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A supervisão exercida pelo enfermeiro: interfaces com as relações de poder na saúde da família* * Extraído da tese: “A Supervisão exercida pelo enfermeiro na estratégia saúde da família: uma análise sob a perspectiva das relações de poder”, Universidade Federal de São Carlos, 2022.

RESUMO

Objetivo:

Analisar a supervisão exercida pelo enfermeiro na perspectiva das relações de poder na saúde da família.

Método:

Pesquisa exploratória, descritiva e interpretativa com abordagem qualitativa. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada com 37 trabalhadores de seis equipes de saúde de um município do interior paulista. Foram submetidos à análise de conteúdo temática, a partir referencial teórico do processo de trabalho em saúde e da categoria poder foucaltiana.

Resultados:

Foram construídas duas categorias temáticas: A supervisão exercida pelo enfermeiro na perspectiva da vigilância e do controle nas relações do poder disciplinar na saúde da família; A dualidade da supervisão exercida pelo enfermeiro na saúde da família entre poder opressivo e poder positivo.

Conclusão

O poder presente na supervisão exercida pelo enfermeiro se expressa como controle e produtor de coisas, que não somente oprime, mas também possui efeitos positivos na construção de ambientes de trabalho saudáveis, com valorização das interações, estabelecimento de confiança, fortalecimento do trabalho em equipe e apoio aos trabalhadores, aspectos que resultam em promoção da segurança psicológica na saúde da família.

DESCRITORES
Supervisão de Enfermagem; Saúde da Família; Equipe de Assistência ao Paciente; Poder Psicológico; Relações Interprofissionais

ABSTRACT

Objective:

To analyze nursing supervision from the perspective of power relations in family health.

Method:

An exploratory, descriptive and interpretive research with a qualitative approach. Data were collected through semi-structured interviews with 37 workers from six health teams in a city in the countryside of São Paulo. They were submitted to thematic content analysis, based on the health work process theoretical framework and Foucault’s power category.

Results:

Two thematic categories were constructed: Nursing supervision from the perspective of surveillance and control in relationships of disciplinary power in family health; The duality of nursing supervision in family health between oppressive power and positive power.

Conclusion:

The power present in nursing supervision is expressed as control and producer of things, which not only oppresses, but also has positive effects on building healthy work environments, valuing interactions, establishing trust, strengthening teamwork and supporting workers, aspects that result in the promotion of psychological safety in family health.

DESCRIPTORS
Nursing, Supervisory; Family Health; Patient Care Team; Power, Psychological; Interprofessional Relations

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la supervisión ejercida por enfermeros en la perspectiva de las relaciones de poder en salud de la familia.

Método:

Investigación exploratoria, descriptiva e interpretativa con enfoque cualitativo. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas con 37 trabajadores de seis equipos de salud en una ciudad del interior de São Paulo. Fueron sometidos al análisis de contenido temático, a partir del referencial teórico del proceso de trabajo en salud y la categoría de poder de Foucault.

Resultados:

Se construyeron dos categorías temáticas: La supervisión ejercida por los enfermeros en la perspectiva de vigilancia y control en las relaciones de poder disciplinario en salud de la familia; La dualidad de la supervisión ejercida por las enfermeras en salud de la familia entre el poder opresor y el poder positivo.

Conclusión:

El poder presente en la supervisión ejercida por los enfermeros se expresa como control y productor de cosas, lo que no solo oprime, sino que tiene efectos positivos en la construcción de ambientes de trabajo saludables, valorando las interacciones, estableciendo confianza, fortaleciendo el trabajo en equipo y apoyando a los trabajadores, aspectos que redundan en la promoción de la seguridad psicológica en salud de la familia.

DESCRIPTORES
Supervisión de Enfermería; Salud de la Familia; Grupo de Atención al Paciente; Poder Psicológico; Relaciones Interprofesionales

INTRODUÇÃO

A supervisão realizada pelo enfermeiro no contexto do processo de trabalho da equipe de saúde da família (SF) consiste em ferramenta propícia para mudanças das práticas na Atenção Primária à Saúde (APS).

A supervisão elencada no escopo de práticas do enfermeiro tem sido reafirmada como ferramenta potente, por impactar a dimensão assistencial, gerencial e educativa do trabalho e, especialmente, influenciar a interatividade dos trabalhadores da enfermagem e demais categorias profissionais(11. Chaves LDP, Mininel VA, Silva JAM, Alves LR, Silva MF, Camelo SHH. Nursing supervision for care comprehensiveness. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):1106-11. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0491
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), incluindo os Agentes Comunitários de Saúde (ACS)(22. Brasil. PNAB – Política Nacional de Atenção Básica [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2017 [cited 2022 Jan 22]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.htm
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).

O estudo foi baseado no referencial do processo de trabalho em saúde e seus elementos constitutivos – objeto, instrumentos, finalidade e agentes(33. Ayres JRCM, Santos L, organizadores. Saúde, sociedade e história: Ricardo Bruno Mendes-Gonçalves. São Paulo: Hucitec; Porto Alegre: Rede Unida; 2017.). A ação de supervisionar é localizada neste estudo como instrumento do trabalho do enfermeiro, envolvendo processos sociais interativos, nos quais coexistem os diferentes jogos de interesses e disputas, características das microrrelações expressas nas relações de poder, entre as diversas categorias de trabalhadores na SF(44. Silva IS, Arantes CIS. Power relations in the family health team: focus on nursing. Rev Bras Enferm. 2017;70(3):580-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0171
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).

São múltiplos os desdobramentos oriundos das relações de poder estabelecidas entre os trabalhadores na SF, tais como a hierarquização das profissões e a valorização desigual do trabalho desenvolvido(55. Silva BN, Silva CRDV, Silva AF, Sarmento WM, Véras GCB. Reflexos das relações de saber-poder no contexto da estratégia de Saúde da Família. Archives of Health Investigation. 2019;8(5):229-36. DOI: https://doi.org/10.21270/archi.v8i5.3248
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). Entretanto, as relações de poder compreendidas na micropolítica, ou seja, na esfera relacional do trabalho, também movimentam um campo de forças nos encontros que ocorrem na produção do trabalho em saúde(66. Merhy EE, Feuerwerker LCM, Santos MLM, Bertussi DC, Baduy RS. Basic Healthcare Network, field of forces and micropolitics: implications for health management and care. Saúde em Debate. 2019;43(Spe 6):70-83. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042019S606
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), reconduzindo o pensamento de que as relações de poder podem ser produtivas, com base no pensamento foucaultiano, cujo fulcro é o poder e seus desfechos.

Neste estudo, infere-se a necessidade de balizar a supervisão do enfermeiro inserida no contexto da produção de saúde e nas relações. Para tanto, as obras foucaltianas “Vigiar e Punir”(77. Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 35th ed. Petrópolis: Vozes; 2014.) e “Microfísica do Poder”(88. Foucault M. Microfísica do Poder. 28th ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2014.) nortearão a compreensão da supervisão exercida pelo enfermeiro na perspectiva das relações de poder na SF.

Uma das formas de exercício de poder investigada na perspectiva foucaultiana é o poder disciplinar, constituído pelos seus dispositivos de controle, caracterizado em três técnicas: a vigilância hierárquica, a sanção normalizadora e o exame. Neste estudo, o enfoque foi dado à primeira, representada na percepção do panóptico, um projeto arquitetônico de vigilância semelhante a uma engrenagem, organizada sob o jogo do olhar, que tudo vê, fiscaliza e controla, com o objetivo de aumentar as possibilidades de saber mais sobre os vigiados, para extrair deles o melhor de seus corpos treinados, dóceis e funcionantes economicamente, mas com diminuição do seu potencial em termos políticos ao estabelecer a obediência(77. Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 35th ed. Petrópolis: Vozes; 2014.).

A literatura investigada evidencia que a supervisão exercida pelo enfermeiro ainda tem se pautado na postura vertical de comando, com raízes históricas ancoradas na hierarquização(99. Correia VS, Servo MLS. Process of social supervision in nursing: possibility of transformation of the assistencial model process of supervision in nursing. Saúde.com [Internet]. 2013 [cited 2022 Jan 2];9(3):207-19. Available from: http://periodicos2.uesb.br/index.php/rsc/article/view/253
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), considerada instrumento de poder assimétrico(44. Silva IS, Arantes CIS. Power relations in the family health team: focus on nursing. Rev Bras Enferm. 2017;70(3):580-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0171
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) e de fiscalização e controle(1010. Marinho CS, Bispo Júnior JP. Supervisão de agentes comunitários de saúde na Estratégia Saúde da Família: entre controle, apoio e formação. Physis. 2020;30(03):e300328. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300328
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). Portanto, o desenho de supervisão exposto remete às formas descritas no poder disciplinar e tem na sua conformação traços panópticos.

No entanto, há de se considerar que as características da supervisão têm passado por modificações de acordo com o contexto social, político e momento histórico das sociedades(1111. Ayres JA, Berti HW, Spiri WC. Opinião e conhecimento do enfermeiro supervisor sobre sua atividade. REME. 2007 [cited 2022 Jan 22];11(4): 407-13. Available from: http://www.revenf.bvs.br/pdf/reme/v11n4/v11n4a10.pdf
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). Existe uma dualidade na supervisão que aponta para um instrumento gerencial que gera impactos à equipe, incluindo os supervisionados, mostrando tanto o seu funcionamento no controle estrito quanto potencialidade para ampliar respostas em saúde na APS, por meio da reflexão e qualificação das práticas(1212. Lima AMV, Peduzzi M, Miyahara CTS, Fujimori E, Veríssimo MLOR, Bertolozzi MR. Supervisão de trabalhadores de enfermagem em unidade básica de saúde. Trabalho, Educação e Saúde. 2014;12(3):577-93. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sip00006
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).

A reinvenção da supervisão exercida pelo enfermeiro na SF pode se estabelecer no contexto das relações de poder. O poder é capaz de produzir práticas, subjetividades e verdades que precisam ser direcionadas a destruir comportamentos estereotipados(1313. Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus H, Rabinow P, editors. Michel Foucault: uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1995.), pois o grande cerne das relações de poder é saber direcioná-las e concentrá-las a uma proposta consensual de mudança(44. Silva IS, Arantes CIS. Power relations in the family health team: focus on nursing. Rev Bras Enferm. 2017;70(3):580-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0171
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), nesse contexto, a reinvenção da supervisão do enfermeiro na SF.

A visão do poder concentrado no Estado como política para administrar a vida e o corpo da população é deslocada para a ideia de que os micropoderes precisam ser considerados nas relações entre as pessoas, para além do poder opressivo e destruidor, também como produtor de coisas(1414. Machado R. Impressões de Michel Foucault. 1st ed. São Paulo: N-1 Edições; 2017.). O poder não é somente dominação, opressão, não gera apenas obediência, ele é produtivo, gera resistência, mas também positivo e, sobretudo, emancipatório(77. Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 35th ed. Petrópolis: Vozes; 2014.).

Essa formulação foucaultiana acerca do poder possibilita apreender o objeto – supervisão do enfermeiro – sob uma nova perspectiva. A supervisão extrapola a função vigilante das normas e projetos institucionais, de controladora estrita e coercitiva, centrada na produção dos corpos econômicos, para uma supervisão reconfigurada politicamente no tocante às relações de poder, partindo da discussão de que a noção de dominação é insuficiente para responder à concepção de poder produtivo, explorada no conceito de poder foucaultiano.

Parte-se do pressuposto de que o poder é sempre relacional, é exercido em rede, não está centrado em apenas um polo, e pode agenciar outros caminhos para o exercício da supervisão, inserida no trabalho do enfermeiro, o que justifica esta investigação. Ademais, existe uma lacuna importante na temática em tela. Foram encontradas publicações retratando a supervisão do enfermeiro de forma geral(11. Chaves LDP, Mininel VA, Silva JAM, Alves LR, Silva MF, Camelo SHH. Nursing supervision for care comprehensiveness. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):1106-11. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0491
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), individualmente para técnicos(1212. Lima AMV, Peduzzi M, Miyahara CTS, Fujimori E, Veríssimo MLOR, Bertolozzi MR. Supervisão de trabalhadores de enfermagem em unidade básica de saúde. Trabalho, Educação e Saúde. 2014;12(3):577-93. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sip00006
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), para ACS(1010. Marinho CS, Bispo Júnior JP. Supervisão de agentes comunitários de saúde na Estratégia Saúde da Família: entre controle, apoio e formação. Physis. 2020;30(03):e300328. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300328
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) e estudos das relações de poder na SF(44. Silva IS, Arantes CIS. Power relations in the family health team: focus on nursing. Rev Bras Enferm. 2017;70(3):580-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0171
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,55. Silva BN, Silva CRDV, Silva AF, Sarmento WM, Véras GCB. Reflexos das relações de saber-poder no contexto da estratégia de Saúde da Família. Archives of Health Investigation. 2019;8(5):229-36. DOI: https://doi.org/10.21270/archi.v8i5.3248
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); porém, nenhum deles trata especificamente da supervisão realizada pelo enfermeiro e as relações de poder envolvendo as três categorias profissionais.

Este estudo considera que a supervisão exercida pelo enfermeiro influencia fortemente a qualidade da assistência à saúde prestada por trabalhadores da enfermagem e ACS na SF e as relações de poder presentes se constituem intervenientes nesse sentido. Assim, ancorou-se na seguinte questão norteadora: como ocorre a supervisão exercida pelo enfermeiro na SF na perspectiva das relações de poder?

Nessa direção, o objetivo deste estudo foi analisar a supervisão exercida pelo enfermeiro na SF na perspectiva das relações de poder, com enfoque na equipe de enfermagem e ACS.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Pesquisa exploratória, descritiva e interpretativa com abordagem qualitativa, cujo foco foi a supervisão realizada pelo enfermeiro na SF, na perspectiva das relações de poder. Este estudo adotou critérios do COnsolidated criteria for REporting Qualitative research (COREQ) como ferramenta de suporte aos métodos de abordagens qualitativas(1515. Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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).

Participantes

O universo das categorias profissionais envolvidas neste estudo na SF no município era constituído de aproximadamente 231 integrantes, distribuídas em 32 equipes. A amostra desta pesquisa foi constituída por ACS, enfermeiros e técnicos em enfermagem, totalizando 37 trabalhadores. A escolha foi estabelecida por conveniência. Foram incluídos os trabalhadores das equipes que aceitaram prontamente o convite para participar dentro do prazo estabelecido, pela primeira autora do estudo, e que atendiam ao critério de atuar conjuntamente há, pelo menos, um ano na mesma equipe de SF, na modalidade de composição mínima.

Local

O estudo foi realizado em município de médio porte localizado no centro geográfico do estado de São Paulo. Nessa localidade, a APS é composta por 24 unidades de SF, nas quais atuam 32 equipes de SF com cobertura de 40% da população. A APS conta também com dez Unidades Básicas de Saúde no modelo tradicional, denominadas Centro Municipal de Saúde (CMS), com 60% de cobertura, uma equipe de Saúde na Atenção Domiciliar (SAD), um apoiador da APS e a Gerência de Educação Permanente em Saúde. Após autorização da coordenação da APS, foi encaminhada uma correspondência eletrônica a todas as equipes de SF. Com posterior sinalização de 11 dessas, a primeira autora identificou aquelas que atendiam aos critérios de inclusão e o número suficiente de participantes que propiciasse atingir ao objetivo da pesquisa. As equipes que primeiro sinalizaram disponibilidade para participarem foram confirmadas, e seis foram selecionadas, por atenderem aos critérios de inclusão do estudo.

Coleta de Dados

A coleta de dados ocorreu entre abril e setembro de 2019, com roteiro contendo questões norteadoras, as quais abordavam o processo de trabalho da equipe, as percepções sobre a supervisão do enfermeiro e as relações entre os trabalhadores na SF. Esse roteiro foi adequado após a aplicação prévia de um questionário-piloto com cinco trabalhadores, envolvendo as três categorias profissionais estudadas. A média de duração das entrevistas foi de 50 minutos para os enfermeiros e 30 minutos para os demais membros das equipes. As entrevistas foram gravadas em mídia digital e transcritas integralmente, preservando-se o anonimato dos participantes.

Análise e Tratamento dos Dados

Os dados foram integralmente transcritos pela primeira autora, inseridos no Microsoft Word ® e submetidos à análise categorial temática de Bardin(1616. Bardin L. Análise de conteúdo. 5th ed. Lisboa: Edições 70; 2011.), seguindo as etapas de leitura flutuante e em profundidade, análise vertical de cada entrevista, com a indicação de inferências, análise horizontal por grupo profissional e transversal de todos os depoimentos. Foram realizados agrupamentos de temas por similaridades e contradições identificadas à luz dos referenciais do processo de trabalho em saúde de Mendes-Gonçalves(33. Ayres JRCM, Santos L, organizadores. Saúde, sociedade e história: Ricardo Bruno Mendes-Gonçalves. São Paulo: Hucitec; Porto Alegre: Rede Unida; 2017.) e da categoria poder de Michel Foucault(77. Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 35th ed. Petrópolis: Vozes; 2014.,88. Foucault M. Microfísica do Poder. 28th ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2014.).

Aspectos Éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade, sob Parecer 3.229.328/2019, cumprindo os princípios éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, conforme a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Os participantes do estudo receberam esclarecimentos acerca do objetivo da pesquisa e, mediante concordância, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As falas foram identificadas por meio da letra inicial da categoria profissional, como Agente Comunitário de Saúde (ACS), enfermeiro (E), técnico de enfermagem (TE), acrescido do numeral ordinal sequencial à realização das entrevistas.

RESULTADOS

Participaram do estudo 37 trabalhadores provenientes de seis equipes de SF: 22 ACS, cinco enfermeiros e dez técnicos de enfermagem. Predominaram participantes do sexo feminino, e o tempo médio de atuação na APS foi de sete anos. Os dados analisados possibilitaram a formulação de duas categorias temáticas: A supervisão exercida pelo enfermeiro na perspectiva da vigilância e do controle nas relações do poder disciplinar na saúde da família; A dualidade da supervisão exercida pelo enfermeiro na saúde da família entre poder opressivo e poder positivo. Na primeira categoria, a supervisão é explorada na vertente do controle no poder disciplinar, e, na segunda, a supervisão é analisada sob uma abordagem que possibilita desvelar o poder como produtor de coisas, que não somente oprime, mas também tem seus efeitos positivos, tais como a construção de ambientes de trabalho saudáveis, com valorização das interações, estabelecimento de confiança, fortalecimento do trabalho em equipe e apoio aos trabalhadores, aspectos que resultam em promoção da segurança psicológica na SF.

A Supervisão Exercida Pelo Enfermeiro na Perspectiva da Vigilância e do Controle Nas Relações do Poder Disciplinar na Saúde da Família

Todos os enfermeiros entrevistados evidenciaram a percepção da centralidade do poder disciplinar na atividade de supervisionar. O uso de mecanismos de controle foi retratado com destaque para a vigilância permanente sobre o supervisionado. A supervisão, como componente desse sistema de vigilância, demanda a presença física do enfermeiro para funcionar de forma efetiva.

Para saber o que está ocorrendo, é preciso estar próximo do serviço, senão não tem como saber o que está sendo feito, só estando junto pra supervisionar; a presença é importante, por exemplo, o técnico, você passa o dia inteiro com ele, e o ACS, pelo fato de estar na rua, essa é uma barreira, por isso digo que só é possível fazer a supervisão para quem está aqui (E4).

Esse resultado também apareceu nos depoimentos de outros trabalhadores, ao tomar a supervisão como uma ação que envolve vigiar alguém, que a impossibilidade de vigiar compromete a supervisão, particularmente em relação ao ACS.

O fato da equipe de enfermagem trabalhar dentro da unidade, (…) o ACS, por trabalhar na rua, isso dificulta a supervisão. Aqui dentro tem supervisão, lá fora, não. Tem ACS que não vai nas casas, tem que ter um acompanhamento mais rigoroso; se realmente tivesse [supervisão], resolveria muitos casos (ACS4).

Os enfermeiros se demonstraram incomodados na realização da supervisão do ACS, devido à impossibilidade de controlar as atividades realizadas por estes, as quais extrapolam os muros da unidade de saúde. Esse foi um ponto de tensionamento importante revelado.

Responder pelo que os ACS tão fazendo lá fora, entendeu? Se tão indo pra casa dormir, (…) isso me angustia, não poder está perto (…). Então, acho que deveria existir um coordenador [gerente] (…) pelo jeito é o que a PNAB [Política Nacional de Atenção Básica] tá colocando. Acho que seria mais justo na divisão de trabalho. Como enfermeira, me sinto bem sobrecarregada pra dar conta do que tá acontecendo lá fora (E3).

O enfermeiro reforça outra tensão nesse sentido, ao discordar das diretrizes da nova PNAB(11. Chaves LDP, Mininel VA, Silva JAM, Alves LR, Silva MF, Camelo SHH. Nursing supervision for care comprehensiveness. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):1106-11. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0491
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), que elenca a supervisão do ACS somente nas suas atribuições e não das demais categorias profissionais.

A supervisão na nova PNAB (…) é vergonhosa. O termo [atribuição] da supervisão ficou só com o enfermeiro; (…) temos que ficar o tempo inteiro olhando se alguém [ACS] está fazendo algo errado, médicos e dentistas, não (E4).

Embora a supervisão exercida pelo enfermeiro, identificada como controle estrito, tenha sido mencionada entre diversas categorias profissionais, foi o grupo de ACS o que mais retratou essa narrativa em seu processo de trabalho, por meio de mecanismos variados de observação direta, dentre os quais foram citados: avaliação do registro do número de visitas; avaliação de atividades grupais e assinaturas dos usuários, comprovando essas ações; relatórios de produção e fiscalização do tempo de permanência desse trabalhador na unidade de saúde durante o expediente.

A supervisão tinha uma desconfiança se eu realmente estava fazendo o trabalho, isso me desmotivou bastante. A forma como [a supervisão] se expressou, como os números de visitas foram pedidos pra mim na avaliação (…) “Se você não fizer [a quantidade de visitas padronizadas], a supervisão vai conseguir punir você” (ACS9).

Supervisionar tem que ficar de olho em tudo e vê se tá tudo em ordem [exemplo], se eu não tiver fazendo visita, saber o porquê não tô (ACS6).

Outro dado apresentado nos relatos indicou que um dos dispositivos de controle para o exercício da supervisão envolve atender em sala estrategicamente localizada no espaço físico da unidade como medida para garantir que não haja, por parte dos supervisionados, comportamentos incongruentes com os padrões convencionados para atendimento à população.

Na supervisão do TE [técnico em enfermagem], (…) fico num local que penso ser estratégico. Atendo na sala em frente a uma sala onde as meninas [técnicas de enfermagem] ficam na recepção e (…) porque elas fazem muitos atendimentos e acabo sabendo como atendem e, posteriormente, acabo por fazer alguma alteração e intervenção (E2).

A utilização de mecanismo de controle indireto na supervisão tanto do ACS como do técnico em enfermagem também foi apontada.

No caso dos TE, queira ou não, estão sob os “nossos olhos”, mesmo estando em outra sala, mas no mesmo espaço físico. A supervisão do ACS é um pouco mais difícil, por ele estar na rua, e a gente, muito tempo na unidade (E1).

A centralização de poder no e pelo enfermeiro para a supervisão foi descrita como desfavorável, por diminuir a potência do trabalho em equipe.

Todo mundo coloca ela [supervisora] como centro de tudo (…) é uma fragilidade no trabalho em equipe, todo mundo corre só pra ela, e quando ela não tá, (…) tem que esperar chegar no outro dia pra ela falar para o funcionário fazer aquilo que já deveria ter sido resolvido (…) ela tem que ter um diálogo, ela centraliza o poder mais nela (TE4).

Os participantes supervisionados referiram que a supervisão, ao invés de ser ferramenta de poder a serviço do controle estrito e de dominação, deveria ter mais flexibilidade para aproximar supervisor e supervisionado em ações efetivas na SF. Foi reconhecido que a rigidez nessa relação impulsiona o desequilíbrio de poder, podendo impactar negativamente o resultado final do trabalho.

A supervisão não deveria ser um instrumento de poder; o supervisor seria pra poder “passar” proximidade para a gente trabalhar corretamente. Se supervisiona de uma maneira brusca, rígida, as pessoas não conseguem trabalhar direito; sob tensão, não é legal trabalhar. Já me senti sufocada e vigiada a todo o momento. Essa relação de poder pode afetar a todo mundo, desestruturando e desequilibrando; o trabalho não consegue ser feito da melhor maneira (ACS2).

A Dualidade da Supervisão Exercida Pelo Enfermeiro Na Saúde da Família Entre o Poder Opressivo e Poder Positivo

A supervisão realizada pelo enfermeiro foi evidenciada como uma ferramenta que suscita tanto a opressão, expressa como medo, insegurança e desavenças nas relações de trabalho, quanto o instrumento para avanços positivos, os quais foram revelados na supervisão como poder capaz de influenciar assertivamente o processo de trabalho na SF, seja pela relação dialógica que estabelece ou por favorecer ambiente saudável, conforme experiências descritas.

Sei de muita gente que chora, magoada e depressiva por conta do poder destruidor da supervisão [verticalizada] (…). Mas a experiência que tenho agora nessa equipe é de um poder positivo, de liderar, conversar, de ir junto, treinar, dirigir e ajudar (TE2).

Na minha trajetória naquela época de opressão da supervisão, a equipe ficava desunida; tinha medo, não podia executar o serviço com segurança; uma equipe presa. No momento, trabalhar sendo ouvida é diferente, o serviço deslancha, você consegue um feedback e fica saudável mentalmente (TE6).

Tive supervisor que trabalhava a “ferro e fogo”; era muita cobrança, gerava irritação e descontentamento. Aqui, não sinto isso, pra mim é uma ajuda e incentivo para melhorar o meu trabalho: “Vamos lá gente temos que fazer grupos” [fala do enfermeiro ao ACS] (ACS7).

Nesse sentido, os depoimentos ainda destacaram que a supervisão promove a segurança psicológica no ambiente de trabalho, fator que influencia na mitigação do adoecimento no trabalho com promoção do bem-estar do trabalhador.

O supervisor também é psicólogo; ouve os funcionários e ajuda a gente a frear, pôr limites, porque absorvo muito problema do processo de trabalho e ele mostra que não podemos resolver tudo, senão cria um descontrole na minha vida e, às vezes, sem nem falar nada, ele já ajuda. É muito importante ser supervisionado. Idealizo e vivencio isso (TE9).

O supervisor é a pessoa que dá a segurança no trabalho; dá suporte na dificuldade (ACS8).

Ainda nessa direção, a contribuição na garantia de uma assistência segura foi propiciada pela supervisão, ao realizar interlocução e socialização dos protocolos assistenciais intra- equipe, bem como ao fomentar uma relação de confiança baseada na postura ética da supervisão.

Se não tivesse a supervisão na atenção básica, seria como um carro sem motor, não funciona; tem que existir o enfermeiro para conduzir de forma que a equipe se sinta segura, que nos ajude a compreender certos detalhes dos protocolos que são passados pra ela [supervisora]; isso faz a equipe ser mais integrada, com mais autonomia para agir (ACS8).

Realizar o trabalho sem o receio de que avaliação deste resulte em punição é defendida pelo participante que vivencia uma supervisão mais flexível, que tem como consequência a liberdade para atuar, diferentemente de relato de outros participantes sobre a avaliação de desempenho pautada na punição.

A supervisão é uma avaliação de desempenho com o objetivo de melhorar, de ser cumprida alguma meta estabelecida. Aqui, a supervisão acontece de forma positiva, não punitiva, o modelo que é feita aqui deixa a gente mais livre (ACS1).

A despeito de resultados positivos apresentados nessa categoria, o enfermeiro demonstrou reconhecer que a supervisão na abordagem educativa problematizadora ainda precisa avançar.

Falta tempo (…). Gostaria de sentar, escutar, ver quais as possibilidades e perguntar [ao supervisionado]: “qual a tua aflição, porque você não consegue por exemplo, fazer um acolhimento em saúde mental com um paciente, tem algum problema, vamos conversar a respeito”? (E1).

DISCUSSÃO

Neste estudo, a supervisão exercida pelo enfermeiro, inserida na composição parcelar do trabalho e como prática relacional, mostrou-se com predomínio da lógica do controle estrito, caracterizada pela necessidade de vigilância permanente sobre os supervisionados. A efetivação da supervisão, portanto, parece estar condicionada ao olhar físico do enfermeiro, o qual funciona como um dispositivo de poder. Compreende-se por dispositivo a correlação entre técnicas de poder institucional, administrativo e físico, tal como esquematizado no aparato do panóptico descrito.

O princípio panóptico(77. Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 35th ed. Petrópolis: Vozes; 2014.) induz no trabalhador adequação ao que está padronizado para a sua função, de modo a ser aceito exemplarmente na equipe de saúde, especialmente pela supervisão ou, em última instância, fica livre de sofrer ações de caráter punitivo, sobretudo quanto aos processos avaliativos. A supervisão punitiva tem sido desestimulada, considerando os seus efeitos deletérios nos resultados do trabalho em saúde(1717. Scott K, Beckham SW, Gross M, Pariyo G, Rao KD, Cometto G, et al. What do we know about community-based health worker programs? A systematic review of existing reviews on community health workers. Hum Resour Health. 2018;16(1):39. DOI: https://doi.org/10.1186/s12960-018-0304-x
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).

Na percepção do enfermeiro, ao comparar a supervisão do técnico em enfermagem com a do ACS, de certo modo, é mais fácil supervisionar o primeiro, porque estão sob o mesmo teto, diferentemente do ACS, que atua a maior parte do tempo nas atividades extramuros. Na opinião dos entrevistados, a supervisão desse trabalhador parece ter menor espaço nessa atribuição do enfermeiro, não somente pela questão da barreira geográfica em si, mas em razão de o enfermeiro não ter controle sobre o trabalho do ACS, por não poder fiscalizá-lo.

É importante reconhecer o papel desenvolvido pelo ACS no enriquecimento das ações clínicas no cuidado realizado na SF, por captar e compartilhar detalhes fundamentais para a compreensão ampliada das necessidades de saúde dos usuários. Entretanto, disputas hegemônicas entre as variadas profissões tendem a deslegitimar o conhecimento desse trabalhador, comprometendo a responsabilização na APS(66. Merhy EE, Feuerwerker LCM, Santos MLM, Bertussi DC, Baduy RS. Basic Healthcare Network, field of forces and micropolitics: implications for health management and care. Saúde em Debate. 2019;43(Spe 6):70-83. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042019S606
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).

Conforme resultados revelados, os dispositivos de controle na supervisão apareceram de forma direta e indireta, a primeira mais frequentemente em relação ao trabalho dos ACS, traduzidos nas cobranças de metas produtivistas, tais como o cumprimento do mínimo de visitas domiciliares diárias, de realização de atividades grupais e seus respectivos documentos comprobatórios e de forma indireta, quando o enfermeiro checa a realização de visitas junto ao usuário. Os dispositivos de controle indiretos foram mais fortemente identificados em relação ao TE. As evidências panópticas observadas na supervisão sugerem que uma das formas de fiscalizar seria ficar em um ponto fixo da unidade de saúde, estrategicamente escolhido, de modo que o olhar e o ouvir supervisivos pudessem avaliar o que acontece no processo de trabalho do técnico em enfermagem no tocante ao modo como este atende ao usuário, porém isso não assegura ao enfermeiro conhecer a totalidade das ações do técnico em enfermagem. Ressalta-se que estes têm papel relevante na APS, particularmente na recepção dos usuários(1212. Lima AMV, Peduzzi M, Miyahara CTS, Fujimori E, Veríssimo MLOR, Bertolozzi MR. Supervisão de trabalhadores de enfermagem em unidade básica de saúde. Trabalho, Educação e Saúde. 2014;12(3):577-93. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sip00006
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).

O trabalho do ACS opera na lógica de produtividade, e na sua supervisão, prevalece o controle burocrático, com enfoque na normatização das ações, avaliadas por mecanismos como a avaliação do registro e reuniões para a prestação de contas(1010. Marinho CS, Bispo Júnior JP. Supervisão de agentes comunitários de saúde na Estratégia Saúde da Família: entre controle, apoio e formação. Physis. 2020;30(03):e300328. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300328
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).

Nesse contexto, o enfermeiro interroga o fato de que a última atualização da PNAB(22. Brasil. PNAB – Política Nacional de Atenção Básica [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2017 [cited 2022 Jan 22]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.htm
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) incumbe a supervisão dos ACS ao enfermeiro, desconsiderando outras categorias, como médicos e dentistas. Esse é um aspecto que tensiona e movimenta as relações de poder na equipe, ao gerar um descontentamento por parte do enfermeiro pela falta de corresponsabilização das demais categorias mencionadas em relação ao trabalho do ACS.

Na intenção de controlar o trabalho humano, diversos métodos são utilizados para que este desenvolva características semelhantes às de uma máquina(1818. Campos GWS. Cogestão e neoartesanato: elementos conceituais para repensar o trabalho em saúde combinando responsabilidade e autonomia. Cien Saude Colet. 2010;15(5):2337-44. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000500009
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). A supervisão localizada na racionalidade gerencial hegemônica em saúde adota métodos de controle direto e indireto, na tentativa de moldar o trabalhador e regular o trabalho. Essa racionalidade é sustentada por argumentos políticos, econômicos e científicos voltados a reduzir o trabalhador a uma ferramenta funcional por meio de protocolos que determinam condutas e comportamentos convenientes(1818. Campos GWS. Cogestão e neoartesanato: elementos conceituais para repensar o trabalho em saúde combinando responsabilidade e autonomia. Cien Saude Colet. 2010;15(5):2337-44. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000500009
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).

Autores discutem que, na SF, as demandas burocráticas são volumosas e a burocracia transforma em sacras as normas e regras. Não se questiona o fato delas existirem, mas a prioridade que elas ocupam na organização do trabalho e a rigidez com que são cobradas dos trabalhadores, os quais são treinados, por vezes, para atuar e atender a interesses institucionais(1919. Soratto J, Pires DEP, Trindade LL, Oliveira JSA, Forte ECN, Melo TP. Job dissatisfaction among health professionals working in the family health strategy. Texto & Contexto Enfermagem. 2017;26(3):e2500016. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-07072017002500016
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).

Outro dado analisado diz respeito à centralização de poder no e pelo enfermeiro para a supervisão. Essa condição pode ser consequência da omissão da equipe, demonstrada na postura pouco proativa nos processos decisórios cotidianos. Parece que a equipe não se sente tão desejante de corresponsabilização do que acontece no processo de trabalho, pressupondo a manutenção do status quo; caso contrário, a equipe teria que se posicionar em vários aspectos, inclusive na exposição do que pensa, o que colocaria os seus elementos na arena das relações de poder, com múltiplos desdobramentos, como a instauração do conflito(2020. Silva IS, Arantes CIS, Fortuna CM. Conflict as a possible catalyst for democratic relations in the work of the Family Health team. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03455. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2018003403455
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).

Presume-se que o enfermeiro concentre poder como reprodução da própria estrutura na qual a supervisão está inscrita tradicionalmente, no controle estrito, com ênfase na verticalização(2121. Penedo RM, Gonçalo CS, Queluz DP. Gestão compartilhada: percepções de profissionais no contexto de Saúde da Família. Interface Comunicação, Saúde, Educação. 2019;23:e170451. DOI: https://doi.org/10.1590/Interface.170451
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), conforme discussão anterior, que enfatiza o trabalho na perspectiva da produtividade.

O estudo também evidenciou o reconhecimento do enfermeiro em relação à lacuna presente na supervisão, no sentido da educação para a prática problematizadora na SF. São inúmeros os atravessamentos existentes, os quais desfavorecem a dimensão educativa como prioridade na saúde. Uma das alegações foi a falta de tempo do enfermeiro para implementar a análise e reflexão dos casos no processo de trabalho, de modo que o supervisionado seja capaz de atuar de forma contextualizada no atendimento ao usuário. Corrobora nessa discussão estudo que questiona o porquê da dificuldade do enfermeiro em agregar o olhar educativo à supervisão. A sobrecarga de trabalho é apontada como um dos fatores que limitam a atividade de supervisionar, juntamente com a necessidade de investimentos na formação de profissionais, de valorização da integralidade como modelo de organização do cuidado e de modelos participativos de gestão, que favoreçam a construção coletiva e ações de educação permanente em saúde no trabalho(11. Chaves LDP, Mininel VA, Silva JAM, Alves LR, Silva MF, Camelo SHH. Nursing supervision for care comprehensiveness. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):1106-11. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0491
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).

As condições pontuadas resultam em prejuízos ao trabalho em equipes integradas. Centralizar poder significa aumentar ou manter as desigualdades entre os trabalhadores, implica o esvaziamento da capacidade resolutiva, que é propiciada pelo compartilhamento de saberes, de responsabilidades e pela democratização do poder na vivência da equipe. Rejeita-se a ideia do poder sediado em alguém, de enxergar os trabalhadores como depositários passivos, meras vítimas do exercício de poder ou de suas estruturas(2222. Raffnsøe S, Mennicken A, Miller P. The Foucault effect in organization studies. Organ Stud. 2019;40(2):155-82. DOI: http://doi.org/10.1177/0170840617745110
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). Trabalha-se com a concepção da microfísica do poder, movimentada nas relações entre os sujeitos, na sua circularidade e capilaridade em todo o corpo social, produzindo coisas(88. Foucault M. Microfísica do Poder. 28th ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2014.).

Desse ponto de vista, embora o controle estrito na supervisão realizada pelo enfermeiro tenha sido prevalente nos achados, os dados também convergiram para outras características presentes na supervisão, as quais colocam essa atividade como instrumento de avanços positivos no trabalho da SF em direção à segurança psicológica das equipes e ao reconhecimento da necessidade de caminhar na direção educativa.

Tomando o conceito de poder em uma perspectiva que transcende a opressão, a supervisão foi reconhecida neste estudo como instrumento de poder que faz outros movimentos no processo de trabalho da equipe, que talvez não reúnam a potência suficiente para desvencilhar a supervisão dessa configuração de controle, mas apontam para uma prática articuladora do diálogo, considerado uma das vias mais férteis para a diminuição do desequilíbrio de poder entre os trabalhadores, com repercussão na produção de melhores resultados em saúde como finalidade do trabalho. A superação de modelos fragmentados e dominantes de atenção à saúde é possibilitada pelo diálogo e a reflexão entre os membros da equipe(2323. Peduzzi M, Agreli HLF, Silva JAM, Souza HS. Trabalho em equipe: uma revisita ao conceito e a seus desdobramentos no trabalho interprofissional. Trabalho, Educação e Saúde. 2020;18(Suppl 1):e0024678. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00246
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). A supervisão realizada pelo enfermeiro tem relevância nesse sentido; não obstante, uma das carências no processo formativo do enfermeiro, que compromete o exercício da supervisão, é essa lacuna na perspectiva dialógica(11. Chaves LDP, Mininel VA, Silva JAM, Alves LR, Silva MF, Camelo SHH. Nursing supervision for care comprehensiveness. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):1106-11. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0491
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).

Outra constatação na direção da supervisão como poder positivo se relaciona à sua contribuição para a vocalização dos diferentes atores na equipe, em seus desconfortos, angústias e dificuldades laborais, promovendo, de modo notável, a saúde mental dos trabalhadores individualmente e, coletivamente, a segurança psicológica do ambiente de trabalho, tida como a crença compartilhada entre a equipe de saúde de que estão seguros para assumir as incertezas e desafios do trabalho(2424. Grailey KE, Murray E, Reader T, Brett SJ. The presence and potential impact of psychological safety in the healthcare setting: an evidence synthesis. BMC Health Serv Res. 2021;21(1):773. DOI: https://doi.org/10.1186/s12913-021-06740-6
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). Contrariamente, a ausência da segurança psicológica reforça as assimetrias de poder na equipe, pois inibe os seus componentes de falar, silenciando-os(2424. Grailey KE, Murray E, Reader T, Brett SJ. The presence and potential impact of psychological safety in the healthcare setting: an evidence synthesis. BMC Health Serv Res. 2021;21(1):773. DOI: https://doi.org/10.1186/s12913-021-06740-6
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).

Neste estudo, a segurança psicológica fomentada pela supervisão do enfermeiro também fez aproximação com a garantia da assistência segura na SF. O enfermeiro como supervisor foi evidenciado como aquele que faz acontecer os projetos institucionais para melhoria do atendimento à população, quando empreende esforços para socialização intra- equipe e na articulação com a gestão central nesse sentido. Contribui com esse resultado estudo em que a equipe de APS se compromete com a qualidade do serviço, a partir dessa ação do enfermeiro(2525. Kershner TVK, Silva CB, Santos VCF, Ferreira GE. Propositions of coordinating nurses for the implementation of the 5S Program in the Primary Health Care. Revista Eletrônica de Enfermagem. 2020;22:57943. DOI: https://doi.org/10.5216/ree.v22.57943
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).

Como limitação deste estudo, destaca-se a impossibilidade de generalizações considerando o número de equipes analisadas. Entende-se que a supervisão, na perspectiva das relações de poder na SF, deve ser explorada em diferentes contextos da APS, a partir de outros referenciais teóricos e metodológicos, a fim de aprofundar a complexidade da temática investigada.

Devido à importância que a supervisão exercida pelo enfermeiro assume no trabalho das equipes de SF, este estudo permitiu evidenciar aspectos que interferem nessa atribuição, por vezes fazendo-a reproduzir a lógica do controle estrito, mas também possibilitando outras produções positivas para os resultados em saúde, para a promoção da saúde no local de trabalho e o conhecimento da enfermagem.

CONCLUSÃO

Este estudo evidencia que a supervisão exercida pelo enfermeiro na SF ainda preserva características do controle estrito, com traços da vigilância panóptica, tanto na forma como o enfermeiro concebe a supervisão quanto nos mecanismos utilizados por ele nessa atribuição.

Discute-se a necessidade de desacomodar a supervisão realizada pelo enfermeiro desse lugar no qual historicamente se inscreveu, na lógica do controle, para uma prática que propicie outras formas de se relacionar com os supervisionados e demais integrantes da equipe. Diversos fatores estão envolvidos nessa mudança, como a necessidade de corresponsabilidade nas decisões do que ocorre na equipe e a democratização do poder na cotidianidade do trabalho, construída sobretudo a partir do diálogo.

Assim, destaca-se a possibilidade de re-situar a supervisão nessa dinâmica intersubjetiva e analisá-la como prática dialógica, para produzir avanços no trabalho em saúde. Ao supervisionar, o enfermeiro colabora para promover a construção de ambientes de trabalho saudáveis, com valorização das interações, estabelecimento de confiança, fortalecimento do trabalho em equipe e apoio aos trabalhadores, aspectos que resultam em promoção da segurança psicológica na SF.

Nesse sentido, os achados deste estudo também mostram que as relações de poder analisadas no contexto da supervisão realizada pelo enfermeiro na SF podem influenciar o conjunto de fatores presentes no trabalho da equipe, modificar o conceito de supervisão e, consequentemente, transformá-la.

  • Apoio financeiro O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Rosa Maria Godoy Serpa da Fonseca

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2022
  • Aceito
    10 Jun 2022
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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