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O processo de transição saúde/doença em pacientes renais crônicos: contribuições para assistência de enfermagem

Resumo

Objetivo:

Identificar os condicionantes facilitadores e dificultadores do processo de transição saúde/doença num grupo de pacientes com Doença Renal Crônica em tratamento hemodialítico sustentado no aporte teórico da Teoria das Transições.

Método:

Estudo descritivo de abordagem qualitativa. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas no período de março e abril de 2018. Para análise e discussão, utilizou-se da Técnica de Análise de Conteúdo como referencial metodológico e o modelo explicativo da Teoria das Transições como referencial teórico.

Resultados:

Participaram da pesquisa 25 pacientes. Foram identificados os fatores condicionantes do processo de transição, esses foram organizados em três categorias temáticas: Condicionantes pessoais no processo de transição; Condicionantes comunitários no processo de transição; Condicionantes sociais no processo de transição.

Conclusão:

Foi evidenciada uma predominância de condicionantes dificultadores na dimensão pessoal, facilitadores com relação à dimensão comunitária e, no que tange à dimensão social, os condicionantes foram equânimes.

Descritores:
Insuficiência Renal Crônica; Cuidados de Enfermagem; Teoria de Enfermagem; Cuidado Transicional; Diálise Renal

Abstract

Objective:

To identify the facilitating and hindering conditions of the health/disease transition process in a group of patients with Chronic Kidney Disease undergoing hemodialysis treatment based on the theoretical framework of the Transition Theory.

Method:

A descriptive study implementing a qualitative approach. Data collection occurred through semi-structured interviews conducted between March and April 2018. The Content Analysis Technique was used for analysis and discussion as a methodological framework and the explanatory model of the Transition Theory as a theoretical framework.

Results:

Twenty-five (2525. Santos BP, Oliveira VA, Soares MC, Schwartz E. Chronic kidney disease: relation of patients with hemodialysis. ABCS Health Sci. 2017;42(1):8-14. DOI: http://dx.doi.org/10.7322/abcshs.v42i1.943
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) patients participated in the study. The conditioning factors of the transition process were identified and organized into three thematic categories: Personal conditioning factors in the transition process; Community conditioning factors in the transition process; and Social conditioning factors in the transition process.

Conclusion:

A predominance of hindering conditioning factors was evidenced in the personal dimension, while facilitating conditioning factors were shown in relation to the community dimension, and finally the conditioning factors were equal regarding the social dimension.

Descriptors:
Renal Insufficiency, Chronic; Nursing Care; Nursing Theory; Transitional Care; Renal Dialysis

Resumen

Objetivo:

Identificar los condicionantes facilitadores y dificultadores del proceso de transición salud/enfermedad en un grupo de pacientes con Enfermedad Renal Crónica en tratamiento hemodialítico sostenido en el aporte teórico de la Teoría de las Transiciones.

Método:

Estudio descriptivo de abordaje cualitativo. La recolección de datos ocurrió mediante entrevistas semiestructuradas realizadas en el período de marzo a abril de 2018. Para análisis y discusión, se utilizó la Técnica de Análisis de Contenido como marco de referencia metodológico y el modelo explicativo de la Teoría de las Transiciones como marco de referencia teórico.

Resultados:

Participaron en la investigación 25 pacientes. Fueron identificados los factores condicionantes del proceso de transición, y esos fueron organizados en tres categorías temáticas: Condicionantes personales en el proceso de transición; Condicionantes comunitarios en el proceso de transición; Condicionantes sociales en el proceso de transición.

Conclusión:

Fue evidenciada una predominancia de condicionantes dificultadores en la dimensión personal, facilitadores con relación a la dimensión comunitaria y, en lo que se refiere a la dimensión social, los condicionantes fueron ecuánimes.

Descriptores:
Insuficiencia Renal Crónica; Atención de Enfermería; Teoria de Enfermeria; Cuidado de Transición; Diálisis Renal

INTRODUÇÃO

A Doença Renal Crônica (DRC) é uma condição grave que atinge cerca de 12% da população global e afeta pessoas de todas as etnias e faixas etárias(11. Piccolli AP, Nascimento MM, Riella MC. Prevalence of chronic kidney disease in a in southern Brazil (Pro-Renal Study). J Bras Nefrol. 2017;39(4):384-90. DOI: http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170070
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)
. Receber o diagnóstico de DRC implica repensar todo o estilo de vida e obriga a pessoa a passar por um processo de enfrentamento de desordem psicossocial, o que requer uma reorganização psíquica e emocional.

A hemodiálise é a terapia renal substitutiva mais utilizada para o tratamento. Esta requer alta dependência e exige do paciente um rigoroso regime terapêutico, controle da ingesta hídrica e dieta alimentar restrita, além de frequentes idas aos serviços de saúde(22. Frazão CMFQ, Delgado MF, Araújo MGA, Silva FBBL, Sá JD, Lira ALBC. Cuidados de enfermagem ao paciente renal crônico em hemodiálise. Rev Rene. 2014;15(4):701-9. DOI: 10.15253/2175-6783.2014000400018.
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)
. Dessa maneira, impera a necessidade de adaptar-se ao tratamento dialítico contínuo por toda sua vida, salvo quando da possibilidade de transplante renal.

Logo, é possível inferir que o diagnóstico e tratamento de DRC levam a um processo de consideráveis mudanças na vida de uma pessoa antes considerada saudável, e a partir de então passa à condição de um paciente com transformações significativas em sua vida, o que pode ser denominado de um processo de transição.

A Teoria das Transições(33. Meleis AI. Theoretical nursing: development and progress. 4th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2012.) preocupa-se com as alterações na condição de saúde do indivíduo ao passar de um estado saudável para o de adoecimento ou de uma fase da vida, condição ou situação para uma outra fase distinta da anterior; podendo ser uma modificação positiva ou não. Tratando-se de um processo, a transição pode ser descrita em três estágios: entrada (mudança, separação e desencanto), passagem (desorientação, desintegração e descobertas) e saída (encontro de novos significados, busca por um controle da situação diante das novas experiências)(33. Meleis AI. Theoretical nursing: development and progress. 4th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2012.-44. Chick N, Meleis AI. Transition: a nursing concern. In: Chinn PL, editor. Nursing research methodology. Boulder: Aspen; 1986. p. 237-57.).

Essa Teoria se sustenta em quatro pilares essenciais, a saber: a natureza da transição (tipo, padrões e propriedades), os condicionantes da transição (facilitadores ou dificultadores do processo, relacionados à pessoa, à comunidade e à sociedade), padrões de respostas da transição (indicadores de processo e resultado e, direcionadores das terapêuticas de Enfermagem) e as intervenções terapêuticas de Enfermagem(33. Meleis AI. Theoretical nursing: development and progress. 4th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2012.

4. Chick N, Meleis AI. Transition: a nursing concern. In: Chinn PL, editor. Nursing research methodology. Boulder: Aspen; 1986. p. 237-57.
-55. Meleis AI. Transitions Theory. Middle range and situation specific theories in nursing research and practice. New York: Springer; 2010.)
.

Considerando tais pilares e observações sobre o cotidiano de pacientes em tratamento hemodialítico, além do fato de que as transições são fenômenos de interesse da Enfermagem, justifica-se estudar o processo de transição dessa clientela com vista a contribuir com a identificação dos focos de atenção para os cuidados de enfermagem e assim subsidiar o planejamento da assistência no campo da Enfermagem em Nefrologia. Vale destacar que o referencial teórico é uma proposta que possibilita orientar os cuidados de enfermagem, utilizando-se de intervenções terapêuticas centradas na pessoa em processo de transição, apesar de ainda ser uma lacuna quando se trata de estudos relacionados as pessoas com DRC.

Diante dos pontos apresentados, pressupõe-se que conhecer os condicionantes da transição seja um caminho possível a identificação dos focos de atenção ao paciente com DRC, em prol de que a enfermeira possa determinar a melhor estratégia para a manutenção e a promoção da saúde das pessoas em tratamento hemodialítico. Para tanto, foi definida como questão norteadora: quais os condicionantes facilitadores e dificultadores no processo de transição saúde/doença vivenciados pelos pacientes após o diagnóstico de uma DRC?

Assim, este estudo tem por objetivo identificar os condicionantes facilitadores e dificultadores do processo de transição saúde/doença num grupo de pacientes com Doença Renal Crônica em tratamento hemodialítico sustentado no aporte teórico da Teoria das Transições.

MÉTODO

Tipo de estudo

Estudo descritivo de abordagem qualitativa, realizado em uma Clínica de Nefrologia localizada na Região Piemonte Norte do Itapicuru, que compõe a rede de Clínicas de Terapia Renal Substitutiva do Estado da Bahia e Centros Transplantadores. Clínica privada, conveniada ao Sistema Único de Saúde e que atende cerca de 214 pacientes/semana.

População

Os participantes foram selecionados a partir de uma amostragem por conveniência, considerando a imediata disponibilidade dos pacientes para participar do estudo, sendo definidos como critérios de inclusão: idade igual ou maior que 18 anos e estar em tratamento hemodialítico há no mínimo seis meses. E, como critérios de exclusão: pacientes em diálise peritoneal e aqueles que não haviam iniciado o tratamento com hemodiálise.

Coleta de dados

Ocorreu entre os meses de março e abril de 2018. A técnica utilizada foi a entrevista semiestruturada, na qual o roteiro foi norteado por questões que abordavam o processo de transição saúde/doença. As entrevistas duraram em média 45 minutos, cada uma, e foram audiogravadas e transcritas na íntegra. Foram entrevistados 25 pacientes e o número de participantes foi definido de acordo com o critério de saturação das respostas(66. Nascimento LCN, Souza TV, Oliveira ICS, Moraes JRMM, Aguiar RCB, Silva LF. Theoretical saturation in qualitative research: an experience report in interview with schoolchildren. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):228-33. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0616
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)
estabelecido a partir do momento no qual não surgiu novos elementos a possibilitassem identificar os condicionantes do processo de transição saúde/doença, de modo que a realização de novas entrevistas não alteraria a compreensão do fenômeno estudado. Utilizou-se de códigos sequenciados (E1, E2, ...) para a identificação dos participantes, no intuito de preservar o anonimato dos participantes.

Análise e tratamento dos dados

Os dados foram organizados com base na Técnica de Análise de Conteúdo(77. Bardin L. Análise de conteúdo. 5ª ed. Lisboa: Edições 70; 2011.) seguindo as três etapas conforme preconizadas: Pré-análise, momento no qual ocorreu a leitura flutuante das falas dos participantes; Exploração do material quando foi possível identificar as unidades de registros inerentes aos condicionantes do processo de transição saúde/doença, as quais foram classificadas e codificadas e, por fim, agrupadas pela convergência em unidades de significados e, por último o Tratamento dos resultados, quando foi possível agregar e priorizar os condicionantes pessoais, comunitários e sociais no processo de transição, a serem interpretados e discutidos, de acordo com o referencial teórico.

A análise do material sustenta-se nos conceitos apresentados pela Teoria das Transições de Afaf Meleis(33. Meleis AI. Theoretical nursing: development and progress. 4th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2012.

4. Chick N, Meleis AI. Transition: a nursing concern. In: Chinn PL, editor. Nursing research methodology. Boulder: Aspen; 1986. p. 237-57.
-55. Meleis AI. Transitions Theory. Middle range and situation specific theories in nursing research and practice. New York: Springer; 2010.)
, que discute mudanças na situação de saúde e as condições que propiciam a transição ou impedem-na, considerando os aspectos individuais, comunitários e sociais, permitindo a organização do conhecimento relacionado aos eventos e as respostas vivenciadas pelo indivíduo durante o processo de transição.

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado da Bahia, recebendo o Parecer n° 2.520.451/2018, conforme preconiza a Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, sobre pesquisas com seres humanos.

RESULTADOS

Participaram do estudo 25 pessoas com DRC, sendo 16 do sexo masculino e nove do feminino. Em relação a idade esta variou entre 18 e 70 anos; 15 pacientes informaram ter mais de dois anos de diagnóstico e se autodeclararam como de cor parda; 16 deles informaram ter o ensino fundamental incompleto, um com ensino fundamental completo, três com ensino médio completo, três com ensino médio incompleto, um informou ter concluído o ensino superior e um não alfabetizado. Quanto à renda, 22 pacientes informaram receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) disponibilizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com o predomínio de uma renda de até um salário mínimo.

Da análise das falas dos entrevistados emergiram os condicionantes do processo de transição, os quais foram categorizados como: condicionantes pessoais, comunitários e sociais do processo de transição. E, para imprimir uma melhor visualização dos resultados em relação aos fatores condicionantes (facilitadores e dificultadores), com base no processo de transição para a DRC, de acordo com as experiências de vida de cada participante, foi desenvolvido um Mapa Conceitual com ênfase nos condicionantes apresentados nas três categorias (Figura 1).

Condicionantes pessoais no processo de transição

Receber o diagnóstico da DRC ocasiona um processo de transição que exige acesso a um arcabouço de percepções e significados pessoais sobre si e sobre a doença, o que tende a desencadear múltiplos sentimentos e atitudes com base na sua capacidade de se perceber frente ao diagnóstico da DRC.

Nesse sentido, predominaram os sentimentos associados aos condicionantes dificultadores da transição, com expressões que demostram medo, infelicidade, desolação, negação da doença e o desejo da morte. Embora observados sentimentos associados aos condicionantes facilitadores, a saber: resignação, aceitação e resiliência.

Teve uma vez que eu tentei me matar e minha família não deixou. Até hoje eu sinto vontade, eu não tenho vontade de fazer o tratamento, não. Se Deus me levasse logo (...) Era bom (E1).

No momento eu me senti muito triste e abatida. Levei um choque, fiquei em pânico. Eu fiquei debilitada, depressiva, sem comer, sem querer ver as pessoas. Pedindo a morte (E12).

Foi felicidade. Se foi preparado por Deus eu tenho que enfrentar a vida (E23).

Nas atitudes demonstradas diante da transição para a convivência com uma doença crônica, houve predomínio dos condicionantes facilitadores, que vão desde o enfrentamento da doença a sua aceitação. O choro foi uma expressão destes sentimentos tida, ora como um alívio, ora como um desabafo. A passividade, a omissão, o abandono de si e a tentativa de suicídio foram atitudes identificadas como dificultadoras.

Foi perguntar a ele [médico] se tinha jeito do rim voltar a funcionar ou não (...). aí eu pedi que ele me falasse logo a verdade se eu teria condições de voltar a vida normal (E4).

Fiquei sem voz. Só chorava. A notícia me sufocou. Ter chorado me aliviou muito (E19).

Agora quando estou doente eles [familiares] não ligam mais para mim, a família mudou (E21).

Receber o diagnóstico representou transformações impactantes no cotidiano de cada uma destas pessoas, acarretando experiências negativas que dificultaram o processo de transição, relacionadas a perda da independência, impossibilidade para o exercício laborar e a dependência financeira.

Eu não posso fazer todas as coisas, não posso pegar peso, às vezes eu passo mal (E5).

Eu tenho que sempre está esperando pela vontade do outro que nem sempre está disponível para me ajudar (E16).

Eu era ativo, trabalhava, andava. Agora tenho esse compromisso de vir aqui (E18).

A falta de conhecimento sobre a doença, o tratamento, e as repercussões sobre a vida, evidenciam ambiguidade nos condicionantes do processo de transição, ora como facilitadores, ora dificultadores, apesar do predomínio destes últimos.

Não sabia. Soube depois. Saber possibilita tomar os cuidados básicos logo no início. Foi minha esposa que correu atrás e imprimiu um monte de coisa (E9).

Não sabia de jeito nenhum. (...) era até bom não saber direito o que era (E10).

Não sabia. (...) eu já não sabia. E aqueles cateteres horríveis. Aí eu não sabia nada e para mim ficou ruim (E18).

Condicionantes comunitários no processo de transição

Os condicionantes comunitários fazem referência aos processos familiares e grupos de convívio cotidiano suscitados a partir do desencadeamento da transição.

As relações familiares positivas convertem-se em recursos de apoio, auxílio e proteção para o enfrentamento das mudanças ocorridas no papel desempenhado no contexto familiar. Os condicionantes facilitadores identificados foram: sentir-se cuidada e amada; aproximação dos familiares e mais cuidadosos; e apoio familiar na tomada de decisão quanto a opção do tratamento. Os dificultadores, embora menos frequentes, foram caracterizados por sentimento de rejeição e abandonado, sentir-se um fardo para a família e, afastamento do convívio familiar e comunitário.

Aquela coisa de olhar para você como se você um candidato a finado, isso abala qualquer um. Tem pessoa que fazia piadinhas (E10).

Meus irmãos se aproximaram mais de mim [pausa] para conversar. (...) apoiaram e influenciaram [na escolha do tratamento] (E11).

Agora quando estou doente eles não ligam mais para mim e a família mudou (E17).

Antes eu não tinha a atenção deles, ninguém lembrava que eu existia. E hoje, depois do tratamento, me dão valor. É muito bom me sentir amada (E22).

No momento do diagnóstico e no curso da transição os pacientes demonstram que buscaram força e sustentação junto às organizações, especialmente aquelas relacionadas a fé. Observou-se nas falas que a igreja enquanto templo religioso representa um coletivo comum dentro dos espaços comunitário e que foi um aporte para estes pacientes. A condição de residir na cidade ou a pequena distância da residência em relação a clínica, foram condicionantes que contribuíram para facilitar a transição.

Morar fora da cidade onde fica a clínica dificulta. Eu acho ruim a viagem de ida e volta do que estar aqui (E11).

Às vezes quando a gente está triste, na igreja sempre levanta aquele ânimo e aquela coragem (E25).

Condicionantes sociais no processo de transição

Os pacientes enquanto sujeitos sociais estão vinculados às organizações sociais estruturadas e suas vivências a partir do acesso a este aparato coletivo podem influenciar ou alterar o curso da transição.

A DRC interfere nas atividades laborais dos pacientes e impõe a necessidade de reorganização do modo de viver, apoiado no trabalho, o que veio a alterar a rotina de lazer e descontração desses. As condições de transições dificultadoras identificadas foram as mais prevalentes, sendo os sentimentos de impotência, perda de autonomia e a incapacidade para o trabalho, o que mais emergiu das falas.

Figura 1
Mapa Conceitual acerca dos condicionantes para uma transição saudável ou insalubre - Senhor do Bonfim, BA, 2018.

Não consigo conciliar o trabalho e o tratamento (E8).

Eu ia para festa e jogar bola, brincava e agora não posso mais (E13).

Mudo muito. Quando eu era sadio eu frequentava clubes, recebia os amigos para tomar uma cerveja, e hoje eu não faço mais nada disso (E22).

Mapa conceitual

Com base nas experiências de vida dos participantes, considerando suas falas, em relação ao processo de transição de uma vida saudável para a convivência com a DRC, foi possível desenvolver o mapa conceitual (Figura 1) e assim, possibilitar uma melhor visualização quanto aos condicionantes facilitadores e dificultadores que contribuíram para uma transição saudável e aqueles que conduziram a uma transição insalubre, tomando por base os determinantes pessoais, comunitários e sociais.

DISCUSSÃO

A transição, seja qual for a sua natureza, tem um curso singular a cada indivíduo. Logo, os condicionantes do processo de transição tornam, na maioria das vezes, o indivíduo vulnerável e assim, conduze-o eventualmente, a um processo de transição prolongado, doloroso e danoso(55. Meleis AI. Transitions Theory. Middle range and situation specific theories in nursing research and practice. New York: Springer; 2010.).

Os condicionantes pessoais, nesse estudo, indicam que os pacientes enfrentaram o momento do diagnóstico como gerador de sentimentos que dificultaram o processo de transição. O medo da doença desconhecida levou os pacientes ao nervosismo, a tristeza e ao desespero evidenciando suas vulnerabilidades frente às incertezas do convívio com a DRC, mostrando que as emoções sentidas diante de uma transição expressaram a fragilidade e a insegurança no momento da descoberta de uma doença crônica(88. Ibiapina ARS, Soares NSA, Amorim EM, Souza ATS, Sousa DM, Ribeiro IP. Aspectos psicossociais do paciente renal crônico em terapia hemodialítica. Sanare Internet . 2016 citado 2018 mai. 25 ;15(1): 25-31. Disponível em: https://sanare.emnuvens.com.br/sanare/article/viewFile/924/553.
https://sanare.emnuvens.com.br/sanare/ar...
)
.

A negação da doença aparece nas falas dos pacientes ora como um sentimento negativo, ora como uma atitude proativa, todavia, ambas denotam dificuldade no processo de transição. A negação consciente ou não, aponta para uma pessoa em fase de pré-transição, no entanto, mesmo negando a doença, a falta de manifestação de tal consciência não impede o aparecimento de uma experiência de transição(33. Meleis AI. Theoretical nursing: development and progress. 4th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2012.,55. Meleis AI. Transitions Theory. Middle range and situation specific theories in nursing research and practice. New York: Springer; 2010.), apesar da pessoa reconhecer internamente que se trata de um processo doloroso, de dependência e sem perspectivas de melhoras.

Os relatos de choros gerado quando da notícia recebida em relação a doença aparece como expressão do medo e pânico. O choro é percebido como uma expressão da fragilidade e insegurança ao descobrir a doença, manifestando além do sentimento de alívio, uma carga negativa de senso de revolta em relação à condição de saúde prejudicada(99. Viegas AC, Muniz RM, Schwartz E, Machado FA, Barboza MCN, Monfrim XM. Young adults undergoing hemodialysis: from the discovery of the disease todifficulties faced in diagnosis and treatment. Rev Enferm UFPE on line. 2017;11(6):2339-48. DOI: 10.5205/reuol.10827-96111-1-ED.1106201712
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)
. Entretanto, ambiguamente, infere-se das falas de alguns participantes que o choro permite a sincera expressão de sentimentos íntimos proporcionando alívio, desse modo foi entendido como condicionante facilitador.

Os impactos das mudanças ocorridas no processo de transição levaram os participantes, com maior expressividade os do sexo masculino, ao desejo de morrer e à tentativa de suicídio, suscitando interpretações que considerem esses fatores como dificultadores desse processo. Estudos corroboram ao apontar que entre os pacientes renais crônicos existe um risco significativamente maior de cometer suicídio comparado a população geral(1010. Andrade SV, Sesso R, Diniz DHMP. Hopelessness, suicide ideation, and depression in chronic kidney disease patients on hemodialysis or transplant recipientes. J Bras Nefrol. 2015;37(1):55-63. DOI: http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20150009
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)
, sobretudo ao se observar a questão de gênero, quanto aos índices de tentativas de suicídio são maiores entre os homens(1111. Nepomuceno FCL, Melo Jr IM, Silva EA, Lucena KDT. Religiosity and quality life of chronic renal failure patients under hemodialysis treatment. Saúde Debate. 2014;38(100):119-28. DOI: http://dx.doi.org/10.5935/0103-104.20140006
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)
.

Os resultados evidenciam a estreita relação entre o desconhecimento sobre a DRC, presentes nas falas da maioria dos participantes, e os sentimentos negativos e experiências sofredoras no momento da tomada de conhecimento sobre o diagnóstico. Do mesmo modo, um estudo de abordagem quantitativa(1212. Santos RLG, Oliveira DRF de, Nunes MGS, Barbosa RMP, Gouveia VA. Evaluation of the knowledge of chronic renal patients in conservative treatment about dialytic modalities. Rev Enferm UFPE on line. 2015;9(2):651-60. DOI: 10.5205/reuol.7028-60723-1-SM.0902201522
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)
, que teve como objetivo avaliar o conhecimento dos pacientes renais crônicos sobre sua terapêutica, evidenciou que estes têm compreensão restrita e limitada sobre sua doença e as formas de tratamento. Assim, os resultados permitem inferir que o desconhecimento atua como fator estressor, dificultando o processo de transição, conforme foi evidenciado nos resultados. Embora, supreendentemente, o desconhecimento tenha atuado, como fator protetivo para uma minoria de participantes, portanto, facilitador da transição.

Importante salientar que o processo de transição provoca a necessidade de ajustes de comportamentos nas pessoas que a vivenciam e se caracteriza por períodos de intensas mudanças marcadas por uma fase inicial ou estágio de entrada, como denomina a Teoria(33. Meleis AI. Theoretical nursing: development and progress. 4th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2012.

4. Chick N, Meleis AI. Transition: a nursing concern. In: Chinn PL, editor. Nursing research methodology. Boulder: Aspen; 1986. p. 237-57.
-55. Meleis AI. Transitions Theory. Middle range and situation specific theories in nursing research and practice. New York: Springer; 2010.)
. Os participantes deste estudo apontaram que o ajuste de comportamento para a busca da saúde passa pela via do enfrentamento, logo após o diagnóstico - fase inicial, dada a intensidade da sintomatologia da DRC que se manifesta nos estágios mais avançados da doença, sendo considerado um condicionante facilitador.

Outrossim, os resultados demonstram que a aceitação da doença, a crença em um ser superior, a crença em Deus, a religiosidade, a espiritualidade e a fé são condicionantes correlacionados entre si e contribuem para o enfrentamento da doença. Esses elementos oferecem um suporte que auxilia durante o processo de transição colaborando para o desenvolvimento da consciência do próprio estado de saúde. Destarte, atuam como fatores facilitadores do processo de transição, e elementos significativos no processo de evolução do paciente(1313. Hassani P, Otaghi M, Zagheri Tafreshi M, Nikbakht-Nasrabadi A. The process of transition to hemodialysis: a grounded theory research. Iran J Nurs Midwifery Res. 2017;22(4):319-26. DOI: 10.4103/ijnmr.IJNMR_229_15
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14. Moreira JM, Matta SM, Kummer AMe, Barbosa IG, Teixeira AL, Silva ACS. Neuropsychiatric disorders and renal diseases: an update. Braz J Nephrol. 2014;36(3):396-400. DOI: http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20140056
https://doi.org/10.5935/0101-2800.201400...
-1515. Silva RAR, Souza VL, Oliveira GJN, Silva BCO, Rocha CCT, Holanda JRR. Coping strategies used by chronic renal failure patients on hemodialysis. Esc Anna Nery. 2016;20(1):147-54. DOI: 10.5935/1414-8145.20160020
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)
.

O impacto da DRC na vida do paciente, por vezes, tem se mostrado de difícil enfrentamento, contudo, a atitude de resiliência como estratégia de resposta, tem caráter facilitador da transição. Pois, tem o sentido de retomada a um ponto de bem-estar comparado ao anterior ao diagnóstico, de modo a indicar a conclusão de um período conturbado e a mudança para um período de maior estabilidade, característico do processo de transição saudável(55. Meleis AI. Transitions Theory. Middle range and situation specific theories in nursing research and practice. New York: Springer; 2010.,1616. Soares MM, Calcagno GG, Madalosso VP, Heck RM, Lima EJB, Gomes VLO. Facilitators of the transition process for the self-care of the person with stoma: subsidies for Nursing. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(1):82-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000100011
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201500...
)
. Trata-se de uma maneira de se recuperar e se reorganizar o mais breve possível, tornando o seu processo de transição menos doloroso para si, e de certo modo causar menos impacto na vida da família.

Em relação aos condicionantes comunitários predominaram os facilitadores que contribuíram para a superação das mudanças provocadas pela DRC e para o convívio com a doença.

Cotidianamente viver com a DRC proporciona aos pacientes, perdas e mudanças intensas em todas as áreas da vida. Acometem de forma limitante o seu modo de viver devido às diversas complicações fisiológicas decorrente do processo evolutivo da doença. Os dados são corroborados por outros estudos que apontam as limitações para o trabalho(1717. Cavalcante MCV, Lamy ZC, Santos EC, Costa JM. Chronic kidney disease patients in the productive phase: perception of limitations resulting from illness. Rev Med Minas Gerais. 2015;25(4):484-92. DOI: http://www.dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20150112
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)
, a dependência financeira(1717. Cavalcante MCV, Lamy ZC, Santos EC, Costa JM. Chronic kidney disease patients in the productive phase: perception of limitations resulting from illness. Rev Med Minas Gerais. 2015;25(4):484-92. DOI: http://www.dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20150112
https://doi.org/10.5935/2238-3182.201501...
-1818. Rudnicki T. Chronic renal patient: Experience of hemodialysis treatment. Contextos Clínicos. 2014;7(1):105-16. DOI: 10.4013/ctc.2014.71.10
https://doi.org/10.4013/ctc.2014.71.10...
)
e o comprometimento da independência para as atividades cotidianas(1919. Souza Júnior EA, Trombini DSV, Mendonça ARA, Atzingen ACV. Religion in the treatment of chronic kidney disease: a comparison between doctors and patients. Rev Bioét. 2015;23(3):615-22. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422015233098
https://doi.org/10.1590/1983-80422015233...
)
como principais limitações enfrentadas pelos pacientes. São caracterizadas por experiências dificultadoras da transição por tornarem a vida mais difícil e está relacionada com a perda da autonomia na tomada de decisões sobre sua própria vida.

A família é parte da rede de apoio acessada pelo paciente com DRC, tem papel fundamental no enfrentamento, superação das limitações e adaptação desses pacientes. Nas falas dos participantes estão presentes o ânimo, a atenção recebida e a satisfação em sentir-se cuidado e amado no seio familiar. Dessa forma, a oferta de amor, dedicação e tranquilidade pelos familiares, são preditivas para a redução do sofrimento e angústia causados pelas preocupações advindas da DRC, favorecendo um cuidado mais efetivo(2020. Marques FRB, Botelho MR, Marcon SS, Pupulim JSL. Coping strategies used by family members of individuals receiving hemodialysis. Texto Contexto Enferm. 2014; 23(4):915-24. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014002220011
https://doi.org/10.1590/0104-07072014002...
)
.

Os pacientes com DRC apresentam uma percepção satisfatória acerca do suporte familiar emocional recebido(1313. Hassani P, Otaghi M, Zagheri Tafreshi M, Nikbakht-Nasrabadi A. The process of transition to hemodialysis: a grounded theory research. Iran J Nurs Midwifery Res. 2017;22(4):319-26. DOI: 10.4103/ijnmr.IJNMR_229_15
https://doi.org/10.4103/ijnmr.IJNMR_229_...
,2121. Silva SM, Braido NF, Ottaviani AC, Gesualdo GD, Zazzetta MS, Orlandi FS. Social support of adults and elderly with chronic kidney disease on dialysis. Rev Latino Am Enfermagem. 2016;24:e2752. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0411.2752
https://doi.org/10.1590/1518-8345.0411.2...
)
. Dos relatos podemos inferir que o comportamento de busca do amparo familiar foi um condicionante facilitador, por trazer na condição de oferta de suporte emocional, o conforto proporcionado pela atenção, escuta, estima e companheirismo. Por conseguinte, a falta desse suporte, tem estreita relação com o aumento do sofrimento, pelo sentir-se desamparado e abandonado, interferindo negativamente como condicionante dificultador do processo de transição(1111. Nepomuceno FCL, Melo Jr IM, Silva EA, Lucena KDT. Religiosity and quality life of chronic renal failure patients under hemodialysis treatment. Saúde Debate. 2014;38(100):119-28. DOI: http://dx.doi.org/10.5935/0103-104.20140006
https://doi.org/10.5935/0103-104.2014000...
)
.

O núcleo familiar é apontado como o principal elemento da rede social de apoio aos pacientes que vivem com uma DRC, sendo que a falta dessa rede pode aumentar as chances de desfechos menos satisfatórios para esses pacientes e, portanto, de uma transição insalubre(2222. Borges DCS, Furino FO, Barbieri MC, Souza ROD, Alvarenga WA, Dupas G. The social network and support the transplanted kidney. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(4):e59519. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2016.04.59519
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)
.

Sentir-se apoiados na decisão do tipo de tratamento a seguir, teve significado de atitude representativa de encorajamento, conforme apontam as falas. Nesse sentido, a família é tida como elo importante para superação das dificuldades frente à doença e na adesão ao tratamento(2020. Marques FRB, Botelho MR, Marcon SS, Pupulim JSL. Coping strategies used by family members of individuals receiving hemodialysis. Texto Contexto Enferm. 2014; 23(4):915-24. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014002220011
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,2323. Oliveira VA, Schwartzb E, Soares MC, Santos BP, Garcia RP, Lisef F. Relações familiares de mulheres em hemodiálise. Rev Aten Saúde. 2016;14(47):36-42. DOI: https://doi.org/10.13037/ras.vol14n47.3283
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)
.

As falas dos entrevistados apontam para uma interrelação entre a dedicação dos familiares, a aproximação destes com o paciente com DRC e as mudanças ocorridas diante do papel que os familiares desempenham no contexto do lar. Assim, de maneira geral o apoio ofertado pelos parentes confere segurança e energia necessárias para vencer as dificuldades vivenciadas(2020. Marques FRB, Botelho MR, Marcon SS, Pupulim JSL. Coping strategies used by family members of individuals receiving hemodialysis. Texto Contexto Enferm. 2014; 23(4):915-24. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014002220011
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)
no processo de transição saúde/doença.

Apesar disso, os pacientes, independente de gênero, expressaram conflitos na mudança de papel. O diagnóstico trouxe alterações no papel desempenhado e na percepção de impotência nesse desempenho caracterizado por comportamentos e sentimentos associados à percepção de disparidade no preenchimento de obrigações ou expectativas de papéis(55. Meleis AI. Transitions Theory. Middle range and situation specific theories in nursing research and practice. New York: Springer; 2010.).

Mesmo frente a uma doença tão limitante como a DRC, experiências vivenciadas no âmbito familiar e comunitário tendem a gerar sentimento de segurança e equilíbrio emocional(1616. Soares MM, Calcagno GG, Madalosso VP, Heck RM, Lima EJB, Gomes VLO. Facilitators of the transition process for the self-care of the person with stoma: subsidies for Nursing. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(1):82-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000100011
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)
. Ao passo que experiências negativas advindas da sobrecarga de estresse relacionada ao curso da doença podem produzir sentimentos de inutilidade e sensação de fardo para a família(1818. Rudnicki T. Chronic renal patient: Experience of hemodialysis treatment. Contextos Clínicos. 2014;7(1):105-16. DOI: 10.4013/ctc.2014.71.10
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-1919. Souza Júnior EA, Trombini DSV, Mendonça ARA, Atzingen ACV. Religion in the treatment of chronic kidney disease: a comparison between doctors and patients. Rev Bioét. 2015;23(3):615-22. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422015233098
https://doi.org/10.1590/1983-80422015233...
)
.

Os resultados são corroborados por outros estudos(1818. Rudnicki T. Chronic renal patient: Experience of hemodialysis treatment. Contextos Clínicos. 2014;7(1):105-16. DOI: 10.4013/ctc.2014.71.10
https://doi.org/10.4013/ctc.2014.71.10...
,2020. Marques FRB, Botelho MR, Marcon SS, Pupulim JSL. Coping strategies used by family members of individuals receiving hemodialysis. Texto Contexto Enferm. 2014; 23(4):915-24. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014002220011
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)
ao concluir que o preconceito e o afastamento dos amigos e familiares estão relacionados ao desconhecimento sobre a doença e a terapia renal. Dessa forma se estabelece um processo de transição mais doloroso para o paciente, ao passo que a aceitação da doença e tratamento perpassa pelo apoio recebido da comunidade particular configurada nas redes de parentes e amigos.

No curso do processo de transição os pacientes com uma doença renal crônica buscam suporte nos espaços comunitários que fazem parte da sua rede de apoio mais próxima. Nesse sentido, as falas dos participantes indicaram a rede de amigos como aporte seguro para a transição, pois oferecem apoio emocional e colaboram para a construção da resiliência(1414. Moreira JM, Matta SM, Kummer AMe, Barbosa IG, Teixeira AL, Silva ACS. Neuropsychiatric disorders and renal diseases: an update. Braz J Nephrol. 2014;36(3):396-400. DOI: http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20140056
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)
e tem se mostrado fator determinante para o sucesso do tratamento(1717. Cavalcante MCV, Lamy ZC, Santos EC, Costa JM. Chronic kidney disease patients in the productive phase: perception of limitations resulting from illness. Rev Med Minas Gerais. 2015;25(4):484-92. DOI: http://www.dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20150112
https://doi.org/10.5935/2238-3182.201501...
)
.

O enfrentamento da doença e a busca pelo tratamento também passam pela crença religiosa de cada paciente, haja vista que as práticas religiosas têm fortes influências nas respostas adaptativas e positivas às situações complexas em decorrência da doença(1414. Moreira JM, Matta SM, Kummer AMe, Barbosa IG, Teixeira AL, Silva ACS. Neuropsychiatric disorders and renal diseases: an update. Braz J Nephrol. 2014;36(3):396-400. DOI: http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20140056
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)
. Desse modo, a prática da religiosidade e a espiritualidade são elementos importantes para a melhoria da qualidade de vida do paciente renal crônico, auxiliando no enfrentamento da doença(1616. Soares MM, Calcagno GG, Madalosso VP, Heck RM, Lima EJB, Gomes VLO. Facilitators of the transition process for the self-care of the person with stoma: subsidies for Nursing. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(1):82-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000100011
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,2424. Brasileiro TOZ, Prado AAO, Assis BB, Nogueira DA, Lima RS, Chaves ECL. Effects of prayer on the vital signs of patients with chronic kidney disease: randomized controlled trial. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03236. DOI: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2016024603236
https://doi.org/10.1590/s1980-220x201602...
)
.

Embora o tratamento para a DRC traga uma série de limitações e, a dependência da máquina de hemodiálise seja um fator estressor e, na maioria das vezes são encarados como fatores dificultadores do processo de transição e adaptação, os resultados revelam que os participantes percebem a hemodiálise e o regime de tratamento como a busca da melhora na qualidade de vida e por isso esses condicionantes tem significado de facilitador do processo de transição.

Ainda, dentro dos recursos comunitários como suporte foi percebido nas respostas, que residir na cidade onde é realizado o tratamento, ou a pequenas distâncias são condições tidas como facilitadoras, pois viabilizam o acesso e a continuidade do tratamento. Ao passo que, pacientes que moram a uma longa distância da clínica referiram ser este, um fator que dificulta o tratamento, por terem que dispensar longas horas de viagem, e ainda existirem os fatores climáticos que interferem na duração das viagens. Desse modo podemos inferir que o bem-estar e a qualidade de vida do paciente podem estar comprometidos, pois as viagens demoradas promovem a fadiga e tornam o tratamento mais cansativo do que naturalmente já é esperado.

Em relação aos condicionantes sociais foram expressos nas mudanças relativas à vida laboral e às atividades de lazer, em que os pacientes necessitam dispensar maior energia, e as significam como dispendiosa ou dolorosa.

O abandono do trabalho e das atividades sociais, para a maioria dos pacientes, são resultantes das limitações provocadas pela DRC. Os pacientes relataram sentimento de impotência e perda da autonomia em virtude da necessidade de satisfazer as demandas impostas pelo tratamento, ou seja, três sessões semanais de hemodiálise.

Essas alterações do modo de viver são reconhecidas como condicionantes dificultadores do processo de transição, pois, o abandono do emprego confere grande impacto na vida social e financeira, além de ocasionar a diminuição de atividades prazerosas junto da família em consequência do tempo dispensado para realizar as sessões de hemodiálise(88. Ibiapina ARS, Soares NSA, Amorim EM, Souza ATS, Sousa DM, Ribeiro IP. Aspectos psicossociais do paciente renal crônico em terapia hemodialítica. Sanare Internet . 2016 citado 2018 mai. 25 ;15(1): 25-31. Disponível em: https://sanare.emnuvens.com.br/sanare/article/viewFile/924/553.
https://sanare.emnuvens.com.br/sanare/ar...
,1313. Hassani P, Otaghi M, Zagheri Tafreshi M, Nikbakht-Nasrabadi A. The process of transition to hemodialysis: a grounded theory research. Iran J Nurs Midwifery Res. 2017;22(4):319-26. DOI: 10.4103/ijnmr.IJNMR_229_15
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)
.

O sentimento de improdutividade presente nas falas dos entrevistados tem relação com o senso de inabilidade para o trabalho devido a fístula arteriovenosa, a qual também representa um estigma social a partir do comportamento de estranhamento de terceiros no convívio social quando percebem a fístula arteriovenosa ou o cateter para hemodiálise. Sem deixar de mencionar a limitação imposta pelo tratamento nas participações em atividades de lazer. Resultados semelhantes foram encontradas em estudos recentes realizado no sul do país(2525. Santos BP, Oliveira VA, Soares MC, Schwartz E. Chronic kidney disease: relation of patients with hemodialysis. ABCS Health Sci. 2017;42(1):8-14. DOI: http://dx.doi.org/10.7322/abcshs.v42i1.943
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)
.

CONCLUSÃO

O estudo permitiu identificar as condições facilitadoras e dificultadoras do processo de transição saúde/doença nos pacientes com o diagnóstico de DRC e, com base na Teoria da Transição foi possível categorizar os resultados e as principais evidências das transições de acordo com as dimensões pessoal, comunitária e social. Vale destacar a predominância de condicionantes dificultadores na dimensão pessoal, facilitadores com relação a dimensão comunitária e no que tange a dimensão social os condicionantes fora equânimes.

É possível concluir que o processo de transição vivido pelos pacientes com DRC é complexo e tem padrão múltiplo e simultâneo, o que proporciona melhor compreensão e percepção das experiências de transição destes. Na dimensão pessoal a resiliência é o principal condicionante facilitador que viabiliza a estabilização emocional do paciente promovendo resultados saudáveis no processo de transição. Na dimensão comunitária a presença da família, amigos e a crença religiosa fazem parte do suporte para o enfrentamento e superações das limitações impostas pela doença. E, na dimensão social as atividades relativas à vida laboral e as atividades de lazer foram as que mais sofreram alterações negativas.

O conhecimento sobre tais condicionantes pode colaborar para compreender como estes pacientes percebem a sua transição e o que os impedem de seguir para uma transição saudável, de modo a subsidiar a enfermeira no julgamento clínico ao realizar o processo de enfermagem, facilitando o planejamento da assistência na seleção das Intervenções Terapêuticas de Enfermagem.

Por ter sido realizado em apenas uma clínica de hemodiálise com especificidades referentes ao perfil de pacientes ali atendidos, além do uso de apenas uma técnica de coleta e a amostra por conveniência, este estudo limita-se por não ser generalizável para contextos que não possuam características semelhantes.

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  • Apoio financeiro:

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    02 Nov 2018
  • Aceito
    20 Set 2019
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