Efeitos de uma intervenção educativa com profissionais de enfermagem sobre abordagens ao paciente tabagista: estudo quase-experimental^*

RESUMO

Objetivo:

avaliar os efeitos de uma intervenção educativa sobre cessação do tabagismo direcionada à equipe de enfermagem.

Método:

estudo quase-experimental com 37 profissionais de enfermagem de um hospital brasileiro de maio/2019 a dezembro/2020. A intervenção consistiu em capacitar profissionais de enfermagem sobre abordagens aos pacientes tabagistas, dividida em duas etapas, a primeira, online, pré-requisito para a presencial/videoconferência. O efeito da intervenção foi avaliado por meio do pré- e pós-teste preenchido pelos participantes. Também foram analisados registros em prontuários de pacientes fumantes. Para análise, utilizou-se o Teste do Qui-Quadrado de McNemar.

Resultados:

houve aumento da frequência das ações visando à cessação tabágica após a intervenção. Diferenças significativas foram encontradas em orientações relacionadas à divulgação aos familiares da decisão de parar de fumar e necessidade de apoio, incentivo à abstinência após alta hospitalar e informações sobre estratégias para cessação do tabaco e recaídas.

Conclusão:

a intervenção educativa se mostrou inovadora e com grande capacidade de difusão do conhecimento. O pós-teste evidenciou efeito positivo na frequência das ações visando à cessação tabágica implementadas pela equipe de enfermagem.

DESCRITORES
Abandono do Uso de Tabaco; Educação em Saúde; Equipe de Enfermagem; Educação Continuada em Enfermagem; Ensino

Abstract

Objective:

to assess the effects of an educational intervention on smoking cessation aimed at the nursing team.

Method:

this is a quasi-experimental study with 37 nursing professionals from a Brazilian hospital from May/2019 to December/2020. The intervention consisted of training nursing professionals on approaches to hospitalized smokers divided into two steps, the first, online, a prerequisite for the face-to-face/videoconference. The effect of the intervention was assessed through pre- and post-tests completed by participants. Smokers’ medical records were also analyzed. For analysis, McNemar’s chi-square test was used.

Results:

there was an increase in the frequency of actions aimed at smoking cessation after the intervention. Significant differences were found in guidelines related to disclosure to family members of their decision to quit smoking and the need for support, encouragement of abstinence after hospital discharge, and information on tobacco cessation and relapse strategies.

Conclusion:

the educational intervention proved to be innovative and with a great capacity for disseminating knowledge. The post-test showed a positive effect on the frequency of actions aimed at smoking cessation implemented by the nursing team.

DESCRIPTORS
Tobacco Use Cessation; Health Education; Nursing Team; Education; Nursing; Continuing; Teaching

RESUMEN

Objetivo:

evaluar los efectos de una intervención educativa para dejar de fumar dirigida al equipo de enfermería.

Método:

estudio cuasi-experimental con 37 profesionales de enfermería de un hospital brasileño de mayo/2019 a diciembre/2020. La intervención consistió en capacitar a los profesionales de enfermería en el abordaje del paciente fumador, dividida en dos etapas, la primera, en línea, requisito previo para la presencial/videoconferencia. El efecto de la intervención se evaluó a través del pre y post test realizado por los participantes. También se analizaron los registros en las historias clínicas de los fumadores. Para el análisis se utilizó la prueba Chi-Square de McNemar.

Resultados:

hubo un aumento en la frecuencia de acciones dirigidas a dejar de fumar después de la intervención. Se encontraron diferencias significativas en las guías relacionadas con la divulgación a los familiares de la decisión de dejar de fumar y la necesidad de apoyo, el estímulo de la abstinencia después del alta hospitalaria y la información sobre estrategias para dejar de fumar y recaer.

Conclusión:

la intervención educativa demostró ser innovadora y con gran capacidad de diseminación del conocimiento. El post-test mostró un efecto positivo en la frecuencia de las acciones dirigidas a la deshabituación tabáquica implementadas por el equipo de enfermería.

DESCRIPTORES
Cese del Uso de Tabaco; Educación en Salud; Grupo de Enfermería; Educación Continua en Enfermería; Enseñanza

INTRODUÇÃO

As altas taxas de internação hospitalar de pacientes tabagistas evidenciam a necessidade de qualificar a assistência prestada por parte dos profissionais da saúde, visando à realização de abordagens efetivas para a cessação do tabagismo⁽¹⁾. Já foi demonstrado que fumantes recém-diagnosticados com alguma doença crônica estavam mais sensibilizados para modificarem seus comportamentos(²–³) e que a preocupação com a própria saúde é um dos principais motivos que levam as pessoas a pararem de fumar⁽⁴⁾, indicando que o momento da internação parece favorável a ações de orientação, educação e sensibilização para a cessação do tabaco.

Considerando que a equipe de enfermagem está constantemente em contato direto com os pacientes, é importante que esteja apta e capacitada para prestar cuidados de qualidade aos tabagistas hospitalizados⁽⁵⁾. No entanto, os profissionais ainda se sentem despreparados para realizar esta abordagem, o que pode estar relacionado à falta de habilidades e conhecimentos específicos sobre a temática, sobrecarga de trabalho, desconsideração desta prática como sua atribuição ou pouco incentivo da instituição de saúde(⁶–⁷). Estudo que analisou registros de prontuários de 69 pacientes tabagistas hospitalizados identificou que somente em 48% das anamneses constava o status tabágico; dessas, somente 13% incluiu o tempo de fumo e o número de cigarros consumidos diariamente, demonstrando a necessidade de qualificar a assistência e os registros⁽⁸⁾.

Uma pesquisa com enfermeiros que realizaram uma capacitação online sobre assistência ao tabagista hospitalizado visando à cessação do fumo evidenciou que, após a realização do curso, aumentaram de forma significativa os encaminhamentos de pacientes tabagistas para tratamentos. Porém, os autores sugeriram que acrescentar uma etapa presencial para complementar a virtual poderia causar um impacto positivo ainda maior, bem como ter uma modificação das práticas assistenciais mais duradoura⁽⁹⁾.

Nessa perspectiva, este estudo teve como objetivo avaliar os efeitos de uma intervenção educativa sobre cessação do tabagismo direcionada à equipe de enfermagem. Sua realização se justifica, uma vez que o tabagismo segue com índices de prevalência preocupantes e a implementação de ações para modificar esta realidade sempre são valorosas, pois podem somar esforços para diminuir esse grave problema da saúde pública mundial.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Trata-se de um estudo quase-experimental, não randomizado, baseado em pré- e pós-intervenção, que analisou os efeitos relativos à abordagem ao paciente tabagista visando à cessação do fumo. Neste tipo de pesquisa, o indivíduo é o seu próprio controle antes e após a intervenção⁽¹⁰⁾.

Esta pesquisa propôs a avaliação de uma intervenção educativa intitulada “Capacitação sobre abordagens para promover a cessação do tabagismo em pacientes hospitalizados”, desenvolvida e validada por experts no tema⁽¹¹⁾. A mesma aborda temáticas relacionadas ao tabagismo, tais como: definição, doenças relacionadas, dependência química e comportamental; decisão sobre parar de fumar; abordagens na admissão durante a internação, na alta e pós-alta do paciente; estágios de prontidão para mudança; estratégias para parar de fumar; benefícios ao parar de fumar; uso de medicamentos; acompanhamento de pacientes tabagistas; e plano de controle do tabagismo da instituição. Como método de ensino e aprendizagem, ­utilizou-se a abordagem híbrida, que consiste em uma etapa realizada no formato de Ensino à Distância (EAD), complementada por uma presencial, realizada na própria instituição e com duração de uma hora e 30 minutos. Nesta etapa, foi realizada uma retomada dos assuntos abordados no ­formato EAD e troca de experiências entre os profissionais. Os ­participantes receberam escalas de mensuração da dependência à nicotina e de motivação para mudança de comportamento, livro e folders, visando subsidiar as abordagens junto aos pacientes. No entanto, a partir de março de 2020, em decorrência da pandemia por Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), estes encontros presenciais passaram a ser realizados de forma remota e síncrona por videoconferência.

População

A população foi constituída por profissionais de enfermagem de unidades clínicas e cirúrgicas que participaram de um curso sobre abordagens aos pacientes tabagistas hospitalizados.

Local

Esta pesquisa foi realizada de maio de 2019 a dezembro de 2020, em um hospital universitário de grande porte do Sul do Brasil, o qual atende em média 1.529 pacientes hospitalizados por mês, contando com 2.796 profissionais de enfermagem.

Critérios de Seleção

A amostra incluiu profissionais de enfermagem que aceitaram responder a uma atividade avaliativa antes e após três meses da realização do curso. Todos os profissionais foram convidados a participar da capacitação, não havendo critérios de exclusão. Os que realizaram a intervenção educativa, mas que entraram em afastamento/férias no período de coleta de dados, foram considerados perdas.

Coleta de Dados

Para avaliar os efeitos da intervenção educativa com os profissionais de enfermagem, os pesquisadores elaboraram um instrumento em estudo prévio⁽¹¹⁾, que foi validado por experts e posteriormente submetido a um teste piloto para ­refinamento e adequação. Com autorização prévia dos autores, este instrumento foi disponibilizado no Google Forms^® e enviado por e-mail, antes e após a participação na capacitação.

A primeira parte do formulário possuía seis questões ­relacionadas à caracterização do profissional, e a segunda, 10 perguntas sobre ações consideradas imprescindíveis na abordagem ao paciente tabagista visando à cessação. A frequência destas ações foi autorreferida e classificada em “Sempre”, “Às vezes” e “Nunca”. O tempo médio de preenchimento do questionário foi de sete minutos. O fluxograma da Figura 1 apresenta a forma como se deu a coleta de dados, assim como o número de profissionais convidados e que participaram do estudo.

Figura 1
Fluxograma da coleta de dados.

Ao término do período de envio dos formulários para o pós-teste, foram acessados os prontuários eletrônicos de todos os pacientes maiores de 18 anos internados em unidades clínicas e cirúrgicas da instituição campo deste estudo. A escolha destas unidades se deve ao fato de já ter sido realizado um estudo anterior em que foi analisado o status tabágico dos pacientes internados nesses locais⁽⁸⁾. A finalidade foi verificar se, para além das atividades comuns à equipe de enfermagem, os registros realizados privativamente pelos enfermeiros sobre o status tabágico dos pacientes estavam sendo feitos de forma adequada na anamnese e se a prescrição de enfermagem continha diagnósticos e cuidados de enfermagem específicos para os pacientes tabagistas.

Análise e Tratamento dos Dados

A análise dos dados foi obtida a partir das respostas dos participantes aos questionários pré- e pós-teste. As variáveis contínuas foram descritas por média e desvio padrão para aquelas com distribuição normal ou mediana, e intervalo interquartil, quando assimétricas. Para efetuar a comparação do pré- e pós-intervenção, foi utilizada a versão generalizada do Teste do Qui-Quadrado de McNemar. As análises foram realizadas por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23.0.

Em relação aos dados secundários, coletados no prontuário eletrônico dos pacientes tabagistas, avaliou-se o poder do teste estatístico, para comparar as proporções de registro correto da anamnese destes indivíduos. Foi considerado que 69 pacientes tabagistas seriam avaliados em novembro e dezembro de 2020. Levando-se em conta que, antes da intervenção, em agosto e setembro de 2017, a proporção de registros de anamnese corretos era de 13%⁽⁸⁾, e assumindo-se como um efeito relevante da intervenção educativa que este percentual aumentaria para 50%, calculou-se que o poder do teste seria de 99%. Assim, foi estimado avaliar cerca de 414 prontuários até alcançar, no mínimo, 69 pacientes tabagistas. O cálculo do poder foi realizado no software WinPEPI^® 11.43.

Aspectos Éticos

Este estudo atendeu às exigências éticas de pesquisa envolvendo seres humanos, e foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa da instituição em 8 de maio de 2019, sob Parecer 3.313.795, obtendo CAAE (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética) 64475916700005327.

Com relação aos instrumentos que os profissionais ­responderam anonimamente via Google Forms^®, havia a seguinte informação no corpo do texto para consentimento em participar do estudo: ao respondê-lo, você estará concordando com a utilização dos dados na pesquisa. O anonimato será garantido e sua participação possibilitará o aprimoramento do curso sobre a abordagem ao paciente tabagista.

RESULTADOS

O questionário pré-teste foi respondido por 1.966 participantes, e, destes, 37 preencheram o pós-teste. Considerando somente aqueles que responderam às avaliações antes e após a intervenção educativa, participaram do estudo 37 profissionais de enfermagem, sendo a maioria mulheres (n = 34; 91,9%), com média de 47,1 ± 7,6 anos de idade e 23,1 ± 7,7 anos de experiência profissional. Em relação à ocupação, 25 (67,6%) eram enfermeiros, e no que diz respeito ao perfil tabágico, somente um (2,7%) profissional referiu ser tabagista. Essas e outras informações sobre a caracterização dos participantes estão descritas na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização da amostra (n = 37) – Porto Alegre, RS, Brasil, 2021.

Variáveis analisadas	N (%)
Sexo
Feminino	34 (91,9%)
Idade*	47,1 ± 7,6
Categoria profissional
Técnico de enfermagem	12 (32,4%)
Enfermeiro	25 (67,6%)
Tempo de experiência profissional em anos*	23,1 ± 7,7
Formação acadêmica
Nível médio	10 (27%)
Graduação	1 (2,7%)
Especialização	14 (37,8%)
Mestrado	9 (24,3%)
Doutorado	3 (8,1%)
Status tabágico
Tabagista	1 (2,7%)
Tempo de fumo em anos	1
Maços consumidos por ano	18
Não tabagista	34 (91,9%)
Não tabagista, mas reside com fumantes	2 (5,4%)

• * Resultado apresentado em média ± desvio padrão.

Antes de realizar a intervenção educativa, 15 (40,5%) dos 37 profissionais se sentiam preparados para abordar o paciente tabagista. Após realizarem as duas etapas propostas na capacitação, 27 (73%) relataram se sentirem aptos. Essas e outras informações sobre a frequência das ações visando à cessação do tabagismo implementadas pela equipe de enfermagem estão descritas na Tabela 2.

Tabela 2
Frequência das ações visando à cessação do tabagismo implementadas pelos profissionais de enfermagem antes e depois da intervenção educativa (n = 37) – Porto Alegre, RS, Brasil, 2021.

Variáveis avaliadas	Antes da intervenção	Depois da intervenção	p
Você se sente preparado para abordar o paciente tabagista			0.065
Sim	15 (40,5%)	27 (73%)
Não	5 (13,5%)	2 (5,4%)
Parcialmente	17 (45,9%)	8 (21,6%)
Avalia se o paciente está motivado a parar de fumar			0.179
Sempre	13 (35,1%)	21 (56,8%)
Às vezes	20 (54,1%)	15 (40,5%)
Nunca	4 (10,8%)	1 (2,7%)
Aborda o paciente sobre a cessação do tabagismo ao longo da internação			0.062
Sempre	12 (32,4%)	23 (62,2%)
Às vezes	20 (54,1%)	11 (29,7%)
Nunca	5 (13,5%)	3 (8,1%)
Relaciona o motivo da internação atual com o tabagismo			0.064
Sempre	13 (35,1%)	23 (62,2%)
Às vezes	17 (45,9%)	13 (35,1%)
Nunca	7 (18,9%)	1 (2,7%)
Orienta estratégias para parar de fumar e fornece material de apoio (folders/manuais)			0.272
Sempre	10 (27%)	11 (29,7%)
Às vezes	18 (48,6%)	22 (59,5%)
Nunca	9 (24,3%)	4 (10,8%)
Aconselha o paciente a marcar uma data para parar de fumar			0.170
Sempre	6 (16,2%)	10 (27%)
Às vezes	14 (37,8%)	19 (51,4%)
Nunca	17 (45,9%)	8 (21,6%)
Orienta sobre as dificuldades relacionadas aos sintomas de abstinência			0.672
Sempre	15 (40,5%)	15 (40,5%)
Às vezes	14 (37,8%)	17 (45,9%)
Nunca	8 (21,6%)	5 (13,5%)
Estimula a divulgação aos familiares a decisão de parar de fumar e necessidade de apoio			0.028
Sempre	7 (18,9%)	16 (43,2%)
Às vezes	14 (37,8%)	16 (43,2%)
Nunca	16 (43,2%)	5 (13,5%)
Orienta e incentiva a abstinência do tabaco após a alta hospitalar			0.033
Sempre	14 (37,8%)	27 (73%)
Às vezes	17 (45,9%)	8 (21,6%)
Nunca	6 (16,2%)	2 (5,4%)
Orienta que recaídas fazem parte e que o paciente deve analisar as estratégias para parar de fumar			0.006
Sempre	9 (24,3%)	21 (56,8%)
Às vezes	16 (43,2%)	13 (35,1%)
Nunca	12 (32,4%)	3 (8,1%)

• Fonte: dados da pesquisa, 2021.

Quando comparadas as médias dos participantes antes e após a intervenção educativa, foram encontradas diferenças significativas nas condutas de “estimular a divulgação aos familiares a decisão de parar de fumar e necessidade de apoio”, “orientar e incentivar a abstinência do tabaco após a alta hospitalar” e “orientar que recaídas fazem parte e que o paciente deve analisar as estratégias para parar de fumar”. Além dessas, pode-se observar que houve tendência à mudança (com p próximo de 0,06) nas condutas de “abordar o paciente sobre a cessação do tabagismo ao longo da internação” e de “relacionar o motivo da internação atual com o tabagismo”, e também no quanto se sentiam preparados para abordar o paciente tabagista.

No intuito de identificar quais as ações que estão sendo registradas, também foram analisados os prontuários eletrônicos de 1.128 pacientes admitidos e atendidos por profissionais de enfermagem que realizaram o curso. Entre os pacientes, 604 (53,5%) eram do sexo masculino, com média de idade entre 58,2 ± 17,4 anos e a mediana de dias de internação foi de 8,2 (4,1–15). Em relação ao status tabágico dos participantes, 80 (7,1%) eram tabagistas e 85 (7,5%) tabagistas em abstinência. Estas e outras informações estão descritas na Tabela 3.

Tabela 3
Dados obtidos nos registros em prontuário eletrônico de paciente tabagistas (N = 1,128) – Porto Alegre, RS, Brasil, 2021.

Variáveis avaliadas	N (%)
Sexo
Masculino	604 (53,5%)
Idade em anos*	58,2 ± 17,4
Tempo de internação em dias †	8,2 (4,1–15)
Status tabágico
Tabagista	80 (7,1%)
Tempo de fumo em anos*	33,9 ± 15,4
Cigarros consumidos por dia †	20 (10–27,5)
Tabagista em abstinência	85 (7,5%)
Tempo sem fumar em anos †	10,5 (3–20,7)
Não tabagista	940 (83,3%)
Sem registro em prontuário	23 (2%)

• *Resultado apresentado em média ± desvio padrão; ^†Resultando apresentado em mediana (P25–P75).
  Fonte: dados da pesquisa, 2021.

Por fim, foi avaliado o motivo de internação dos pacientes tabagistas e tabagistas em abstinência, sendo a realização de biópsia/estadiamento e diagnóstico de neoplasia/cirurgia oncológica as causas mais frequentes 34 (20,6%). Além disso, também foi verificado se o registro do status tabágico estava preenchido de forma correta e completa na anamnese e se constava na prescrição algum diagnóstico de enfermagem específico para esta condição (Tabela 4).

Tabela 4
Avaliação dos registros de enfermagem em prontuário eletrônico de pacientes tabagistas e tabagistas em abstinência (N = 165) – Porto Alegre, RS, Brasil, 2021.

Variáveis avaliadas	N (%)
Motivos da internação
Realização de biópsia/estadiamento e diagnóstico de neoplasia/cirurgia oncológica/quimioterapia	34 (20,6%)
Realização de by-pass/cirurgia vascular/arteriografia	22 (13,3%)
Dependência química	12 (7,3%)
Dor abdominal/perda de peso/diarreia/vômitos	11 (6,7%)
Cirurgia ortopédica	11 (6,7%)
Registro correto na anamnese em relação ao uso de tabaco	73 (44,2%)
Presença de diagnóstico de enfermagem relacionado a abuso de substancias	9 (4,9%)
Comportamento de saúde propenso a risco	5 (62,5%)
Risco de síndrome de abstinência de substancia aguda	2 (25%)
Síndrome de abstinência de substância aguda	1 (12,5%)
Prescrição de cuidados de enfermagem	11 (6%)
Auxiliar paciente a identificar metas realistas e atingíveis	3
Incentivar adesão ao tratamento	1
Avaliar sinais verbais e não verbais de ansiedade	1
Proporcionar ambiente calmo e confortável	1
Comunicar sinais de abstinência	1
Comunicar comportamento indicador de ansiedade	1
Reforçar informações importantes	1
Incentivar o paciente a desenvolver controle e responsabilidade sobre seu próprio tratamento	2

• Fonte: dados da pesquisa, 2021.

DISCUSSÃO

A adesão à intervenção educativa em modalidade híbrida sobre abordagens para promover a cessação do tabagismo em pacientes hospitalizados foi significativa, o que evidencia a preocupação dos profissionais de enfermagem em adquirir habilidades para auxiliar os pacientes tabagistas. No entanto, houve maior participação dos inscritos na etapa da capacitação realizada em modalidade EAD (n = 2456), quando comparada à etapa presencial/videoconferência síncrona (n = 170), e o engajamento dos profissionais em preencher o questionário pós-teste foi baixo (n = 37).

Uma possível explicação para a menor participação na etapa presencial ou por videoconferência é a de que o local campo deste estudo se tornou um hospital referência para o atendimento a pacientes infectados pela COVID-19, o que gerou sobrecarga de trabalho, deslocamento das equipes na instituição e contratações de profissionais recém-formados. Apesar disso, os profissionais que participaram da intervenção do presente estudo a avaliaram positivamente e a consideraram relevante.

Frente às situações atípicas que as instituições de saúde têm vivido em decorrência da pandemia do coronavírus, a introdução da modalidade de ensino realizada de forma online tem se mostrado pertinente⁽¹²⁾. Especificamente no contexto da capacitação continuada de profissionais acerca do tabagismo, estratégias isoladas de EAD demonstraram ser eficazes quanto ao processo ensino-aprendizagem(¹³–¹⁵⁾, visto que é uma importante ferramenta para a sensibilização da equipe de enfermagem sobre o tema⁽¹¹⁾.

Com a inovação tecnológica, o acesso à informação se torna facilitado, permitindo aos profissionais a busca de conhecimentos atuais e de qualidade, para oferecer o melhor atendimento aos pacientes. Nesse sentido, cursos ofertados pelas próprias instituições, como o de qualificação para abordagem ao paciente tabagista⁽¹¹⁾, oportunizado pelo campo em que se realizou o presente estudo, são exemplos de ferramentas de aprendizagem que podem contribuir para o aprimoramento da prática assistencial.

A literatura indica que intervenções educativas com a equipe de enfermagem relativas à cessação tabágica fornecem informações, estimulam as abordagens e melhoram a sua eficácia(¹⁶–¹⁸). O fato de que nem todos os participantes do presente estudo tenham referido que se sentiam aptos para abordar o paciente tabagista após realizarem o curso, revela que concluir atividade de capacitação não garante necessariamente a aptidão para desenvolver o conteúdo aprendido na prática assistencial. Além disso, nem todos os indivíduos capacitados se tornarão especialistas em tabagismo, mas é fundamental que adquiram conhecimentos suficientes para realizar intervenções e compreendam como funciona a dependência à nicotina, as possibilidades de tratamento e o suporte que precisa ser ofertado⁽¹⁹⁾. Assim, sugere-se a realização sistemática de debates e estudos clínicos entre os profissionais sobre o tema, visando qualificar suas abordagens junto aos pacientes.

Sobre os efeitos da aplicação da intervenção educativa na presente pesquisa, os resultados comparativos (pré- e pós-teste) da frequência das ações para promover a cessação do tabagismo implementadas pela equipe de enfermagem sugerem que houve uma melhor avaliação de suas habilidades após a intervenção, embora essa diferença não tenha sido significativa em todos os itens. Os achados apontaram que o aumento das ações versava sobre a divulgação aos familiares da decisão de parar de fumar e necessidade de apoio, ao incentivo à abstinência após a alta hospitalar e a orientações relacionadas a estratégias, para evitar recaídas. A frequência de outras ações, como abordar o paciente sobre a cessação do tabagismo, relacionar o motivo da internação atual com o fumo e sentir-se preparado para abordar o paciente tabagista também se elevaram. Entretanto, a diferença das avaliações pré- e pós- apenas tangenciou uma significância, resultado que poderia ter maior relevância estatística com o aumento da amostra. Esses resultados elucidam a importância de discutir esse tema nas instituições hospitalares e a necessidade de as equipes receberem treinamento para realizarem abordagens efetivas.

Corroborando esta concepção, uma instituição de saúde estadunidense, ao perceber o pouco tempo despendido pelas enfermeiras com pacientes para parar de fumar, criou um programa de cessação do tabagismo para priorizar o atendimento focado e instrumentalizado a pacientes oncológicos, desempenhado por profissionais especializados e treinados pelo próprio programa⁽²⁰⁾. Considerando a pouca disponibilidade de tempo dos profissionais para exercer adequadamente atividades de cessação tabágica na hospitalização, acredita-se que criar grupos de especialistas preparados para fornecer consultorias direcionadas à cessação do tabagismo pode ser uma importante estratégia para que um maior número de pacientes tenha acesso a um suporte adequado de informações sobre as dependências física, psicológica e comportamental do tabaco e sobre a oferta de dispositivos que aliviem os sintomas de abstinência.

Outra estratégia que pode modificar esta realidade é a inserção da problemática do tabaco nos currículos universitários por meio de métodos baseados em evidências. Um estudo de coorte realizado no Canadá, com estudantes de medicina de nove universidades, evidenciou que ainda é deficitária a oferta de treinamentos e capacitações para abordagens específicas sobre tabagismo⁽²¹⁾. Nesta perspectiva, estudos reforçam que a capacitação de profissionais para a abordagem de pacientes tabagistas deve iniciar na graduação e contemplar todos os cursos da área da saúde(²²–²⁵), incluindo a padronização de currículos para que abordem esse assunto⁽²¹⁾.

Embora os achados do presente estudo tenham apontado para um aumento da porcentagem de registros de enfermagem realizados corretamente, identificado como 13% em estudo anterior⁽⁸⁾, não se alcançou os 50% tido como efeito relevante da intervenção. Esses dados vão ao encontro de outros estudos, que evidenciam que a baixa adesão às intervenções e ao registro em prontuário por parte dos profissionais de saúde é recorrente(⁷,¹⁹,²⁶). Este cenário reforça a relevância das capacitações sobre a temática e a importância de seguirem ocorrendo de forma contínua durante a prática assistencial e com propostas de discussão de casos clínicos envolvendo pacientes tabagistas.

No meio acadêmico, tem sido bastante difundido o impacto negativo que o tabagismo representa na saúde, principalmente por ser a principal causa de morte evitável⁽²⁷⁾. Destaca-se que, embora os motivos de internação analisados neste estudo tenham sido por doenças tabaco-relacionadas, isso não se refletiu em ações registradas pelos profissionais da saúde em relação ao abandono do tabagismo. Esses resultados são preocupantes, pois a internação é uma oportunidade importante para motivar os pacientes tabagistas com relação a cessação do fumo e para promover hábitos saudáveis de vida.

Os resultados do presente estudo não evidenciaram uma mudança significativa em relação ao uso de alguns recursos educacionais para orientar os pacientes sobre cessação do fumo. No entanto, reitera-se a importância de alertar que a abordagem ao paciente sobre a necessidade de parar de fumar requer persistência, conhecimento e tempo para efetivar essa ação de forma cautelosa, visto se tratar de um assunto delicado para grande parte dos pacientes.

Nesta perspectiva, a construção e implementação de materiais, como manuais e folders institucionais, para subsidiar as orientações em saúde, pode ser uma estratégia eficaz. Corroborando este pensamento, um estudo que buscou avaliar os fatores associados às intervenções realizadas por enfermeiros visando à cessação tabágica identificou que, além de conhecimentos e habilidades, a confiança neste tipo de assistência, a disponibilidade de tempo, conseguir assumir as intervenções necessárias para parar de fumar como responsabilidade de trabalho e o apoio da unidade são questões importantes que implicam a adesão dos profissionais às abordagens⁽⁷⁾.

Neste contexto, percebe-se que não considerar a cessação do fumo como uma atividade prioritária, como é o caso de profissionais com intensas demandas e baixo contingente de trabalhadores na equipe das unidades de internação, influencia negativamente na frequência das intervenções. Entretanto, a realização de capacitações sistemáticas com a equipe de enfermagem pode obter resultados positivos e, inclusive, aumentar a importância que os profissionais dão ao seu envolvimento no controle tabágico, mesmo quando comparado às ações relacionadas a outras patologias⁽⁵⁾.

CONCLUSÃO

Os achados desta pesquisa evidenciam que houve um aumento na frequência das ações visando à cessação tabágica após a intervenção, e também demonstram o interesse dos profissionais de enfermagem em realizarem uma capacitação sobre essa temática, uma vez que o quantitativo de participantes foi expressivo. Além disso, como produto, este estudo permitiu a implementação de novas rotinas de abordagem e registro ao prontuário de pacientes fumantes na instituição pesquisada. A realização de um encontro presencial e/ou por vídeoconferencia de forma síncrona, posterior à etapa em EAD, tem potencializado a reflexão e discussão dos profissionais sobre o assunto, ao possibilitar a troca de experiências e a orientação para condução de situações específicas.

Considera-se como principal limitação a baixa adesão dos profissionais em retornar os formulários pós-teste. Tal fato pode ter ocorrido em razão desta pesquisa ter sido realizada no período de pandemia em um hospital referência para o atendimento de pacientes com COVID-19. No entanto, a frequência das ações visando à cessação do tabagismo, implementadas pelos profissionais de enfermagem, evidenciam que houve um efeito positivo na avaliação de suas habilidades no pós-teste. Ainda como limitação, há o fato de este estudo não dispor de parâmetros de comparação em relação aos pacientes tabagistas, mas sim ter realizado uma verificação da aplicação prática além de ter sido conduzido em um único centro, não permitindo a generalização dos achados presentes.

Por fim, espera-se que os resultados deste estudo sirvam como inspiração para que novas estratégias sejam elaboradas e que incluam outras áreas da equipe multiprofissional, pois todos os profissionais de saúde possuem a responsabilidade de abordar e conscientizar os indivíduos fumantes sobre este grave problema de saúde.

EDITOR ASSOCIADO

Cristina Lavareda Baixinho

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• Apoio financeiro O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  13 Maio 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  23 Dez 2021
• Aceito
  20 Mar 2022