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A COVID-19: fenômeno psicossociológico e implicações para a enfermagem

RESUMO

Objetivou-se refletir sobre a COVID-19 como fenômeno de representações sociais e suas implicações para a enfermagem e a área da saúde. Estudo teórico-reflexivo, orientado pelos preceitos das representações sociais. Leitura de artigos científicos e livros sobre representações sociais e dados oficiais sobre a COVID-19 serviram de fontes para o aprofundamento analítico à luz da teoria. A COVID-19 se configura como fenômeno psicossociológico, porque cumpre os critérios de relevância e de prática, além de ter uma dimensão imagética e simbólica que circula nos meios de comunicação em massa. Verifica-se uma dimensão projetiva da doença por diferentes grupos sociais. Os diferentes comportamentos cotidianos expressam uma lógica sociosimbólica sobre o fenômeno. Os critérios de relevância e prática, a imagem sobre a doença e sua dimensão simbólica sustentam a COVID-19 como fenômeno de representações sociais, cujas pesquisas têm o potencial de melhorar a comunicação efetiva com a população, com vistas à adesão às práticas de cuidado preventivas à infecção.

DESCRITORES
Infecções por Coronavírus; Pandemias; Psicologia Social; Enfermagem

ABSTRACT

The objective was to reflect on COVID-19 as a phenomenon of social representations and its implications for nursing and health. A theoretical-reflective study, guided by the precepts of social representations. Reading of scientific articles and books on social representations and official data on COVID-19 were sources for further analytical analysis in the light of theory. COVID-19 is a psycho-sociological phenomenon as it meets the criteria of relevance and practice, in addition to having an imagery and symbolic dimension that circulates in the mass media. There is a projective dimension of the disease by different social groups. The different daily behaviors express a socio-symbolic logic about the phenomenon. The criteria of relevance and practice, the image about the disease and its symbolic dimension support COVID-19 as a phenomenon of social representations, whose research has the potential to improve effective communication with the population, with a view to adherence to preventive care practices to infection.

DESCRIPTORS
Coronavirus Infections; Pandemics; Psychology, Social; Nursing

RESUMEN

El objetivo fue reflexionar sobre el COVID-19 como fenómeno de las representaciones sociales y sus implicaciones para la enfermería y el área de la salud. Estudio teórico-reflexivo, guiado por los preceptos de las representaciones sociales. La lectura de artículos científicos y libros sobre representaciones sociales y datos oficiales sobre COVID-19 sirvieron como fuentes para un mayor análisis analítico a la luz de la teoría. El COVID-19 es un fenómeno psicosociológico, porque cumple con los criterios de relevancia y práctica, además de tener una dimensión imaginaria y simbólica que circula en los medios de comunicación. Existe una dimensión proyectiva de la enfermedad por diferentes grupos sociales. Los diferentes comportamientos cotidianos expresan una lógica socio-simbólica sobre el fenómeno. Los criterios de relevancia y práctica, la imagen sobre la enfermedad y su dimensión simbólica sustentan al COVID-19 como un fenómeno de representaciones sociales, cuya investigación tiene el potencial de mejorar la comunicación efectiva con la población, con miras a la adherencia a las prácticas de atención preventiva para infección.

DESCRIPTORES
Infecciones por Coronavirus; Pandemias; Psicología Social; Enfermería

INTRODUÇÃO

A existência de um novo tipo de coronavírus na cidade de Wuhan, província de Hubei, China, em dezembro de 2019, foi confirmada em janeiro de 2020. O novo coronavírus recebeu o nome de Síndrome Respiratória Aguda Severa Coronavírus 2 (SARS-CoV-2), responsável por causar a coronavirus disease 2019 (COVID-19)(11. Khan S, Siddique R, Shereen MA, Ali A, Liu J, Bai Q, et al. Emergence of a novel coronavirus, severe acute respiratory syndrome coronavirus 2: biology and therapeutic options. J Clin Microbiol. 2020;58:e00187-20. DOI: http://dx.doi.org/10.1128/JCM.00187-20.
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). A transmissão do SARS-CoV-2 é respiratória, mas o vírus pode ser identificado em amostras de fezes, urina, swab retal e sangue. Os sintomas comuns da COVID-19 são febre, tosse e dispneia, podendo surgir mialgia, cefaleia, tontura e manifestações gastrointestinais. As complicações incluem insuficiência respiratória, lesão cardíaca, coagulopatias, choque, lesões hepáticas e renais(22. Gouveia CC, Campos L. Coronavirus Disease 2019: clinical review. Acta Med Port. 2020;33(7-8):505-11. DOI: http://dx.doi.org/10.20344/amp.13957.
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33. Neto ARS, Carvalho ARB, Oliveira EMN, Magalhães RLB, Moura MEB, Freitas DRJ. Symptomatic manifestations of the disease caused by coronavirus (COVID-19) in adults: systematic review. Rev Gaúcha Enferm. 2021;42(Suppl):e20200205. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200205.
http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2021...
). Pessoas infectadas e que estão assintomáticas também podem transmitir o vírus(44. Yanes-Lane M, Winters N, Fregonese F, Bastos M, Perlman-Arrow S, Campbell JR, et al. Proportion of asymptomatic infection among COVID-19 positive persons and their transmission potential: A systematic review and meta-analysis. PLoS ONE. 2020;15(11):e0241536. DOI: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0241536.
http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0...
).

Com a alta velocidade de disseminação do vírus entre os países, em janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de alerta – e, em 11 de março de 2020, com o vírus presente em mais de 200 países, a COVID-19 foi caracterizada como uma pandemia(55. World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-2019) situation reports [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [cited 2021 July 19]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports/.
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). O número de pessoas infectadas pela doença evoluiu rapidamente ao longo dos cinco meses após o seu surgimento, chegando ao quantitativo de 25 milhões ao final desse período. Até 19 de julho de 2021, o mundo já tinha registrado 190.597.409 de casos e 4.093.145 de mortes(55. World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-2019) situation reports [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [cited 2021 July 19]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports/.
https://www.who.int/emergencies/diseases...
).

No cenário nacional, a doença foi confirmada em 26 de fevereiro de 2020, disseminando-se posteriormente pelo país. Essa progressão foi verificada pelo fato de que, seis meses depois do primeiro caso, três milhões de pessoas tinham se infectado e 120 mil, falecido(66. Brasil. Ministério da Saúde. Covid-19 no Brasil [Internet]. Brasília; 2021 [cited 2021 July 19]. Available from: https://covid.saude.gov.br/.
https://covid.saude.gov.br/...
), dado que indicava alta taxa de mortalidade. Estudo retrospectivo de caracterização das primeiras 250.000 admissões hospitalares por COVID-19 no Brasil (março a agosto de 2020) registradas no sistema de notificação nacional evidenciou que a mortalidade hospitalar foi de 38% em geral, 59% entre os internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e 80% entre os que foram submetidos à ventilação mecânica. A média de idade dos pacientes internados foi de 60 anos e 72% fizeram uso de algum tipo de suporte respiratório (invasivo ou não invasivo)(77. Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med. 2021;9(4):407-18 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30560-9.
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).

Pesquisa realizada com 2.054 pacientes hospitalizados com COVID-19 em 25 hospitais brasileiros de março a setembro de 2020, constatou que a mortalidade geral foi de 22%; e entre os internados na UTI de 47,6%. A idade mediana dos pacientes foi de 58 anos e 32,5% dos internados necessitaram de ventilação mecânica invasiva(88. Marcolino MS, Ziegelmannb PK, Souza-Silva MVR, Nascimento IJB, Oliveira LM, Monteiro LS. Clinical characteristics and outcomes of patients hospitalized with COVID-19 in Brazil: Results from the Brazilian COVID-19 registry. Int J Infect Dis. 2021;107:300-10. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijid.2021.01.019.
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). Atualmente, o número de casos no Brasil soma 19.391.845 milhões, com número de óbitos superior a 540.000(66. Brasil. Ministério da Saúde. Covid-19 no Brasil [Internet]. Brasília; 2021 [cited 2021 July 19]. Available from: https://covid.saude.gov.br/.
https://covid.saude.gov.br/...
).

Evidências publicadas no Imperial College de Londres trouxeram as principais medidas recomendadas para o controle da COVID-19. As medidas incluíram a mitigação, que consiste em isolar casos suspeitos e familiares para retardar a propagação da epidemia e reduzir o pico de demanda de assistência médica, e a supressão, que significa combinar as medidas de mitigação com o distanciamento social de toda a população, com o fechamento de escolas, comércio e universidades(99. Ferguson NM, Laydon D, Nedjati-Gilani G, Imai N, Ainslie K, Baguelin M, et al. Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and healthcare demand. Imperial College London. 2020 Mar:1-20. DOI: http://dx.doi.org/10.25561/77482.
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). Outra medida recomendada pela OMS foi o uso de máscaras pela população em geral, quando da necessidade de circulação em ambientes públicos, para minimizar a transmissão respiratória do vírus(55. World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-2019) situation reports [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [cited 2021 July 19]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports/.
https://www.who.int/emergencies/diseases...
).

No Brasil, com os registros dos primeiros casos da doença no início do mês de março de 2020, foram estabelecidas restrições de viagens e eventos e teletrabalho para grupos de risco. A constatação do estado de transmissão comunitária do coronavírus em âmbito nacional, ainda no mês de março, levou a diretrizes mais restritivas, incluindo a necessidade de distanciamento social, fechamento de escolas, comércio, limitação do transporte público e redução significativa das atividades industriais. Em dezembro de 2020, as recomendações de distanciamento social, bem como para o fechamento das escolas, mantiveram-se, mas já com o retorno coordenado das atividades de comércio e indústria em várias cidades do país.

Esse contexto de ameaça generalizada e as medidas de controle social implementadas geraram rupturas, incerteza e pânico diante do desconhecido, bem como questionaram a dimensão existencial dos sujeitos e o funcionamento da sociedade(1010. Apostolidis T, Santos FS, Kalampalikis N. Society against Covid-19: Challenges for the socio-genetic point of view of Social Representations. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):3.1-3.14. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/551/470.
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). Isso aponta que a COVID-19 é um fenômeno que ultrapassa a dimensão física de acometimento da saúde das pessoas, mas é também social. Nesta ótica, o rompimento da normalidade social mostrou que a COVID-19 é reveladora de realidades individuais e coletivas, ou seja, os comportamentos frente a esse fenômeno expressam normas, valores, posições e relações sociais(1010. Apostolidis T, Santos FS, Kalampalikis N. Society against Covid-19: Challenges for the socio-genetic point of view of Social Representations. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):3.1-3.14. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/551/470.
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).

Trata-se, portanto, de um objeto polêmico, emblemático, conflituoso e polimórfico, passível de ser compreendido pela perspectiva psicossocial das representações sociais (RS). Esse entendimento do fenômeno significa compreendê-lo na realidade social, como é apropriado pelos sujeitos na interface entre o individual e o social, e como essa apropriação engendra comportamentos, logo, substrato de normas e relações sociais(1010. Apostolidis T, Santos FS, Kalampalikis N. Society against Covid-19: Challenges for the socio-genetic point of view of Social Representations. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):3.1-3.14. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/551/470.
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1111. Justo AM, Bousfield ABS, Giacomozzi AI, Camargo BV. Communication, social representations and prevention – information polarization on COVID-19 in Brazil. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):4.1-4.18. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/533/471.
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).

As RS tratam de como as pessoas interpretam a realidade, ou seja, como constroem explicações para objetos sociais(1212. Moscovici S. A psicanálise: sua imagem, seu público. Porto Alegre: Vozes; 2012.). São conceituadas como o conhecimento do senso comum, sistemas de significações produzidos a partir da interação e dos discursos que circulam nos grupos sociais, que têm por funções explicar a realidade, definir a identidade grupal, orientar as práticas sociais e justificar as tomadas de posição(1212. Moscovici S. A psicanálise: sua imagem, seu público. Porto Alegre: Vozes; 2012.1313. Jodelet D. Ciências sociais e representações: estudo dos fenômenos representativos e processos sociais, do local ao global. Sociedade e Estado 2018;33(2):423-42. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/s0102-699220183302007.
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).

As RS “metabolizam” as novidades que o mundo nos apresenta, devolvendo a ele sob a forma de entendimento, mas também como juízos, definições e classificações(1212. Moscovici S. A psicanálise: sua imagem, seu público. Porto Alegre: Vozes; 2012.). Objetos sociais estranhos evocam medo, pois ameaçam o sentido de ordem das pessoas e a sua sensação de controle sobre o mundo, já que não sabem agir frente a tais objetos(1414. Joffe H. “Eu não, “o meu grupo não”: Representações transculturais da AIDS. In: Jovchelovitch S, Guareschi P, organizadores. Textos em representações sociais. Petrópolis: Vozes; 2007. p. 297-322.).

Quando os novos fenômenos sociais são relevantes, as pessoas se apropriam deles, o que pode ser identificado pelas conversações sobre o objeto de RS, sua exposição aos meios de comunicação em massa e o intenso movimento de divulgação científica(1212. Moscovici S. A psicanálise: sua imagem, seu público. Porto Alegre: Vozes; 2012.1313. Jodelet D. Ciências sociais e representações: estudo dos fenômenos representativos e processos sociais, do local ao global. Sociedade e Estado 2018;33(2):423-42. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/s0102-699220183302007.
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). Assim, o interesse dos grupos sobre um objeto, a circulação de informações entre os participantes para a sua compreensão e a pressão para que tais grupos se posicionem (pressão à inferência) são indicativos da formação das RS(1212. Moscovici S. A psicanálise: sua imagem, seu público. Porto Alegre: Vozes; 2012.).

No caso da COVID-19, conforma-se em um novo fenômeno que atinge a população mundial e causa uma crise na saúde pública, cujas medidas para a prevenção da sua disseminação repercutem na vida das pessoas. Logo, tem pressionado as pessoas e grupos a participarem deste debate e se posicionarem acerca do tema, na tentativa de explicar esse objeto e agir perante a ele. Diferentes grupos sociais, conforme sua posição ideológica, interesses e condição de pertencimento, fazem circular informações sobre tal objeto.

Considerando que as RS são um meio de acesso às dimensões simbólicas, culturais e práticas dos fenômenos sociais(1313. Jodelet D. Ciências sociais e representações: estudo dos fenômenos representativos e processos sociais, do local ao global. Sociedade e Estado 2018;33(2):423-42. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/s0102-699220183302007.
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), refletir sobre a COVID-19 enquanto fenômeno de conhecimento psicossocial gera possibilidades para o entendimento de normas, valores e de potenciais rumores e estereótipos que orientam os comportamentos das pessoas.

As pandemias não são um fenômeno recente na literatura, mas, no atual momento, a pandemia de COVID-19 impactou na economia dos países, principalmente pelas restrições de circulação de pessoas e interrupção do funcionamento do comércio e indústrias; sobrecarregou os sistemas de saúde, pelo aumento substancial da demanda por atendimento; e gerou uma corrida dos cientistas do mundo para a descoberta de um tratamento efetivo e eficaz contra a COVID-19. Em vista disso, considera-se necessário refletir sobre a COVID-19 como objeto psicossocial, justamente porque se trata de uma doença nova que imprimiu mudanças no cotidiano, com importantes reconfigurações nos modos de estar e de se relacionar das pessoas, de famílias e grupos de amigos em meio social; logo, essas características retratam a espessura social de tal fenômeno.

Demonstrar a existência da lógica sociosimbólica da doença coloca em evidência a necessidade de desenvolver estudos de RS, a partir dos quais será possível a formulação de tecnologias educativas que informem com qualidade, desconstruam os estereótipos e minimizem o medo da população, potencializando o sucesso das medidas preventivas implementadas pelo enfermeiro nas suas ações de promoção à saúde.

Objetivou-se refletir sobre a COVID-19 como fenômeno de RS e suas implicações para a enfermagem e a área da saúde.

MÉTODO

Estudo teórico-reflexivo, desenvolvido à luz dos preceitos teóricos das RS, construído em duas etapas.

Na primeira etapa, estudaram-se artigos científicos e livros que tratavam dos fundamentos da teoria das RS, das características dos fenômenos representacionais, bem como que abordavam as pesquisas clássicas de representação sobre a emergência de novos fenômenos epidêmicos no campo da saúde. Os sites do Ministério da Saúde do Brasil e da Organização Mundial de Saúde foram acessados para o levantamento de dados atualizados sobre a progressão da pandemia de COVID-19 e das recomendações destes órgãos para a prevenção e controle da doença.

Na segunda etapa, realizou-se a análise teórico-reflexiva, tomando como referência o estudo bibliográfico preliminar realizado, estabelecendo as interfaces entre a COVID-19 e as RS, na defesa de que a mesma se conforma como fenômeno representacional. A construção das sessões da reflexão foi pautada teoricamente nos critérios de identificação de RS, em seus processos de formação (objetivação e ancoragem) e nos conceitos de identidade social e de práticas sociais.

DESENVOLVIMENTO

Elementos Teóricos Indicativos da Existência de RS Sobre a COVID-19

Critérios de identificação de RS foram propostos, com vistas a garantir a validade e a especificidade dos estudos de representação, quais sejam: consenso funcional, relevância, prática, holomorfose e afiliação. Nem todos esses critérios estão presentes em todas as RS, já que há diferenças na estrutura e na função da representação de acordo com o seu tipo(1515. Wachelke JFR, Camargo BV. Representações Sociais, representações Individuais e comportamento. Interam J Psychol [Internet]. 2007 [cited 2020 June 17];41(3):379-90. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rip/v41n3/v41n3a13.pdf.
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).

O critério do consenso funcional é aquele no qual a RS tem o papel de manter a unidade do grupo, sua identidade, orientando as interações e autocategorizações. A relevância refere-se à importância social do objeto para os atores sociais que com ele se relacionam. Já o critério da prática revela que o objeto deve estar implicado nas práticas, especialmente as de comunicação. Ademais, deve haver uma correspondência das representações com as práticas empreendidas por grande parte das pessoas integrantes do grupo. Quanto ao critério da holomorfose, constitui-se pelo fato de a representação ter referência à pertença grupal, isto é, as RS trazem meta-informações sobre o grupo, de modo que cada membro saberia como o outro se comportaria em determinada situação. Por fim, o critério da afiliação permite delinear a realidade sóciogrupal dentro da qual a representação existe, sendo o lado objetivo do critério da holomorfose(1515. Wachelke JFR, Camargo BV. Representações Sociais, representações Individuais e comportamento. Interam J Psychol [Internet]. 2007 [cited 2020 June 17];41(3):379-90. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rip/v41n3/v41n3a13.pdf.
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).

Para efeito e limites desta reflexão, pontuam-se o critério de relevância social, pela proporção de expressividade que o fenômeno tomou nas mídias em função da magnitude dos casos e de suas graves consequências socioeconômicas e no cotidiano das pessoas, e o critério de prática pelas ações, condutas, modos de agir, de se comunicar e de se relacionar que foram reconfigurados em razão da pandemia.

A comunicação tem um papel essencial nos processos de formação das RS, pois é um vetor da linguagem e influencia na organização do pensamento social. As trocas comunicacionais possibilitam a construção de novas representações e a consolidação daquelas já existentes(1212. Moscovici S. A psicanálise: sua imagem, seu público. Porto Alegre: Vozes; 2012.1313. Jodelet D. Ciências sociais e representações: estudo dos fenômenos representativos e processos sociais, do local ao global. Sociedade e Estado 2018;33(2):423-42. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/s0102-699220183302007.
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). Neste aspecto, salienta-se que, no contexto da pandemia de COVID-19, no qual as medidas de contenção do avanço da doença implicam manter o distanciamento social, evidencia-se uma nova sociabilidade, mais remota e virtual, enquanto se mantém a ausência de contato físico. Disso, resultam novas práticas de comunicação entre as pessoas nas redes sociais e plataformas online, na tentativa de manter uma proximidade(1010. Apostolidis T, Santos FS, Kalampalikis N. Society against Covid-19: Challenges for the socio-genetic point of view of Social Representations. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):3.1-3.14. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/551/470.
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).

No Brasil, por meio de conversações cotidianas e conversas online, as pessoas expressam opiniões, compartilham informações e até notícias falsas sobre as medidas de controle implementadas e sobre as mudanças do seu cotidiano(1111. Justo AM, Bousfield ABS, Giacomozzi AI, Camargo BV. Communication, social representations and prevention – information polarization on COVID-19 in Brazil. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):4.1-4.18. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/533/471.
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). O não familiar gera tensões, mobiliza emoções e se torna tema de debate(1212. Moscovici S. A psicanálise: sua imagem, seu público. Porto Alegre: Vozes; 2012.). Epidemias recentes, como da gripe suína e ebola, demonstraram o papel da mídia digital na representação das doenças(1111. Justo AM, Bousfield ABS, Giacomozzi AI, Camargo BV. Communication, social representations and prevention – information polarization on COVID-19 in Brazil. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):4.1-4.18. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/533/471.
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).

Portanto, verifica-se que este objeto desconhecido desperta afetos nos grupos sociais, a partir dos quais as pessoas se mobilizam para participar do circuito de conversação mediado por tal objeto de acordo com as implicações que ele traz. Esse movimento resulta na construção de uma linguagem comum que guia as comunicações, o reconhecimento dos pares, fomentando o sentimento de pertença social(1212. Moscovici S. A psicanálise: sua imagem, seu público. Porto Alegre: Vozes; 2012.1313. Jodelet D. Ciências sociais e representações: estudo dos fenômenos representativos e processos sociais, do local ao global. Sociedade e Estado 2018;33(2):423-42. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/s0102-699220183302007.
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).

Outro aspecto importante que reflete os critérios da relevância e da prática é o papel da mídia na formação das RS. No contexto da pandemia, diariamente, são veiculadas informações sobre o número de hospitalizações, disponibilidade de leitos, número de infectados e de óbitos no Brasil e no mundo, medidas de controle da doença e seus impactos sociais e econômicos. Por sua vez, as pessoas buscam informações para se apropriarem dessa novidade que circula na sociedade, integrando esse conhecimento “em uma linguagem que permite falar sobre o que todo mundo está falando”(1212. Moscovici S. A psicanálise: sua imagem, seu público. Porto Alegre: Vozes; 2012.:51).

Essa comunicação de massa é condição de possibilidade para que RS sejam criadas, forjadas na interação e contato com discursos que circulam no espaço público, mormente em veículos de larga escala que difundem ideais e alcançam os grupos sociais, gerando o debate na esfera pública, do qual emergem as teorias do senso comum(1313. Jodelet D. Ciências sociais e representações: estudo dos fenômenos representativos e processos sociais, do local ao global. Sociedade e Estado 2018;33(2):423-42. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/s0102-699220183302007.
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).

Nesse processo de comunicação, autores alertam para as influências do posicionamento político como filtro de significação da pandemia de COVID-19, exemplificado a partir dos discursos de autoridades políticas nos meios de comunicação de massa. No Brasil e nos Estados Unidos da América, em particular, cujas lideranças máximas adotaram, no início da pandemia, um posicionamento negacionista acerca da gravidade da doença e da magnitude da pandemia, verificou-se que os discursos dessas lideranças disseminavam expressões que traziam sentidos alimentadores de representações sociais sobre a origem da COVID-19(1010. Apostolidis T, Santos FS, Kalampalikis N. Society against Covid-19: Challenges for the socio-genetic point of view of Social Representations. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):3.1-3.14. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/551/470.
https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/a...
1111. Justo AM, Bousfield ABS, Giacomozzi AI, Camargo BV. Communication, social representations and prevention – information polarization on COVID-19 in Brazil. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):4.1-4.18. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/533/471.
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). Tais expressões, que se traduziram em nomeações sobre o vírus, repercutiram em discriminação, xenofobia e violência, desferida principalmente contra a população asiática pelo mundo. Observa-se que pesquisa de abordagem estrutural sobre o coronavírus e a pandemia indicou que a palavra China surgiu pela forte presença no imaginário social sobre a origem da pandemia(1616. Bezerra V, Do Bú E, Alexandre ME, Coutinho MP. Estrutura representacional do novo coronavírus e do estado de pandemia. Psicologia, saúde & doenças. 2020;21(3):594-605. DOI: http://dx.doi.org/10.15309/20psd210305.
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).

Essa circulação de informações denota uma dimensão imagética com forte carga afetiva, com potencial para guiar a forma como as pessoas interpretam esse fenômeno e orientam suas práticas sociais. Tais imagens são importantes para a identificação dos processos de elaboração das RS, como é o caso da objetivação, que abarca a dimensão figurativa do objeto social. Nas RS, os processos de ancoragem e o de objetivação são mobilizados quando o indivíduo se depara com um objeto incomum e desconhecido. A ancoragem tem por objetivo reduzir as ideais estranhas a categorias e imagens comuns, colocando-as em um contexto familiar(1212. Moscovici S. A psicanálise: sua imagem, seu público. Porto Alegre: Vozes; 2012.).

Pela ancoragem, a pessoa tenta se aproximar de situações que não são conhecidas, categorizando os fenômenos em classes já conhecidas e, a partir disso, lhes confere sentidos a partir de um contexto inteligível. Pela objetivação, atribui-se uma dimensão imagética ao objeto apresentado à compreensão, de modo que o que era desconhecido se torne algo objetivo, naturalizado, assumindo o contorno de real, com concretude, palpável. A estrutura imagética da RS se torna guia de leitura e, por generalização funcional, teoria de referência para compreender a realidade(1212. Moscovici S. A psicanálise: sua imagem, seu público. Porto Alegre: Vozes; 2012.).

Um exemplo disso, quando há um esforço de tornar algo desconhecido em conhecido, pode ser visto quando, ao se nominar o fenômeno da COVID-19 como comunavírus, por exemplo, o mesmo é remetido para uma classificação/ancoragem, em uma dimensão política e ideológica; logo, a representação se assentaria em uma construção simbólica de um vírus que foi “produzido” em laboratório por comunistas, com vistas a atingir os grupos contrários a essa ideologia política. Essa interpretação, por sua vez, remete a comportamentos que não se pautam, propriamente, no potencial biológico de disseminação do vírus, mas em ações que buscam fazer frente àquilo que ameaça a posição ideológica do grupo, mesmo que desrespeitem as recomendações das autoridades sanitárias.

Essa lógica sociosimbólica revela uma possível representação baseada em uma teoria da conspiração, já acessada historicamente por outros grupos. Teorias conspiratórias são uma retórica de defesa, uma forma de resistência às RS mais hegemônicas disseminadas pelos meios de comunicação em massa. No caso do HIV/AIDS, por exemplo, foi utilizada pelos grupos marginalizados, africanos, homossexuais, haitianos e hemofílicos, aos quais foi atribuída a origem da doença no mundo ocidental para se defender deste discurso dominante. Com isso, produziram a teoria de que a doença foi fabricada em laboratório pelo FBI para uma guerra biológica, uma conspiração para destruir o Terceiro Mundo(1414. Joffe H. “Eu não, “o meu grupo não”: Representações transculturais da AIDS. In: Jovchelovitch S, Guareschi P, organizadores. Textos em representações sociais. Petrópolis: Vozes; 2007. p. 297-322.).

No fenômeno da COVID-19, a retórica de um vírus criado pela China em laboratório vem sendo empregada por grupos que adotam comportamentos contrários ao discurso científico dominante sobre o controle da doença e que vêm sendo responsabilizados pela mídia por ações que contribuem para a sua disseminação. Ademais, essa retórica reforça estereótipos em relação aos chineses, que produzem e justificam determinados comportamentos de rechaço a eles, evidenciando a dimensão prática das RS. Vê-se aqui que o confronto com o vírus é imaginado não somente a partir da perspectiva biológica e social, mas também pelo prisma da ficção científica(1010. Apostolidis T, Santos FS, Kalampalikis N. Society against Covid-19: Challenges for the socio-genetic point of view of Social Representations. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):3.1-3.14. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/551/470.
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).

Quanto às imagens, a figura disseminada pelas mídias do inimigo invisível e misterioso transmitido por via aérea parece ancorar a COVID-19 não somente como algo desconhecido e incompreensível, mas no campo do segredo e da conspiração. Essa compreensão pela perspectiva do misterioso é favorecida pelas incertezas, mal entendidos científicos, conflitos sociais(1010. Apostolidis T, Santos FS, Kalampalikis N. Society against Covid-19: Challenges for the socio-genetic point of view of Social Representations. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):3.1-3.14. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/551/470.
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), o que pode resultar em comportamentos exacerbados de proteção contra o vírus, ansiedade e medo na população.

Grupos Sociais, Identidades e Representações

No caso do surgimento de novas doenças epidêmicas, especialmente as incuráveis, historicamente as pessoas responderam “Eu não, o meu grupo não”. A AIDS, por exemplo, quando surgiu na década de 1980 como a nova doença epidêmica, foi ligada a noções estrangeiras e grupos marginais (os outros), ou seja, homossexuais, drogados e mulheres prostitutas. Assim, em 1981, quando médicos americanos identificaram em cinco homossexuais um conjunto de sintomas que depois veio a ser chamado de AIDS, eles denominaram inicialmente de “Síndrome da Deficiência Imunológica ligada aos Homossexuais”. A mídia, ao transformar esse achado em material atraente, associou-o a uma praga. O novo fenômeno foi “traduzido” na imagem de uma praga que atingia grupos marginais, a “praga homossexual”, noção ancorada a partir da ameaça prévia da praga bubônica(1414. Joffe H. “Eu não, “o meu grupo não”: Representações transculturais da AIDS. In: Jovchelovitch S, Guareschi P, organizadores. Textos em representações sociais. Petrópolis: Vozes; 2007. p. 297-322.).

Logo, projetou-se no outro (grupo externo) o risco de contágio e disseminação da doença, distanciando-se de si e protegendo-se da situação ameaçadora. Essa noção difundiu-se e gerou diversos comportamentos de risco pelos grupos que não se sentiam ameaçados pela doença(1414. Joffe H. “Eu não, “o meu grupo não”: Representações transculturais da AIDS. In: Jovchelovitch S, Guareschi P, organizadores. Textos em representações sociais. Petrópolis: Vozes; 2007. p. 297-322.). Esse comportamento projetivo, na perspectiva da psicologia social, tem nexo com a identidade social, fenômeno subjetivo que coloca em evidência a similitude e a diferença entre si, o outro e outros grupos(1717. Vala J. Representações sociais e percepções intergrupais. Análise Social [Internet]. 1997 [cited 2021 Feb 17];XXXII(140):7-20. Available from: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1221840494M6zFQ7xv9Rd55BV5.pdf.
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). A identidade social expressa, portanto, uma dimensão psicossocial, uma posição e uma maneira de ser no mundo(1818. Jodelet D. A representação: noção transversal, ferramenta da transdisciplinaridade. Cad Pesqui. 2016;46(162):1258-71. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/198053143845.
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), desempenhando um papel importante no nosso cotidiano, pois orienta as relações sociais com o outro a partir dos processos de identificação e diferenciação, os quais são mediadores dos significados atribuídos a si e aos outros.

As RS concorrem para tal identidade comum aos indivíduos, e essa, por sua vez, fomenta as identificações e diferenciações sociais com base na afiliação e pertencimento a um grupo social. A similitude traz consequências importantes na percepção dos grupos, pois, quanto mais o indivíduo teria identificação a um grupo, mais ele teria diferenciação desse grupo em relação a outros. Então, o efeito do contraste se manifesta por uma exacerbação das diferenças entre as categorias, na qual existe uma valorização do endogrupo e uma desvalorização do exogrupo, atribuindo-lhe traços comuns – estereótipos(1717. Vala J. Representações sociais e percepções intergrupais. Análise Social [Internet]. 1997 [cited 2021 Feb 17];XXXII(140):7-20. Available from: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1221840494M6zFQ7xv9Rd55BV5.pdf.
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).

No caso das mudanças do ambiente social que geram insegurança, a exemplo da COVID-19, há uma exacerbação dos conflitos de identidade não resolvidos e tensões, com base nos quais ocorre a projeção em grupos sociais indefesos. Esse conhecimento dos grupos que podem ser alvos de projeção é construído a partir da memória coletiva, da comunidade científica, dos meios de comunicação em massa e das conversações cotidianas(1414. Joffe H. “Eu não, “o meu grupo não”: Representações transculturais da AIDS. In: Jovchelovitch S, Guareschi P, organizadores. Textos em representações sociais. Petrópolis: Vozes; 2007. p. 297-322.).

A ideologia dominante da sociedade exerce papel importante nessa projeção, já que propaga a imagem de grupos específicos como o seu outro. Então, para se ter um sentimento de controle sobre uma situação potencialmente incontrolável, surgem representações defensivas da mudança do tipo “Eu não, meu grupo não”, com projeção do medo do colapso na realidade externa. A posição defensiva como meio de proteção implica a criação de estereótipos e maltrato e discriminação, podendo ser aumentada nas RS de crises(1414. Joffe H. “Eu não, “o meu grupo não”: Representações transculturais da AIDS. In: Jovchelovitch S, Guareschi P, organizadores. Textos em representações sociais. Petrópolis: Vozes; 2007. p. 297-322.).

No caso da COVID-19, esse processo parece se repetir, modulando os comportamentos. Identificou-se a difusão nos meios de comunicação em massa, no discurso de políticos e autoridades de saúde da presença da doença e dos casos mais graves prioritariamente nos grupos de risco, idosos e pessoas com presença de outras comorbidades clínicas, que passaram a ser os depositários da projeção pelos grupos que se sentiam protegidos da doença, principalmente quando buscavam justificativas para a não adesão às medidas de prevenção e controle da doença, como a de distanciamento social.

Diante disso, pressupõe-se que a ligação entre doença e a condição estrangeira(1414. Joffe H. “Eu não, “o meu grupo não”: Representações transculturais da AIDS. In: Jovchelovitch S, Guareschi P, organizadores. Textos em representações sociais. Petrópolis: Vozes; 2007. p. 297-322.) também possa existir na organização das RS sobre a COVID-19, podendo revelar estereótipos. Acerca deste aspecto, ressalta-se que construções simbólicas estereotipadas que projetam no outro o risco de contaminação podem conduzir as pessoas a esconder a doença para evitar a discriminação, não procurar atendimento médico no momento apropriado, além de desencorajar a adoção de comportamentos saudáveis, fatores que podem impactar os índices de morbimortalidade desta condição e a estabilidade dos serviços de saúde. Essas construções se disseminam facilmente com as tecnologias de informação, prejudicando a comunicação efetiva dos profissionais de saúde com a população e o maior êxito das ações de prevenção e controle da COVID-19.

Outro ponto a destacar é que o posicionamento político tem sido um filtro cognitivo da apropriação da informação sobre a pandemia. Com isso, observa-se uma clara separação “nós versus eles” baseada na identidade social, o que gera representações polêmicas(1010. Apostolidis T, Santos FS, Kalampalikis N. Society against Covid-19: Challenges for the socio-genetic point of view of Social Representations. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):3.1-3.14. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/551/470.
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1111. Justo AM, Bousfield ABS, Giacomozzi AI, Camargo BV. Communication, social representations and prevention – information polarization on COVID-19 in Brazil. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):4.1-4.18. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/533/471.
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).

Existem três tipos de representações, com três níveis de consenso: as hegemônicas, compartilhadas por todos os membros de um grupo estruturado; as emancipadas, quando diferentes subgrupos constroem suas versões da representação e as compartilham; e as polêmicas, geradas em conflitos e tensões sociais e que a sociedade como um todo não as compartilha. São determinadas pelas relações antagônicas entre grupos e suas identidades, representando um conflito intergrupal(1717. Vala J. Representações sociais e percepções intergrupais. Análise Social [Internet]. 1997 [cited 2021 Feb 17];XXXII(140):7-20. Available from: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1221840494M6zFQ7xv9Rd55BV5.pdf.
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).

No Brasil, essas relações antagônicas ocorrem considerando a forte divisão política do país. Por um lado, cientistas e alguns governantes defendem as medidas de contenção da doença, como o distanciamento social e o uso de máscaras, baseados nos dados científicos, princípio de defesa da vida humana e crítica aos interesses econômicos, mas por outro, os opositores a essas medidas creem em uma conspiração comunista, na descrença da ciência, na defesa da economia e na autonomia do país(1010. Apostolidis T, Santos FS, Kalampalikis N. Society against Covid-19: Challenges for the socio-genetic point of view of Social Representations. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):3.1-3.14. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/551/470.
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1111. Justo AM, Bousfield ABS, Giacomozzi AI, Camargo BV. Communication, social representations and prevention – information polarization on COVID-19 in Brazil. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):4.1-4.18. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/533/471.
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).

Essa polarização entre os grupos sociais indica duas ancoragens distintas da COVID-19 baseadas no grupo de pertencimento: a ameaça à saúde da população, que defende a manutenção do distanciamento social segundo as diretrizes da OMS, com vistas a evitar a propagação da doença e a sobrecarga do sistema de saúde pelo aumento das hospitalizações, com necessidade de ajuda dos mais pobres pelo governo; e a ameaça à economia do país, que defende a volta do comércio e atividades industriais para evitar o desemprego, considerando que há um exagero sobre a magnitude da doença e manipulação das informações pela mídia para causar pânico à população(1111. Justo AM, Bousfield ABS, Giacomozzi AI, Camargo BV. Communication, social representations and prevention – information polarization on COVID-19 in Brazil. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):4.1-4.18. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/533/471.
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).

Isso exemplifica o entrelaçamento entre representações, identidades e práticas sociais. Os processos identitários grupais orientam a construção de sentidos sobre a COVID-19, os quais se expressam nos graus de adesão às práticas preventivas da doença(1010. Apostolidis T, Santos FS, Kalampalikis N. Society against Covid-19: Challenges for the socio-genetic point of view of Social Representations. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):3.1-3.14. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/551/470.
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1111. Justo AM, Bousfield ABS, Giacomozzi AI, Camargo BV. Communication, social representations and prevention – information polarization on COVID-19 in Brazil. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):4.1-4.18. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/533/471.
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).

Práticas Sociais Sobre a COVID-19 e Implicações Para a Enfermagem

No âmbito das RS, as práticas sociais se referem às ações empreendidas pelos indivíduos que possuem uma pertença social. A ação abarca os componentes afetivo, comportamental e cognitivo. As relações entre práticas e RS são complexas, cabendo delinear quais condições uma determina a outra. Acerca disso, a teoria aponta três condições: a percepção de que a situação possa ser ou não reversível; o grau de autonomia dos sujeitos face cada situação específica; e o grau de ativação das cargas afetivas mobilizadas, em face à memória coletiva(1919. Campos H. O estudo das relações entre práticas sociais e representações: retomando questões. Psicologia e Saber Social. 2017;6(1):42-6. DOI: http://dx.doi.org/10.12957/psi.saber.soc.2017.30664.
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).

Entende-se que os comportamentos fazem parte de um sistema ação-representação, ou seja, eles são a expressão da elaboração simbólica produzida pelo ator social. Essa elaboração confere sentido e coerência ao fenômeno representado e se manifesta na ação considerando as normas e papeis sociais. Dessa feita, compreende-se que existe uma imbricação entre as representações e as práticas sociais(1919. Campos H. O estudo das relações entre práticas sociais e representações: retomando questões. Psicologia e Saber Social. 2017;6(1):42-6. DOI: http://dx.doi.org/10.12957/psi.saber.soc.2017.30664.
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).

Ao partir da premissa teórica de que a COVID-19 se configura como fenômeno de RS, sustentada pelos argumentos até aqui apresentados, as ações/comportamentos visualizadas no cotidiano da população e também noticiadas pelos meios de comunicação em massa são a expressão social da imbricação entre representações e práticas sobre tal fenômeno. Assim, as observações empíricas da realidade social dão pistas dessas práticas sociais relacionadas à doença em si, as pessoas por ela acometidas ou frente às medidas recomendadas para o seu controle, a exemplo de situações identificadas na Região Norte do Brasil, área de atuação profissional e investigação de uma das pesquisadoras deste artigo.

Uma ilustração de práticas que retratam o preconceito foi percebida durante as notificações dos primeiros casos de COVID-19 no estado de Rondônia, a partir das quais as equipes do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde realizavam ações de monitoramento, orientação quanto ao distanciamento e de acompanhamento individual dos casos suspeitos/confirmados e dos contatos no domicílio. Em uma das visitas a um indivíduo diagnosticado com COVID-19, a família informou que a residência deles havia sido apedrejada na tentativa de expulsá-los, depois que membros da comunidade souberam do diagnóstico. Observou-se em algumas mídias sociais a circulação de banners elaborados por órgãos jurídicos com mensagens “Não discrimine/julgue quem testou positivo para COVID-19, seja fraterno, seja solidário, não espalhe comentários negativos, preconceito ou mágoa”.

Quanto à adesão às medidas de controle da doença, observou-se que indivíduos que fazem parte de determinados grupos sociais não adotavam as recomendações sanitárias do distanciamento social, principalmente quando não se enquadravam nos chamados grupos de risco estabelecidos pela comunidade científica. Essa observação reforçou a conjectura de que haja um sentimento de proteção à doença que faz com que tais pessoas promovam ou frequentem eventos sociais que geram aglomerações e que têm o potencial de disseminação da doença. Em Porto Velho, por exemplo, quando ainda havia o controle da doença em relação ao número de casos e já se recomendava o distanciamento social, a mídia denunciava a realização de eventos com pessoas de destaque social na região, relacionando tais fatos com o aumento do número de casos que ocorreu no estado nas semanas posteriores.

No caso dos profissionais de saúde, as imagens veiculadas nas mídias sociais são ilustrativas das atitudes positivas de apoio/valorização/compaixão da população em relação a este grupo social, considerando sua atuação frente à COVID-19. Diferentes imagens corroboram essa afirmação: uma delas faz a comparação das unidades de saúde a um campo de batalha, no qual os profissionais de saúde atuam na frente de batalha protegendo a população; em outra imagem, os profissionais são super-heróis que enfrentam o inimigo (a COVID-19) para salvar a população do impacto da doença; também se verificam imagens que denotam solidariedade e empatia em relação à atuação dos profissionais no enfrentamento da morte dos pacientes, adoecimento profissional, falta de infraestrutura, medo da contaminação. O medo da transmissão e do contágio é uma das implicações afetivas que aparece na estrutura das RS do novo coronavírus. O medo que o vírus provoca nas pessoas se deve porque a doença gera impactos na saúde física e causa sofrimento emocional(2020. Ferreira MA. Theory of Social Representations and contributions to the research of health care and nursing. Escola Anna Nery. 2016;20(2):214-19. DOI: http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20160028.
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).

Esses exemplos mostram que, frente às descobertas no campo da saúde disseminadas pelos meios de comunicação em massa, redes sociais e comunicações interpessoais, as pessoas desenvolvem RS para se familiarizar com algo que lhes é estranho e saber agir diante dele. Logo, no caso da COVID-19, um novo objeto com um nome estranho, de natureza pandêmica e que resultou em novas regras sociais, cabe questionar como os indivíduos têm lidado com esse estranho extraordinário, como têm se familiarizado, ou seja, como tem sido objetivado e ancorado (nomeado, classificado, significado)(1010. Apostolidis T, Santos FS, Kalampalikis N. Society against Covid-19: Challenges for the socio-genetic point of view of Social Representations. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):3.1-3.14. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/551/470.
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1111. Justo AM, Bousfield ABS, Giacomozzi AI, Camargo BV. Communication, social representations and prevention – information polarization on COVID-19 in Brazil. PSR [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 10];29(2):4.1-4.18. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/533/471.
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).

Os aspectos teóricos aplicados na apreensão da COVID-19 como fenômeno psicossociológico nesta reflexão trazem indicativos dos possíveis elementos que integram o campo de organização das RS sobre esse fenômeno – informações, afetos, imagens, atitudes, crenças e valores. Tais indicativos apontam para implicações importantes à enfermagem e aos profissionais de saúde, que se relacionam aos sentidos construídos sobre a COVID-19, suas expressões na prática e os impactos dessas ações na prevenção da disseminação da doença e, consequentemente, no controle da pandemia.

Alguns desses possíveis sentidos e práticas foram realçados neste artigo, quais sejam: as ancoragens da COVID-19 que constroem RS baseadas em teorias conspiratórias sobre a criação do vírus e, por sua vez, conduzem a comportamentos discriminatórios e que buscam apenas proteger a posição ideológica do grupo; as objetivações da COVID-19 pautadas em imagens de algo misterioso e incerto, que constroem RS marcadas por sentimentos de ansiedade e medo da doença pelas pessoas, os quais se refletem nas práticas de proteção contra o vírus; os comportamentos projetivos da doença em grupos considerados mais vulneráveis, que resultam na criação de estereótipos, geram um sentimento de proteção sobre a doença e menor adesão às práticas de prevenção da sua disseminação; os filtros identitários (políticos, ideológicos, normativos), utilizados pelos grupos na apropriação da COVID-19 dentro de um contexto de tensão social, que produzem RS polêmicas e conflitos intergrupais.

Portanto, tais elementos teóricos revelam pistas sobre como as pessoas estão se apropriando e interpretando os saberes sobre a doença e como estão lidando com ela em seus cotidianos. Logo, ajudam a entender o porquê da não adesão deliberada ao que os técnicos e cientistas recomendam para evitar a contaminação, aspecto que é essencial para se pensar as ações da enfermagem e demais profissionais de saúde.

Pensar na mudança a partir das pesquisas de RS é buscar o ponto em que o decurso da ação se desenvolve em um sentido diferente. Para propor essa mudança, considera-se o interesse do objeto para o grupo, o seu contexto imediato, mas também recorre-se ao passado e futuro, os quais fornecem os repertórios para conferir sentido às experiências(1212. Moscovici S. A psicanálise: sua imagem, seu público. Porto Alegre: Vozes; 2012.). Desta feita, para mudar as ações que não favorecem ao controle da COVID-19, é importante identificar a organização do campo da RS, local onde se estruturam os significados, saberes e informações sobre o fenômeno, orientando a partir disso as ações(1212. Moscovici S. A psicanálise: sua imagem, seu público. Porto Alegre: Vozes; 2012.1313. Jodelet D. Ciências sociais e representações: estudo dos fenômenos representativos e processos sociais, do local ao global. Sociedade e Estado 2018;33(2):423-42. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/s0102-699220183302007.
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).

Nesse entendimento, os enfermeiros e demais profissionais de saúde, ao conhecerem os elementos constitutivos e a lógica dos saberes dos grupos sociais sobre a COVID-19 pela via de suas representações, podem utilizar conteúdos e esquemas que melhor traduzam os saberes da ciência para modificar elementos presentes no campo de organização das RS e permitir novas objetivações e ancoragens favorecedoras e promotoras de cuidado à saúde.

Como visto, as RS são interpretações da realidade e se formam na comunicação e nas relações cotidianas. No caso da COVID-19, tais representações se alimentam da rica matéria-prima que a ciência oferece nas muitas informações que circulam nas diferentes mídias sobre a doença, os doentes, as formas de contágios, suas consequências e toda uma reaprendizagem de práticas sobre como lidar com as pessoas, para não se infectar.

Logo, a construção de tecnologias educativas voltadas à comunicação com a população pode ser instruída com elementos que reforcem as representações produtoras de práticas preventivas e que desconstruam aquelas que põem os grupos em risco, a partir da linguagem do próprio grupo. Isso tem o potencial de contribuir para que as pessoas ressignifiquem ideias que possam gerar medo, produzir estigmas e estereótipos em relação à doença, bem como ocasionar comportamentos de risco que impactam nas ações de enfrentamento.

Essas considerações retratam o potencial das pesquisas de RS para a área da saúde e, em especial, para a enfermagem, pois favorecem aos profissionais conduzirem melhor o cuidado em um plano terapêutico mais próximo da lógica do outro para quem o cuidado se destina(2020. Ferreira MA. Theory of Social Representations and contributions to the research of health care and nursing. Escola Anna Nery. 2016;20(2):214-19. DOI: http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20160028.
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). Tais pesquisas sobre as RS da COVID-19 na área da enfermagem ainda são restritas em âmbito nacional(2121. Costa ICP, Sampaio RS, Souza FAC, Dias TKC, Costa BHS, Chaves ECL. Scientific production in online journals about the new coronavirus (covid-19): bibliometric research. Texto & Contexto Enfermagem. 2020;29:e20200235. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2020-0235.
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), o que requer desenvolvimento, já que os resultados poderão subsidiar, no âmbito do SUS, as ações do enfermeiro na promoção à saúde.

Períodos de epidemias são significativos para que se perceba a recorrência de representações, trazendo à tona concepções arraigadas no imaginário social, a exemplo da peste com ideias de morte, punição e flagelo(2222. Nascimento DR, Vianna ES, Moraes MC, Silva DSF. O indivíduo, a sociedade e a doença: contexto, representação social e alguns debates na história das doenças. Khronos. 2018;6:31-47. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/khronos.v0i6.150982.
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). Portanto, esperam-se contribuições de pesquisas que desvelem a estrutura e os elementos constitutivos das RS sobre a COVID-19, com vistas a elucidarem sobre a existência de estereótipos e estigmas que dão sustentação a essas representações e implicam nas práticas sociais das pessoas frente à COVID-19.

As limitações são teóricas, relacionadas à abrangência do próprio referencial que se constitui como uma das possibilidades de apreensão do fenômeno da COVID-19 e compreensão da sua expressão na realidade social, dentre outras perspectivas existentes.

CONCLUSÃO

A reflexão da COVID-19 como fenômeno de RS se sustentou nos seguintes argumentos teóricos: atende ao critério da relevância e da prática das RS, pois desperta afetos que disparam discussões e posicionamentos dos indivíduos e grupos sociais. Com isso, esse fenômeno mobiliza a circulação de informações no âmbito das relações sociais. Os sentidos e imagens sobre a COVID-19 veiculados pelos meios de comunicação em massa concorrem para os processos de elaboração da RS. Verifica-se uma dimensão projetiva da doença em outros grupos de pertença pautada na identidade social. Os diferentes comportamentos da população expressam uma lógica sociosimbólica que orienta as práticas sociais.

A área da saúde e da enfermagem, ao utilizarem esse prisma teórico para compreenderem a COVID-19, bem como a adesão e a não adesão às práticas de cuidado preventivas à infecção, podem elaborar intervenções que reconstruam sentidos e práticas que comprometem o controle da pandemia, além de melhorar a comunicação com a população. Isso pode reduzir o medo, a ansiedade e desconstruir estigmas relacionados à doença.

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  • Apoio financeiro O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2021
  • Aceito
    23 Set 2021
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