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Manejo da dor em crianças hospitalizadas: Estudo transversal* * Extracted from the dissertation: “O manejo da dor em crianças hospitalizadas: Um estudo retrospectivo”, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2019.

RESUMO

Objetivo:

Caracterizar o manejo da dor em crianças hospitalizadas.

Método:

Estudo observacional do tipo transversal, com abordagem quantitativa, de caráter retrospectivo e descritivo, realizado em um Hospital secundário do Município de São Paulo, por meio de análise de 1.251 prontuários de crianças internadas na divisão pediátrica. Os dados foram tabulados e analisados por meio de estatística descritiva.

Resultados:

Um total de 88,8% das crianças foi avaliado para dor com instrumentos padronizados e 86% tinham analgesia prescrita. Dentre as avaliações, 37,8% das crianças apresentaram dor; dessas, 26% apresentaram dor intensa, maior nas afecções ortopédicas; 18,3% não foram medicadas, mesmo com presença de dor e analgesia prescrita; 4,3% não tinham analgésicos prescritos; apenas 0,4% receberam medidas não farmacológicas e 40,3% tinham registro de reavaliação. Os profissionais propiciaram maior analgesia a crianças com afecções cirúrgicas e ortopédicas em comparação às afecções clínicas (p < 0,05).

Conclusão:

O manejo da dor em crianças hospitalizadas mostra-se ineficaz, desde as avaliações iniciais até as reavaliações após intervenções, com priorização de ações medicamentosas guiadas pelo julgamento profissional frente a queixa álgica.

DESCRITORES
Dor; Manejo da Dor; Saúde da Criança; Enfermagem Pediátrica

ABSTRACT

Objective:

To characterize pain management in hospitalized children.

Method:

This is an observational, cross-sectional, retrospective and descriptive study of quantitative approach, carried out in a secondary hospital in the city of São Paulo, through analysis of 1,251 medical records of children admitted to the pediatric department. Data were tabulated and analyzed through descriptive statistics.

Results:

A total of 88.8% of children were assessed for pain with standardized instruments and 86% had analgesia prescribed. Among the assessments, 37.8% of the children had pain; of these, 26% had severe pain, greater in orthopedic conditions; 18.3% were not medicated, even with the presence of pain and prescribed analgesia; 4.3% had no analgesics prescribed; only 0.4% received non-pharmacological measures, and 40.3% had a report of reassessment. Professionals provided greater analgesia to children with surgical and orthopedic conditions compared to clinical conditions (p < 0.05).

Conclusion:

Pain management in hospitalized children is ineffective, from initial assessments to reassessments after interventions, with prioritization of medication actions guided by professional judgment in the face of pain complaints.

DESCRIPTORS
Pain; Pain Management; Child Health; Pediatric Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Caracterizar el manejo del dolor en niños ingresados.

Método:

Estudio observacional del tipo transversal, con abordaje cuantitativo, de carácter cuantitativo, de carácter retrospectivo y descriptivo, realizado en un Hospital secundario de la ciudad de São Paulo, por medio de análisis de 1.251 prontuarios de niños ingresados en el sector pediátrico. Los datos fueron tabulados y analizados por medio de estadística descriptiva.

Resultados:

un 88,8% de los niños fueron evaluados para dolor con instrumentos patrón y un 86% tenían analgesia prescripta. En las evaluaciones, un 37,8% de los niños presentaron dolor; de ésos un 26% presentaron dolor intenso, superior en las afecciones ortopédicas; un 18,3% no fueron medicados, incluso con presencia de dolor y analgesia prescripta; un 4,3% no tenían analgésicos prescriptos; sólo un 0,4% recibieron medidas no farmacológicas y un 40,3% tenían registro de reevaluación. Los profesionales propiciaron analgesia superior a niños con afecciones quirúrgicas y ortopédicas en comparación a las afecciones clínicas (p < 0,05).

Conclusión:

El manejo del dolor en niños ingresados demuestran ser ineficaces, desde las evaluaciones iniciales hasta las reevaluaciones tras intervenciones, con prioridad de acciones farmacológicas gestionadas por el juzgamiento profesional frente a la queja álgica.

DESCRIPTORES
Dolor; Manejo del Dolor; Salud del Niño; Enfermería Pediátrica

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, diversos órgãos dedicaram-se ao estudo da dor, considerada uma das principais queixas e incapacidades em todo o mundo, incluindo crianças(11. Wuni A, Salia SM, Ibrahim MM, Iddriss I, Nyarko BA, Seini SN, et al. Evaluating Knowledge, Practices, and Barriers of Paediatric Pain Management among Nurses in a Tertiary Health Facility in the Northern Region of Ghana: A Descriptive Cross-Sectional Study. Pain Res Manag. 2020;2020:8846599. DOI: https://doi.org/10.1155/2020/8846599
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44. World Health Organization. WHO Guidelines for the pharmacological and radiotherapeutic management of cancer pain in adults and adolescents [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [cited 2021 Dec 16]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK537492/
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). De forma a dar visibilidade à temática como uma questão relevante de saúde pública(11. Wuni A, Salia SM, Ibrahim MM, Iddriss I, Nyarko BA, Seini SN, et al. Evaluating Knowledge, Practices, and Barriers of Paediatric Pain Management among Nurses in a Tertiary Health Facility in the Northern Region of Ghana: A Descriptive Cross-Sectional Study. Pain Res Manag. 2020;2020:8846599. DOI: https://doi.org/10.1155/2020/8846599
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,55. Czarnecki ML, Salamon KS, Thompson JJ, Hainsworth KR. Do barriers to pediatric pain management as perceived by nurses change over time? Pain Manag Nurs. 2014;15(1): 292-305. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pmn.2012.12.003
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), o controle da dor passou a ser considerado o quinto sinal vital(66. Tang SP, Yeo ASH, Cardosa MS. Paediatric pain management in low-income and middle-income countries. Lancet Child Adolesc Health. 2021;5(1):5-7. DOI: https://doi.org/10.1016/S2352-4642(20)30336-9
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88. Peng NH, Lao AHC, Chen CH, Lee MC, Chiang LW, Chang YC, et al. Knowledge and attitudes of pediatric clinicians regarding pediatric pain management. J Spec Pediatr Nurs. 2020;25(4):e12302. DOI: https://doi.org/10.1111/jspn.12302
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). Porém, apesar da ciência do manejo da dor ter avançado, observa-se no cotidiano assistencial a dificuldade da tradução dos conhecimentos gerados pelas evidências para a prática clínica, principalmente em crianças doentes(55. Czarnecki ML, Salamon KS, Thompson JJ, Hainsworth KR. Do barriers to pediatric pain management as perceived by nurses change over time? Pain Manag Nurs. 2014;15(1): 292-305. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pmn.2012.12.003
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).

A criança hospitalizada é exposta a experiências estressantes, seja pelos sintomas das doenças e/ou pelos procedimentos invasivos e/ou dolorosos conduzidos como parte da rotina do tratamento(99. Zeleke S, Kassaw A, Eshetie Y. Non-pharmacological pain management practice and barriers among nurses working in Debre Tabor comprehensive specialized Hospital, Ethiopia. PLoS ONE. 2021;16(6):e0253086. DOI: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0253086
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,1010. Skog N, Mårtensson MM, Dykes AK, Vejzovic V. Pain assessment from swedish nurses’s perspective. J Spec Pediatr Nurs. 2021;26(3):e12317. DOI: https://doi.org/10.1111/jspn.12317
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). Em investigação Europeia, de 579 crianças avaliadas, 87% apresentaram queixas álgicas em um dia no hospital(88. Peng NH, Lao AHC, Chen CH, Lee MC, Chiang LW, Chang YC, et al. Knowledge and attitudes of pediatric clinicians regarding pediatric pain management. J Spec Pediatr Nurs. 2020;25(4):e12302. DOI: https://doi.org/10.1111/jspn.12302
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), mas, apesar da dor ser frequente nesse público, o seu manejo é inadequado e as crianças experimentam continuamente dores não aliviadas(1111. Jira L, Weyessa N, Mulatu S, Alemayehu A. Knowledge and attitude towards non-pharmacological pain management and associated factors among nurses working in benishangul gumuz regional state hospitals in western Ethiopia, 2018. J Pain Res. 2020;2020(13):2917-27. DOI: https://doi.org/10.2147/JPR.S265544.
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,1212. Friedrichsdorf SJ, Goubert L. Pediatric pain treatment and prevention for hospitalized children. Pain Rep. 2020;5(1):95-210. DOI: https://doi.org/10.1097/PR9.0000000000000804
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).

Aqui, entende-se por manejo da dor as etapas de avaliação, planejamento de estratégias, intervenções, tanto farmacológicas quanto não farmacológicas e reavaliações, processo que deve ser cíclico para o seu melhor gerenciamento(22. World Health Organization. WHO Guideline on the pharmacological treatment of persisting pain in children with medical illnesses [Internet]. Geneva: WHO; 2012 [cited 2021 Dec 15]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK138354/
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44. World Health Organization. WHO Guidelines for the pharmacological and radiotherapeutic management of cancer pain in adults and adolescents [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [cited 2021 Dec 16]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK537492/
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). Esse manejo é considerado como uma das funções assistenciais mais significativas que os enfermeiros pediátricos enfrentam na clínica(1313. Zisk-Rony RY, Lev J, Havin H. Nurses’ report of in-hospital pediatric pain assessment: examining challenges and perspectives. Pain Manag Nurs. 2015;16(2):112-20. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pmn.2014.05.003
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), pela consideração de fatores que podem influenciar a caracterização da dor por parte da criança, como a idade, o desenvolvimento neuropsicomotor, o comportamento e habilidades cognitivas(88. Peng NH, Lao AHC, Chen CH, Lee MC, Chiang LW, Chang YC, et al. Knowledge and attitudes of pediatric clinicians regarding pediatric pain management. J Spec Pediatr Nurs. 2020;25(4):e12302. DOI: https://doi.org/10.1111/jspn.12302
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,1414. Friedrichsdorf SJ, Andrea P, Eull D, Weidner C, Foster L, Gilbertet M, et al. Pain Outcomes in a US Children’s hospital: A prospective cross-sectional survey. Hosp Pediatr. 2015;5(1):18-26. DOI: https://doi.org/10.1542/hpeds.2014-0084
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). De forma a auxiliar nesse processo, recomenda-se o uso de instrumentos que abordem aspectos multidimensionais, incluindo indicadores comportamentais e fisiológicos da dor(1515. Rocha VA, Silva IA, Cruz-Machado SS, Bueno M. Painful procedures and pain management in newborns admitted to an intensive care unit. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e20210232. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2021-0232
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), tais como: escalas NIPS (Neonatal Infant Pain Scale), FLACC (Face, Legs, Activity, Cry and Consolability), FACES, Verbal Numérica (padrão ouro)(1414. Friedrichsdorf SJ, Andrea P, Eull D, Weidner C, Foster L, Gilbertet M, et al. Pain Outcomes in a US Children’s hospital: A prospective cross-sectional survey. Hosp Pediatr. 2015;5(1):18-26. DOI: https://doi.org/10.1542/hpeds.2014-0084
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), e COMFORT(44. World Health Organization. WHO Guidelines for the pharmacological and radiotherapeutic management of cancer pain in adults and adolescents [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [cited 2021 Dec 16]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK537492/
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,1616. Thrane SE, Wanless S, Cohen SM, Danford CA. The assessment and non-pharmacologic treatment of procedural pain from infancy to school age through a development lens: A synthesis of evidence with recommendations. J Pediatr Nurs. 2016;31(1):E23-E32. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pedn.2015.09.002
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).

Apesar da existência dos instrumentos citados e, em alguns serviços, protocolos para manejo da dor, mais da metade das crianças hospitalizadas experimentam dor intensa não aliviada(1616. Thrane SE, Wanless S, Cohen SM, Danford CA. The assessment and non-pharmacologic treatment of procedural pain from infancy to school age through a development lens: A synthesis of evidence with recommendations. J Pediatr Nurs. 2016;31(1):E23-E32. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pedn.2015.09.002
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). Isso demonstra que as evidências científicas não estão sendo aplicadas nas práticas clínicas, com incompatibilidade entre o que é defendido pelos setores de saúde e realizado pelos profissionais atuantes(1313. Zisk-Rony RY, Lev J, Havin H. Nurses’ report of in-hospital pediatric pain assessment: examining challenges and perspectives. Pain Manag Nurs. 2015;16(2):112-20. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pmn.2014.05.003
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), refletindo a baixa capacitação teórico- prática. Em uma investigação realizada na Espanha, com 191 profissionais de saúde, 50% relataram não ter recebido nenhum treinamento na assistência à criança com dor e 80% reconheceram lacunas no seu conhecimento frente ao manejo da dor(1717. Joestlein L. Pain, Pain, Go Away! Evidence-Based Review of Developmentally Appropriate Pain Assessment for Children in a Postoperative Setting. Orthop Nurs. 2015;34(5):252-9. DOI: https://doi.org/10.1097/NOR.0000000000000175
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), o que se torna uma barreira à assistência individualizada.

Há outras barreiras citadas na literatura, tais como: ausência de protocolos; tempo insuficiente para pré-medicação em procedimentos dolorosos; conflitos entre a equipe multidisciplinar; atraso na disponibilização dos fármacos; preocupações da equipe com efeitos colaterais; baixa confiança nos instrumentos; ausência de educação continuada; relutância dos pais na realização de medicações, entre outros(66. Tang SP, Yeo ASH, Cardosa MS. Paediatric pain management in low-income and middle-income countries. Lancet Child Adolesc Health. 2021;5(1):5-7. DOI: https://doi.org/10.1016/S2352-4642(20)30336-9
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,1111. Jira L, Weyessa N, Mulatu S, Alemayehu A. Knowledge and attitude towards non-pharmacological pain management and associated factors among nurses working in benishangul gumuz regional state hospitals in western Ethiopia, 2018. J Pain Res. 2020;2020(13):2917-27. DOI: https://doi.org/10.2147/JPR.S265544.
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).

O manejo inadequado da dor pode levar a impactos em curto prazo no desenvolvimento biopsicossocial da criança e na vivência da hospitalização por familiares, como também em longo prazo, com comprometimento da sensibilidade a eventos posteriores que proporcionem dor e aumento do estresse com traumas em relação ao serviço de saúde(1111. Jira L, Weyessa N, Mulatu S, Alemayehu A. Knowledge and attitude towards non-pharmacological pain management and associated factors among nurses working in benishangul gumuz regional state hospitals in western Ethiopia, 2018. J Pain Res. 2020;2020(13):2917-27. DOI: https://doi.org/10.2147/JPR.S265544.
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,1717. Joestlein L. Pain, Pain, Go Away! Evidence-Based Review of Developmentally Appropriate Pain Assessment for Children in a Postoperative Setting. Orthop Nurs. 2015;34(5):252-9. DOI: https://doi.org/10.1097/NOR.0000000000000175
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). Os enfermeiros desempenham um papel vital na experiência da dor em crianças, uma vez que são os profissionais que passam mais tempo ao lado do paciente e gerenciam o manejo da dor, podendo alterar o contexto citado com assistência de qualidade ou favorecer traumas e estresses consequentes da queixa álgica não aliviada(66. Tang SP, Yeo ASH, Cardosa MS. Paediatric pain management in low-income and middle-income countries. Lancet Child Adolesc Health. 2021;5(1):5-7. DOI: https://doi.org/10.1016/S2352-4642(20)30336-9
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).

Assim, emergiu a seguinte inquietação: “Como é realizado o manejo da dor de crianças hospitalizadas, considerando o processo integral de internação?” Conhecer a temática é fundamental, tanto para a capacitação dos profissionais de saúde quanto para a implementação de estratégias assistenciais visando um plano terapêutico humanizado, individualizado e integral. Desse modo, este estudo objetivou caracterizar o manejo da dor em crianças hospitalizadas.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Estudo observacional do tipo transversal, com abordagem quantitativa, de caráter retrospectivo e descritivo. Para guiar a metodologia deste estudo, utilizou-se o instrumento Strengthening the reporting of observational studies in epidemiology (STROBE)(1818. Equator Network. STROBE Checklist of items that should be included in reports of cross-sectional studies [Internet]. 2020 [cited 2022 Feb 26]. Avaliable from: https://www.goodreports.org/reporting-checklists/strobe-cross-sectional/
https://www.goodreports.org/reporting-ch...
).

População

Foram analisados os prontuários de 1.251 crianças hospitalizadas, com idade entre 28 dias e 14 anos 11 meses e 30 dias, que transitaram entre um dos setores da divisão de pediatria da instituição coparticipante, no intervalo de um ano.

Local

Realizado em um Hospital escola, de nível secundário, do Município de São Paulo- SP, no período de julho de 2016 a julho de 2017. Esse serviço é composto de 178 leitos ativos, distribuídos entre as unidades de saúde do adulto, da criança e do neonato. O atendimento clínico e cirúrgico à população pediátrica ocorre na divisão pediátrica composta pelos seguintes cenários: 1) Pronto Socorro Infantil (PSI), composto de 10 leitos de observação e 1 sala de emergência; 2) Unidade de Internação Pediátrica (UIP), com 15 leitos totais, e 3) Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), com 5 leitos disponíveis e 1 leito reserva.

Critérios de Seleção

Foram critérios de inclusão os prontuários de crianças com idade entre 28 dias e 14 anos 11 meses e 30 dias, internadas na divisão pediátrica, no período de um ano; e critérios de exclusão os prontuários indisponíveis por uso em consultas ambulatoriais de seguimento, reinternações e uso por outros pesquisadores, ou com preenchimento incompleto, com a ausência de informações referentes a avaliação da dor, tanto no preenchimento do instrumento padronizado pela divisão quanto pela anotação de enfermagem. No caso em que a criança apresentou mais de uma internação no período estabelecido consideraram-se os registros da internação mais recente.

Coleta de Dados

Os dados foram coletados por meio de consultas e análises dos prontuários, abordando características sociodemográficas, tempo e diagnóstico de internação, manejo da dor (avaliação por meio de instrumentos validados), medidas farmacológicas e não farmacológicas, e diagnóstico de enfermagem. Referente às medidas farmacológicas, os analgésicos da prescrição médica eram prescritos de forma regular, “a critério médico (ACM)” ou “se necessário (S/N)”. Em relação ao diagnóstico de enfermagem, adotou-se o uso do diagnóstico Dor aguda (NANDA-00132) nas prescrições de enfermagem. O estudo visou avaliar o manejo da dor de forma contínua, valorizando a trajetória da dor na internação da criança na divisão pediátrica (PSI, UIP, UTIP), com inclusão dos registros de forma sequencial com prontuário único; e o quadro clínico dessa, sem avaliar variáveis como sedação, intubação e setor de internação no momento da dor.

Em relação ao escore de dor, consultou-se o impresso institucional de registro da dor. Esse impresso é utilizado em todos os setores da divisão pediátrica, e contém as escalas: 1) NIPS, indicada aos recém nascidos e as crianças de até 2 meses, com avaliação da expressão facial, choro, respiração, braços, pernas e estado da consciência; 2) FLACC: usada nas crianças entre 2 meses a 7 anos e neuropatas, avaliando a face, pernas, atividade, choro e consolabilidade; 3) FACES: Uso nas crianças de 3 anos, e 4) Numérica: padronizada pela OMS e indicada como padrão ouro de avaliação, com uso em crianças acima de 7 anos, considerando o autorrelato como avaliação. Os escores das escalas são avaliados como dor forte, moderada, leve e sem dor; no caso da FACES e Numérica, há o parâmetro de dor insuportável. Todas as escalas possuem seu uso validado no Brasil, e os profissionais da divisão pediátrica receberam treinamento no momento da implementação do instrumento.

Foram avaliados todos os registros realizados pelos profissionais, porém considerou-se o escore de maior intensidade da dor, ou seja, se em todo o percurso a criança apresentou queixa álgica leve a intensa, considerou-se o escore de maior intensidade. Para que os dados de diferentes escalas se tornassem comparáveis, o maior escore registrado foi dividido pelo valor máximo da escala correspondente, respeitando a variação de cada instrumento.

No período de um ano foram registradas 1.728 internações, porém foram excluídos 477 prontuários devido aos critérios prévios, resultando em 1.251 prontuários, lidos na íntegra. Após a leitura, os diagnósticos médicos foram agrupados em 11 especialidades: 1) Respiratórias; 2) Cirúrgicas; 3) Ortopédicas; 4) Metabólicas; 5) Neurológicas; 6) Nefrológicas; 7) Otorrinolaringológicas; 8) Infecciosas; 9) Digestivas; 10) Hematológicas, e 11) Outras afecções (febre, aspiração de corpo estranho, lúpus, urticária e queimaduras).

Análise e Tratamento dos Dados

Os dados foram tabulados de forma eletrônica e analisados com estatística descritiva pelo uso do Software R3.5.3. As variáveis contínuas foram apresentadas por média e as variáveis categóricas por frequência e percentual. Para análise das associações entre as variáveis independentes e dependentes, foram aplicados os testes de Person’s, Chi-Square, Kruskal-Wallis Rank Sum, Kruskal Wallis Chi-Squared e o exato de Fisher. O nível de significância estatística adotado foi de 5% (p < 0,05).

Aspectos Éticos

O estudo foi submetido e aprovado pelos Comitês de Ética da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, parecer N° 2.240.511, e da Instituição Coparticipante, parecer N° 2.277.191, ambos de 2017. Foram respeitados os princípios éticos de pesquisa fundamentados na Resolução N° 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Os dados do prontuário foram coletados mediante formalização do Termo de Compromisso.

RESULTADOS

Foram lidos na íntegra 1.251 prontuários. Da amostra total, 57,4% eram do sexo masculino, a média de idade foi de 3 anos e 6 meses, as principais causas de internação foram as respiratórias (61,4%), cirúrgicas (16,8%) e ortopédicas (3,8%). O tempo de internação variou entre 3 a 10 dias, com média de 5 dias. Um total de 88,8% foi avaliado para dor por meio das escalas NIPPS (5,6%), FLACC (73,3%), FACES (3,5%) e Numérica (21,3%), e 481 apresentaram dor em algum momento da internação. Apesar de a equipe ter recebido treinamento prévio das escalas, 11,2% das crianças não tiveram sua dor avaliada por essas, sem justificativa no prontuário. A Tabela 1 caracteriza as crianças e a avaliação da dor na amostra total.

Tabela 1.
Características da amostra (N = 1251) – São Paulo, SP, Brasil, 2019.

Na amostra total, 86% das crianças tinham medicamentos prescritos para manejo da dor (Tabela 2). Em relação às crianças com dor, 95,6% tinham analgésicos prescritos, totalizando 774 medicamentos, e 81,7% foram medicadas, sendo que as medicações mais utilizadas foram dipirona (76,1%), paracetamol (22,8%), cetoprofeno (16,4%) e tramal (13,1%).

Tabela 2.
Descrição dos fármacos prescritos – São Paulo, SP, Brasil, 2019.

As crianças com afecções respiratórias (46,1%), cirúrgicas (24,9%) e ortopédicas (6,2%) foram as que mais apresentaram dor. Em relação à intensidade, 26% das crianças apresentaram dor intensa, mais prevalente nas causas ortopédicas (63,4%) e cirúrgicas (55,8%). As crianças com afecções ortopédicas e cirúrgicas foram as que tiveram a maior média de medicamentos prescritos (Tabela 3).

Tabela 3.
Manejo da dor por especialidade – São Paulo, SP, Brasil, 2019.

Algumas crianças não receberam intervenções para analgesia, apesar de apresentarem dor identificada pelas escalas e terem medicação prescrita. A ausência de analgesia, mesmo com a medicação prescrita, ocorreu em 18,3% das crianças, sendo mais frequente entre as internações de causas clínicas (28,4% nas respiratórias, 22,3% nas digestivas, 18,8% nas infectológicas, 18,2% nas hematológicas, 16,7% nas otorrinolaringológicas, 15% nas nefrológicas e 6,7% nas outras afecções), em comparação às internações de causas cirúrgicas (6,7%) e ortopédicas (6,7%). Das 18,3% crianças sem analgesia realizada, 84% tiveram dor leve, 9% dor moderada e 7% dor intensa. E 4,3% das crianças com dor não tinham nenhum fármaco prescrito.

Por meio da aplicação dos testes estatísticos para comparação das variáveis, foi possível observar que as crianças da especialidade cirúrgica foram as mais medicadas, em comparação com as afecções metabólicas (p < 0,001), hematológicas (p < 0,003), infecciosas (p = 0,01), nefrológicas (p = 0,01), ortopédicas (p < 0,05), respiratórias (p < 0,001) e outras afecções (p < 0,001). E as afecções ortopédicas foram mais medicadas em comparação às respiratórias, otorrinolaringológicas e outras afecções, com p < 0,001.

Para além do manejo farmacológico da dor, há também o manejo não farmacológico, porém apenas 6 crianças (0,4%) receberam medidas não farmacológicas registradas na anotação de enfermagem, sendo essas: calor local (50%), distração (33,3%) e compressa fria (16,7%). Vale ressaltar que dentre os 18,3% com ausência de analgesia realizada, nenhuma delas tinham medidas não farmacológicas para manejo da dor, segundo as anotações.

O diagnóstico de enfermagem NANDA 00132-Dor aguda foi aplicado para 30,1% das crianças internadas (Tabela 1), e foi interligado com a atividade de enfermagem prescrita pelo enfermeiro: “Realizar avaliação abrangente da dor, que inclua o local, as características, o início, a duração, a frequência, a qualidade, a intensidade ou a gravidade da dor e os fatores precipitantes”. Estabelecendo a relação entre a presença de dor e a eleição desse diagnóstico, observou-se que ele foi adotado para 53,8% das crianças que apresentaram dor em algum momento da assistência, com risco relativo de 3,63. E foi eleito para 14,8% das crianças que não apresentaram dor em nenhum momento da assistência.

O instrumento de avaliação padronizado pela divisão pediátrica não oferece campo específico para registro das reavaliações da dor, sendo essas feitas na anotação de enfermagem. Porém, das crianças com dor, apenas 40,3% tiveram registro de reavaliações nessas anotações.

DISCUSSÃO

Neste estudo, os dados contemplaram toda a trajetória da dor vivenciada por crianças, possibilitando uma visão abrangente relacionada a vários aspectos dentro da experiência da hospitalização. No cenário de coleta de dados, não havia um protocolo institucional que guiasse as práticas quanto a queixas álgicas, apenas um instrumento que padroniza a avaliação da dor com escalas validadas, no qual, de rotina, desde a admissão no PSI, são avaliadas de forma sistematizada e contínua entre sua transição nos setores, a cada 4 horas, como recomendado pela Organização Mundial de Saúde(OMS)(22. World Health Organization. WHO Guideline on the pharmacological treatment of persisting pain in children with medical illnesses [Internet]. Geneva: WHO; 2012 [cited 2021 Dec 15]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK138354/
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44. World Health Organization. WHO Guidelines for the pharmacological and radiotherapeutic management of cancer pain in adults and adolescents [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [cited 2021 Dec 16]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK537492/
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).

A primeira etapa do manejo da dor é a avaliação, importante para o tratamento bem sucedido, pois a criança que tem sua queixa álgica avaliada e documentada têm maior probabilidade de receber tratamento. Os enfermeiros relatam que essa etapa é desafiadora, já que há a necessidade do uso do instrumento adequado que exige conhecimento teórico sobre conceitos da dor e do desenvolvimento infantil(1919. Committee on Hospital Care, Child Life Council. Child Life Services. Pediatrics. 2014;133(5):1471-8. DOI: https://doi.org/10.1542/peds.2014-0556
https://doi.org/10.1542/peds.2014-0556...
).

Investigações relatam que instituições com programas estruturados para o manejo da dor obtêm, em geral, melhor qualidade nesse processo(1313. Zisk-Rony RY, Lev J, Havin H. Nurses’ report of in-hospital pediatric pain assessment: examining challenges and perspectives. Pain Manag Nurs. 2015;16(2):112-20. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pmn.2014.05.003
https://doi.org/10.1016/j.pmn.2014.05.00...
), porém na literatura se observam falhas, como visto neste estudo, no qual, mesmo com padronização e sistematização da assistência, 11,2% da amostra total não foram avaliados para dor. Essa baixa avaliação corrobora estudo realizado no Hospital Johns Hopkins com 199 crianças, o qual mostra que, apesar de 86% relatarem dor, apenas 48% tinham um escore de dor documentado no prontuário(55. Czarnecki ML, Salamon KS, Thompson JJ, Hainsworth KR. Do barriers to pediatric pain management as perceived by nurses change over time? Pain Manag Nurs. 2014;15(1): 292-305. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pmn.2012.12.003
https://doi.org/10.1016/j.pmn.2012.12.00...
).

Além disso, a avaliação precisa ser realizada com propriedade; porém, nota-se que há o uso das escalas de forma mecânica, o que leva a escores de dor não representativos. Em investigação brasileira realizada em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, observa-se que, no período de 3 dias, 90 recém nascidos foram submetidos a 2732 procedimentos dolorosos, porém houve apenas 1257 registros em prontuários com escalas validadas, e desses apenas 5,6% correspondiam à presença de dor(1515. Rocha VA, Silva IA, Cruz-Machado SS, Bueno M. Painful procedures and pain management in newborns admitted to an intensive care unit. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e20210232. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2021-0232
https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP...
). Em estudo realizado em Israel com 82 enfermeiros pediátricos, 75% relataram que raramente ou nunca fizeram uso de escalas validadas, porém documentam queixas álgicas em outros locais. Quando questionados frente à razão da baixa adesão, 31% relataram dificuldades no uso(1919. Committee on Hospital Care, Child Life Council. Child Life Services. Pediatrics. 2014;133(5):1471-8. DOI: https://doi.org/10.1542/peds.2014-0556
https://doi.org/10.1542/peds.2014-0556...
).

Em um trabalho qualitativo realizado na Suécia, os enfermeiros relataram que não faziam uso de escalas para avaliação da dor por baixa confiança, pela crença de que não forneciam uma avaliação integral, e pela visão de que seu uso era uma carga extra de trabalho. Vale ressaltar que esses profissionais reconheceram que negligenciaram a avaliação integral, relatando que adotariam se houvesse uma padronização na rotina(88. Peng NH, Lao AHC, Chen CH, Lee MC, Chiang LW, Chang YC, et al. Knowledge and attitudes of pediatric clinicians regarding pediatric pain management. J Spec Pediatr Nurs. 2020;25(4):e12302. DOI: https://doi.org/10.1111/jspn.12302
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); porém, neste estudo, observa-se esse padrão mas não uma adesão e realização da avaliação com qualidade.

Mesmo com o uso de escalas validadas, a avaliação da dor é subjetiva. O profissional de saúde observa aspectos comportamentais e fisiológicos e seu julgamento sobre dada variável indica o escore(1010. Skog N, Mårtensson MM, Dykes AK, Vejzovic V. Pain assessment from swedish nurses’s perspective. J Spec Pediatr Nurs. 2021;26(3):e12317. DOI: https://doi.org/10.1111/jspn.12317
https://doi.org/10.1111/jspn.12317...
,1616. Thrane SE, Wanless S, Cohen SM, Danford CA. The assessment and non-pharmacologic treatment of procedural pain from infancy to school age through a development lens: A synthesis of evidence with recommendations. J Pediatr Nurs. 2016;31(1):E23-E32. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pedn.2015.09.002
https://doi.org/10.1016/j.pedn.2015.09.0...
), e no caso da escala verbal numérica, considerada padrão ouro, a queixa álgica pode não ser valorizada(1313. Zisk-Rony RY, Lev J, Havin H. Nurses’ report of in-hospital pediatric pain assessment: examining challenges and perspectives. Pain Manag Nurs. 2015;16(2):112-20. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pmn.2014.05.003
https://doi.org/10.1016/j.pmn.2014.05.00...
). Um estudo americano ilustra o exposto, no qual de 178 usuários avaliados, 48,2% relataram dor intensa, mas apenas 15% dos profissionais documentaram esse escore(77. Miró J, Micó JA, Reinoso-Barbero F. The management of pediatric chronic pain Spain: A web-based survey study. Curr Med Res Opin. 2020;37(2):303-10. DOI: https://doi.org/10.1080/03007995.2020.1854208
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). Pelo fato de o escore depender do julgamento profissional, existe o risco desse adotar uma postura mais acomodada e mecânica, e deixar de explorar aspectos importantes para a tomada de conduta. Ter a avaliação implantada como quinto sinal vital, por exemplo, não garante que as avaliações explorem por completo o significado da experiência dolorosa, caso o profissional não esteja bem preparado para realizar a avaliação da dor(1313. Zisk-Rony RY, Lev J, Havin H. Nurses’ report of in-hospital pediatric pain assessment: examining challenges and perspectives. Pain Manag Nurs. 2015;16(2):112-20. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pmn.2014.05.003
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), como em hipóteses de alguns enfermeiros(88. Peng NH, Lao AHC, Chen CH, Lee MC, Chiang LW, Chang YC, et al. Knowledge and attitudes of pediatric clinicians regarding pediatric pain management. J Spec Pediatr Nurs. 2020;25(4):e12302. DOI: https://doi.org/10.1111/jspn.12302
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).

Neste estudo, houve escolha de mais de uma escala validada para a mesma criança. Isso pode ocorrer em casos em que houve agravamento do quadro, diminuindo a capacidade de entendimento, compreensão e responsividade diante da avaliação da dor. Ou existe a possibilidade de o enfermeiro escolher a escala de avaliação da dor de forma inadequada, devido à falta de conhecimento específico sobre a temática ou dificuldade em reconhecer características específicas da criança, o que leva a uma avaliação subjetiva, com difícil comparação ao longo do tempo, não permitindo avaliar uma evolução do quadro da criança(88. Peng NH, Lao AHC, Chen CH, Lee MC, Chiang LW, Chang YC, et al. Knowledge and attitudes of pediatric clinicians regarding pediatric pain management. J Spec Pediatr Nurs. 2020;25(4):e12302. DOI: https://doi.org/10.1111/jspn.12302
https://doi.org/10.1111/jspn.12302...
).

Considerando que a avaliação seja realizada de forma criteriosa e se detecte a presença de dor, espera-se que de maneira ágil e cautelosa, estruture-se um plano de cuidados que atenda às necessidades da criança, com uso de intervenções, tanto farmacológicas quanto não farmacológicas, de maneira assertiva. A academia Americana de Pediatria e a OMS recomendam a associação entre essas medidas para que o manejo da dor ocorra de forma mais apropriada e destacam que medidas não farmacológicas podem ser mais efetivas que medicações isoladas(22. World Health Organization. WHO Guideline on the pharmacological treatment of persisting pain in children with medical illnesses [Internet]. Geneva: WHO; 2012 [cited 2021 Dec 15]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK138354/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK13...
44. World Health Organization. WHO Guidelines for the pharmacological and radiotherapeutic management of cancer pain in adults and adolescents [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [cited 2021 Dec 16]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK537492/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK53...
,2020. Manocha S, Taneja N. Assessment of paediatric pain: A critical Review. J Basic Clin Physiol Pharmacol. 2016;27(4):323-31. DOI: https://doi.org/10.1515/jbcpp-2015-0041
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).

Neste estudo, observa-se que, nas crianças com dor confirmada por escalas, 95,6% tinham fármacos prescritos, mas apenas 81,7% foram medicadas, o que demonstra que ainda há uma hesitação dos profissionais na medicalização da criança. Ao comparar esse grupo etário com os adultos, mesmo ambos tendo diagnósticos semelhantes, as crianças recebem menor quantidade de analgesia e quanto mais novas menor a probabilidade de terem analgesia adequada no ambiente médico(1212. Friedrichsdorf SJ, Goubert L. Pediatric pain treatment and prevention for hospitalized children. Pain Rep. 2020;5(1):95-210. DOI: https://doi.org/10.1097/PR9.0000000000000804
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). Esse aspecto é observado em investigação brasileira, que mostra que, de 2736 procedimentos dolorosos em neonatos, apenas 216 desses foram realizados com auxílio de fármacos(1515. Rocha VA, Silva IA, Cruz-Machado SS, Bueno M. Painful procedures and pain management in newborns admitted to an intensive care unit. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e20210232. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2021-0232
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). Essa problemática também ocorre no momento da prescrição de analgésicos, seja pelo baixo treinamento, baixa prioridade dada à dor(p < 0,001)(66. Tang SP, Yeo ASH, Cardosa MS. Paediatric pain management in low-income and middle-income countries. Lancet Child Adolesc Health. 2021;5(1):5-7. DOI: https://doi.org/10.1016/S2352-4642(20)30336-9
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), como também pela insegurança na prescrição devido aos fármacos na pediatria serem off label, ou seja, não serem testados na população pediátrica com baixas evidências quanto ao seu uso(11. Wuni A, Salia SM, Ibrahim MM, Iddriss I, Nyarko BA, Seini SN, et al. Evaluating Knowledge, Practices, and Barriers of Paediatric Pain Management among Nurses in a Tertiary Health Facility in the Northern Region of Ghana: A Descriptive Cross-Sectional Study. Pain Res Manag. 2020;2020:8846599. DOI: https://doi.org/10.1155/2020/8846599
https://doi.org/10.1155/2020/8846599...
,1111. Jira L, Weyessa N, Mulatu S, Alemayehu A. Knowledge and attitude towards non-pharmacological pain management and associated factors among nurses working in benishangul gumuz regional state hospitals in western Ethiopia, 2018. J Pain Res. 2020;2020(13):2917-27. DOI: https://doi.org/10.2147/JPR.S265544.
https://doi.org/10.2147/JPR.S265544...
).

Os profissionais optam, frequentemente, por medicações da classe de anti-inflamatórios não esteroides para tratamento da dor(77. Miró J, Micó JA, Reinoso-Barbero F. The management of pediatric chronic pain Spain: A web-based survey study. Curr Med Res Opin. 2020;37(2):303-10. DOI: https://doi.org/10.1080/03007995.2020.1854208
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), como visto neste estudo, mesmo quando há o relato de dor intensa. A Organização Mundial da Saúde recomenda, pela escada analgésica(33. Anekar AA, Cascella M. WHO Analgesic Ladder [Internet]. Treasure Island: StatPearls Publishing; 2022 [cited 2021 Dec 15]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK554435/
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), que o tratamento de dor intensa seja com a associação de analgésicos, contemplando opioides e coadjuvantes, porém neste estudo nota-se que, mesmo com 25,9% relatando dor intensa, apenas 3,7% fizeram uso de morfina, 0,4% de codeína e 0,4% de Gabapentina. Em investigação na China com 211 enfermeiros e 45 médicos, ambos pediatras, 55,7% dos enfermeiros e 66,7% dos médicos hesitaram em fornecer opioides à criança(1414. Friedrichsdorf SJ, Andrea P, Eull D, Weidner C, Foster L, Gilbertet M, et al. Pain Outcomes in a US Children’s hospital: A prospective cross-sectional survey. Hosp Pediatr. 2015;5(1):18-26. DOI: https://doi.org/10.1542/hpeds.2014-0084
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), corroborando com o relato de outro estudo no qual, de 199 crianças, menos que 25% receberam prescrição de opioides, apesar de classificarem a dor como intensa(55. Czarnecki ML, Salamon KS, Thompson JJ, Hainsworth KR. Do barriers to pediatric pain management as perceived by nurses change over time? Pain Manag Nurs. 2014;15(1): 292-305. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pmn.2012.12.003
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).

Na literatura internacional, as crianças com afecções cirúrgicas(2121. Moura LA, Pereira LV, Minamisava R, Borges NC, Castral TC, Souza LAF. Severe acute postoperative pain self reported by children after ambulatory surgeries: a cohort study. Rev Bras Enferm. 2021;74(4 Suppl):e20200151. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0151
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,2222. Alm F, Lundeberg S, Ericsson E. Postoperative pain, pain management, and recovery at home after pediatric tonsil surgery. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2021;278(2):451-61. DOI: https://doi.org/10.1007/s00405-020-06367-z
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) e ortopédicas(1212. Friedrichsdorf SJ, Goubert L. Pediatric pain treatment and prevention for hospitalized children. Pain Rep. 2020;5(1):95-210. DOI: https://doi.org/10.1097/PR9.0000000000000804
https://doi.org/10.1097/PR9.000000000000...
,2323. Tong F, Dannaway J, Enke O, Eslick G. Effect of preoperative psychological interventions on elective orthopaedic surgery outcomes: a systematic review and meta-analysis. ANZ J Surg. 2020;90(3):230-6. DOI: https://doi.org/10.1111/ans.15332
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) possuem melhor manejo quanto a queixas álgicas, o que pode influenciar a avaliação do profissional de saúde que, por levar em conta suas experiências prévias, tende a priorizar essas especialidades, enquanto subavalia e subtrata as afecções que acredita não proporcionar dor. Este estudo corrobora o exposto, de que as afecções cirúrgicas e ortopédicas foram mais medicadas para dor em comparação às outras especialidades clínicas (p < 0,05), apesar dessas terem queixas álgicas documentadas e medicações prescritas. Assim, cabe refletir: Por que crianças com dor, validada por instrumentos específicos, ainda são subtratadas?

Outro ponto, que exemplifica a argumentação, é que 4,3% das crianças com dor não tinham nenhum fármaco prescrito e não foram submetidas a nenhuma intervenção não farmacológica. Observam-se aspectos semelhantes em um estudo com neonatos submetidos a 2736 procedimentos dolorosos, em que 80,2% não receberam medidas não farmacológicas passíveis de serem aplicadas(1515. Rocha VA, Silva IA, Cruz-Machado SS, Bueno M. Painful procedures and pain management in newborns admitted to an intensive care unit. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e20210232. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2021-0232
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). Neste estudo, foram notadas poucas medidas não farmacológicas para alívio da dor, segundo registros em prontuários, embora na prática clínica seja notada sua ocorrência, porém com registros precários. O impresso institucional não oferecia campo para registro de tais condutas e isso pode favorecer falhas, pois implica na necessidade de registro em outro impresso, como neste estudo, em que 1,2% das crianças que fizeram uso dessas medidas tiveram o registro encontrado nas anotações de enfermagem. Esse achado corrobora estudos de auditoria, que demonstram a documentação irregular(1313. Zisk-Rony RY, Lev J, Havin H. Nurses’ report of in-hospital pediatric pain assessment: examining challenges and perspectives. Pain Manag Nurs. 2015;16(2):112-20. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pmn.2014.05.003
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).

Considerando o período de permanência da equipe de enfermagem junto ao paciente, a aplicação de medidas não farmacológicas pode ser uma ferramenta de trabalho frequente, porém ainda se encontra resistência. Em estudo chinês realizado com 211 enfermeiros e 45 médicos, 12,6% dos enfermeiros e 11,1% dos médicos acreditavam que o manejo não farmacológico para alívio da dor era inadequado e, consequentemente, não faziam uso. Embora esse estudo tenha relatado que os participantes receberam treinamentos quanto ao manejo da dor previamente(1414. Friedrichsdorf SJ, Andrea P, Eull D, Weidner C, Foster L, Gilbertet M, et al. Pain Outcomes in a US Children’s hospital: A prospective cross-sectional survey. Hosp Pediatr. 2015;5(1):18-26. DOI: https://doi.org/10.1542/hpeds.2014-0084
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), esse achado supõe que, apesar das evidências frente à temática representarem uma porcentagem considerável das publicações científicas, há dificuldade na transferência desses conhecimentos para a prática clínica(2424. Mosseti V, Boretsky K, Astuto M, Locatelli BG, Zurakowski D, Lio R, et al. Persistent pain following common outpatient surgeries in children: A multicenter study in Italy. Paediatr Anaesth. 2018;28(3):231-6. DOI: https://doi.org/10.1111/pan.13321
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).

As atitudes profissionais frente a determinada ação ainda guiam a prática. Em estudo realizado na Etiópia(99. Zeleke S, Kassaw A, Eshetie Y. Non-pharmacological pain management practice and barriers among nurses working in Debre Tabor comprehensive specialized Hospital, Ethiopia. PLoS ONE. 2021;16(6):e0253086. DOI: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0253086
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) com 169 enfermeiros, 35,5% possuíam atitude favorável quanto ao uso de medidas não farmacológicas para alívio da dor, sendo 3 vezes mais propensos a fazerem uso. Além disso, apesar de o estudo chinês(1414. Friedrichsdorf SJ, Andrea P, Eull D, Weidner C, Foster L, Gilbertet M, et al. Pain Outcomes in a US Children’s hospital: A prospective cross-sectional survey. Hosp Pediatr. 2015;5(1):18-26. DOI: https://doi.org/10.1542/hpeds.2014-0084
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) ter demonstrado que mesmo com treinamento ainda houve resistência, nessa investigação da Etiópia(99. Zeleke S, Kassaw A, Eshetie Y. Non-pharmacological pain management practice and barriers among nurses working in Debre Tabor comprehensive specialized Hospital, Ethiopia. PLoS ONE. 2021;16(6):e0253086. DOI: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0253086
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) 14,2% possuíam treinamento no uso das medidas, e esse se mostrou como um preditor positivo para o uso.

Mostra-se relevante que as intervenções não farmacológicas estejam integradas dentro da prática de enfermagem. Para tal, uma possibilidade é o uso do processo de enfermagem. Neste estudo, 30,1% da amostra total e 55,8% das crianças com dor tinham o diagnóstico de enfermagem NANDA 00132- Dor Aguda. Esse uso pode guiar a prescrição de atividades para a equipe técnica e potencializar o uso de medidas não farmacológicas. Vale ressaltar que uma parte considerável de crianças com relato de dor não tinham o diagnóstico levantado, sendo necessário um maior estímulo ao uso para enfermeiros.

O manejo da dor é realizado com etapas cíclicas, e a reavaliação é o aspecto mais importante pois irá avaliar a eficácia das estratégias de gerenciamento, do plano de cuidado e, consequentemente, a necessidade de mudanças para proporcionar alívio adequado(1414. Friedrichsdorf SJ, Andrea P, Eull D, Weidner C, Foster L, Gilbertet M, et al. Pain Outcomes in a US Children’s hospital: A prospective cross-sectional survey. Hosp Pediatr. 2015;5(1):18-26. DOI: https://doi.org/10.1542/hpeds.2014-0084
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). Porém, neste estudo, apenas 40,3% das crianças com dor tiveram sua dor reavaliada. Diante da ausência desses registros, fica implícito que ocorre uma quebra no fluxo de ações que favoreceria o alívio da dor de crianças internadas. Essa falha pode evidenciar o desconhecimento técnico da equipe e a falta de reconhecimento da sustentabilidade do processo de manejo da dor.

Para todo o manejo da dor é fundamental a expertise de quem realiza as etapas na intenção de propor um plano de ações assertivo. Porém, conforme os achados demonstrados previamente, há pouco investimento em treinamento dos profissionais sobre a dor, que reflete diretamente na prática clínica. Em investigação na África que avaliou o conhecimento de 180 enfermeiros no manejo da dor, apesar de receberem uma pontuação geral boa, 38,9% demonstraram conhecimento insatisfatório em relação à avaliação da dor e ao uso de analgésicos em crianças(1111. Jira L, Weyessa N, Mulatu S, Alemayehu A. Knowledge and attitude towards non-pharmacological pain management and associated factors among nurses working in benishangul gumuz regional state hospitals in western Ethiopia, 2018. J Pain Res. 2020;2020(13):2917-27. DOI: https://doi.org/10.2147/JPR.S265544.
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). Para além dos citados, há diversas outras barreiras(66. Tang SP, Yeo ASH, Cardosa MS. Paediatric pain management in low-income and middle-income countries. Lancet Child Adolesc Health. 2021;5(1):5-7. DOI: https://doi.org/10.1016/S2352-4642(20)30336-9
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), porém identificá-las não é a única forma de modificar a realidade vigente, sendo necessária a criação de estratégias.

Uma possibilidade é a estruturação de protocolos institucionais para manejo da dor, construídos em conjunto com a equipe que presta cuidado à criança, o que favorece o entendimento das reais necessidades de ambos. Na Espanha, de 191 profissionais de saúde, 96% reconheceram a necessidade da formulação de protocolos(1717. Joestlein L. Pain, Pain, Go Away! Evidence-Based Review of Developmentally Appropriate Pain Assessment for Children in a Postoperative Setting. Orthop Nurs. 2015;34(5):252-9. DOI: https://doi.org/10.1097/NOR.0000000000000175
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). Na África, 11 enfermeiros pediátricos foram avaliados após a implementação de um protocolo, e 97,1% alteraram as suas práticas positivamente(1111. Jira L, Weyessa N, Mulatu S, Alemayehu A. Knowledge and attitude towards non-pharmacological pain management and associated factors among nurses working in benishangul gumuz regional state hospitals in western Ethiopia, 2018. J Pain Res. 2020;2020(13):2917-27. DOI: https://doi.org/10.2147/JPR.S265544.
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). No Canadá, após a implementação de um protocolo institucional de manejo da dor em 16 unidades hospitalares, com acompanhamento do seguimento em 3 anos, observou-se que, de fato, a dor foi mais avaliada com instrumentos validados (p = 0,01) e houve aumento no uso de analgésicos (p = 0,04); entretanto, o processo não manteve constância e os profissionais pararam de seguir rigorosamente as etapas preconizadas e realizaram o processo de forma mecânica, com o manejo pautado em seu julgamento com crenças e valores(2525. Stevens BJ, Yamada J, Promislow S, Barwick M, Pinard M, CIHR Team in Children’s Pain. Pain assessment and management after a knowledge translation booster intervention. Pediatrics. 2016;138(4):e20153468. DOI: https://doi.org/10.1542/peds.2015-3468
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).

Assim, observa-se que os protocolos institucionais são preditores positivos para a mudança no contexto de avaliação da dor(1111. Jira L, Weyessa N, Mulatu S, Alemayehu A. Knowledge and attitude towards non-pharmacological pain management and associated factors among nurses working in benishangul gumuz regional state hospitals in western Ethiopia, 2018. J Pain Res. 2020;2020(13):2917-27. DOI: https://doi.org/10.2147/JPR.S265544.
https://doi.org/10.2147/JPR.S265544...
,2525. Stevens BJ, Yamada J, Promislow S, Barwick M, Pinard M, CIHR Team in Children’s Pain. Pain assessment and management after a knowledge translation booster intervention. Pediatrics. 2016;138(4):e20153468. DOI: https://doi.org/10.1542/peds.2015-3468
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). Porém, para além dele, é necessário o aperfeiçoamento da equipe responsável pelo manejo da dor, com educação continuada, baseada em estratégias que foquem em tornar a dor importante, compreendida, visível e mais bem manejada(11. Wuni A, Salia SM, Ibrahim MM, Iddriss I, Nyarko BA, Seini SN, et al. Evaluating Knowledge, Practices, and Barriers of Paediatric Pain Management among Nurses in a Tertiary Health Facility in the Northern Region of Ghana: A Descriptive Cross-Sectional Study. Pain Res Manag. 2020;2020:8846599. DOI: https://doi.org/10.1155/2020/8846599
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,1414. Friedrichsdorf SJ, Andrea P, Eull D, Weidner C, Foster L, Gilbertet M, et al. Pain Outcomes in a US Children’s hospital: A prospective cross-sectional survey. Hosp Pediatr. 2015;5(1):18-26. DOI: https://doi.org/10.1542/hpeds.2014-0084
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). A expertise dos profissionais pode ser a chave para as melhores práticas, mas desempenhar essa função exige conhecimento técnico-científico e esforço diário para manter a constância nesse processo(2525. Stevens BJ, Yamada J, Promislow S, Barwick M, Pinard M, CIHR Team in Children’s Pain. Pain assessment and management after a knowledge translation booster intervention. Pediatrics. 2016;138(4):e20153468. DOI: https://doi.org/10.1542/peds.2015-3468
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). Em estudo americano que avaliou a implementação de estratégias de aperfeiçoamento da equipe frente ao gerenciamento da dor, a educação continuada mostrou-se como um preditor positivo na melhoria das práticas da equipe(66. Tang SP, Yeo ASH, Cardosa MS. Paediatric pain management in low-income and middle-income countries. Lancet Child Adolesc Health. 2021;5(1):5-7. DOI: https://doi.org/10.1016/S2352-4642(20)30336-9
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).

Há influência das crenças e valores pessoais na condução do manejo da dor. As relações de poder implícito entre os profissionais de saúde e as crianças e entre os vários membros de todas as equipes de saúde permeiam a dinâmica de atendimento dentro da instituição, podendo influenciar na tomada de decisão mais assertiva em relação ao controle da dor. Assim, torna-se relevante que as práticas citadas sejam incluídas e reconhecidas quanto à importância do manejo dentro da cultura institucional e sejam oferecidas possibilidades de integração da equipe. Com a readaptação das práticas, as crianças hospitalizadas podem ter a experiência em um contexto onde a dor existe, mas seu alívio pode ser manejado.

Este estudo apresentou como principal limitação a ausência da coleta de dados referentes à unidade de internação e ao quadro clínico da criança; a inadequação do preenchimento do instrumento institucional de avaliação da dor; e o registro reduzido das ações realizadas para o manejo da dor pelos profissionais de enfermagem.

CONCLUSÃO

Este estudo demonstra que o manejo da dor em crianças hospitalizadas ainda se mostra ineficaz. A avaliação, mesmo que padronizada pela instituição coparticipante, não é realizada de forma plena. As intervenções têm enfoque farmacológico, os profissionais de saúde propiciam melhor manejo às afecções cirúrgicas e ortopédicas em comparação com especialidades clínicas, apesar de essas terem queixas álgicas presentes. As medidas não farmacológicas são pouco realizadas, assim como a reavaliação após intervenções.

A partir do conhecimento sobre o perfil das crianças com dor, surge a possibilidade de realizar junto à equipe multiprofissional uma abordagem que viabilize ações para o alívio da dor de forma abrangente, mas individualizada, de acordo com cada especialidade clínica, reconhecendo necessidades, com integração da subjetividade e etapa do desenvolvimento da criança em uma avaliação criteriosa que permita a elaboração de um plano de cuidado individual e humanizado. Nota-se a necessidade da formulação de um protocolo institucional para manejo da dor, com educação continuada para aperfeiçoamento da equipe profissional de forma a tornar a dor importante, compreendida, visível e mais bem manejada.

EDITOR ASSOCIADO

Ivone Evangelista Cabral

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2022
  • Aceito
    18 Abr 2022
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