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Enfermagem e gestantes de alto risco hospitalizadas: desafios para integralidade do cuidado* * Extraído da dissertação: “Enfermagem e gestantes de alto risco hospitalizadas: desafios para integralidade do cuidado”, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de São Carlos, 2017

Resumo

Objetivo:

Analisar as interações entre enfermagem e gestantes de alto risco hospitalizadas quanto às possibilidades e limites de realização de um cuidado orientado pelo princípio da integralidade.

Método:

Estudo qualitativo, fundamentado na base conceitual da integralidade e desenvolvido a partir dos preceitos da análise de conteúdo temática. A coleta dos dados se deu através de entrevistas abertas e observação da cena assistencial de doze profissionais de enfermagem junto a gestantes de alto risco hospitalizadas.

Resultados:

Participaram do estudo 12 profissionais de enfermagem. As práticas de enfermagem estão retratadas a partir de duas categorias temáticas: “Acolhimento: apoio emocional e informacional” e “Avaliação e monitoramento do risco gestacional”. Os achados revelaram intenções de acolher a mulher, provendo suporte informal e emocional, contudo sob fragilidades nas relações intersubjetivas. Há uma ênfase no “êxito técnico”, nem sempre suficientemente articulado ao “sucesso prático” nas ações de cuidado, com prejuízos para o alcance da integralidade.

Conclusão:

Os achados revelaram que a ênfase no manejo biomédico do risco obstétrico e limitações estruturais e organizacionais do trabalho acabam por dificultar a incorporação ao cotidiano do cuidado de preocupações e saberes necessários à construção de sua integralidade.

Descritores:
Enfermagem Obstétrica; Integralidade em Saúde; Humanização da Assistência; Gravidez de Alto Risco; Equipe de Enfermagem

Abstract

Objective:

To analyze the interactions between nursing and hospitalized high-risk pregnant women regarding the possibilities and limits of providing care guided by the principle of comprehensiveness.

Method:

A qualitative study based on the conceptual framework of comprehensiveness and developed from the precepts of thematic content analysis. Data were collected through open interviews and observation of the care scenario of twelve nursing professionals with hospitalized high-risk pregnant women.

Results:

Twelve (1212. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.) nursing professionals participated in the study. Nursing practices are portrayed from two thematic categories: “Embracement: emotional and informational support” and “Assessing and monitoring gestational risk”. The findings revealed intentions to embrace women, providing informal and emotional support, but under weaknesses in intersubjective relationships. There is an emphasis on “technical success”, not always sufficiently articulated with “practical success” in care actions, with harm to achieving comprehensiveness.

Conclusion:

The findings revealed that an emphasis on the biomedical management of obstetric risk and structural and organizational limitations of work end up hindering incorporating into daily care the concerns and knowledge necessary for constructing its comprehensiveness.

Descriptors:
Obstetric Nursing; Integrality in Health; Humanization of Assistance; Pregnancy, High-Risks; Nursing, Team

Resumen

Objetivo:

Analizar las interacciones entre enfermería y gestantes de alto riesgo hospitalizadas en cuanto a las posibilidades y límites de realización de un cuidado orientado por el principio de la integralidad.

Método:

Estudio cualitativo, fundado en la base conceptual de la integralidad y desarrollado a partir de preceptos del análisis de contenido temático. La recolección de datos se dio mediante entrevistas abiertas y observación de la escena asistencial de doce profesionales de enfermería junto a gestantes de alto riesgo hospitalizadas.

Resultados:

Participaron en el estudio 12 profesionales de enfermería. La prácticas de enfermería están retratadas mediante dos categorías temáticas: “Acogida: apoyo emotivo e informativo” y “Evaluación y monitoreo del riesgo gestacional”. Los hallazgos revelaron intenciones de acoger a la mujer, brindando soporte informal y emotivo, sin embargo bajo fragilidades en las relaciones intersubjetivas. Existe una énfasis en el “éxito técnico”, no siempre articulado lo bastante con el “éxito práctico” en las acciones de cuidado, con perjuicios para el alcance de la integralidad.

Conclusión:

Los hallazgos desvelaron que el énfasis en el manejo biomédico del riesgo obstétrico y limitaciones estructurales y organizativas del trabajo terminan por dificultar la incorporación al cotidiano del cuidado de preocupaciones y saberes necesarios a la construcción de su integralidad.

Descriptores:
Enfermería Obstétrica; Integralidad en Salud; Humanización de la Atención; Embarazo de Alto Riesgo; Grupo de Enfermería

INTRODUÇÃO

A integralidade é um princípio doutrinário do Sistema Único de Saúde (SUS) que propõe uma base dialógica entre as dimensões tecnológica, ética e política das ações de saúde. Ainda que seja um conceito polissêmico, a busca da integralidade na forma de organização dos serviços tem como fundamento a necessidade de superar reducionismos e tecnicismos que comprometam a efetividade do cuidado em saúde. Em outras palavras, reclama uma resposta ampliada às necessidades de saúde individuais e coletivas, não as reduzindo aos aspectos biológicos(11. Kalichman AO, Ayres JRCM. Integralidade e tecnologias de atenção à saúde: uma narrativa sobre contribuições conceituais à construção do princípio da integralidade no SUS. Cad Saúde Pública Internet . 2016 citado 2018 maio 07 ;32(8):e00183415. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2016000803001&script=sci_abstract&tlng=pt
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-22. Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ/ABRASCO; 2009.)
.

No processo de desenvolvimento histórico da medicina moderna, o enfoque no conhecimento científico e o manejo da doença em sua manifestação morfofuncional desvalorizou a subjetividade, a esfera existencial da pessoa e deu ênfase ao domínio do conhecimento técnico-instrumental(33. Contatore OA, Malfitano APS, Barros NF. Care process in the health field: ontology, hermeneutics and teology. Interface (Botucatu) Internet . 2017 cited 2018 July 23 ;21(62):553-63. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832017000300553&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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)
. Com as questões do parto e nascimento, não foi diferente. Sua institucionalização e medicalização transformou o processo natural e inerente ao feminino em um evento patológico com necessidade de controle e com o exercício do poder intervencionista de profissionais, sobretudo médicos, exacerbado(44. Pimentel TA, Oliveira-Filho EC. Fatores que influenciam na escolha da via de parto cirúrgica: uma revisão bibliográfica. Univ Ciênc Saúde Internet . 2016 citado 2019 dez. 12 . Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/cienciasaude/article/viewFile/4186/3279
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)
. Portanto, o modelo de atenção ao parto e nascimento atual reduz a mulher a mero objeto da equipe de saúde, sem que sejam atendidas suas necessidades específicas, em um momento de alta vulnerabilidade.

Com gestações que se desenvolvem sob o diagnóstico de alto risco, entendidas como situação obstétrica que pode resultar em desfechos desfavoráveis à saúde da mãe e/ou feto(55. Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Manual técnico gestação de alto risco. Brasília: MS; 2012.), a desvalorização da subjetividade se intensifica. O manejo morfofuncional da situação é exacerbado pelo olhar técnico e intervencionista, que, por um lado, é justificável pelos riscos obstétricos envolvidos na situação e, por outro, torna um desafio o compromisso com as demais dimensões envolvidas na atenção a uma experiência tão rica de implicações práticas e significados existenciais como a gravidez e o parto, sobretudo quando há hospitalização da mulher(66. Melo CMM, Florentino TC, Mascarenhas NB, Macedo KS, Silva MC, Mascarenhas SN. Professional autonomy of the nurse: some reflections. Esc Anna Nery Internet . 2016 cited 2018 May 07 ;20(4):e20160085. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452016000400601&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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)
.

Nessas situações, torna-se necessária, embora mais difícil, a manutenção da perspectiva da integralidade como princípio norteador da atenção em saúde. Ela resgata e valoriza a subjetividade dos encontros, da escuta, com vistas ao diálogo como forma de contextualizar as ações de saúde, no contexto singular de pessoas e grupos populacionais coletivos(77. Ayres JRCM. Cuidado e reconstrução das práticas de saúde. Interface (Botucatu). Internet . 2004 citado 2018 jul. 19 ;8(14):73-92. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832004000100005&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
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)
. Para isso, é fundamental, a despeito de todas as dificuldades implicadas na situação, a presença ativa das gestantes, seu protagonismo e, por parte dos profissionais, o respeito e fomento à sua autonomia(88. Assis MMA, Nascimento MAA, Pereira MJB, Cerqueira ERM. Comprehensive health care: dilemmas and challenges in nursing. Rev Bras Enferm Internet . 2015 cited 2018 May 07 ; 68(2):333-8. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672015000200333&lng=en
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)
.

Estudo nacional sobre pré-natal e itinerário de gestantes de alto risco à luz da integralidade revelou, na voz da mulher gestante, a falta de longitudinalidade e continuidade do cuidado pré-natal e a fragilidade, nas interações, de uma abordagem integral e participativa, o que contribuiu para a perda do direito da mulher em agir sobre seu corpo(99. Cabrita BAC, Abrahão AL, Rosa AP, Rosa FSF. The search for care by high risk pregnant in relation to integrality in health. Ciênc Cuid Saúde Internet . 2015 cited 2018 July 23 ;14(2):1139-48. Available from: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/24250/pdf_347
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)
. Torna-se, portanto, premente ampliar reflexões e evidências acerca da integralidade na atenção às gestantes de alto risco, bem como da importância do protagonismo da mulher na construção do cuidado em saúde no ciclo gravídico-puerperal(1010. Santos ALC, Santini AM, Subutzki LS, Berlato LP, Marchiori MRCT, Souza MHT. Stork network and the gestate leadership: a review of the literature narrative. Disciplinarum Scientia. Internet . 2016 cited 2018 May 07 ;17(2):319-29. Available from: https://www.periodicos.unifra.br/index.php/disciplinarumS/article/view/2039/1885
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)
. Nesse sentido, o presente estudo toma como objetivo analisar as interações entre enfermagem e gestantes de alto risco hospitalizadas quanto às possibilidades e limites de realização de um cuidado orientado pelo princípio da integralidade.

MÉTODO

Desenho do estudo

Trata-se de uma pesquisa de campo com enfoque qualitativo que buscou explorar as interações da equipe de enfermagem no desenvolvimento da atenção à mulher gestante de alto risco hospitalizada. Tomou como base para a produção e interpretação de seu material empírico o conceito de Integralidade tal como sistematizado por Ayres(1111. Ayres JRCM. Organização das Ações de Atenção à Saúde: modelos e práticas. Rev Saúde Soc Internet . 2009 citado 2018 jul. 19 ;18(supl.2). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902009000600003&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
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A integralidade efetiva-se na forma como os serviços se organizam, nos planos da gestão e da assistência(11. Kalichman AO, Ayres JRCM. Integralidade e tecnologias de atenção à saúde: uma narrativa sobre contribuições conceituais à construção do princípio da integralidade no SUS. Cad Saúde Pública Internet . 2016 citado 2018 maio 07 ;32(8):e00183415. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2016000803001&script=sci_abstract&tlng=pt
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)
. O modo de operar o cuidado fundamentado na integralidade, inseparável dos demais princípios doutrinários do SUS - universalidade e equidade - conduz os profissionais ao desafio de saber “o que” fazer e “como” fazer para todos, tendo em vista as necessidades de cada um(1111. Ayres JRCM. Organização das Ações de Atenção à Saúde: modelos e práticas. Rev Saúde Soc Internet . 2009 citado 2018 jul. 19 ;18(supl.2). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902009000600003&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
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)
.

Nessa direção, aponta-se quatro eixos organizadores de ações de cuidado orientadas à integralidade: (11. Kalichman AO, Ayres JRCM. Integralidade e tecnologias de atenção à saúde: uma narrativa sobre contribuições conceituais à construção do princípio da integralidade no SUS. Cad Saúde Pública Internet . 2016 citado 2018 maio 07 ;32(8):e00183415. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2016000803001&script=sci_abstract&tlng=pt
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) eixo das necessidades: diz respeito a uma leitura que não limite o objeto do trabalho em saúde aos aspectos morfofuncionais do adoecimento ou seus riscos, mas incorpore esses aspectos à construção de um cuidado situado no contexto concreto, e segundo os interesses práticos, dos seus destinatários. A qualidade da escuta e acolhimento das demandas são colocadas em pauta; (22. Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ/ABRASCO; 2009.) eixo das finalidades: diz respeito à integração entre ações de promoção da saúde, prevenção de agravos, tratamento de doenças e sofrimentos e recuperação da saúde/reinserção social conforme à singularidade de cada situação de cuidado; (33. Contatore OA, Malfitano APS, Barros NF. Care process in the health field: ontology, hermeneutics and teology. Interface (Botucatu) Internet . 2017 cited 2018 July 23 ;21(62):553-63. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832017000300553&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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) eixo das articulações: diz respeito às interações entre os diferentes saberes e profissões no desenvolvimento das ações de saúde. O sentido orientador aqui é o de trabalhar de forma interdisciplinar e intersetorial, conforme as necessidades e finalidades envolvidas; e, (44. Pimentel TA, Oliveira-Filho EC. Fatores que influenciam na escolha da via de parto cirúrgica: uma revisão bibliográfica. Univ Ciênc Saúde Internet . 2016 citado 2019 dez. 12 . Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/cienciasaude/article/viewFile/4186/3279
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) eixo das interações: diz respeito às interações intersubjetivas. O norte aqui é a construção de efetivo diálogo entre os sujeitos envolvidos, sem o que os eixos acima não podem ser efetivados(1111. Ayres JRCM. Organização das Ações de Atenção à Saúde: modelos e práticas. Rev Saúde Soc Internet . 2009 citado 2018 jul. 19 ;18(supl.2). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902009000600003&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
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)
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Como se vê, uma assistência de qualidade à complexa situação das mulheres que estão gestando em condição de alto risco traz desafios implicados nos quatro eixos acima descritos, os quais serão a base da investigação aqui apresentada.

População

Um total de 12 profissionais de enfermagem participaram do estudo. Destas, seis são enfermeiras obstetras, quatro são técnicas de enfermagem e duas são auxiliares de enfermagem. Na observação, um total de treze internações de alto risco foram acompanhadas. Os critérios de inclusão selecionados foram: profissionais de enfermagem que não se encontravam em período de férias e gestantes maiores de dezoito anos, hospitalizadas e com diagnóstico de risco, sendo este um critério adotado apenas para o processo da observação. As narrativas dos participantes aqui transcritas foram identificadas conforme suas iniciais: Enfermeiros (E); técnicos de enfermagem (TE) e auxiliares de enfermagem (AE), seguidas das sequências numéricas em que foram transcritas as entrevistas.

Coleta de dados

O estudo foi desenvolvido em uma maternidade do interior paulista, que oferece atendimento para gestantes de alto risco com necessidades de hospitalização. Tal maternidade está alocada em um hospital filantrópico e destina sete leitos de internação clínica para gestantes. Para o atendimento dessas mulheres, o quadro previsto de enfermagem a cada plantão (regime de trabalho de 12 horas) é de uma enfermeira obstetra e duas ou três técnicas/auxiliares de enfermagem.

A produção do material empírico ocorreu entre os meses de dezembro/2016 a janeiro/2017, a partir de: (11. Kalichman AO, Ayres JRCM. Integralidade e tecnologias de atenção à saúde: uma narrativa sobre contribuições conceituais à construção do princípio da integralidade no SUS. Cad Saúde Pública Internet . 2016 citado 2018 maio 07 ;32(8):e00183415. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2016000803001&script=sci_abstract&tlng=pt
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) entrevistas abertas norteadas pela questão: “Conte-me o que você procura valorizar no seu cuidado às gestantes de alto risco hospitalizadas?” e (22. Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ/ABRASCO; 2009.) observação da cena assistencial que foi realizada com atenção aos eixos das necessidades, das finalidades, das articulações e das interações, registradas em diários de campo. As entrevistas, que foram realizadas e transcritas pela primeira autora deste artigo, em conjunto com os dados da observação da cena assistencial, foram os instrumentos balizadores da análise. A observação do serviço foi realizada em todos os quatro plantões seguindo a seguinte estratégia: todos os plantões foram observados no mesmo horário para aproximação entre as rotinas de cuidado, em um período de três horas, totalizando doze horas de observação, em dias consecutivos. Assim, os plantões diurnos foram observados no período das 07 horas (início de plantão) até às 10 horas e os plantões noturnos foram observados no período das 19 horas (início de plantão) até às 22 horas.

Análise e tratamento dos dados

Como referencial metodológico, selecionou-se a Análise de Conteúdo Temática de Bardin(1212. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.), método que engloba um conjunto de técnicas de análise que permite a compreensão dos produtos da comunicação. Ele é desenvolvido a partir de três etapas. A primeira, a pré-análise, visa organização do material empírico por meio de leituras reiteradas e recorte do texto em unidades comparáveis de categorização. Na segunda, exploração, há codificação do material e transformam-se os dados brutos do texto em representação de conteúdo, associada aos núcleos de sentido. Na última etapa, esse material é interpretado e exposto de forma a recompor o fenômeno(1212. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.). Não foram utilizados softwares qualitativos.

Aspectos éticos

Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e concordaram em participar do estudo voluntariamente. Considerando a observação do campo assistencial, houve necessidade de as gestantes também assinarem o TCLE, após autorização concedida pelas mesmas à primeira autora para a observação. O desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos e possui aprovação em Comitê de Ética em Pesquisa, sob o Parecer número 2.239.519/2016, em conformidade com a Resolução n° 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde(1313. Brasil. Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre diretrizes e normas de pesquisas envolvendo seres humanos Internet . Brasília; 2012 citado 2018 ago. 16 . Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
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RESULTADOS

Com relação aos 12 participantes de enfermagem, a média de idade foi 30,5 anos, variando entre 23 anos (idade mínima) e 39 anos (idade máxima). O tempo de formação dos profissionais em seus respectivos níveis (especialização em enfermagem obstétrica, ensino técnico e auxiliar) foi, em média, 4,41 anos, sendo a máxima de oito (88. Assis MMA, Nascimento MAA, Pereira MJB, Cerqueira ERM. Comprehensive health care: dilemmas and challenges in nursing. Rev Bras Enferm Internet . 2015 cited 2018 May 07 ; 68(2):333-8. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672015000200333&lng=en
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) anos e a mínima de um (11. Kalichman AO, Ayres JRCM. Integralidade e tecnologias de atenção à saúde: uma narrativa sobre contribuições conceituais à construção do princípio da integralidade no SUS. Cad Saúde Pública Internet . 2016 citado 2018 maio 07 ;32(8):e00183415. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2016000803001&script=sci_abstract&tlng=pt
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). Com relação ao tempo de atuação na maternidade, a média foi de aproximadamente dois (2) anos e dez (10) meses, variando entre dois (2) a oito (8) anos de atuação. No processo de observação, as causas de internações obstétricas foram: trabalho de parto prematuro; gestação gemelar; cardiopatia hipertrófica; pré-eclâmpsia; mola hidatiforme; gravidez ectópica; infecção do trato urinário e pielonefrite.

Sistematizou-se a compreensão/interpretação da prática assistencial de enfermagem aqui estudada a partir das categorias temáticas: “Acolhimento: apoio emocional e informacional” e “Avaliação e monitoramento do risco gestacional”, que foram discutidas com as contribuições das observações das cenas assistenciais.

Acolhimento: apoio emocional e informacional

As narrativas revelaram ativa preocupação em promover o conforto e acolher as necessidades da mulher no cuidado de enfermagem oferecido às gestantes de alto risco hospitalizadas. Contudo, apenas uma das enfermeiras entrevistadas revelou, inclusive, sua aposta no protagonismo da gestante, quando relatou a importância do respeito aos seus desejos.

(...) o cuidado de estar junto, de ter um ambiente calmo, tranquilo, e de ter um atendimento também que seja um atendimento tranquilo e humanizado (E1).

Na medida do possível fazer tudo do jeito que elas querem, fazer as coisas que elas querem... respeitar a vontade delas (E2).

A equipe de enfermagem percebe nas gestantes uma sobrecarga psíquica diante da situação de risco. Apontam sentimentos de medo, preocupação e apreensão em situações em que o desconhecimento/conhecimento insuficiente acerca da condição gestacional é evidente e destacam que estar desacompanhada durante a internação agrava o desequilíbrio emocional. Nesse sentido, a ação de prover acolhimento emocional e informacional ganha centralidade.

Às vezes elas não entendem o que está acontecendo, então elas vão ficar super [entonação na voz] preocupadas com o feto, com certeza. Então, eu procuro sempre, assim, conversar e tirar as dúvidas para tentar acalmar porque eu sei que elas sempre ficam, assim, como posso dizer, apreensivas sobre isso... e eu sempre falo que se ela tiver alguma dúvida ela pode vir falar com a gente (E4).

Elas estão sempre pensando no pior, sabe?! Pensam no pior com as outras crianças que estão em casa, outras é com o marido que está lá em casa... outras ficam abaladas porque não tem nenhum parente que vem aqui visitar e se sente sozinha aqui, se sente abandonada (AE1).

Diante da hospitalização, a equipe assume, com empenho e prioridade, a ação de orientar. Disponibilizam-se com esforços para reconhecer tal necessidade, valorizando queixas, dúvidas e se utilizando de uma linguagem não técnica, o que pode quebrar barreiras. No entendimento de que a família vive a experiência do risco gestacional e suas repercussões junto com a mulher, ampliam o acolhimento. Sinalizam a importância de envolver, dialogar e aproximar-se da família para também conhecer suas necessidades.

Nunca deixar com dúvida, se ela perguntar alguma coisa e a gente não sabe, procurar pelo menos ter alguma noção para falar alguma coisa, não precisa usar nenhum termo técnico, mas alguma coisa que elas entendam para não deixar na dúvida porque, eu acho que é pior ficar sem saber o que está acontecendo. Então, eu procuro, acho que a melhor coisa é você procurar sempre responder (...) (TE4).

(...) tem que envolver a família, trazer a família na hora da visita e conversar com essa família, explicar para essa família, e chamar o médico para essa família e, muitas vezes, vem o irmão, tio e depois vem a outra parte da família e você tem que ter a paciência [entonação na voz] de estar explicando todas as vezes que a família precisa e você tem que entender (...) (E3).

Essas ações, porém, ficam restritas diante das limitações operacionais, percebidas pelas participantes. As entrevistadas revelam falta de tempo para orientar devido às tarefas institucionalmente prospectadas e as regras institucionais, limitantes organizacionais para esse apoio.

A gestante de alto risco sempre vem com muitas dúvidas do estado clínico dela, os familiares também, então acho que primeiro a orientação do quadro dela, que às vezes é uma dificuldade que a gente tem, como é muito corrido [referindo-se ao plantão] (E1).

(...) porque a demanda tem dia que é muito grande, de querer tirar dúvida, de a família querer conversar (...) então eu gosto de fazer essas orientações, mas tem dia que realmente não dá (E5).

Uma vez que a hospitalização é reconhecida como agravante da sobrecarga psíquica, a equipe de enfermagem intervém no sentido de flexibilizar as regras institucionais, procurando viabilizar visitas estendidas e/ou acompanhantes para essas mulheres, ainda que em raras situações isso tenha sido observado.

Quando é internação clínica elas [gestantes] não têm direito a acompanhante, então elas acabam ficando sozinhas e eu tenho que explicar o porquê disso, porque, muitas vezes, elas perguntam se precisam ficar sozinhas. Nosso espaço aqui não colabora para que todas as gestantes internadas possam ficar com alguém (E4).

Quando eu sinto necessidade, quando a paciente está muito triste, chorosa, a gente tenta [pausa]... liberar acompanhante (...) (E3).

As regras hospitalares quanto à presença da família no setor permitem visitas diárias das 12h às 20h, com duração de uma hora para cada visitante e sem direito a acompanhante para a mulher maior de dezoito anos. Foi observado que a equipe orienta os familiares a se retirarem diante da entrada da equipe no quarto, o que compromete o eixo das interações, na medida em que a família não é parte integrante do cuidado na prática assistencial.

Ademais, em consonância com as narrativas, a observação do cotidiano da unidade de internação clínica demonstrou um efetivo processo de informar as mulheres sobre os procedimentos e medicações a serem realizados. A enfermagem utiliza-se de uma conversa mais informal como estratégia de comunicação e busca orientar e explicar todos os procedimentos, o que facilita a interação.

Cuidado geral... eu acho que assim é muito importante a gente se identificar sempre para a paciente, muito importante a gente explicar todos os procedimentos que vão ser realizados. Eu vejo muito comumente o cardiotoco, por exemplo, que a gente instala milhões por dia e a gente vai instalando e instalando naquela rotina e, às vezes, a paciente não sabe para quê! Não sabe o que aquelas pazinhas fazem... então acho assim a gente chegar - olha essa pazinha vai ficar ouvindo o bebê, essa pazinha vai ficar vendo a dinâmica uterina, movimentação - e isso já tira a ansiedade delas. Então elas já sabem para que é, e depois que você tira o exame, a gente tem a capacidade de avaliar o exame, então falar para a paciente - está tudo bem, seu bebê está bem - isso já tranquiliza a paciente (...) (E3).

(...) Eu procuro sempre através da minha passagem de plantão esclarecer para elas [mulheres] o que tem de exame pendente, o que está aguardando, o que tem de alterado e porquê de estar fazendo aquela medicação (E6).

Destaca-se, porém, que as informações veiculadas foram estritamente relativas aos aspectos fisiopatológicos e clínicos do manejo obstétrico da situação, o que pode comprometer o atendimento do eixo das necessidades, em especial nesse contexto de risco gestacional, em que a qualidade da escuta e acolhimento das demandas se faz tão necessária.

Avaliação e monitoramento do risco gestacional

As entrevistas apontam a valorização de ações de avaliação e monitoramento dos sinais vitais articulados com o risco gestacional. Essa ação permeia e direciona o cuidado, cabendo à enfermeira o papel central nesse aspecto. Destacam-se ações de natureza técnico-instrumental, direcionadas pelo diagnóstico de alto risco que determinou a internação.

Nas interações com as mulheres, preocupam-se em identificar os riscos e as falhas na adesão do tratamento. Quando identificados, nota-se a tendência a responsabilizar a mulher pelos desfechos da terapêutica. Na abordagem das gestantes, valorizam os sinais e sintomas que traduzem a evolução da internação, com destaque aos sinais vitais, dieta, sangramento vaginal e oferta de medicações.

Às vezes, ela chega transferida de algum outro hospital e aí quando ela chega a função da enfermeira é fazer uma avaliação, auscultar o BCF, ver a maneira como ela chegou. Aí o médico também já faz uma avaliação e aí baseado no diagnóstico médico e na orientação, a enfermeira esclarece as dúvidas, porque, às vezes, alguns médicos pode ser que não esclareçam [risos]. Então, a enfermeira esclarece as dúvidas, já monitora paciente e já faz os cuidados... é... segundo a prescrição e dependendo do diagnóstico (E1).

Eu procuro sempre estar atenta na pressão que varia, né? Toda hora está variando, só que tem gestante que é meio teimosa, já interna com pressão alta e mesmo assim com a pressão alta elas insistem em querer o sal, em querer colocar o sal em cima da comida, aí eu oriento para elas que... para elas preservarem o bebê e para elas não pensarem só nelas porque o que está em risco é a vida do bebê (AE1).

Controlar o sangramento né, a pressão, a pressão muito alta a gente tem que estar sempre controlando, fazendo a medicação prescrita, isso daí (...) (TE2).

Envolvidas no seguimento da internação e da terapêutica, as enfermeiras possuem o papel de informar a evolução do risco gestacional entre os membros da equipe, em especial aos médicos. Percebe-se que os médicos solicitam a passagem de plantão apenas de forma verbal, descartando qualquer possibilidade de leitura das anotações de enfermagem.

Bom, as visitas médicas são realizadas diariamente e dependendo do plantão, a enfermeira acompanha sempre a visita, porque através da visita é que ele [o médico] vai referir o que ele quer que faça. Um exemplo, coleta de exames, solicitar cardiotocografia, enfim... outros cuidados. E aí a gente passa visita juntos, para poder passar inclusive o plantão para o médico né, que, muitas vezes, eles não pegam com o plantonista que está na maternidade, eles pegam geralmente com enfermeira e aí a gente vai junto para poder acompanhar, ver qual é a conduta dele e o que ele vai orientar para a paciente (E6).

No esclarecimento desse acompanhamento, relatam que agem como elos de informação e que o momento da visita médica é oportuno para inteirarem-se do caso clínico, prospectando os futuros cuidados para com a mulher. Durante as visitas, contudo, foi observado que a participação da enfermeira consistiu principalmente em escutar e anotar condutas, sem qualquer tipo de manifestação e questionamento ao médico. Quando questionada acerca de seu papel nesse acompanhamento, uma das enfermeiras relatou ser um momento em que “não abre a boca”.

Portanto, podemos inferir que o eixo das articulações, no qual deveriam ser visíveis as interações entre os diferentes saberes e profissões no desenvolvimento das ações de saúde, não foi contemplado, mantendo-se relações hierárquicas e antidialógicas entre médicos e enfermeiros, o que compromete um cuidado baseado na integralidade.

DISCUSSÃO

Na dinâmica da equipe de enfermagem deste estudo, a enfermeira assume o papel de gerir o cuidado. Do ponto de vista formal, espera-se dela o conhecimento sobre a gestação de risco, desde a fisiopatologia até as condutas do processo de hospitalização, o que lhe compete para avaliar e decidir nas situações, quando tem autonomia para isso. Além desse papel social, assume a articulação da informação no espaço, quando se coloca como elo de informação para os médicos.

Nessa conjuntura, relatam uma atitude de interesse em estabelecer diálogo, acolhimento e escuta, sobretudo significando o ato de informar como uma necessidade do cuidado no contexto de alto risco gestacional, pois reconhecem o despreparo das mulheres em termos de conhecimento. Reflexo disso, o orientar ganha centralidade no processo de trabalho da enfermagem. Essa carência de informações no contexto de alto risco vem sendo discutida na literatura(1414. Oliveira DC, Mandu ENT. Women with high-risk pregnancy: experiences and perceptions of needs and care. Esc Anna Nery Internet . 2015 cited 2018 July 19 ;19(1):93-101. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452015000100093&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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15. Silva DVR, Silveira MFA, Gomes-Sponholz FA. Experiences with severe maternal morbidity: a qualitative study on the perception of women. Rev Bras Enferm Internet . 2016 cited 2018 May 07 ;69(4):618-24. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672016000400662&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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16. Tunçalp O, Hindin MJ, Adu-Bonsaffoh K, Adanu R. Listening to women's voices: the quality of care of women experiencing severe maternal morbidity, in Accra, Ghana. PLoS One Internet . 2012 cited 2018 May 07 ;7(4):e44536. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3432129/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...

17. Piveta V, Bernady CCF, Sodré TM. Perception of pregnancy risk by a group of pregnant women hypertensive hospitalized. Ciênc Cuid Saúde Internet . 2016 cited 2018 July 19 ;15(1):61-8. Available from: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/28988/pdf_1
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-1818. Richter MS, Parkes C, Chaw-Kant J. Listening to the voices of hospitalized high-risk antepartum patients. J Obstet Gynecol Neonatal Nurse. 2007;36(4):313-8.)
, com enfoques no pré-natal e no processo de internação(99. Cabrita BAC, Abrahão AL, Rosa AP, Rosa FSF. The search for care by high risk pregnant in relation to integrality in health. Ciênc Cuid Saúde Internet . 2015 cited 2018 July 23 ;14(2):1139-48. Available from: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/24250/pdf_347
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,1414. Oliveira DC, Mandu ENT. Women with high-risk pregnancy: experiences and perceptions of needs and care. Esc Anna Nery Internet . 2015 cited 2018 July 19 ;19(1):93-101. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452015000100093&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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,1919. Amorim TV, Souza IEO, Moura MAV, Queiroz ABA, Salimena AMO. Perspectivas do cuidado de enfermagem na gestação de alto risco: revisão integrativa. Enferm Glob Internet . 2017 citado 2018 maio 07 ;(46):515-29. Disponível em: http://scielo.isciii.es/pdf/eg/v16n46/pt_1695-6141-eg-16-46-00500.pdf
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e foi alvo de apontamentos neste estudo.

Alguns estudos(1414. Oliveira DC, Mandu ENT. Women with high-risk pregnancy: experiences and perceptions of needs and care. Esc Anna Nery Internet . 2015 cited 2018 July 19 ;19(1):93-101. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452015000100093&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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,1919. Amorim TV, Souza IEO, Moura MAV, Queiroz ABA, Salimena AMO. Perspectivas do cuidado de enfermagem na gestação de alto risco: revisão integrativa. Enferm Glob Internet . 2017 citado 2018 maio 07 ;(46):515-29. Disponível em: http://scielo.isciii.es/pdf/eg/v16n46/pt_1695-6141-eg-16-46-00500.pdf
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)
demonstraram que os profissionais de saúde, ao desenvolverem orientações, limitam-se aos aspectos fisiológicos da gestação, centrando-se na discussão da Sistematização da Assistência em Enfermagem, principalmente a partir do risco gravídico e com recortes pontuais do diagnóstico(1414. Oliveira DC, Mandu ENT. Women with high-risk pregnancy: experiences and perceptions of needs and care. Esc Anna Nery Internet . 2015 cited 2018 July 19 ;19(1):93-101. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452015000100093&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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,1919. Amorim TV, Souza IEO, Moura MAV, Queiroz ABA, Salimena AMO. Perspectivas do cuidado de enfermagem na gestação de alto risco: revisão integrativa. Enferm Glob Internet . 2017 citado 2018 maio 07 ;(46):515-29. Disponível em: http://scielo.isciii.es/pdf/eg/v16n46/pt_1695-6141-eg-16-46-00500.pdf
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)
, embora reconheçam os significados de medo, culpa, ansiedade e incertezas atribuídos ao processo do gestar nesse contexto(1919. Amorim TV, Souza IEO, Moura MAV, Queiroz ABA, Salimena AMO. Perspectivas do cuidado de enfermagem na gestação de alto risco: revisão integrativa. Enferm Glob Internet . 2017 citado 2018 maio 07 ;(46):515-29. Disponível em: http://scielo.isciii.es/pdf/eg/v16n46/pt_1695-6141-eg-16-46-00500.pdf
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)
. Estes sentimentos também foram reconhecidos pela equipe deste estudo e foi um aspecto valorizado no ato de informar.

Porém, apesar da enfermagem referir preocupações com os significados negativos atribuídos à condição da internação, na leitura das interações intersubjetivas, a equipe pouco se move na direção de valorizar a intersubjetividade, seja pela ênfase biomédica, seja pela institucionalização dos profissionais em rotinas exaustivas, o que acaba por dificultar e, por vezes, anular a possibilidade de efetivos diálogos, comprometendo o eixo das interações.

A presença de acompanhante traz benefícios de apoio emocional e físico(2020. Souza SRRK, Gualda DMR. The experience of women and their coaches with childbirth in a public maternity hospital. Texto Contexto Enferm Internet . 2016 cited 2018 July 19 ;25(1): e4080014. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v25n1/en_0104-0707-tce-25-01-4080014.pdf
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)
, influencia no empoderamento feminino(2121. Dulfe PAM, Lima DVM. Presence of a companion of the woman's choice in the process of parturition: repercussions on obstetric care. Cogitare Enf Internet . 2016 cited 2018 July 19 ;21(4):1-8. Available from: https://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/37651/pdf_en
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)
, é considerado um marcador de segurança da qualidade do atendimento prestado às mulheres(2222. Diniz CSG, d'Orsi E, Domingues RM, Torres JA, Dias MA, Schneck CA et al. Implementation of the presence of companions during hospital admmission for childbirth: data from the Birth in Brazil national survey. Cad Saúde Pública Internet . 2014 cited 2018 July 19 ;30 Supl 1:S140-S153. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2014001300020&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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e, em consequência, reforça a autonomia e protagonismo da mulher no processo de cuidado, respeitando o seu direito e devendo, portanto, ser reforçada nas instituições. Eventualmente existe uma quebra de protocolos institucionais visando facilitar um contato maior da gestante com seu familiar, o que pode sinalizar indícios de uma valorização destes, porém, ainda fragilizada por não estar institucionalizada e ser dependente de atitudes momentâneas de determinados profissionais. Podemos inferir que essa tímida reorganização não sustenta os princípios da integralidade do cuidado, dado que interações intersubjetivas, construídas por meio de efetivo diálogo entre os sujeitos envolvidos, não se concretiza de fato.

Dessa forma, fundamentar o cuidado focado nas necessidades de saúde ou centrado no sujeito(2323. Souto BGA, Pereira SMSF. História clínica centrada no sujeito: estratégia para um melhor cuidado em saúde. Arq Bras Ciênc Saúde Internet . 2011 citado 2018 jul. 19 ;36(3):176-81. Disponível em: https://www.portalnepas.org.br/abcs/article/view/58/57
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)
é ação difundida dentro da prática assistencial dos profissionais e pode conduzir à qualidade da interação, com objetivo de prover o melhor cuidado frente às demandas de saúde e vida. No entanto, um grande desafio consiste, como vimos, em fundar o cuidado para além do objetivo instrumental e das ações fragmentadas que a prática assistencial lhe impõe. Requer esforço dos profissionais na busca pela subjetividade da mulher, para além da necessidade clínica imediata, que incorpore a integralidade e articule suas ações de forma mais humanizada(2424. Petersen CB, Lima RAG, Boemer MR, Rocha SMM. Health needs and nursing care. Rev Bras Enferm Internet 2016 cited 2018 May 07 ;69(6):1168-71. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672016000601236&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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. Esse esforço deve contemplar uma escuta qualificada para além do técnico, que valorize as integrações entre ações de promoção da saúde, prevenção de agravos, tratamento de doenças e recuperação da saúde/reinserção social conforme à singularidade de cada situação de cuidado, como descrito anteriormente.

O manejo técnico do risco obstétrico não deve perder contato com os sentidos assumidos pela gestante no que se refere à gravidez, ao risco e ao manejo obstétrico. Dito de outra forma, a desconexão entre êxito técnico e sucesso prático(1111. Ayres JRCM. Organização das Ações de Atenção à Saúde: modelos e práticas. Rev Saúde Soc Internet . 2009 citado 2018 jul. 19 ;18(supl.2). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902009000600003&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
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pode ser responsável pelo insucesso na adesão ao cuidado.

Isto nos levou a refletir sobre as reais necessidades de saúde dessas mulheres. Elas possuem espaço para serem ouvidas? A equipe articula suas ações para responder às necessidades de saúde? Quais são as reais necessidades de saúde dessa população? Como os profissionais de saúde estão identificando as necessidades?

Apesar das falas da equipe de enfermagem em destacar uma preocupação com o cuidado humanizado e integral, vimos que, na prática, há limitantes estruturais para sua efetiva realização no contexto estudado. O exercício da integralidade reclama um cuidado de enfermagem em que haja possibilidade de escuta e encontros terapêuticos, com vistas a alcances em termos de diminuição de sentimentos negativos, e que abra espaço para troca de informações e planejamento de cuidado em conjunto com outros profissionais e, especialmente, com as próprias mulheres(1919. Amorim TV, Souza IEO, Moura MAV, Queiroz ABA, Salimena AMO. Perspectivas do cuidado de enfermagem na gestação de alto risco: revisão integrativa. Enferm Glob Internet . 2017 citado 2018 maio 07 ;(46):515-29. Disponível em: http://scielo.isciii.es/pdf/eg/v16n46/pt_1695-6141-eg-16-46-00500.pdf
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)
e seus familiares. Tal aspecto foi pouco evidenciado na presente pesquisa, haja vista a inexpressiva articulação entre os saberes, anulando possibilidades de trocas de experiências interdisciplinares com vistas a um cuidado integral e subjetivo, comprometendo o eixo das articulações.

Neste sentido, o cenário hospitalar, historicamente marcado por desigualdade de gênero, hierarquização e relações de poder(2525. Sarges RC, López LC. A assistência ao parto na perspectiva de enfermeiras obstétricas em uma maternidade pública: desmedicalização e micropolíticas na linguagem de gênero. Rev Antropol Internet . 2016 citado 2018 maio 07 ;(48):133-48. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/vivencia/article/view/11574/8152
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, compromete o trabalho interdisciplinar e intersetorial, além de não atender as necessidades e finalidades dos envolvidos. Requer um esforço adicional para a realização do cuidado integral às gestantes no sentido de proteger e promover o protagonismo feminino na busca de um novo modelo de cuidado. Tal cuidado deve respeitar a fisiologia, o corpo e o desejo da mulher, sendo capaz de ampliar a autonomia das ações da enfermagem obstétrica e sua capacidade de superar o reducionismo e subordinação de seu papel diante dos saberes e práticas de corte estritamente médicos(66. Melo CMM, Florentino TC, Mascarenhas NB, Macedo KS, Silva MC, Mascarenhas SN. Professional autonomy of the nurse: some reflections. Esc Anna Nery Internet . 2016 cited 2018 May 07 ;20(4):e20160085. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452016000400601&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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.

Com base nos resultados desta pesquisa, reitera-se a importância de investimentos em reformas do modelo de atenção à saúde, sobretudo nos moldes hospitalares, já que, como observamos, há aspectos estruturais e organizacionais que obstaculizam a construção da integralidade do cuidado, desde a divisão técnica do trabalho, subordinada aos saberes e trabalho médicos, até a construção de normas e rotinas que, como vimos, restringem a interação intersubjetiva e a autonomia de usuários e profissionais.

O desenho de estudo aqui realizado não permite generalização da realidade descrita, mas identifica elementos para possibilidades compreensivo-interpretativas capazes de iluminar fenômenos da mesma natureza em outros contextos, ampliando ou particularizando o alcance das categorias aqui desenvolvidas, ao mesmo tempo que revela fragilidades nas interações, as quais comprometem o efetivo exercício da integralidade do cuidado. Dessa forma, sugere-se o desenvolvimento de outros estudos retratando cenários assistenciais diversos que abordem a situação de hospitalização de mulheres gestantes de alto risco quanto a: (1) experiência da família e acompanhante de gestantes de alto risco em situação de hospitalização; (2) significado da integralidade para gestores de maternidades e por parte das equipes multiprofissionais que ali atuam; (3) da presença e forma das discussões sobre integralidade em processos formativos que compõem a profissionalização, assim como nos currículos das profissões de saúde; (4) características da organização do trabalho em saúde e do lugar do trabalho da enfermagem na atenção à gestação de alto risco.

CONCLUSÃO

A equipe de enfermagem participante deste estudo explicitou intenções de interações pautadas na escuta, acolhimento e respostas às demandas biopsicossociais das gestantes de alto risco. Contudo, não se observou a efetivação dessas interações no cotidiano do trabalho, o que se constitui em um obstáculo à construção da integralidade do cuidado.

As interações mostraram-se frágeis, sem abertura e espaços de trocas intersubjetivas, predominando a cultura institucional do modelo biomédico. O profissional médico e seu saber dominam a organização do trabalho, fato que influencia diretamente na forma como a enfermagem conduz as interações, pautadas em ações instrumentais de avaliação e monitoramento do risco e no pronto atendimento ao médico.

Ressalta-se, ainda, a forte compreensão da enfermagem quanto à necessidade de acolher emocionalmente e ofertar informações às gestantes de risco hospitalizadas e seus familiares; no entanto, no cotidiano das práticas, o polo “êxito técnico” acaba por se descolar do polo “sucesso prático”, constitutivos de um efetivo cuidado em saúde, o que limita o alcance da integralidade.

References

  • *
    Extraído da dissertação: “Enfermagem e gestantes de alto risco hospitalizadas: desafios para integralidade do cuidado”, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de São Carlos, 2017

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2018
  • Aceito
    11 Abr 2019
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