúmeras ações realizadas e expressas pelos profissionais. Destaca-se predomínio de comportamentos positivos (54,2%), concentrando-se, principalmente, na categoria Relacionar-se com os demais agentes (29,3%), como está ilustrado nos depoimentos que se seguem:

Comuniquei o técnico de enfermagem e a enfermeira que estava de plantão para que eles tomassem cuidado com as manipulações (...) pra ele (paciente) ficar o menos agitado possível. (E10).

(...) eu fiquei com quatro pacientes lá dentro (...) a enfermeira me ajudou, a gente dividiu. (E16).

Apesar do predomínio de comportamentos com referências positivas, chama a atenção a concentração de referências negativas (7,6%) na categoria Gerenciar os agentes, envolvendo comportamentos acerca do absenteísmo, dimensionamento e distribuição de pessoal inadequados, descomprometimento com o trabalho e desrespeito à hierarquia, como ilustram as seguintes falas:

(...) você questiona 'por que você deu o final de semana pra pessoa?' '(...) porque ela não pediu.' (E15).

(...) tem um funcionário que ele falta muito! (...) você tá contando com ele na escala (...) ele liga meio-dia... não vem (...) (E29).

As 182 consequências, identificadas como decorrentes das situações relativas à dinâmica do trabalho em equipe multiprofissional, foram agrupadas por afinidade de conteúdo em duas categorias (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição das categorias de Consequências positivas e negativas, referentes ao trabalho em equipe de saúde, extraídas dos incidentes críticos relatados pelos profissionais da Unidade Coronariana de um hospital público - Uberaba, MG, Brasil, 2014.

As consequências decorrentes das situações relativas à dinâmica do trabalho em equipe multiprofissional são predominantemente negativas (71,9%) e concentram-se na categoria Consequências para o profissional/equipe (50,5%), reunindo, principalmente, consequências que dizem respeito à insatisfação profissional, como exemplificam os relatos a seguir:

(...) eu me senti meio constrangida de buscá-lo novamente pra poder perguntar (...) uma coisa para ele, que é médico, só. (E10).

(...) você se sente menosprezado, você se sente menor, inferior. (E15).

Na categoria Consequências para o paciente, os relatos contemplam falas a respeito da qualidade da assistência prestada a ele bem como da sua recuperação. Predominam referências negativas (21,4%), ilustradas por meio dos relatos:

(...) passou a noite inteira com enfisema subcutâneo e não foi drenado, não foi avaliado, não mudou nenhum parâmetro médico (E10).

(...) o paciente fica sem assistência ideal. (E10).

(...) o paciente fica lesado. Ele deveria ter um atendimento melhor (...) ficou a desejar (E32).

Ainda que as consequências para os pacientes apresentem menor número de relatos, é pertinente destacá-las, considerando-se que um dos principais objetivos do trabalho em equipe de saúde diz respeito à prestação de cuidado adequado, integral e de qualidade. Dessa forma, é oportuno destacar que a dinâmica do trabalho em saúde ocasiona consequências também para os pacientes.

Discussão

Uma determinada situação repercute em comportamentos e consequências que receberam referência positiva e/ou negativa, de acordo com a ótica de quem vivenciou ou observou o fato. Um mesmo comportamento/consequência pode ser indicado como positivo por um participante e negativo por outro, conforme a percepção de cada um.

A colaboração apareceu como resultado importante, tanto nas situações quanto nos comportamentos. A prática colaborativa destaca como um de seus pressupostos a realização do trabalho conjunto1313 Weinberg DB, Cooney-Miner D, Perloff JN, Babington L, Avgar AC. Building collaborative capacity: promoting interdisciplinary teamwork in the absence of formal teams. Med Care. 2011;49(8):716-23.-1414 Carvalho PA, Göttems LBD, Pires MRG, Oliveira MLC. Safety culture in the operating room of a public hospital in the perception of healthcare professionals. Rev Latino Am Enfermagem. 2015;23(6):1041-8. , promovendo e viabilizando o trabalho em equipe por meio da integração de agentes, saberes e ações1313 Weinberg DB, Cooney-Miner D, Perloff JN, Babington L, Avgar AC. Building collaborative capacity: promoting interdisciplinary teamwork in the absence of formal teams. Med Care. 2011;49(8):716-23.. A colaboração, na perspectiva da partilha, e o trabalho em equipe favorecem a qualidade da assistência ao paciente1515 Farrel K, Payne C, Heye M. Integrating interprofessional collaboration skills into the advanced practice registered nurse socialization process. J Prof Nurs. 2015;31(1):5-10.-1616 Rossler KL, Kimble LP. Capturing readiness to learn and collaboration as explored with an interprofessional simulation scenario: a mixed-methods research study. Nurse Educ Today. 2016;36: 348-53..

Ao contrário do proposto pelos autores, os resultados encontrados indicam situações de colaboração na perspectiva de pouca ajuda mútua e do limitado trabalho conjunto, elementos que dificultam o trabalho em equipe multiprofissional.

Tais resultados vão ao encontro de alguns autores, ao afirmarem que existem equipes que realizam o trabalho de maneira individual e fragmentada. Isto pode ser decorrente da hierarquia entre as profissões e da hegemonia médica1717 Alexanian JA, Kitto S, Rak KJ, Reeves S. Beyond the team: understanding interprofessional work in two North American ICUs. Crit Care Med. 2015;43(9):1880-6.-1818 Manias E. The concept of teamwork does not fully explain how interprofessional work occurs in intensive care. Aust Crit Care. 2015; 28(4):235-7., o que compromete a cooperação e comunicação entre os agentes, o trabalho mais integrado e o trabalho em equipe1313 Weinberg DB, Cooney-Miner D, Perloff JN, Babington L, Avgar AC. Building collaborative capacity: promoting interdisciplinary teamwork in the absence of formal teams. Med Care. 2011;49(8):716-23.,1717 Alexanian JA, Kitto S, Rak KJ, Reeves S. Beyond the team: understanding interprofessional work in two North American ICUs. Crit Care Med. 2015;43(9):1880-6.,1919 Rocha FLR, Marziale MHP, Carvalho MC, Cardeal SF, Campos MCT. The organizational culture of a Brazilian public hospital. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(2):308-14..

Essa falta de articulação entre profissionais pode ser reflexo, dentre outros fatores, da ausência de uma estrutura formalizada que promova a interação sistemática entre eles1717 Alexanian JA, Kitto S, Rak KJ, Reeves S. Beyond the team: understanding interprofessional work in two North American ICUs. Crit Care Med. 2015;43(9):1880-6., da construção de relações frágeis e pouco colaborativas entre eles; do processo de formação profissional que pode dificultar a interação e colaboração22 Silva SEM, Moreira MCN. Equipe de saúde: negociações e limites da autonomia, pertencimento e reconhecimento do outro. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3033-42.,2020 Matuda CG, Aguiar DML, Frazão P. Cooperação interprofissional e a reforma sanitária no Brasil: implicações para o modelo de atenção à saúde. Saúde Soc. 2013;22(1):173-86. ) ao estabelecer limites muito rígidos e hierárquicos entre as distintas profissões1717 Alexanian JA, Kitto S, Rak KJ, Reeves S. Beyond the team: understanding interprofessional work in two North American ICUs. Crit Care Med. 2015;43(9):1880-6..

Apesar de o maior número de situações com referências negativas estar na categoria Colaboração entre agentes, a categoria Gerenciamento de agentes também chama a atenção por todas as suas referências serem negativas, pois, se o gerenciamento de agentes lida o tempo todo com pessoas, questiona-se: como pode não ter recebido nenhuma referência positiva? Questiona-se qual o entendimento que se tem nessa UCO sobre o papel dos profissionais, o gerenciamento e sua repercussão para o trabalho em equipe.

Merece destaque a centralidade dos agentes no processo de trabalho, os resultados apresentam uma categoria de situações e outra categoria de comportamentos relativas à gestão de agentes. Importante esclarecer que a situação de gerenciamento de agentes diz respeito a um fato, vivido ou observado, que gera comportamentos nas pessoas envolvidas e consequências decorrentes, ou seja, é algo disparador. Em contrapartida, os comportamentos referem-se às atitudes diante de determinado fato. Assim, entende-se que, a partir dos achados, é possível dizer que os agentes têm um duplo papel, ambos relevantes, um relacionado à causa e outro à resposta das ações, evidenciando a importância dos agentes no contexto do trabalho em equipe.

Problemas quanto ao gerenciamento de agentes, revelados nos resultados e apresentados por autores, podem fundamentar-se nos modelos hierárquicos que ainda predominam nos hospitais, pautados na verticalização, centralização de poder, controle e ações individualizadas, o que prejudica a prática colaborativa e o trabalho em equipe, comprometendo a assistência prestada11 Littike D, Sodré F. A arte do improviso: o processo de trabalho dos gestores de um Hospital Universitário Federal. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3051-62.

2 Silva SEM, Moreira MCN. Equipe de saúde: negociações e limites da autonomia, pertencimento e reconhecimento do outro. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3033-42.
-33 Silva JC, Contim D, Ohl RIB, Chavaglia SRR, Amaral SEM. Perception of the residents about their performance in the multidisciplinary residency program. Acta Paul Enferm [Internet]. 2015 [cited 2015 May 12];28(2):132-8. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v28n2/en_1982-0194-ape-28-02-0132.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ape/v28n2/en_19...
,1313 Weinberg DB, Cooney-Miner D, Perloff JN, Babington L, Avgar AC. Building collaborative capacity: promoting interdisciplinary teamwork in the absence of formal teams. Med Care. 2011;49(8):716-23.,1818 Manias E. The concept of teamwork does not fully explain how interprofessional work occurs in intensive care. Aust Crit Care. 2015; 28(4):235-7.-1919 Rocha FLR, Marziale MHP, Carvalho MC, Cardeal SF, Campos MCT. The organizational culture of a Brazilian public hospital. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(2):308-14.,2121 Lancaster G, Kolakowsky-Hayner S, Kovacich J, Greer-Williams N. Interdisciplinary communication and collaboration among physicians, nurses, and unlicensed assistive personnel. J Nurs Scholarsh. 2015;47(3):275-84..

Diante do exposto, predominam, neste estudo, situações que dificultam o trabalho em equipe. Destaca-se que para cada situação existem reações, ações/comportamentos associados a ela. Apesar da concentração de situações negativas, predominam comportamentos que viabilizam o trabalho em equipe de saúde, os mais frequentes situados na categoria Relacionar-se com os demais agentes.

Entretanto, constata-se uma importante contradição que se revela no predomínio de situações com referências negativas para Colaboração entre agentes e predominância de comportamentos com referências positivas na categoria Relacionar-se com os demais agentes. Isso indica que alguns profissionais desenvolvem ações com referências positivas, na tentativa de superar as situações negativas, com vistas ao desenvolvimento do trabalho conjunto, revelando investimento pessoal e esforço por parte de alguns agentes.

A categoria Relacionar-se com os demais agentes destaca referências positivas decorrentes da utilização dos instrumentos não materiais do processo de trabalho, vinculados aos aspectos relacionais, dentre eles, colaboração e comunicação/troca de informações entre agentes. Infere-se que aí resida uma concepção de que para se trabalhar em saúde é fundamental relacionar-se adequadamente com os demais profissionais.

Pertinente salientar que o relacionamento adequado com os demais agentes impacta na assistência prestada ao paciente e deve se ancorar em interações profissionais dialógicas que promovam atuações cooperativas, colaborativas e de troca, com vistas à integração de saberes e práticas. O relacionamento interpessoal influencia no trabalho realizado e vai além de relações cordiais. A possibilidade de convivência entre os diferentes agentes é identificada como um aspecto favorável que o trabalho proporciona22 Silva SEM, Moreira MCN. Equipe de saúde: negociações e limites da autonomia, pertencimento e reconhecimento do outro. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3033-42.,55 Peduzzi M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev Saúde Pública. 2001;35(1):103-9.,2222 Silva AM, SÁ MC, Miranda L. Entre "feudos" e cogestão: paradoxos da autonomia em uma experiência de democratização da gestão no âmbito hospitalar. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3063-72.-2323 Rosado IVM, Russo GHA, Maia EMC. Produzir saúde suscita adoecimento? As contradições do trabalho em hospitais públicos de urgência e emergência. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3021-32. .

O trabalho em equipe é impulsionado por relações interpessoais adequadas, pautadas na comunicação, na coordenação, no respeito e no uso da experiência de seus membros. A comunicação eficaz, a partilha de informações, a clareza de atribuições profissionais e os valores compartilhados são aspectos cruciais para o desenvolvimento de práticas interprofissionais2424 Valentine MA, Nembhard IM, Edmondson AC. Measuring teamwork in health care settings: a review of survey instruments. Medical Care. 2015; 53(4):e16-e30.-2525 Tubbesing G, Chen FM. Insights from exemplar practices on achieving organizational structures in primary care. J Am Board Farm Med. 2015;28(2):190-4..

Nessa perspectiva, os resultados da referida categoria são consonantes às ideias de autores, ao afirmarem que o trabalho em saúde demanda interação entre os distintos profissionais, podendo se concretizar, dentre outras maneiras, por meio da cooperação/prática colaborativa. A integração da equipe pressupõe uma adesão ativa dos profissionais ancorada na ajuda e contribuição dos colegas para além das atribuições mínimas do trabalho1717 Alexanian JA, Kitto S, Rak KJ, Reeves S. Beyond the team: understanding interprofessional work in two North American ICUs. Crit Care Med. 2015;43(9):1880-6.,2020 Matuda CG, Aguiar DML, Frazão P. Cooperação interprofissional e a reforma sanitária no Brasil: implicações para o modelo de atenção à saúde. Saúde Soc. 2013;22(1):173-86. . A prática colaborativa facilita o trabalho em equipe, favorecendo a melhoria das interações profissionais e da assistência à saúde1313 Weinberg DB, Cooney-Miner D, Perloff JN, Babington L, Avgar AC. Building collaborative capacity: promoting interdisciplinary teamwork in the absence of formal teams. Med Care. 2011;49(8):716-23.,2222 Silva AM, SÁ MC, Miranda L. Entre "feudos" e cogestão: paradoxos da autonomia em uma experiência de democratização da gestão no âmbito hospitalar. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3063-72..

Quanto à comunicação, que também aparece como comportamento com referência positiva na categoria Relacionar-se com os demais agentes, a literatura aponta que ela possibilita troca de informações entre os componentes da equipe2626 Deering S, Johnston LC, Colacchio K. Multidisciplinary teamwork and communication training. Semin Perinatol. 2011;35(2):89-96., favorecendo assistência integral e de melhor qualidade2121 Lancaster G, Kolakowsky-Hayner S, Kovacich J, Greer-Williams N. Interdisciplinary communication and collaboration among physicians, nurses, and unlicensed assistive personnel. J Nurs Scholarsh. 2015;47(3):275-84.,2727 Mundt MP, Agneessens F, Tuan WJ, Zakletskaia LI, Kamnetz SA, Gilchrist VJ. Primary care team communication networks, team climate, quality of care, and medical costs for patients with diabetes: a cross-sectional study. Int J Nurs Stud. 2016; 58:1-11. ao promover trabalho colaborativo e integração dos distintos saberes1414 Carvalho PA, Göttems LBD, Pires MRG, Oliveira MLC. Safety culture in the operating room of a public hospital in the perception of healthcare professionals. Rev Latino Am Enfermagem. 2015;23(6):1041-8. . A comunicação compartilhada é uma ferramenta fundamental para a colaboração interprofissional, facilita o trabalho em equipe44 Morgan S, Pullon S, McKinlay E. Observation of interprofessional collaborative practice in primary care teams: an integrative literature review. Int J Nurs Stud. 2015;52(7):1217-30.,1414 Carvalho PA, Göttems LBD, Pires MRG, Oliveira MLC. Safety culture in the operating room of a public hospital in the perception of healthcare professionals. Rev Latino Am Enfermagem. 2015;23(6):1041-8. e contribui para que ele viabilize assistência coerente às demandas dos pacientes1414 Carvalho PA, Göttems LBD, Pires MRG, Oliveira MLC. Safety culture in the operating room of a public hospital in the perception of healthcare professionals. Rev Latino Am Enfermagem. 2015;23(6):1041-8. ,2121 Lancaster G, Kolakowsky-Hayner S, Kovacich J, Greer-Williams N. Interdisciplinary communication and collaboration among physicians, nurses, and unlicensed assistive personnel. J Nurs Scholarsh. 2015;47(3):275-84.,2727 Mundt MP, Agneessens F, Tuan WJ, Zakletskaia LI, Kamnetz SA, Gilchrist VJ. Primary care team communication networks, team climate, quality of care, and medical costs for patients with diabetes: a cross-sectional study. Int J Nurs Stud. 2016; 58:1-11.. Nesse sentido, defende-se o estímulo ao compartilhamento das informações entre os profissionais e o desenvolvimento de comportamentos colaborativos entre eles2828 Longpré C, Dubois CA. Implementation of integrated services networks in Quebec and nursing practice transformation: convergence or divergence? BMC Health Serv Res. 2015;15:84..

Neste estudo, predominam comportamentos que facilitam o trabalho em equipe, especialmente no que diz respeito à categoria Relacionar-se com os demais agentes, na perspectiva da colaboração e comunicação.

Chama a atenção os resultados não indicarem como elemento para o trabalho em equipe a definição de objetivos comuns e compartilhados. Tal elemento é destacado como um dos aspectos da equipe integração55 Peduzzi M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev Saúde Pública. 2001;35(1):103-9., elencado como um dos pilares para trabalho em equipe também por outros autores22 Silva SEM, Moreira MCN. Equipe de saúde: negociações e limites da autonomia, pertencimento e reconhecimento do outro. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3033-42.,2929 Yang JG, Zhang J. Improving the postoperative handover process in the intensive care unit of a tertiary teaching hospital. J Clin Nurs. 2016;25(7-8):1062-72.. Entretanto, os resultados não convergem para a proposta dos autores.

Há uma dificuldade para definir se a equipe dessa UCO segue a lógica da modalidade da equipe integração ou agrupamento. Acredita-se que ela incorpora características de ambas, entretanto, há predomínio de elementos da equipe agrupamento, uma vez que são preponderantes baixa colaboração, tímida articulação entre saberes e ações e atuações isoladas e fragmentadas, o que conduz à insatisfação profissional.

Por outro lado, aspectos da equipe integração, como relações interpessoais que promovem a cooperação e colaboração entre os agentes, no trabalho em equipe, também são vivenciados no contexto da UCO. Isso favorece, consequentemente, a qualidade assistencial e segurança do paciente.

No que diz respeito às consequências, predominam referências negativas para o profissional/equipe, referindo-se, principalmente, à insatisfação profissional, ao sentimento de inferioridade em relação aos demais colegas, à frustração, ao desânimo e ao estresse, dentre outros, o que ocasiona prejuízo para realização do trabalho e para o agente. Embora sejam constatadas mais consequências negativas para o profissional/equipe, o paciente também sofre repercussões, especialmente, negativas.

Os resultados apresentados são coerentes com o cotidiano dos serviços de saúde, ainda, marcado pela formação profissional, pautada no modelo clínico de atenção, reforçado pelo método funcional de organização do trabalho. Tais questões reforçam segmentação dos saberes e ações; comprometem a prática colaborativa e as interações profissionais; limitam o trabalho em equipe multiprofissional. E mais, o fato de a UCO ser um setor fechado não contribui para interação efetiva com vistas à prática colaborativa entre os agentes e articulação de seus saberes e ações.

Observa-se, porém, que não há um raciocínio linear dos dados, pois apesar de haver situações e consequências predominantemente negativas, os comportamentos seguiram outra lógica, foram predominantemente positivos.

Salienta-se essa ambiguidade nos resultados, pois, se de um lado constata-se predomínio de situações com referências negativas e de consequências negativas, de outro há referências positivas para relacionamento entre agentes, indicando que, mesmo diante de tais situações, há um investimento pessoal para desenvolver atitudes positivas que favoreçam o relacionamento entre eles, o que facilita o trabalho em equipe. Entretanto, apesar do empenho dos profissionais, predominam consequências negativas, principalmente, para o profissional/equipe.

Isso evidencia um caráter dialético, porém legítimo dos relatos, e reflete a complexidade que perpassa o trabalho em equipe, bem como as relações interpessoais e sociais no trabalho nos serviços de saúde. Os comportamentos positivos evidenciam atitudes de comprometimento dos profissionais para fazer acontecer o trabalho, apesar das diversas dificuldades.

Para que o trabalho em equipe se realize é fundamental que, além da vontade e disponibilidade de alguns agentes em realizá-lo, as condições organizacionais e gerenciais sejam coerentes e consonantes à proposta do trabalho em equipe, concebendo-as como potente ferramenta para reconstruir o modo de fazer em saúde. Para isso, a gestão de pessoas precisa estar alinhada com os pressupostos do trabalho em equipe, preferencialmente com a modalidade da equipe integração.

Nesse sentido, a gestão de pessoas precisa desempenhar ações estratégicas para amenizar consequências negativas. Questiona-se: o que tem sido feito no cotidiano quanto a isso? Acredita-se que uma saída viável seria a gestão de pessoas tomar decisões integradas e voltadas para as relações de trabalho, no sentido de orientar e apoiar os profissionais, não apenas no cenário da UCO, mas também em uma perspectiva macro, do hospital como um todo.

Fundamental destacar, com base nos resultados, que a centralidade do processo de trabalho nessa UCO, considerando-se o trabalho em equipe, está nas relações entre os agentes, na perspectiva que se aproxima mais das afinidades relacionais e menos da construção de objetivos comuns para a concretização do processo de trabalho - a assistência à saúde.

Conclusão

Utilizando-se da Técnica do Incidente Crítico, este estudo permitiu analisar, segundo a ótica da equipe multiprofissional, o trabalho em equipe em uma UCO, identificando aspectos facilitadores e dificultadores para o referido trabalho.

Os resultados referentes às situações/comportamentos/consequências evidenciam que a baixa colaboração entre agentes, o gerenciamento inadequado de agentes, o descomprometimento com o trabalho, o desrespeito à hierarquia, a insatisfação profissional e o sentimento de desvalorização profissional dificultam o trabalho em equipe de saúde. Por outro lado, o relacionamento entre agentes, pautado na colaboração e na troca de informações entre colegas da equipe, é um fator que facilita o trabalho em equipe de saúde.

Os componentes do processo de trabalho que emergiram de maneira mais frequente nos resultados foram os agentes e os instrumentos não materiais (relações entre os agentes/colaboração). Evidencia-se que a centralidade do trabalho em equipe de saúde nessa UCO está nas relações entre os agentes, pois os aspectos que facilitam e dificultam o referido trabalho estão voltados, predominantemente, para a questão das relações entre profissionais/colaboração/ajuda mútua/comunicação. Chama a atenção os resultados não revelarem a elaboração de objetivos comuns como pressuposto para o trabalho em equipe.

A partir dos resultados, entende-se como pertinente avançar em novas pesquisas que abordem não só o gerenciamento de agentes, mas também o desenvolvimento e a implementação da colaboração como potente ferramenta agregadora entre os agentes e seus saberes, com vistas à assistência integral, bem como capacitação e preparo do profissional para atuação em UCO.

Pretende-se realizar projeto de intervenção junto aos profissionais dessa UCO para discutir, repensar e entender a dinâmica do trabalho em equipe neste cenário, bem como construir estratégias coletivas por meio da escuta qualificada para superação de entraves. Defende-se a articulação junto à equipe, na tentativa de elaborar caminhos a serem desenhados, por eles mesmos, para que a dinâmica do trabalho seja menos sofrida, mais integrada/colaborativa e resulte em mais consequências positivas para o profissional/equipe e paciente.

Como limitações, destaca-se que a coleta de dados foi realizada em momento no qual o hospital do estudo passava por reestruturação de gestão. Entretanto, a maior parte dos profissionais mostrou-se disponível para realização da pesquisa. Embora tenha sido um estudo desenvolvido em uma UCO de um hospital público de ensino, e que isso pese como limitação, entende-se que existem hospitais públicos de ensino em contexto organizacional e de trabalho bastante semelhantes e que os resultados deste estudo têm potencial para ampliação de sua visibilidade e aplicação.

Apesar da relevância, pouco se tem avançado na compreensão do tema 'trabalho em equipe', sobretudo em unidades coronarianas, o que repercute nas transformações da realidade dos serviços de saúde. Na prática, deve haver uma compreensão de que o trabalho em equipe vai além da elaboração de objetivos comuns entre integrantes da equipe. É necessário que os serviços incorporem a produção teórica e avancem na construção de relações entre os agentes, mais dialógicas e colaborativas. Isso vai requerer mudanças organizacionais, desde organogramas até rodas de discussão e reflexão sobre a temática, pois o trabalho em equipe precisa ser incorporado para além de estratégia, mas como ferramenta de trabalho em saúde.

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    Extraído da tese "Aspectos facilitadores e dificultadores do trabalho em equipe em Unidade de Alta Densidade Tecnológica", Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2015
  • Aceito
    24 Maio 2016
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