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Por uma pedagogia e política da branquidade

Rewriting the discourse of racial identity: towards a pedagogy and politics of whiteness

Resumos

Neste artigo, Henry Giroux coloca o estudo da branquidade em um contexto histórico, reconhecendo os vários modos pelos quais a identidade racial tem sido usada por ideólogos conservadores e acadêmicos críticos que procuram expandir a discussão de raça e poder. O autor também focaliza as limitações do conhecimento atual sobre branquidade. Embora esse conhecimento tenha ampliado, com sucesso, o estudo da raça, no sentido de incluir o estudo da branquidade como uma construção histórica, cultural e política, não revelou o potencial liberador da desconstrução da branquidade na esfera pública. Por meio de uma análise de Dangerous Minds e Suture, dois filmes com narrativas contrastantes sobre raça, o autor fornece um exemplo das possibilidades de discutir criticamente, em sala de aula, a representação de raça e etnicidade na mídia. Por meio dessa discussão, os estudantes de raças e etnias diferentes podem refletir sobre a representação de si próprios e de outros e a posição da branquidade como o referente dominante. É necessário que a branquidade seja teorizada e discutida de maneira que se reconheça o seu potencial crítico, bem como a possibilidade de que estudantes brancos distingam seu próprio modo de agir e lugar legítimo no interior da luta pela mudança social e por uma sociedade anti-racista.

ETNIA; IDENTIDADE RACIAL; PRECONCEITO; ANTI-RACISMO


In this article, Heniy Giroux places the study of Whiteness in a historical context, recogwizing the various modes in which racial identity has been used by conservative ideologues and critical scholars who seek to expand the discussion of race and power. The author also points out the limitations of the current scholarship on Whiteness. Although this scholarship has successfully expanded the study of race to include the study of Whiteness as a historical, cultural, and political construction, it has not shown the liberating potential of deconstructing Whiteness in the public sphere. With an analysis of Dangerous Minds and Suture, two movies with contrasting narratives of race, the author provides an example of the possibilities for critically discussing, in a classroom, the representation of race and ethnicity in the media. Through such a discussion, students of different races and ethnicities can reflect on the representation of themselves and others and the position of Whiteness as the dominant referent. There is a need for Whiteness to be theorized and discussedin a manner that recognizes the potential for criticism, as well as the possibility for White students to recognize their own agency and legitimate place within the struggle for social change and an antiracist society.


TEMA EM DESTAQUE: ETNIA E EDUCAÇÃO

Por uma pedagogia e política da branquidade

Rewriting the discourse of racial identity: towards a pedagogy and politics of whiteness

Henry A. Giroux

Pennsylvania State University — Tradução: Clara Colotto

SUMÁRIO

Neste artigo, Henry Giroux coloca o estudo da branquidade em um contexto histórico, reconhecendo os vários modos pelos quais a identidade racial tem sido usada por ideólogos conservadores e acadêmicos críticos que procuram expandir a discussão de raça e poder. O autor também focaliza as limitações do conhecimento atual sobre branquidade. Embora esse conhecimento tenha ampliado, com sucesso, o estudo da raça, no sentido de incluir o estudo da branquidade como uma construção histórica, cultural e política, não revelou o potencial liberador da desconstrução da branquidade na esfera pública. Por meio de uma análise de Dangerous Minds e Suture, dois filmes com narrativas contrastantes sobre raça, o autor fornece um exemplo das possibilidades de discutir criticamente, em sala de aula, a representação de raça e etnicidade na mídia. Por meio dessa discussão, os estudantes de raças e etnias diferentes podem refletir sobre a representação de si próprios e de outros e a posição da branquidade como o referente dominante. É necessário que a branquidade seja teorizada e discutida de maneira que se reconheça o seu potencial crítico, bem como a possibilidade de que estudantes brancos distingam seu próprio modo de agir e lugar legítimo no interior da luta pela mudança social e por uma sociedade anti–racista.

Palavras-chave: ETNIA — IDENTIDADE RACIAL — PRECONCEITO — ANTI–RACISMO

ABSTRACT

In this article, Heniy Giroux places the study of Whiteness in a historical context, recogwizing the various modes in which racial identity has been used by conservative ideologues and critical scholars who seek to expand the discussion of race and power. The author also points out the limitations of the current scholarship on Whiteness. Although this scholarship has successfully expanded the study of race to include the study of Whiteness as a historical, cultural, and political construction, it has not shown the liberating potential of deconstructing Whiteness in the public sphere. With an analysis of Dangerous Minds and Suture, two movies with contrasting narratives of race, the author provides an example of the possibilities for critically discussing, in a classroom, the representation of race and ethnicity in the media. Through such a discussion, students of different races and ethnicities can reflect on the representation of themselves and others and the position of Whiteness as the dominant referent. There is a need for Whiteness to be theorized and discussedin a manner that recognizes the potential for criticism, as well as the possibility for White students to recognize their own agency and legitimate place within the struggle for social change and an antiracist society.

A liberação da identidade racial faz parte tanto da luta contra o racismo como da eliminação da discriminação racial e da desigualdade. Essa liberação envolverá uma revisão da política racial e uma transformação da diferença racial. Tornará a própria democracia muito mais radicalmente pluralista e a identidade muito mais um problema de escolha do que de atribuição. À medida que as lutas para alcançar esses objetivos forem reveladas, reconheceremos gradualmente que a racialização da democracia é tão importante quanto a democratização da raça.

(Howard Winant, Racial Conditions, 1994. p.169)

A BRANQUIDADE E O MOVIMENTO DE REVIDE CONSERVADOR

Na última década, o debate a respeito da raça tomou uma direção intrigante, na medida em que branquidade se tornou cada vez mais visível como símbolo de identidade racial. Deslocada de seu status amplamente compreendido como um referente sem nome, universal e moral, branquidade, como categoria de identidade racial, foi apropriada por diversos grupos conservadores e de direita, bem como por acadêmicos críticos, como parte de uma articulação mais ampla de raça e diferença. Para um grupo variado de brancos, em parte mobilizados pelo pânico moral gerado pelos ataques da direita à imigração, aos programas com referencial racial e ao bem–estar social, branquidade tornou–se um elemento importante para a resistência da classe média à "tributação, à expansão de direitos providos pelo Estado, e à integração" (Winant, 1992). Ameaçados pela exigência dos direitos das minorias, pela reescrita da história americana do começo ao fim e pelas alterações nos dados demográficos raciais das cidades da nação, outros brancos passaram a sentir–se cada vez mais zangados e ressentidos com o que era encarado como um ataque a seu sentido de consciência individual e coletiva (Edsall, Edsall, 1992).

À medida que a branquidade começou a sofrer exame minucioso da parte de vários grupos sociais — tais como feministas negras e latinas, multiculturalistas radicais, teóricos críticos das relações raciais e outros — como uma fonte opressiva, invisível, perante a qual todo o restante é referido, muitos brancos começaram a se identificar com o "novo racismo" tipificado pelos conservadores de direita, tal como o apresentador do programa de entrevistas Rush Limbaugh (Winant, 1994; Giroux, 1992). Prevalecendo sobre vastas audiências com o rugido do "homem branco zangado", amargurado por ofensas raciais imaginárias cometidas contra os brancos, a popularidade de Limbaugh sugeria que raça havia se tornado uma das forças sociais mais significativas das décadas de 1980 e 1990. Numa era de desemprego sem precedentes, pobreza e oportunidades decrescentes para a maioria dos negros americanos, os brancos de direita convenceram–se de sua própria perda de privilégios. Assim, o discurso da raça tornou–se um veículo para apaziguar a ansiedade branca e minar o legado poderoso da "justiça social" e racial. Por exemplo, durante as décadas de 1980 e 1990, à medida que o Partido Republicano se movia para a direita, tirava vantagem dos receios raciais de muitos brancos e lançava um ataque agressivo contra a ação afirmativa promovendo, com sucesso, programas retrógrados projetados para reduzir os gastos sociais, desmantelar o sistema de bem–estar social e desacelerar o ritmo da integração racial (Edsall, Edsall, 1992). O legado progressivo da política de identidade — com ênfase no reconhecimento da presença de novos atores sociais, que usam sua própria posição social como um recurso para desenvolver uma política que tenta historicizar e compreender de que modo as identidades são construídas e funcionam como "um movimento crucial para expandir a cidadania às pessoas de cor e outros grupos subordinados" — foi trivializado ou descartado, na medida em que os conservadores se apropriaram da política de identidade como um princípio definidor de branquidade (Yudice, 1995). John Brenkman (1995) acentua essa apropriação alegando que "os eleitores, cujas crenças e receios foram mais significativamente moldados por sua identidade racial na década de 1980, são brancos".

Surgiu uma mentalidade de caráter circunscrito para policiar fronteiras culturais e reafirmar a identidade nacional. O discurso da branquidade expressa o ressentimento e a confusão de muitos brancos que se sentem vitimizados e amargurados, enquanto mascara desigualdades profundas e práticas de exclusão dentro da ordem social atual. Desviando a política da raça do discurso da supremacia branca, do legado histórico da escravidão e segregação, bem como do fardo contínuo da injustiça racial suportada pelos afro–americanos e por outras minorias nos Estados Unidos, políticos tais como Pat Buchanan, David Duke, Jesse Helms, e Pat Robertson mobilizaram um novo discurso populista sobre a família, a nação, os valores tradicionais e o individualismo, como parte de uma resistência mais ampla à democracia multicultural e à cultura racial diversificada.

Na mídia popular, os conservadores acusam acerbamente os negros por muitos dos problemas sociais e econômicos que assolam o país (Giroux, 1996). O colunista conservador Mickey Kaus exemplificou essa sensibilidade ao dizer que deseja "viver numa sociedade na qual não haja raça alienada nem racismo, em que eu não precise me sentir desconfortável ao andar em uma rua porque sou branco" (Kaus apud Brenkman, 1995). Como raça se tornou fator primordial, modelando a política norte–americana e a vida do dia–a–dia desde a década de oitenta, o preconceito racial em suas formas abertas foi considerado um tabu. Enquanto o antigo racismo mantinha alguma distinção entre os conservadores de direita mais populares (por exemplo, Bob Grant, o anfitrião do programa de entrevistas de rádio de Nova York), um novo discurso racista emergia nos Estados Unidos. O novo racismo era codificado na linguagem da "reforma do bem–estar social," como "escolas da mesma vizinhança," como "dureza com o crime," e como "nascimentos ilegítimos." Inteligentemente projetado para mobilizar os temores dos brancos, aliviando–os, ao mesmo tempo, de qualquer aparência de responsabilidade e compromisso social, o novo racismo serviu para reescrever a política da branquidade como uma identidade racial "sitiada". À medida que o movimento de revide racial se intensificava na mídia e em outras esferas públicas, a branquidade assumiu uma nova forma de força política que se tornou visível com o surgimento de grupos de milícias de direita, de skinheads brancos, e de cruzadas anti–PC de estudantes brancos indignados e de organizações acadêmicas conservadoras tais como a National Association of Scholars e a Southern League (Diamond, 1995; Diamond, 1996; Novick, 1995; Berlet, 1995).

Ao contrário de a branquidade ser invisível, como alegaram certos críticos de esquerda tais como Richard Dyer e bell hooks* * . Bell Hooks, pseudônimo de autora feminista radical negra, é grafado em letras minúsculas (N.T.) , entre outros, ela foi agressivamente incorporada pela cultura popular a fim de rearticular um sentido de identidade individual e coletiva aos brancos "sitiados". Tanto Dyer como hooks, argumentaram que os brancos se vêem como racialmente transparentes e reinscrevem a branquidade como invisível; isto é, raramente ocorre aos brancos que são privilegiados por serem brancos. Embora esse argumento possa ter sido verdadeiro na década de oitenta, ele não faz mais sentido na medida em que a juventude branca, em particular, tem se tornado cada vez mais sensível a seu status como brancos por causa da política racial e da exposição da raça pela mídia em anos recentes (Dyer, 1998; bell hooks, 1992). Celebrada pelos meios de comunicação de massa na década de noventa, a nova cartografia da raça emergiu como o resultado de uma tentativa de reescrever o legado racial do passado, ao mesmo tempo recuperando a visão mítica da branquidade associada à pureza e à inocência. Filmes imensamente populares, tal como Forrest Gump 1994) tentaram reescrever a memória pública, limpando o passado americano de tensões raciais e endossando "uma compreensão preferencial de relações raciais que opera a favor do pranto público pelo 'homem branco vitimizado'" (Gresson III, 1996). Livros amplamente discutidos, tais como The Bell Curve de Richard Herrnstein e Charles Murray (1994) e The End of Racism de Dinesh D'Souza (1995), revisaram e reafirmaram os princípios básicos do debate eugênico das décadas de vinte e trinta e apresentaram uma defesa das hierarquias raciais. Na imprensa popular, o discurso da discriminação racial e da desigualdade social deu lugar a histórias chocantes sobre crime negro, estrangeiros ilegais se apossando de empregos, ameaça de déficit decorrente do pagamento de benefícios sociais a mães solteiras adolescentes, e à asserção de que os "gangsta" rap artists negros, tais como Snoop Doggy Dogg e Ice Cube corrompem os valores morais da juventude branca de classe média (Reeves, Campbell, 1994; Fiske, 1994; Ferrel, Sanders, 1995; Gray, 1995; Dyson, 1996; Giroux,1996; Jones, Deterline, 1994). Embora revistas acadêmicas liberais, como a New Republic e a Atlantic Monthly, evitassem os discursos extremistas de David Duke, Ralph Reed e Jerry Falwell, elas publicavam editoriais e histórias que legitimavam a percepção popular de que a cultura negra é uma cultura de crime, patologia e degeneração moral. A New Republic (1994) devotou uma edição inteira a uma análise da distribuição de curva normal, com o título The Bell Curve, justificando sua decisão em uma vergonhosa afirmação editorial que declarava, "A noção de que pode haver extensas diferenças étnicas em relação à inteligência não é, acreditamos, inerente a uma crença racista". É claro, a recusa em reconhecer que essa posição surgiu historicamente de um movimento eugênico legitimador de ódios raciais diversificados bem como de alguns dos massacres mais bárbaros e atrozes do século vinte, parecia irrelevante perto da asserção editorial autocongratulatória de flexibilidade intelectual. A Atlantic Monthly ecoou temores raciais similares em uma enxurrada de histórias de cobertura e artigos sensacionalistas sobre como o crime, a doença, gangsta–rap, e mães não casadas (negras) estavam prontas para causar danos a "todos — mesmo aos brancos de Back Bay" (Augnet, 1966).

As representações de mau gosto da experiência negra, publicadas por essas revistas, ganharam aceitação crescente na mídia dominante. Codificação racial, exibida na forma de populismo de senso comum, associava o negro a uma série de equivalências negativas que contradiziam a injustiça racial, ao mesmo tempo afirmando o inconsciente racista reprimido e indescritível da cultura branca dominante. Imagens ameaçadoras da juventude negra, de mães sob a tutela do bem–estar social e de condenados, forjadas pela retórica evocativa de jornalistas semeadores do medo, ajudavam a sustentar a imagem de uma família branca de classe média de subúrbio, sitiada e ameaçada por:

...uma cultura e povos estrangeiros menos civilizados do que os nativos um povo que se situa em lugar inferior na ordem da cultura porque é, de algum modo, inferior na ordem da natureza, definida pela raça, pela cor e, algumas vezes, pela herança genética. (Hall, 1992. p.13)

Enquanto a imprensa popular assinalava a emergência de uma política de identidade, pela qual homens brancos se definiam a si próprios como vítimas do preconceito racial "reverso", acadêmicos se dedicavam a investigar a fundo e a acumular uma quantidade substancial de conhecimento, explorando o significado da análise da branquidade como uma construção social, cultural e histórica. Esse trabalho se caracterizou por várias tentativas para situar a branquidade como uma categoria racial e analisá–la como um locus de privilégio, poder e ideologia. Além disso, esse trabalho procurou examinar criticamente de que modo a branquidade, como identidade racial, é experienciada, reproduzida e tratada pelos homens e mulheres brancos que se identificam com suas pressuposições e valores.

Em alguns setores, a idéia de estudar a branquidade provocou escárnio e indignação. Por exemplo, a revista Time ridicularizou uma professora que chamou o curso acadêmico que ministrava sobre literatura americana de "Escritores homens hispânicos" (Henry III, 1991). A Newsweek assumiu a posição da corrente principal, ao construir uma imagem dos homens brancos nos Estados Unidos sofrendo uma crise de identidade relativa à mudança de sua imagem pública. De acordo com David Gates (1993), ao escrever para a Newsweek, os homens brancos não mais se sentiam seguros em uma identidade que havia sido devastada por "feministas, multiculturalistas, ex–chefes policiais, patrões adeptos da ação afirmativa, artistas de rap, ameríndios, magnatas japoneses, fundamentalistas islâmicos e ditadores do Terceiro Mundo". A Newsweek também lamentou os violentos ataques que os homens brancos estavam recebendo da mídia, apoiando seu argumento em comentários de uma assalariada "rancorosa" e de um psiquiatra proeminente, que assegurava aos leitores que, "para os homens brancos na faixa dos trinta e quarenta anos, o assunto não era de modo algum uma piada. Em suas mentes, todo o seu futuro está em jogo. Estão assustados" (Gates, 1993). Embora a dissolução do poder dos homens brancos parecesse um tanto exagerada aos editores e redatores da Newsweek, eles deixaram bem claro que o pânico vigente entre os brancos não era inteiramente infundado, pois poderiam viver, no próximo século, em uma sociedade constituída, em larga escala, por "minorias raciais e étnicas diversificadas" (Gates, 1993).

ESTUDOS SOBRE BRANQUIDADE

Baseando–se na obra de W. E. B. DuBois, Ralph Ellison e James Baldwin, acadêmicos de uma ampla gama de disciplinas, incluindo a História, os Estudos Culturais, os Estudos Literários, a Sociologia e a Comunicação Verbal, colocaram a "construção da 'branquidade' na mesa para ser investigada, analisada, esmiuçada, testada" (Fishkin, 1995). Rejeitando o pressuposto de que uma análise da raça significa focalizar principalmente pessoas de cor, intelectuais como David Roediger, Ruth Frankenberg, Theodore Allen, bell hooks, Noel Ignatiev, Toni Morrison, Howard Winant, Alexander Saxton e Fred Pfeil tratam da construção histórica e social da "branquidade" por meio de um vasto espectro de esferas, identidades e instituições e redefinem a necessidade de tornar a branquidade o ponto central da área mais ampla da política racial (Roediger, 1991; Saxton, 1991; hooks, 1992; Ware, 1992; Frankenberg, 1993b; Morrison, 1992; Winant, 1994; Allen, 1994; Omi, Winant, 1994; Roediger, 1994; Ignatiev, 1995; Pfeil, 1995; Ignatiev, Garvey, 1996).

Conquanto seja impossível analisar este grande corpus de trabalho em detalhe, comentarei sucintamente algumas das direções teóricas que tomou e avaliarei suas implicações para aqueles entre nós, preocupados com questões de representação política racial e pedagógica.

Historiadores como David Roediger, Noel Ignatiev e Theodore Allen, entre outros, basearam–se na obra de historiadores mais antigos da raça, concentrando–se menos nas influências dos afro–americanos sobre a cultura predominante branco–americana — a cultura sulina, a agricultura colonial americana, a música americana, o teatro, a literatura, etc. — e mais no problema do modo pelo qual a identidade racial branca foi assumida, apropriada e modelada historicamente, e em termos de como os brancos narram e representam a si próprios, bem como as maneiras pelas quais a identidade branca dominante influencia a construção e o tratamento dos "outros" raciais (Fishkin, 1995). Contestando o que significa ser branco e a experiência da branquidade como um processo de inclusão e exclusão, freqüentemente instável e sujeito à mutação, esses historiadores rearticularam e ampliaram o conceito de identidade racial, embora, simultaneamente, contestem a branquidade como um locus de privilégio racial, econômico e político. Mais especificamente, esse trabalho introduz um aporte histórico revisionista aos debates fortemente acirrados sobre identidade racial e nacional, centrais na política americana contemporânea. Ao focalizar de que maneira a branquidade, como identidade racial dominante, modelou a história do trabalho americano em diferentes intervalos e configurou relações históricas e políticas entre grupos étnicos (tais como os irlandeses), Roediger e outros atenuaram muitíssimo

...o impacto que a identidade racial dominante nos Estados Unidos tem exercido não apenas no tratamento dos "outros" raciais, como também nos modos como os brancos pensam sobre si próprios e a respeito de poder, prazer e gênero. (1994. p. 75)

A tentativa de confrontar "o problema da identidade racial branca [e de levantar] as questões de quando, por que e com quais resultados as assim chamadas 'pessoas branca' vieram a se identificar a si próprias como brancas é essencial ao trabalho teórico sobre a branquidade" (Roediger, 1994). Não mais essência estável, auto–evidente ou pura, que é central à autodefinição da modernidade, a branquidade é desmascarada, no trabalho de historiadores como David Roediger e Noel Ignatiev, como uma tentativa de, arbritrariamente, categorizar, posicionar e conter o "outro" dentro de hierarquias racialmente ordenadas. Desalojada de um discurso autolegitimador fundado em um conjunto de categorias raciais fixas de ordem transcendental, a branquidade é analisada como um componente vivido, mas raramente reconhecido, da identidade racial e da dominação branca.

Esses estudiosos fizeram mais do que acrescentar um componente histórico ao discurso sobre a branquidade; expandiram e aprofundaram a relevância de politizar os debates sobre o inter–relacionamento entre branquidade e raça. Roediger, por exemplo, apresenta três razões para conclamar os críticos culturais envolvidos na construção social de raça a direcionarem suas energias políticas para "expor, desmistificar e degradar a ideologia particular da branquidade":

A primeira é que, embora nem a branquidade, nem a negritude, constituam uma categoria racial científica (ou natural), a primeira é infinitamente mais falsa, e precisamente por causa dessa falsidade, mais perigosa do que a última. A segunda é que, ao atacar a noção de que branquidade e negritude se equivalem, minamos especificamente o que se tornou, por meio da noção de "racismo reverso", uma importante sustentação da recusa popular entre os brancos de confrontarem tanto o racismo como a si próprios. A última é que a branquidade agora constitui uma forma quebradiça e frágil de identidade social e pode ser combatida. (1994. p.12)

A noção de que a branquidade pode ser desmistificada e reformulada é um motivo teórico que une as análises históricas da construção da branquidade ao trabalho de teóricos proeminentes numa variedade de outros campos. Por exemplo, Toni Morrison, em seu livro memorável Playing in the Dark, desafia os críticos a examinarem de que modo a branquidade, como categoria literária, funciona modelando e legitimando uma "identidade americana" monolítica. Morrison apresenta sua interrogação acerca da construção imaginativa da branquidade da seguinte maneira:

Os leitores de, virtualmente, toda a ficção americana têm sido posicionados como brancos. Estou interessada em saber o que essa pressuposição tem significado na imaginação literária. Quando a "inconsciência" racial ou a consciência de raça enriquecem a linguagem interpretativa e quando a empobrecem?... Quais partes da invenção e desenvolvimento da branquidade participam da construção daquilo que é livremente descrito como "americano"? (1992. p.XII, 9)

No campo dos estudos culturais, Ruth Frankenberg, Richard Dyer e bell hooks sondam mais a fundo o papel da branquidade como um locus de privilégio e exclusão, reconhecendo que ela é produzida diferentemente dentro de uma variedade de espaços públicos, bem como percorrendo as diversas categorias de classe, gênero, sexualidade e etnicidade. Frankenberg (1993a), por exemplo, explora de que modo a branquidade, como um locus de privilégio racial, molda as vidas e identidades de um grupo diversificado de mulheres brancas. Por outro lado, por meio de uma análise das pedagogias raciais atuantes na cultura popular, Dyer (1998) desafia o poder representativo da branquidade de "ser tudo e nada como fonte de seu poder representativo". Ele fornece um instrumento teórico ao analisar a branquidade como um fiador da beleza e da verdade dentro da política representada por três filmes de Hollywood.

Uma das críticas mais incisivas da branquidade provém de bell hooks (1990), segundo a qual, um grande número de intelectuais brancos focaliza os "outros" em sua análise da raça, mas pouco fazem "para investigar e justificar todos os aspectos da cultura branca sob o ponto de vista da 'diferença'". De acordo com hooks (1990), "seria tão interessante se todos aqueles sujeitos brancos, que consideram os negro e a negritude, soubessem o que está acontecendo com a branquidade". A autora amplia ainda mais sua crítica argumentando que, embora os brancos estejam dispostos a analisar de que modo os negros são percebidos pelos brancos, raramente os críticos brancos estão atentos a como os negros vêem os brancos. De acordo com hooks, os brancos se recusam a ver os negros como agentes políticos. Tampouco os brancos, presos em suas próprias fantasias raciais de assassinato e estupro, reconhecem que, na imaginação negra, a branquidade freqüentemente está associada ao terror. Para hooks (1992), há mais em jogo do que conseguir que os brancos reconheçam que representações da branquidade como pura, boa, benevolente e inocente sejam contestadas por representações da imaginação negra a respeito da branquidade como caprichosa, cruel e incontrolável. Também coloca em questão a branquidade como uma ideologia ao expor suas leituras privilegiadas da história, da arte e do poder institucional mais amplo e suas formas politicamente míopes de crítica cultural. A autora constrói sua crítica exigindo dos brancos que se tornem autocríticos sobre o modo como a branquidade aterroriza, "trocando de posição a fim de enxergar o mundo diferentemente".

Em uma mudança de direção teórica decisiva e, de certo modo, paradoxal, hooks insta os brancos a não irem demasiado longe ao focalizar a branquidade, particularmente se isso servir para minimizar os efeitos do racismo sobre os negros. Primeiro, argumenta que tentativas de encarar o racismo como forma de vitimação dos brancos, "na esperança de que isso funcionará como uma intervenção, é uma estratégia mal orientada" (hooks, 1992). Segundo, repudiando o discurso da vitimação Branca, por falhar em distinguir entre preconceito racial, do modo como é experienciado tanto por negro como por brancos, e racismo institucional, que vitima pessoas de cor, hooks concorda com o teólogo negro James Cone, para o qual o único modo pelo qual os brancos podem se tornar anti–racistas é "destruir a si próprios e renascer como belas pessoas negras" (Cone apud hooks, 1992). A crítica de hooks é metaforicamente manifesta para o campo da comunicação verbal por Thomas Nakayama e Robert Krizek, os quais argumentam que a tarefa primária dos brancos é desmistificar e desvelar a branquidade como uma forma de domínio. Nesse caso, Nakayama e Krizek se esforçam para

...desterritorializar o território do "branco", expor, examinar e romper de modo que, como ocorre com outras posições, possa ser colocado sob análise crítica.... Procuramos a compreensão dos modos pelos quais esta construção retórica se faz visível e invisível, escapando à análise e no entanto exercendo influência sobre a vida diária. (1995. p. 291–309)

Com ênfase na pressuposição de que branquidade é sinônimo de domínio e opressão, o novo conhecimento sobre a branquidade focaliza, em ampla escala, o projeto crítico de desvelar os mecanismos retóricos, políticos, culturais e sociais pelos quais a branquidade é inventada e usada para mascarar seu poder e privilégio. O investimento político de tal trabalho procura abolir a branquidade como uma categoria racial e marcador de identidade. Ou seja, no centro desse esforço está a tentativa de despir a branquidade de seu poder histórico e político, de produzir, regular e constranger "outros" racializados por meio das relações discursivas e materiais de dominação e subjugação racial. Roediger ecoa esse sentimento em seu comentário de que "não se trata meramente de ser a 'branquidade' opressiva e falsa; trata–se de que a 'branquidade' nada mais é do que opressiva e falsa (Roediger, 1994). Essa posição é repetida por Noel Ignatiev, que escreve provocativamente em Race Traitor :

...a chave para solver os problemas sociais de nossa época é abolir a raça branca... Enquanto existir a raça Branca, todos os movimentos contra o racismo estão condenados a fracassar [ e] traição à "branquidade" é lealdade à humanidade. (Ignatiev, Gavey, 1996. p. 10)

Argumentos similares, combinando "branquidade" com racismo branco podem ser encontrados no trabalho de Derrick Bell (1992) e Andre Hacker (1992).

A seguir, analisarei alguns dos problemas políticos e pedagógicos decorrentes de uma crítica baseada nos pressupostos de que branquidade é sinônimo de dominação e que a única alternativa para a juventude branca progressista construir uma identidade racial consiste, de fato, em renunciar à sua própria branquidade. Desenvolvo essa crítica examinando três considerações. Primeiro, focalizo alguns dos problemas subjacentes à compreensão do movimento de revide racial que está ocorrendo entre muitos estudantes brancos nos Estados Unidos. Segundo, trato o modo como representações da branquidade, em dois filmes, exemplificam os limites e as possibilidades de analisar sua construção social. Terceiro, exploro como esses filmes poderiam ser usados pedagogicamente para rearticular uma noção da branquidade que se elabora a partir da visão dela própria como simplesmente uma posição fixa de dominação, porém também se amplia para além dessa posição. Para tanto, procuro estruturar, de modo ainda inicial e estratégico, uma abordagem pedagógica da branquidade, que oferece aos estudantes a possibilidade de rearticular a "branquidade", ao invés de simplesmente aceitar suas pressuposições normativas dominantes ou de rejeitá–la como forma racista de identidade. Conquanto estudantes brancos possam sentir–se traumatizados ao colocar suas identidades raciais em julgamento, neste caso, o trauma pode se tornar um intrumento pedagógico útil para ajudá–los a se localizar dentro e contra o discurso e prática do racismo. Como instrumento pedagógico poderoso, o trauma se refere aos efeitos, sentidos subjetivamente, de práticas em sala de aula que dispersam, reorientam e desafiam pressuposições de bom senso dos estudantes sobre raça, refere–se também ao modo como ele modela suas vidas e afeta suas interações com grupos de pessoas racialmente diversificados. O trauma representa aquele momento pedagógico em que as identidades se tornam desorganizadas, provocando ansiedade e oportunidade para repensar a natureza política e o conteúdo moral da própria identidade racial de alguém e os papéis que ela representa ao modelar o relacionamento de alguém com aqueles que são constituídos como o "outro" do ponto de vista racial. Em suma, a juventude branca necessita de um meio mais crítico e produtivo para construir um senso de identidade, força e raça em uma ampla gama de contextos e esferas públicas. Entretanto, a ligação da branquidade com o projeto de mudança democrática radical não deve prover um argumento racional para camuflar a injustiça racial e as profundas desigualdades entre negro e brancos.

A JUVENTUDE E A REARTICULAÇÃO DA BRANQUIDADE

Cada vez mais, raça é importante como um princípio definidor de identidade e cultura, tanto para os estudantes brancos da década de noventa como para a juventude de cor das décadas de setenta e oitenta. Como um marcador de diferença, a raça modela significativamente o modo pelo qual a juventude branca experiencia a si própria e seus relacionamentos com uma variedade de espaços públicos marcados pela presença de pessoas de cor. Identidades raciais distintas têm–se tornado mais visíveis e mais híbridas como decorrência da demografia mutável do espaço urbano, da proeminência da raça na cultura hip–hop, em revistas de fãs, na MTV, em seriados cômicos de televisão, em filmes de Hollywood, como resultado da emergência de intelectuais negros públicos na mídia. À medida que a cultura se torna mais diversificada racialmente, a juventude branca torna–se cada vez mais consciente dos modos pelos quais outros subordinados lutam para representar a si próprios e da necessidade de se definir em termos raciais que levam em consideração sua branquidade como um marcador de identidade, um ponto de ligação cultural e localização histórica. Em contraste com a posição popular entre educadores brancos que clamam que "nós [brancos] não somos definidos pela cor de nossa pele" (Scheurich, 1993), a juventude branca tem se tornado cada vez mais consciente de si própria como branca. Duas forças principais que afetam a linha racial divisória têm servido para tornar a branquidade mais visível e frágil como um locus de privilégio e poder, enquanto, ao mesmo tempo, limitam as oportunidades para a juventude ser branca e de oposição (Jester, 1992; Yudice, 1995). Em outras palavras, a branquidade tornou–se mais visível como um significador privilegiado de identidade racial e, conseqüentemente, passou a sofrer ataques em muitos aspectos. Entretanto, à medida que branquidade se torna, cada vez mais, um objeto de análise histórica e crítica, têm havido poucas tentativas de prover uma linguagem teórica pela qual a juventude branca possa se recusar a referenciar sua branquidade apenas pela da experiência comum do racismo e da opressão. Daí se tornar difícil para a juventude branca perceber a si própria ao mesmo tempo como branca e anti–racista.

A primeira força é a emergência da política de identidade nos Estados Unidos desde a década de sessenta até o presente. Embora contraditória e diversificada em suas manifestações, a política de identidade resultou amplamente na formação, consolidação e visibilidade de novas identidades raciais de grupo. Estas incluem grupos tão variados como a juventude branca que se identifica com a cultura da juventude negra e se rotula a si própria de wiggers; feministas cujas identidades foram rearticuladas por rótulos raciais como negras, latinas, pardas ou mestiças; e grupos políticos tais como nacionalistas negros, mexicano–americanos, nacionalistas porto–riquenhos e ameríndios que afirmam suas identidades raciais e híbridas como parte de uma nova política de diferença, representação e justiça social. Essas identidades emergiram dentro de um debate público intensamente acirrado sobre raça, gênero e orientação sexual e tornaram mais difícil para a juventude branca seja ignorar a branquidade como uma categoria racial, seja "imaginar com segurança que é invisível às pessoas negras" (hooks, 1992). Estudantes brancos podem ver a si próprios como não racistas, porém, não se percebem mais como sem cor. Como observa Charles Gallagher (1995), a branquidade tornou–se "uma categoria destacada de autodefinição, emergindo em resposta aos desafios políticos e culturais de outros grupos racializados".

Infelizmente, para a maioria da juventude branca, cuja imaginação tem sido negligenciada, não nutrida por uma visão mais ampla da sociedade ou uma busca pela justiça social, a política de identidade engendrou uma postura defensiva. Estudantes brancos assumiram que o único papel que podiam representar na luta contra o racismo era ou renunciar a sua branquidade e adotar as modalidades do grupo subordinado, ou sofrer a acusação de que qualquer alegação de identidade branca era equivalente a racismo. Dentro desse paradigma, o racismo foi configurado por meio de uma política de representação que analisou o modo pelo qual os brancos construíram, estereotiparam e deslegitimaram outros grupos raciais, porém praticamente nada foi dito sobre como a política racial poderia tratar a construção da branquidade como uma categoria racial de oposição. Além disso, embora o debate dentro da política de identidade tenha alcançado ganhos teóricos importantes ao reescrever o que significa ser negro, não questionou a complexidade da branquidade com a mesma atenção dialética. Embora a branquidade tenha se tornado um objeto de escrutínio crítico, sua conotação primária parece "significar o centro que expele, exclui, apropria e distorce as margens" (Jester, 1992). Similarmente, a ideologia liberal forneceu apenas uma agenda única para o modo como negros e brancos poderiam trabalhar juntos na luta pela justiça social e racial. Ela substituiria o seu reconhecimento da importância das identidades raciais com apelos pela tolerância e por uma sociedade que fecha os olhos à cor.

A política de identidade serviu, em parte, como um meio para minar as possibilidades da juventude branca de confrontar criticamente o apelo liberal por uma sociedade que fecha os olhos à cor; também teve a conseqüência involuntária de reforçar a linha divisória entre negros e brancos. Além disso, a ausência de uma política de oposição à pedagogias anti–racistas e os conflitos entre o discurso do separatismo e um liberalismo evasivo em relação ao poder, constituíram uma oportunidade para que conservadores e ativistas de direita se enfronhassem na rixa e se apropriassem da branquidade como parte de um revide mais amplo contra os negros e as pessoas de cor. Neste caso, os conservadores e a extrema direita, engajaram–se ativamente no processo de recuperação da branquidade e redefiniram a si próprios como vítimas do antagonismo racial, enquanto, simultaneamente, empreendiam um ataque brutal e racialmente codificado contra a juventude urbana, os imigrantes e os pobres. Igualmente ignorando as necessidades da juventude branca, da classe operária branca e da classe baixa branca, o discurso da branquidade foi facilmente apropriado como parte de uma política cultural reacionária mais ampla que, em suas manifestações mais extremadas, estimulou o levante das milícias brancas, o crescimento do movimento skinhead entre a juventude branca bem como do movimento contra as posturas "politicamente corretas" na educação superior e nos meios de comunicação de massa.

A segunda força atuante na reconstrução da branquidade, como uma categoria racial entre a juventude, é constituída pelas alterações profundas em relação à visibilidade dos negros na mídia. Conquanto seja tolice igualar a visibilidade crescente dos negros na mídia com um aumento de poder, especialmente em relação a questões de propriedade, representações diversificadas da cultura negra, na mídia, tornaram problemas da identidade branca, inextricavelmente mais frágeis e mutáveis. Isso é evidente nos modos pelos quais a cultura popular está sendo cada vez mais reconfigurada pela música, pela dança, e pela linguagem do hip–hop. Similarmente, a emergência da [Televisão de Entretenimento Negra] Black Entertainment Television — BET, da MTV, e da televisão a cabo, dá testemunho da presença ubíqua de pessoas de cor em novelas de televisão, esportes e música, enquanto a imprensa popular apregoa a emergência dos "novos" intelectuais negros no meio acadêmico. Todas essas mudanças na mídia assinalam que os brancos não podem mais alegar o privilégio de não "ver" negros e outras pessoas de cor; a juventude branca agora precisa se confrontar com a diferença cultural como uma força que afeta todos os aspectos de suas vidas. Ao mesmo tempo em que emerge uma política racial incendiária, a racialização da cultura da mídia, e aumentam receios econômicos quanto a seu futuro, um número significativo da juventude branco–americana está cada vez mais passando por uma crise de auto–estima. Similar ao comentário crítico–cultural de Diana Jester (1992) sobre a juventude britânica, a branco–americana "não sente que tem uma "etnicidade", ou, se a possui, não é uma que a faça sentir–se bem".

Jester também sugere que a juventude branca tem poucos recursos para questionar e rearticular a branquidade como uma identidade que narre produtivamente suas experiências diárias. Isso parece corroborar os modos pelos quais muitos estudantes universitários brancos têm reagido à política racial da última década. Uma indicação da maneira pela qual a branquidade está sendo tratada entre estudantes é evidente no aumento de ataques racistas a alunos de cor nas universidades dos Estados Unidos em anos recentes. Na medida em que um racismo ressurgente se torna mais aceito na cultura mais ampla, atos racistas e agressões tornaram–se outra vez parte da vida univesitária (Ehrlich, 1994; Eflin, 1993). Ao mesmo tempo, grande número de estudantes brancos parece apoiar os ataques contínuos aos programas de ação afirmativa empreendidos pelos tribunais e legislaturas estaduais. Além disso, estudantes brancos cada vez mais expressam uma sensação geral de angústia quanto à política racial e uma enfática indiferença à política em geral.

O estudo etnográfico de Gallagher sobre estudantes universitários brancos sugere que muitos deles encaram a emergência de multiculturalistas, feministas e outros grupos progressistas como um ataque à branquidade e uma forma de discriminação oposta. Por exemplo, Gallagher escreve:

É um pressuposto comum entre estudantes brancos que qualquer classe que trate de tópicos de raça ou racismo deva ser necessariamente antibranca. Mais especificamente, os estudantes acreditam que os instrutores dessas aulas vão responsabilizar estudantes brancos individuais por escravidão, linchamento, discriminação e outros atos medonhos. (1995. p.170)

Muitos dos estudantes brancos que Gallagher entrevistou não vêem a si próprios como privilegiados em virtude da cor da pele; alguns foram tão longe a ponto de clamar que, dada a ascensão das preferências raciais, os brancos não têm mais chances iguais quando competem com minorias no mercado de trabalho. Gallagher (1995) afirma que estudantes brancos se ressentem por serem censurados de racismo e que "ignorar os modos pelos quais os brancos 'ficam racializados' tem um potencial politicamente perigoso", igualmente afirma que "a branquidade deve ser tratada porque a política racial permeia quase todas as trocas sociais, desde as manifestações em centros acadêmicos, até questões relativas a crime, de representatividade no legislativo estadual".

Infelizmente, Gallagher contribui pouco no sentido de sugerir como a branquidade poderia ser rearticulada em termos oposicionais. Na realidade, ele conclui sugerindo que, à medida que a branquidade se tornar mais visível, ela será ainda mais apropriada e mediada pela ideologia racista e que qualquer noção de solidariedade branca resultará em uma política reacionária. Por essa razão, a branquidade como marcador de identidade está confinada à noção de dominação e racismo que deixa a juventude branca sem uma visão crítica, vocabulário ou imaginário social, por meio dos quais ela poderia ver a si própria criando um espaço de oposição para lutar pela igualdade e justiça social.

O reconhecimento de que a raça, como um conjunto de atitudes, valores, experiências vividas e identificações afetivas, tornou–se um traço definidor da vida americana é fundamental para qualquer abordagem pedagógica sobre raça e política da branquidade. Por mais que sejam arbritrárias e míticas, perigosas e variáveis, as categorias raciais existem e moldam diferentemente as vidas das pessoas perante desigualdades de poder e riqueza existentes (Bernard Bell, da Pen State University, Comunicação pessoal). Como modalidade central de diferença, a raça não desaparecerá, nem será desejada que desapareça ou se torne de algum modo irrelevante nos Estados Unidos e no contexto global mais amplo. Dando–se conta dessa questão, Howard Winant argumenta:

Raça é uma condição de identidade individual e coletiva, um elemento permanente da estrutura social, embora extremamente flexível. Raça é um meio de conhecer e organizar o mundo social; está sujeita a contestação e reinterpretação contínuas, porém é tão improvável que desapareça quanto quaisquer outras formas de desigualdade e diferenças humanas... Repensar raça é não apenas reconhecer sua permanência, como também compreender o teste essencial que ela propõe para qualquer sociedade diversificada em busca da realização de uma fração de liberdade. (1994. p.XIII)

Pedagogicamente, isso implica fornecer condições aos estudantes para tratar não apenas o modo como sua branquidade funciona na sociedade como marcador de privilégio e poder, mas também como pode ser usada como uma condição para expandir as realidades ideológicas e materiais da vida pública democrática. Além disso, é imperativo que todos os estudantes compreendam de que modo a raça funciona sistemicamente ao modelar várias formas de representações, relações sociais e estruturas institucionais. Em lugar de propor a erradicação do conceito de raça em si mesmo, educadores e outros profissionais da cultura necessitam estruturar práticas pedagógicas que promovam uma reviravolta na questão da raça a fim de indicar de que maneira a branquidade poderia ser renegociada como uma força produtiva dentro de uma política de apoio às diferenças ligada a um projeto democrático radical.

Analisar a branquidade como um elemento central da política racial torna–se útil para explorar em que condições a branquidade, como prática cultural, promove hierarquias baseadas em raça, de que modo a identidade racial dos brancos estrutura a luta por recursos culturais e políticos e como direitos e responsabilidades são definidos, confirmados ou contestados em meio a alegações raciais diversificadas (Baker, 1992). A branquidade, nesse contexto, torna–se menos uma questão de criar uma nova forma de identidade política do que uma tentativa de rearticulação da questão da cor branca como parte de um projeto mais amplo de cidadania cultural, social e política.

Todos os estudantes necessitam sentir que possuem interesse pessoal em sua identidade racial (ainda que mutável, instável e transitória), uma identidade que lhes permitirá afirmar uma visão de força política pela qual eles podem se unir a diversos grupos em torno da noção de vida pública democrática, que afirma diferenças raciais mediante uma "rearticulação de cidadania cultural, social e política" (Yudice, 1995). Unir identidade, raça e diferença a uma visão mais ampla de democracia radical sugere várias considerações pedagógicas importantes. Primeiro, os estudantes necessitam investigar o relacionamento histórico entre raça e etnicidade. O historiador David Roediger está certo ao advertir contra a fusão de raça e etnia feita por teóricos críticos, especialmente à luz de uma história da etnicidade na qual imigrantes brancos vêem a si próprios como brancos e étnicos. De acordo com Roediger (1994), a reivindicação de etnicidade entre imigrantes brancos, especialmente os da Europa, não os impediu de definir suas identidades raciais pelo discurso do separatismo e da supremacia branca. Nesse caso, a etnicidade branca não foi ignorada por tais imigrantes; ela foi afirmada e associada, em alguns casos, às relações dominantes do racismo.

O problema da identidade racial pode ser associado ao que Stuart Hall denominou a "nova etnicidade"1 1 . Stuart Hall aborda a reescrita da etnicidade em uma variedade de artigos; consultar especialmente: Hall, 1990, 1991a , 1991b, 1996. Para Hall, as identidades raciais podem ser compreendidas por meio da noção de etnicidade, porém não a velha noção de etnicidade, que depende em parte da supressão da diferença cultural e de uma noção separatista da identidade branca. Dentro do discurso da "velha identidade," esta era vista como fixa e contida em si mesma, em oposição à idéia de abertura, complexidade e não acabamento. Conseqüentemente, a "velha etnicidade", com freqüência, era definida como uma essência que precisava ser protegida contra outras formas de diferenças culturais nas quais ela se encontrava enredada. A tentativa de Hall de reescrever a etnicidade como um conceito progressista e crítico não cai na armadilha teórica descrita por Roediger. Ao remover a etnicidade das amarras tradicionais do nacionalismo, racismo, colonialismo e Estado, Hall (1996) coloca a nova etnicidade como um referente para reconhecer "o lugar da história, da linguagem e da cultura na construção da subjetividade e da identidade, bem como o fato de que todo discurso é colocado, posicionado, situado e todo conhecimento é contextual".

Ampliando os insights de Hall sobre etnicidade, sugiro que as diversificadas posições individuais, experiências sociais e identidades culturais que informam a branquidade como um constructo político e social podem ser rearticuladas, a fim de os estudantes reconhecerem:

...todos nós falamos de um lugar particular, de uma história particular, de uma experiência particular, de uma cultura particular sem ficar constrangidos por [tais] posições... somos todos, nesse sentido, etnicamente localizados e nossas identidades étnicas são cruciais à percepção subjetiva de quem somos. (1996, p. 29)

Nos termos de Hall (1990), a branquidade pode ser tratada não como uma forma de identidade moldada por uma alegação de pureza ou alguma essência universal, mas como algo que "vive com e por meio da diferença, não apesar dela".

Hall (1996) apresenta uma linguagem teórica para racializar a branquidade sem essencializá–la. Isto é, ele reconhece que branquidade é uma forma crucial de auto–identidade, "uma categoria construída política e culturalmente, que não pode ser confinada em um conjunto de categorias raciais fixas transculturais ou transcendentais"2 2 . Minha definição de essencialismo é baseada em Hindess (apud San Juan Jr., 1991). Ele alega que o essencialismo se "refere a um modo de análise pelo qual os fenômenos sociais são analisados, não em termos de suas condições específicas de existência e de seus efeitos em relação a suas relações e práticas sociais, mas, antes, como a expressão mais ou menos adequada de uma essência". . Nesse caso, a branquidade fornece um conjunto de ligações e identificações mutáveis e complexas pelas quais indivíduos e grupos sociais compreendem quem são e como se espera que ajam dentro e por meio do cenário diversificado da diferença cultural. Hall também argumenta, corretamente, que a etnicidade deve ser definida e defendida por meio de um conjunto de referentes éticos e políticos que se relacionam com várias lutas democráticas, à medida que expandem a escala e as possibilidades de relações e práticas democráticas. Dentro dos parâmetros teóricos de uma nova etnicidade, a branquidade pode ser lida como um registro complexo de identidade e uma teoria de representação definida por uma política das diferenças sujeita às correntes mutáveis da história, do poder e da cultura. Isto é, a branquidade não mais pode ser tomada como fixa, naturalmente confinada em uma tradição ou ancestralidade, porém, como Ien Ang (1995) alega em outro contexto, deve ser compreendida como uma forma de etnicidade pós–moderna, "experienciada como um locus de identidade provisório e parcial que deve ser constantemente (re)inventado e (re)negociado".

A nova etnicidade define as identidades raciais como múltiplas, porosas, complexas e mutáveis e, assim, fornece uma abertura teórica para educadores e estudantes transcenderam a caracterização da branquidade como boa ou má, racialmente inocente ou intratavelmente racista. A branquidade, neste contexto, pode ser tratada pelo seu relacionamento complexo com outros fatores determinantes que usurpam qualquer reivindicação à pureza ou singularidade racial. Ao mesmo tempo, a branquidade deve ser estudada dentro das relações de poder que exploram seu potencial subversivo, embora não apagando o papel histórico e político que ela desempenha na estruturação de outras identidades racializadas e diferenças sociais. Diversamente da velha etnicidade, que coloca a diferença em termos essencialistas ou separatistas, a noção da nova etnicidade de Hall define a identidade como um ato contínuo de recuperação cultural, embora reconhecendo que qualquer reivindicação particular por identidade racial não oferece garantias em relação a resultados políticos. Ao mesmo tempo, a nova etnicidade fornece uma teoria que permite a estudantes brancos irem além da paralisia inspirada pelo sentimento de culpa, ou do racismo alimentado pelo combustível da ansiedade e medo da diferença. Nesse contexto, a branquidade alcança seu significado apenas em conjunção com outras identidades, tais como as informadas por classe, gênero, idade, nacionalidade e cidadania. Para os brancos progressistas, "mudar de posição não significa anular a posição," ou renunciar à branquidade como uma forma de identidade racial. Os brancos precisam aprender a viver com sua branquidade, rearticulando–a em termos que os ajudem a ter clareza sobre o que significa fazer coalizões políticas e implementar movimentos sociais viáveis. Também precisam aprender a se envolver em uma pedagogia crítica de autoformação, que lhes permita cruzar as linhas raciais, não a fim de se tornarem negros, porém para começarem a forjar coalizões multirraciais baseadas em um envolvimento crítico, ao invés de em uma negação da "branquidade." Os brancos precisam desaprender aquelas histórias, ideologias, valores e relações sociais que lhes permite "categorizar o Outro primariamente como objeto de avaliação estética, não de avaliação moral; como uma fonte de sensações, não de responsabilidade... [forças] que tendem a tornar as relações humanas fragmentárias e descontínuas" (Bauman, 1995).

Ao posicionar a branquidade dentro de uma noção de cidadania cultural que afirma a diferença, política, cultural e socialmente, os estudantes podem perceber de que modo sua branquidade funciona como uma identidade racial. Além disso, eles podem ser críticos de formas de branquidade estruturadas em termos de domínio e alinhadas a interesses de exploração e opressão. Ao rearticular a branquidade como mais do que uma forma de dominação, os estudantes brancos podem construir narrativas da branquidade que desafiem e, esperançosamente, forneçam uma base para transformar o relacionamento dominante entre identidade racial e cidadania, um relacionamento informado por uma política de oposição (hooks, 1990, 1992; Winant, 1994; Giroux, 1977). Tal prática política sugere novas posições individuais, alianças, compromissos e formas de solidariedade entre estudantes brancos e outros empenhados na luta para expandir as possibilidades da vida democrática por "uma profunda reestruturação e reconceitualização das relações de poder entre comunidades culturais" (Shohat, Stam, 1994). George Yudice argumenta que, como parte de um projeto mais amplo para articular a branquidade em termos de oposição, a juventude branca deve sentir seu interesse pessoal na política racial que a conecta às lutas empreendidas por outros grupos. No centro dessas lutas está a batalha em relação à cidadania redefinida pelo discurso dos direitos e o problema da distribuição de recursos. Ele escreve:

Aqui a política de identidade deriva para outros tópicos, tais como déficits tributários, cortes salariais, falta de oportunidades educacionais, falta de empregos, políticas de imigração, acordos de comércio internacionais, destruição ambiental, falta de seguro saúde e assim por diante. Essas são áreas nas quais as classes média e operária dos brancos têm tido, historicamente, vantagem sobre pessoas de cor. Entretanto, hoje a vantagem erodiu em certos aspectos. (Yudice, 1995. p.276)

Como parte de uma tentativa mais ampla para confrontar esses tópicos, Yudice sugere à juventude branca que forme alianças com outros grupos sociais e raciais os quais reconhecem a necessidade de solidariedade no tratamento dos problemas da vida pública que solapam a qualidade da democracia para todos os grupos. À medida que os jovens brancos lutam para encontrar um espaço cultural e político a partir do qual falem e ajam como cidadãos transformadores, é importante que educadores tratem daquilo que significa pedagógica e politicamente ajudar os estudantes a rearticular a branquidade como parte de uma política cultural democrática. Embora seja imperativo que uma análise crítica da branquidade trate de seu legado histórico e de sua cumplicidade com a exclusão e a opressão racistas, é igualmente crucial que tal trabalho possa distinguir entre a branquidade como identidade racial que é não–racista ou anti–racista e aqueles aspectos da branquidade que são racistas (Frankenberg, 1993a). Quando a branquidade é discutida nos meios educacionais, dá–se ênfase, quase exclusivamente à sua revelação como uma ideologia de privilégio mediada amplamente pelas das dinâmicas do racismo (Scheurich, 1993). Embora tais intervenções sejam cruciais ao se desenvolver uma pedagogia anti–racista, elas não vão suficientemente longe.

REPRESENTAÇÕES DA BRANQUIDADE NA MÍDIA

Começarei a tratar esse desafio pedagógico partindo da observação pertinente de James Snead (1994) de que a emergência de produções visuais de massa nos Estados Unidos requer novas maneiras de ver e tornar visível a estruturação racial da experiência branca. A mídia eletrônica — televisão, cinema, música e notícias — tornou–se uma força pedagógica poderosa, verdadeira máquina de ensino ao modelar a imaginação social dos estudantes em termos de como eles vêem a si próprios, os outros e a sociedade mais ampla.

No centro da influência formativa da mídia encontra–se uma política de representação da raça na qual o retrato dos negros os abstrai de suas histórias reais, ao mesmo tempo reforçando todos os estereótipos demasiado familiares que vão do preguiçoso e imóvel ao ameaçador e perigoso. Filmes recentes de uma variedade de gêneros, tais como Pulp Fiction (1995), Just Cause (1995), e Ace Ventura: When Nature Calls (1996), não apresentam desculpas por empregarem linguagem racista, retratando os homens negros como estupradores, selvagens ou subumanos. Leituras anti–racistas desses filmes freqüentemente colocam os estudantes brancos em posição de definir e criticar o racismo como o produto de estereótipos racistas dominantes que retratam injustamente identidades, experiências, histórias e relações sociais dos negros. Por mais importantes que sejam essas críticas em qualquer discurso ou pedagogia anti–racista, elas são muito limitadas teoricamente porque não tratam de como a branquidade, como identidade racial e construção social é ensinada, aprendida, experienciada e identificada dentro de certas formas de conhecimento, valores e privilégios. Os filmes de Hollywood raramente levam o público a colocar em questão os prazeres, identificações, desejos e receios que as pessoas sentem como pessoa brancas assistindo políticas dominantes de representação de raça. Mais especificamente, esses filmes raramente problematizam seja os princípios estruturantes que mobilizam os prazeres no público, seja de que modo o prazer, como resposta a certas representações, funciona como parte de um discurso público mais amplo. Na pior das hipóteses, tais filmes posicionam os brancos como turistas raciais, observadores distantes das imagens e narrativas racistas que preenchem os filmes de Hollywood. Na melhor das hipóteses, tais filmes reforçam a pressuposição liberal de que o racismo é responsável pela opressão ao negro, porém tem pouco ou nada a ver com a promoção do poder, do privilégio racial e com um senso de força moral nas vidas dos brancos (Frankemberg, 1993a).

A seguir, explorarei as implicações pedagógicas do exame das representações da branquidade em dois filmes aparentemente diferentes, Dangerous Minds (1995) e Suture (1993). Embora eu focalize principalmente Dangerous Minds, é por uma justaposição e leitura intertextual desses filmes que espero fornecer alguns insights pedagógicos para examinar de que modo a branquidade, como prática cultural, é aprendida pela representação de identidades racializadas; de que modo ela abre a possibilidade de auto–reflexão intelectual; e como os estudantes poderiam mediar criticamente as relações complexas entre branquidade e racismo, não pelo repúdio da própria branquidade, porém confrontando seu legado racista e seu potencial com vistas a rearticulá–lo em termos oposicionistas e transformadores. Também não estou sugerindo que Dangerous Minds seja um mau filme e Suture um bom filme, por causa de suas diferentes abordagens da "branquidade." Ambos apresentam notáveis fraquezas. Considero que esses filmes sejam exemplares ao representarem as leituras dominantes sobre a branquidade e, como textos culturais, podem ser utilizados pedagogicamente para tratar das deficiências de conhecimento sobre o tema, particularmente como meio de se ir além da visão enviesada desse conceito apenas como dominação em sentido figurado.

À primeira vista, esses filmes parecem nada ter em comum em termos de público, gênero, intenção ou política. Dangerous Minds, um sucesso inesperado de Hollywood, estrelado por Michelle Pfeiffer, foi produzido para um público de massa e acumulou milhões para seus produtores na primeira semana de exibição. A popularidade do filme pode ser medida em parte pelo aparecimento de uma série piloto de televisão, chamada Dangerous Minds que estreou no outono de 1996. Em contraste, Suture é um filme independente, destinado principalmente a um público intelectual com inclinação para o cinema de vanguarda. Embora possa se argumentar que Dangerous Minds é demasiado popular e pouco original para ser levado a sério como um texto pedagógico, é precisamente por causa de sua popularidade e grande apelo que ele justifica uma análise extensa. Como muitos filmes de Hollywood, Dangerous Minds é ofensivo, não apenas nos termos de sua política racial como também na caracterização degradante do ensino e da educação. O seu sucesso no verão de 1995 também é sintomático de como um entretenimento, na aparência "inocente", alcança popularidade ao fazer parte de um discurso público mais amplo sobre raça e branquidade e grandemente informado por uma noção de política, teoria e pedagogia de direita e conservadora.

DANGEROUS MINDS E A PRODUÇÃO DA BRANQUIDADE

Dangerous Minds assemelha–se à longa tradição de filmes de Hollywood narrando o triste estado da educação de jovens muito pobres que suportam o fardo da miséria, crime, violência e desespero em bairros decadentes de áreas centrais de cidades americanas. À diferença de filmes anteriores, tal como Blackboard Jungle (1955), To Sir With Love (1967), e Stand and Deliver (1988), que também tratam da interface da escolarização e das duras realidades da vida nos bairros decadentes, Dangerous Minds faz mais do que simplesmente narrar a história de uma professora idealista que luta para interagir com seus estudantes rebeldes e desinteressados. Dangerous Minds funciona como uma crônica dupla. Na primeira, o filme tenta representar a branquidade como o da racionalidade, da autoridade "dura" e dos padrões culturais em meio à demografia racial em mudança no espaço urbano e à emergência de um racismo ressurgente na política elevadamente tensa da década de 1990. Na segunda crônica, o filme oferece aos espectadores uma mistura de compaixão e consumismo, como uma solução para motivar adolescentes que há muito tempo desistiram de considerar a escola como algo significativo para suas vidas. Em ambos os casos, a branquidade se torna um referente não apenas para rearticular noções racialmente codificadas de ensino e aprendizagem, como também para redefinir de que modo a cidadania pode ser construída para estudantes de cor como uma função de escolha estritamente ligada ao mercado.

Apresentando uma alegoria para representar tanto o objetivo da escolarização como a política da diferença racial em uma intersecção no espaço contestado das escolas públicas urbanas, Dangerous Minds habilmente mobiliza a raça como um princípio organizador para promover sua estrutura narrativa e mensagem ideológica. Adolescentes negros e hispânicos fornecem a principal linha de conflito para o desenvolvimento de relações pedagógicas em sala de aula. Por intermédio dessas relações, a branquidade, centrada na autoridade do professor, é privilegiada, em contraste com imagens racialmente codificadas de desordem, caos e medo. Nas primeiras cenas do filme estabelece–se claramente a oposição entre professor e estudante, branco e não branco. A seqüência de abertura mostra moradias urbanas decadentes, pressagiando pobreza, tráfico de drogas e perigo iminente. Contra esse fundo, jovens negros e hispânicos rebeldes entram em um ônibus escolar que os levará à Parkmont High School, longe de suas vizinhanças infestadas de drogas e crimes. Essa é uma das poucas tomadas da fita que apresenta um contexto para as vidas dos jovens e a mensagem é clara: o bairro decadente tornou–se lugar de patologia, decadência moral e delinqüência, sinônimos da cultura da vida da classe trabalhadora negra. A trilha sonora, apresentando música hip–hop, está presente apenas como pano de fundo para o filme.

Uma vez que, no início, o filme é estruturado por uma iconografia racial e uma linha musical que retrata os estudantes minoritários como capazes de provocar medo e como sujeitos que necessitam ser disciplinados e controlados, o público fica preparado para que alguém assuma a ação. Aparece LouAnne Johnson, uma nova professora jogada, como um carneiro sendo levado à matança, na Academy School, um eufemismo para um depósito de estudantes considerados não ensináveis.

Com uma roupa clássica, LouAnne entra na classe com grandes expectativas e encontra uma sala repleta de jovens hispânicos e negros que trouxeram os "piores" aspectos de sua cultura para a sala de aula. Deixando a segurança de sua cultura branca de classe média, a fim de ensinar em um lugar onde paira no ar um grande perigo potencial, LouAnne Johnson é apresentada ao público como uma inocente cruzadora de fronteiras. Essa imagem de inocência e boa vontade é usada para dar à América branca a crença reconfortante de que a desordem, a ignorância e o caos estão sempre em algum outro lugar, naquele espaço racial homogeneizado conhecido como o gueto urbano (Goldberg, 1993). Frustrada, ela deixa a sala e diz a um amigo que acabou de encontrar os "rejeitados do inferno." Ele lhe assegura que ela pode se aproximar desses alunos se descobrir um modo de atrair–lhes a atenção.

Essas cenas de abertura funcionam poderosamente no sentido de relacionar jovens hispânicos e hispânicos à cultura da criminalidade e do perigo. As cenas também deixam claro que a branquidade, como identidade racial, incorporada por LouAnne Johnson, é vulnerável e sitiada, mas também constitui a única esperança para aqueles garotos ultrapassaram seu contexto e o caráter de suas identidades raciais. Em outras palavras, essas cenas controem a branquidade como uma identidade racial em contraste com o retrato estereotipado dos jovens negros e hispânicos infantilizados, hostis e intelectualmente inferiores. Assim, a branquidade é codificada como uma norma de autoridade, ordem, racionalidade e controle.

Os princípios estruturadores em ação em Dangerous Minds desempenham uma função ideológica distinta em sua tentativa de satisfazer aos consumidores brancos de cultura popular. Segundo o modo como é usada nesse filme, a pedagogia desempenha um duplo papel. Como parte do projeto aberto, o filme focaliza o ensino em uma escola de bairro central decadente e constrói uma visão dominante de raça como incorporada às vidas dos jovens negros e hispânicos. Por outro lado, o projeto oculto do filme funciona pedagogicamente para recuperar e nomear os valores ideológicos e culturais que constroem a branquidade como forma dominante de identidade racial. Hollywood tem produzido filmes sobre ensino há cerca de quarenta anos, mas muito raramente tais filmes usam esse tema a fim de legitimar a visão conservadora da branquidade como formação social sitiada e a de identidades raciais subordinadas como ameaça à ordem pública. Dangerous Minds funciona como uma exceção à regra. As implicações conservadoras e ideológicas de como a branquidade é construída nesse filme podem ser vistas por uma série de representações.

Dangerous Minds nada conta ao público sobre as vidas dos próprios estudantes, suas histórias ou suas experiências fora da escola. Descontextualizadas e não historicizadas, as identidades culturais desses estudantes aparecem marginais à construção da raça como um princípio organizador do filme. Diferenças raciais são situadas dentro da metáfora espacial de centro e periferia, e os jovens de cor ocupando claramente a periferia. No centro do filme encontra–se a "verdadeira história" (enfeitada) de LouAnne Johnson, que não apenas supera seu fracasso inicial em motivar os estudantes como também serve de guia ao convencê–los de que aquilo que são e o que sabem necessita ser descartado para se tornarem mais civilizados e educados (e mais brancos). Nesse contexto, o conflito racial é resolvido por meio de um modelo educacional colonialista em que o paternalismo hispânico e o zelo missionário inspiram adolescentes de meios carentes a aperfeiçoarem seu caráter e senso de responsabilidade lendo poesia. Os rapazes nesse filme parecem simplesmente um pano de fundo para expandir a autoconsciência e auto–educação da própria LouAnne; o filme não mostra nenhum interesse pelo desenvolvimento dos alunos e ignora as oportunidades para compreender sua passagem para a vida adulta e examinar de que modo o racismo funciona nas escolas e na sociedade mais ampla. Sempre que esses jovens enfrentam uma crise, LouAnne invade seus lares e vidas particulares, usando a oportunidade para conquistar sua lealdade ou chamar atenção para o próprio divórcio, abuso físico ou sensação de desespero. Se alguma noção de identidade ocupa o centro do palco, não é a dos alunos, porém a de uma mulher branca tentando descobrir como viver em um espaço público habitado por outros racializados.

A noção de autoridade e força em Dangerous Minds é construída dentro de uma pedagogia de "amor duro", que serve para mascarar de que modo as hierarquias raciais e a desigualdade estruturada operam dentro das escolas e as relacionam à sociedade mais ampla. A autoridade em Dangerous Minds é inicialmente afirmada quando LouAnne Johnson aparece no segundo dia de aula vestindo jeans e jaqueta de couro. Reinventando a si própria como ex–oficial militar, ela qualifica ainda mais sua nova aparência dura informando seus alunos que foi da Marinha e conhece caratê. Sugerindo que o medo e o perigo são as únicas emoções que seus estudantes reconhecem como importantes, LouAnne cruza uma linha racial divisória, enraizando seu senso de autoridade em uma noção tradicionalmente racista de disciplina e controle; isto é, a autoridade em sala de aula, para grupos subordinados, é freqüentemente menos baseada em ameaças, manipulação e ação punitiva do que na persuasão e no diálogo. Depois de conseguir a atenção do grupo, ela se move para terreno mais sólido e começa a árdua tarefa de tentar desenvolver uma pedagogia elevada moralmente e relevante pedagogicamente. Para LouAnne, a escolha torna–se o eixo teórico que organiza sua abordagem em sala de aula. Primeiro, do lado da moral elevada (completa, com um branqueamento da história, conservador e típico da década de 1990), ela diz a seus estudantes que não há vítimas em sua classe. Presumivelmente, isso significa um apelo para provocar o senso de força e responsabilidade nos alunos, mas soa inteiramente falso pois LouAnne não faz a menor idéia dos limites sociais e históricos que estruturam sua percepção de força no dia–a–dia. Naturalmente, alguns estudantes reconhecem de imediato a má–fé implícita em seu apelo predicador e a desafiam a testá–lo com uma dose de realidade, ou seja, propondo que ela resida em vizinhança com eles durante uma semana.

Além do mais, LouAnne parece confundir sua própria variedade de escolhas, baseadas, em parte, em sua classe e privilégios raciais, com as de seus estudantes, ainda que lhes falte poder e recursos para negociar suas vidas, política, geográfica ou economicamente com a mesma facilidade ou opções. Ela não tem noção de que a escolha surge do poder e aqueles que têm poder limitado têm menos escolhas. O significado implícito aqui reforça a pressuposição popular de direita, geralmente aceita, de que caráter, mérito e auto–ajuda são a base sobre a qual as pessoas assumem seu lugar na sociedade. Naturalmente, dentro de uma estrutura hierárquica e social organizada pela raça, bem como pelo poder econômico, gênero e outros determinantes–chave, a branquidade emerge como base normativa de sucesso, responsabilidade e autoridade legítima. Ao sugerir que educadores brancos podem ignorar o modo como considerações sociais mais amplas impactam grupos raciais, seu questionamento de o privilégios, experiência e cultura brancos negam também a cumplicidade como a responsabilidade por desigualdades estruturais e uma ideologia racista.

A escolha não é apenas trivializada na sala de aula de LouAnne, pois fornece a base para uma pedagogia tão indiferente às vidas dos alunos de bairros centrais decadentes quanto errônea. Confiando na lógica de mercado para motivar seus alunos, LouAnne premia a cooperação da classe com doces, uma ida a um parque de diversões e jantar em um restaurante caro. Atrair os estudantes por meio de truques e subornos faz mais do que projetar uma sombra moral sobre o valor pedagógico de tal aproximação ou sobre o professor como um modelo ético. Também deixa claro quão pouco LouAnne conhece sobre a realidade das vidas de seus alunos. Indiferente às habilidades de que eles necessitam para sobreviver, ela não está preocupada com suas experiências, interesses ou recursos culturais. Isso se torna claro em três exemplos cruciais no filme.

No primeiro exemplo, LouAnne tenta motivar os estudantes dando–lhes a letra da canção de Bob Dylan, Mister Tambourine Man. Indiferente à força da cultura hip–hop (embora os executivos de marketing aparentemente conhecessem o apelo e impacto do hip–hop sobre o público do filme ao programar a trilha sonora), sua tentativa de usar a cultura popular se assemelha a um ato de ignorância cultural e má pedagogia. Porém, mais reveladora é sua tentativa de relacionar a letra de Dylan a um dos aspectos mais estereotipados da cultura dos estudantes, a saber, a violência e as drogas. Não apenas ela ignora seus recursos e interesses culturais, como também estrutura sua noção de cultura popular em um texto da década de 1960, quase vinte anos antes daqueles jovens terem nascido. Ao invés de pesquisar as tradições, temas e experiências que fazem parte das vidas de seus alunos, para construir seu currículo, ela simplesmente evita suas características por completo ao elaborar o conteúdo daquilo que ensina. Sob tal forma de violência pedagógica também há a pressuposição de que os brancos podem entrar nessas escolas e ensinar sem uma teoria, ignorar as histórias e narrativas que os estudantes trazem para as escolas e realizar milagres nas vidas das crianças por meio de meros atos de bondade.

Na realidade, o ensino de LouAnne é uma pedagogia de desvio da atenção, quando se recusa a propiciar aos estudantes as habilidades que os ajudarão a tratar das questões urgentes e perturbadoras de uma sociedade e de uma cultura que ignora, de muitas maneiras, sua humanidade e bem–estar. Esses alunos não são ensinados a questionar os recursos intelectuais e materiais que necessitam para tratar das condições profundamente desumanas com as quais precisam negociar todos os dias. Mais do que reestruturar na sociedade, simplesmente sobreviver nela envolve questão pedagógica importante que não pode ser separada da questão maior do que significa viver num país que é crescentemente hostil à existência de crianças pobres nos centros urbanos. Porém, LouAnne ignora essas questões e oferece a seus estudantes incentivos materiais para aprender e, fazendo–as, estrutura como sujeitos consumidores, em vez de sujeitos sociais aptos e ansiosos a pensar criticamente a fim de negociar e transformar os mundos em que vivem.

A noção de privilégio de LouAnne também se torna evidente na confiança ilimitada que ela exibe em sua autoridade e superioridade moral. Ela acredita que, de algum modo, seus estudantes atendem a suas expectativas, seja em termos de desempenho em sala de aula, seja em termos de suas vidas particulares. Seu papel é afirmar ou "corrigir" gentilmente o modo como eles narram suas crenças, experiências e valores. LouAnne acredita ter o direito de "salvá–los" ou dirigir suas vidas sem questionar a própria autoridade e pureza de intenção. Nesse caso, a autoridade funciona como uma maneira de tornar invisíveis os próprios privilégios de LouAnne como mulher branca. Simultaneamente, lhe permite ser tolerante com um tipo de moral coerente com seu papel colonizador como professora branca, que extrai amor e lealdade de seus estudantes em troca de lhes ensinar a ser parte de um sistema que os oprime. Além disso, a pedagogia de LouAnne nada faz para romper seu próprio liberalismo, que muda o foco das estruturas reais de opressão enfrentadas por seus estudantes para os dilemas morais que o racismo e outros problemas que se colocam para os grupos dominantes. LouAnne ignora a gravidade social dos problemas que seus estudantes enfrentam e assim, praticamente, é insensível às questões relacionadas ao modo como o racismo e a pobreza estão entrelaçados na própria estrutura e organização da escola e da sociedade dominante. Ao invés, ela se concentra nos problemas que esses estudantes representam para autoridades institucionais tal como ela própria e como podem ser mediados e resolvidos sem precisar colocar em questão seja seu próprio racismo, seja os modos pelos quais as escolas funcionam sistemicamente para oprimir a juventude dos bairros decadentes.

De forma mítica, Dangerous Minds reescreve o declínio da escolarização pública e o ataque aos estudantes pobres, negros e hispânicos dentro de um projeto mais amplo que rearticula a branquidade como um modelo de autoridade, racionalidade e comportamento civilizado. A política de representação em ação nesse filme reproduz uma visão dominante de identidade e diferença que tem um longo legado em filmes de Hollywood, especificamente em filmes de faroeste e de aventuras africanas. Como observa Robin Kelley (1992), a popularidade de muitos filmes de Hollywood se deve tanto à construção da branquidade como à demonização do outro, suposto como racializado. Ele nota que, dentro deste legado racializado de Hollywood, os "índios americanos, africanos e asiáticos representam uma existência pré–civilizada ou anticivilizada, uma ameaça à hegemonia da cultura ocidental e prova de que os brancos são superiores, mais nobres, mais inteligentes". Dangerous Minds é uma defesa atualizada da identidade branca e de hierarquias raciais. O impacto colonizador dessa narrativa é realçado pela imagem de Michelle Pfeiffer como uma rainha de beleza visitante branca, cujo sucesso, em parte, é possível por incentivos de mercado e talentos missionários.

À benevolência e ao insight de LouAnne Johnson se justapõem a personalidade e pedagogia de Mr. Grandy, o diretor negro de Parkmont High School. Grandy é retratado como um burocrata, um "carreirista" profissional cujo único interesse é aplicar as regras da escola (o estereótipo favorito de Hollywood para diretores negros). Grandy supervisiona rigidamente o programa da escola e censura constantemente Johnson por se esquivar ao currículo tradicional, gerando formas não tradicionais de ensino e levando os alunos a excursões não autorizadas. Como homem negro em posição de liderança, é retratado como um obstáculo ao sucesso de seus dependentes, impiedoso e insensível às suas necessidades. Quando Emilio visita o escritório de Grandy para denunciar outro estudante que está tentando matá–lo, Grandy o manda sair porque ele não bateu na porta. Depois de sair do prédio, Emilio recebe um tiro e é morto a poucas quadras da escola.

A política racial neste filme é tal que profissionais negros são apresentados como a ameaça real à aprendizagem e ao comportamento civilizado, e brancos, naturalmente, estão lá apenas para dar apoio. Em contraste com Grandy, a branquidade de Johnson provê o referente racializado para a liderança, capaz de assumir riscos e sentir compaixão. Isso fica evidente no fim do filme quando os estudantes dizem–lhe que querem que ela continue sua professora porque ela representa sua "luz". Nesse contexto, Dangerous Minds reforça a principal pressuposição, altamente racializada, de que reina o caos nas escolas públicas de bairros decadentes e que somente professores brancos são capazes de trazer ordem, decência e esperança àqueles que estão à margem da sociedade.

SUTURANDO A BRANQUIDADE

Suture explora a posição da identidade dentro de uma política racial dominante. Essencial à política do filme é o modo como organiza o desdobramento do enredo em duas de suas narrativas. De um lado, os diretores usam a narrativa discursiva (diálogo entre protagonistas) e adotam a forma convencional de suspense policial. De outro lado, constroem uma narrativa visual que introduz a identidade racial como um princípio definidor do filme ao elencar um dos dois personagens principais como negro e o outro como branco. Situado dentro de um enredo sobre assassinato e identidade forjada, Suture conta a história de dois irmãos, Vincent Towers e Clay Arlington. Sob investigação policial pela morte do pai, o rico e impiedoso Vincent trama um plano que coloca sua licença de motorista e cartões de crédito na carteira de seu meio–irmão operário. Depois, convence Clay a dirigir seu Rolls Royce para o aeroporto. Clay não sabe que Vincent colocou uma bomba no carro que pode ser ativada por controle remoto pelo telefone do veículo. Vincent espera até Clay partir para o aeroporto e então lhe telefona, fazendo a bomba explodir. Depois da explosão, Vincent deixa a cidade, pressupondo que a polícia o confundirá com Clay. Infelizmente para Vincent, Clay sobrevive à explosão, embora precise se submeter a extensa cirurgia de reconstrução do rosto. De fato, o dano em Clay é tão extremo que a polícia e os médicos que o tratam acreditam tratar–se de Vincent.

Clay sobrevive à agonia mas sofre de amnésia e acredita ser o irmão. De fato, todos os que entram em contacto com Clay acreditam tratar–se de Vincent. Clay submete–se a tratamento psicanalítico e a repetidas intervenções cirúrgicas. E apaixona–se por Renee Descartes, uma cirurgiã plástica bela e famosa. Enquanto isso, o verdadeiro Vincent invade sua velha casa para matar Clay. Porém, Clay atira nele primeiro e se livra do corpo. Na ocasião em que mata Vincent, Clay já recuperou a memória mas se recusa a assumir a identidade anterior e desistir da identidade e da vida que vem assumindo.

O que é notável em Suture é ser mediado por uma narrativa visual completamente discrepante da narrativa discursiva e perturbar o papel do público como o de espectadores "passivos." Clay em nada se parece com Vincent. De fato, Clay é negro, mas é tratado, no filme, como se fosse branco. Em uma cena carregada de ironia e tensão, Renee Descartes retira as ataduras de Clay e diz–lhe que ele tem um nariz greco–romano, o que prova claramente que ele "não tem inclinação para praticar comportamentos degenerados, como matar pessoas."

Nesse filme, memória e identidade são fluidas e híbridas ao invés de fixas e suturadas. A identidade negra é apresentada como uma construção social que não pode ser estruturada em termos de essencialidade. Clay assume todas as marcas da experiência e cultura brancas e somente o público têm condições de captar seu novo capital cultural assumido em virtude de sua negritude3 3 . Para uma definição e análise do capital cultural e seu relacionamento com a educação, consultar minha análise do trabalho de Pierre Bordieu e Jean Claude Passeron (Giroux, 1983). . Há mais em jogo neste filme do que uma crítica ao essencialismo negro. Também há a representação irônica da branquidade como invisível para si própria e, ao mesmo tempo, como norma pela qual tudo o mais é medido. Isto é, a branquidade em Suture torna–se o marcador racial de identidade, poder e privilégio. Jogando a narrativa visual contra a narrativa discursiva, Suture evoca uma forma peculiar de testemunho racial pelo qual expõe a branquidade como uma ideologia, um conjunto de experiências e uma posição de privilégio. Entretanto, faz isso sem se entregar a oposições binárias, nas quais os brancos maus oprimem os negros bons, porém, colocando em questão a tensão racial entre aquilo que é visto e o que é ouvido pelo público. No filme, o discurso narrativo privilegia a linguagem e, ao mesmo tempo nega o princípio definidor de raça, mas a narrativa visual força o público a reconhecer que o fenomenológico, mais do que político, define implicações de raça, identidade e diferença. Como observa o crítico de cinema Roy Grundmann (1994), "no início queremos pular de nossos lugares e gritar aos personagens que pensam que Clay é Vincent, especialmente perante provas comparativas, como vídeos, fotos e uma fila de pessoas arroladas pela polícia, com uma testemunha que conhecia Vincent." A diferença racial, neste caso, é inteiramente definida pela política de representação de um conjunto de imagens visuais que ataca seja o apelo liberal de cegueira à cor, seja a estética da diferença, evasiva ao poder, que reduz as identidades raciais a estilos de vida, nichos de mercado ou produtos de consumo.

A tradição cinematográfica de Hollywood de apresentar a branquidade como um discurso "invisível", embora determinante, é rompida. Suture força assim o público a reconhecer a branquidade como um significante racial, como um "índice de status ou posição social" (Goldberg, 1993). Porém, ao fim, Suture não fornece meios para organizar a branquidade fora da política discursiva e visual de dominação. A tentativa do filme de desenvolver uma política de representação força, certamente, o espectador a desmistificar e repudiar a branquidade como invisível, abstraída das modalidades de poder e identidade. Porém, nada faz para desenvolver uma política estratégica de poder — uma política que tenta transformar ideologias e relações materiais de poder — que se recusa a aceitar a branquidade como uma categoria racial cujo único objetivo é fortemente ligado, se não definido, por narrativas mutáveis de domínio e opressão. Isso pode explicar por que Suture, ao fim, se envolve em uma moralização reducionista ao sugerir que Clay deveria ser condenado por querer ser branco, porém faz isso sem realmente confrontar a branquidade de forma mais dialética ou crítica.

O CINEMA E A PEDAGOGIA DA BRANQUIDADE

As narrativas contrastantes sobre raça apresentadas por Dangerous Minds e Suture podem ser usadas, no sentido pedagógico, para desconstruir criticamente a qualificação do outro e a branquidade racial como parte de um discurso mais amplo de justiça racial. A justaposição desses dois filmes abre um espaço pedagógico para ler representações contraditórias da branquidade como uma ideologia e um lugar de poder e privilégio dentro do discurso daquilo que Stuart Hall rotulou de "velha etnicidade." Similarmente, romper definições singulares da branquidade fornece aos educadores a oportunidade de construir modelos mais complexos para teorizar esse conceito utilizando–se de uma multiplicidade de relações sociais, posições teóricas e identificações afetivas. Neste contexto, a branquidade pode ser considerada pedagógica e politicamente, a fim de permitir que estudantes brancos e outros de cor tratem de problemas de identidade racial dentro de uma conceituação nova e expandida de etnicidade. Isso sugere realçar a natureza histórica, política e contextual de identidades raciais, não como formações raciais distintas mas pelo seu relacionamento complexo umas com as outras dentro de relações específicas de poder. Uma vez mais, Stuart Hall exprime, a partir das possibilidades democráticas, que uma noção reconceitualizada da etnicidade pode permitir aos estudantes e a outros analisar as identidades culturais tal como são estruturadas, a partir da complexa rede da história, do poder e da política. Vale a pena citá–lo por extenso:

Tenho discutido a favor de novas concepções de etnicidades que reconhecem que as pessoas estão inseridas numa história, numa cultura, num espaço; que elas provêm de algum lugar; que uma proposição é sempre localizada. Tenho perguntado se a etnicidade poderia ser um termo que nos permitisse reconhecê–la de maneira muito diferente das etnicidades belicosas, agressivas, que têm explodido com violência em nosso mundo. (Hall, 1995. p.67)

Ao invés de ser descartado simplesmente como um texto racista por educadores críticos, Dangerous Minds deve ser lido sintomaticamente pela maneira como ele articula e reproduz a branquidade como uma forma de dominação racial dentro do espaço público da sala de aula dos bairros decadentes. Oferecendo uma leitura não apologética da branquidade como uma expressão em sentido figurado de ordem, racionalidade, insight e beleza, Dangerous Minds é um importante texto educacional para ser utilizado com estudantes, pelo modo como retrata a branquidade e a diferença, e de que modo a raça, consciente ou inconscientemente modela suas experiências diárias, atitudes e visão do mundo. Pedagogicamente, o objetivo não é pressionar os estudantes a considerarem o filme como bom ou mau, porém confrontar as condições sociais mais amplas, pelas quais a popularidade do filme precisa ser compreendida. Uma tarefa pedagógica é levar os estudantes a pensar sobre como o filme presta testemunho dos dilemas éticos e raciais que animam o cenário social e racial mais amplo.

Os estudantes podem oferecer várias respostas a um filme como Dangerous Minds. Porém, dada a popularidade do filme, e o grande número de críticas favoráveis que recebeu nos jornais do país, é razoável supor que as leituras dos estudantes brancos recairão numa mistura de interpretações, desde as liberais às conservadoras que, embora não diferindo umas das outras substancialmente, podem revelar contradições interessantes a serem exploradas nas análises em sala de aula (Glass, 1995; Saillant, 1995; Chastain, 1995). Ao invés de enfatizar que os estudantes são leitores diversificados de uma cultura, é pedagogicamente importante reconhecer e compreender de que modo a propriedade e o controle dos aparatos da produção cultural limitam as leituras tornadas amplamente disponíveis aos estudantes e modelam o contexto popular a partir do qual as noções dominantes de racismo são compreendidas. Quando o racismo é discutido em sala de aula, muito provavelmente focalizará o comportamento desagregador que os estudantes negros e hispânicos exibem nas escolas. Esse comportamento é o que será freqüentemente visto como característico de todo um grupo social, ou como uma forma de patologia cultural segundo a qual as minorias devem ser censuradas pelos problemas educacionais por elas vivenciados. Do mesmo modo, quando a branquidade é desestabilizada ou visualizada de modo crítico por estudantes, é mais do que provável que venha a ser considerada dentro de um discurso evasivo do poder, pelo qual o racismo branco, com freqüência, é reduzido a um ato de preconceito individual nitidamente à parte dos contextos confusos da história, da política e da opressão sistêmica (Frankenberg, 1993a; Gallagher, 1995). Daí ser pouco provável que os estudantes brancos reconheçam o método de ensino da professora de Dangerous Minds, que valoriza o capital cultural da classe média, como uma tentativa racista para ensinar a estudantes negros e hispânicos que suas próprias narrativas, histórias e experiências são rústicas não civilizadas. Por mais populares que essas leituras dominantes possam ser, elas oferecem aos educadores uma oportunidade pedagógica excelente para interrogar e romper seus códigos e ideologias. Por exemplo, o elo ideológico entre a valorização do capital cultural branco e a representação contínua e degradante do outro, nos filmes de Hollywood, talvez não seja evidente em uma primeira leitura do filme, porém, pode tornar–se objeto de análise, na medida em que vários estudantes na classe tenham acesso a leituras alternativas. Na melhor das hipóteses, Dangerous Minds oferece aos estudantes brancos uma oportunidade para se envolverem com um texto popular que incorpora muito daquilo que eles geralmente aprendem ou (des)aprendem sobre raça sem, de início, colocar suas próprias identidades raciais em julgamento.

Uma análise de Suture revela um conjunto diferente de alegações sobre a branquidade que levanta possibilidades alternativas para interrogar as relações entre branquidade, raça e racismo. Suture apresenta a leitura crítica da branquidade como construção social e cultural dominante e a tentativa, por uma narrativa visual perturbadora, de revelar como a branquidade promove a violência simbólica ao se recusar a reconhecer seus mecanismos definidores de poder e privilégio. Assim, o filme força os estudantes, especialmente os estudantes brancos, a problematizerem o pressuposto de que questões referentes à raça e à política racial dizem respeito, em grande parte, a não–brancos como um grupo social. A defesa dominante da branquidade como norma universal, visivelmente perde o equilíbrio nesse filme e torna a branquidade uma categoria racial aberta à crítica. Ao romper com a idéia de branquidade como um código racial e politicamente neutro, Suture fornece uma oportunidade pedagógica para educadores discorrerem sobre como a experiência branca é construída diferentemente dentro de uma variedade de espaços públicos e mediada pelas lentes de classe, gênero e orientação sexual diversificadas, porém, relacionadas.

Comparados entre si, os dois filmes implicam uma política de representação que mostra a branquidade como uma categoria mutável, política, cujo significado pode ser tratado dentro, ao invés de fora, dos inter–relacionamentos de classe, raça, etnicidade e gênero. Em outras palavras, os princípios estruturadores que informam esses filmes, na medida em que funcionam intertextualmente, fornecem uma base teórica para desafiar a branquidade como uma construção ideológica e histórica. É precisamente a tensão gerada entre esses filmes que convida a adentrar em uma pedagogia que começa com aquilo que Gayatri Spivak (1990) denomina como "momentos de estupefação," isto é, uma pedagogia que se concentra em desmistificar o ato e o processo de representar, revelando como são produzidos significados dentro de relações de poder que configuram narrativas de identidades ao longo da história, de formas sociais e de modos de expressão ética que aparentam objetivos, universalmente válidos e consensuais. Tal pedagogia tenta abrir questões "referentes ao elo entre epistemologia e moralidade: entre o modo como conhecemos aquilo que conhecemos e a vida moral a que aspiramos levar" (Hartman, 1994). Embora tais tensões pedagógicas não garantam a possibilidade de descentrar a branquidade, a fim de tornar "visíveis as estruturas históricas e institucionais no interior das quais [professores e estudantes brancos] falam" (Spivak, 1990), de fato, elas fornecem as condições pedagógicas para que estudantes e professores questionem e desaprendam aqueles aspectos da branquidade que os colocam no espaço e nas relações privilegiadas do racismo.

Embora seja impossível predizer de que modo os estudantes, de fato, reagirão a uma pedagogia que considera branquidade e raça como objeto de debate e análise criteriosa, é importante reconhecer que os estudantes brancos geralmente resistem em analisar criticamente o "espaço residual–normativo [da] prática cultural branca" — ou seja, aquelas narrativas históricas da branquidade que distorcem o passado para privilegiar a visão racista branca do presente e do futuro (Frankenberg, 1993a). A resistência, neste caso, deveria ser examinada pelo conhecimento que ela enseja e pela possibilidade de interrogar seus silêncios e recusas. Pedagogicamente, isso estimula os estudantes a arejarem suas posições sobre branquidade e raça, independentemente de quão confusas ou politicamente incorretas tais posições possam ser. Porém, há mais em jogo aqui do que prover um espaço pedagógico para que os estudantes falem de si próprios, sem medo, e no contexto de suas histórias específicas e experiências próprias.

Ao invés de propor que os estudantes simplesmente tenham permissão de dar voz a sua política racial, sugiro que lhes seja oferecido um espaço para diálogo e crítica, no qual tais posições possam ser comprometidas, desafiadas e rearticuladas pela análise contínua das realidades materiais e das relações sociais do racismo. Em outras palavras, os professores podem começar tal diálogo com aquilo que os estudantes já sabem; eles podem questionar a percepção dos estudantes sobre as diferenças raciais e culturais entre vizinhanças, espaços para recreação, escolas, lugares para alimentação e outros lugares públicos dentro de suas próprias comunidades. Questões podem ser levantadas sobre quem pode cruzar esses espaços, de que modo certos grupos raciais são excluídos, sob quais circunstâncias e por quê? Similarmente, questões de identidade cultural podem ser exploradas por uma pedagogia de representação que analisa de que modo grupos raciais dominantes e subordinados são retratados e estereotipados na mídia, imprensa e outros aspectos da cultura e como tais grupos são influenciados e posicionados por esses esterótipos. Neste exemplo, é importante que os estudantes compreendam como o poder e o privilégio intermediam o modo como diferentes grupos raciais são representados (Shohat, Stam, 1994). Os estudantes podem estudar as relações entre os modos pelos quais as identidades raciais são construídas e o cenário social mais amplo que registra conseqüências muito diversas sobre como o racismo afeta na realidade [e diferentemente] brancos e não–brancos no bojo das relações iníquas de poder. Ao mesmo tempo, os professores podem apontar estratégias de intervenção, explorar de que modo os estudantes podem exercitar sua percepção da política, do poder e da força coletiva para confrontar e tentar mudar as relações dominantes e opressivas na medida em que afetam suas vidas diárias e as vidas de outros que lutam sob o peso opressivo do racismo.

O problema de sensibilizar os estudantes brancos quanto à política do privilégio racial é agravado pelo medo e raiva que acompanham a necessidade de repensar a própria identidade. O envolvimento em formas de ensino que incitam estudantes brancos a examinar suas práticas sociais e sistemas de crenças, em termos raciais, pode levar a reforçar a pressuposição que a raça é uma categoria estável, um dado biológico ao invés de uma construção histórica e cultural. Por exemplo, Ann Louise Keating (1995) observa por exemplo que, ao ensinar seus estudantes a interrogar a branquidade criticamente, muitos deles acabam acreditando que todos os brancos eram colonialistas, apesar de suas tentativas de distinguir pedagogicamente entre a branquidade como a ideologia política e racial dominante e as diversas posições raciais contingentes assumidas pelos brancos.

Apesar das tensões e contradições que qualquer pedagogia da branquidade possa enfrentar, é imperativo que os professores abordem as histórias que têm modelado o espaço normativo, as práticas e os relacionamentos diversificados que os estudantes brancos herdaram por meio de privilégios raciais. Analisar o legado histórico da branquidade como uma força racial opressiva requer que os estudantes se envolvam em uma forma crítica de trabalho de memória que impeça um silêncio sombrio ou culpa paralisadora e, ao mesmo tempo, que estimule um senso de indignação contra a opressão histórica bem como um desejo de justiça social no presente. Keating refere–se aos problemas por ela enfrentados ao incentivar estudantes brancos a pensarem criticamente sobre o racismo e sua natureza sistêmica ao interrogar ou reverter suas pressuposições tomadas como certezas sobre a branquidade e o privilégio racial:

Essas reversões disparam uma variedade de reações indesejáveis em estudantes auto–identificados como "brancos", reações que vão da culpa à raiva, ao alheamento e desespero. Os instrutores devem estar preparados para lidar com essas respostas. O básico é não encorajar sentimentos de responsabilidade pessoal pela escravidão, dizimação de povos indígenas, apropriação de terras e, assim por diante, sobre o que ocorreu no passado. Trata–se, antes, de permitir aos estudantes de todas as cores compreenderem mais plenamente de que modo esses sistemas opressivos que se iniciaram no passado histórico continuam deformando as condições contemporâneas. Encenações para provocar sentimentos de culpa não têm lugar nesse processo. (1995. p.915)

Entretanto, Keating não explica como os educadores podem evitar sentimentos de culpa em estudantes, ou em que grau eles não devem ser responsabilizados por suas atitudes atuais dentro desse tipo de pedagogia. Tornar a branquidade, ao invés do racismo branco, o foco do estudo é uma estratégia pedagógica importante. Analisar a branquidade abre um espaço teórico para professores e estudantes estabelecerem relações entre o modo como suas próprias identidades raciais têm sido modeladas dentro de uma cultura racista mais ampla e quais as responsabilidades que podem assumir para viver em um presente no qual os brancos recebem amplos privilégios e oportunidades (embora de maneiras complexas e diferentes) à custa de outros grupos raciais. No entanto, por mais esclarecedora que essa estratégia se possa mostrar, mais trabalho teórico deve ser feito para permitir que os estudantes se envolvam criticamente e se apropriem dos instrumentos necessários para politizar a branquidade como uma categoria racial, sem bloquear sua própria percepção de identidade e força política.

Embora ambos os filmes, Dangerous Minds e Suture representem uma oportunidade educacional aos estudantes para que possam ver de que modo pressupostos dominantes sobre a branquidade podem ser estruturados e desafiados, nenhum dos dois trata do que significa rearticular a branquidade em termos de oposição. O retrato da branquidade como uma forma de privilégio racial, ou como uma prática de dominação, não estabelece necessariamente uma base para estudantes brancos rearticularem sua própria branquidade, de forma que possam ir além de uma superidentificação com ou o desejo de ser "negro" à custa de sua própria identidade racial.

Preocupo–me com o que significa educacionalmente, para todos nós que nos engajamos em uma pedagogia e política anti–racistas, sugerir aos estudantes que branquidade só pode ser compreendida em termos da experiência comum da dominação branca e do racismo. Que subjetividades ou pontos de identificação tornam–se disponíveis a estudantes brancos que podem conceber a experiência branca exclusivamente como monolítica, autocontida e profundamente racista? Quais são os riscos pedagógicos e políticos da rearticulação da branquidade em termos anti–essencialistas como parte de um discurso novo e mais amplo da etnicidade, de modo que a juventude branca possa compreender e lutar contra o longo legado do racismo branco, embora usando as particularidades de "sua própria cultura como um recurso para resistência, reflexão e poder?" 4 4 . Nesse contexto, Hall não está discorrendo sobre brancos, mas sobre negros. Parece–me que seu ponto de vista é tão relevante para rearticular a branquidade como para desmistificar o sujeito negro essencializado, embora isso não deva sugerir que tal apropriação ocorra fora do discurso de poder, história, desigualdade e conflito. Consultar Hall (1991a), Pfeil (1995).

Ao mesmo tempo, há também poucas tentativas de desenvolver uma pedagogia da branquidade que tornem os estudantes brancos aptos a irem além de posições de culpa ou ressentimento. Há uma ausência curiosa nos trabalhos sobre a branquidade quanto ao modo como os estudantes poderiam examinar criticamente a construção de suas próprias identidades para repensar a branquidade como um discurso de crítica e possibilidade. Os educadores necessitam conectar–se com a branquidade por meio de uma nova linguagem de etnicidade, que forneça um espaço aos estudantes brancos para imaginar de que modo a branquidade, como ideologia e forma de localização social, pode ser progressivamente apropriada como parte de uma política mais abrangente de reforma social. Teorizar o relacionamento entre etnicidade e identidade permite aos estudantes localizarem–se na sociedade e construírem referências temporárias de pertinência e orientação. Nessa tarefa é central o desafio político e pedagógico de reconstruir uma política anti–racista informadora de um projeto mais amplo, radical, democrático (Haymes, 1995; Keating, 1995).

Artigo publicado em Harvard Educational Review, v.67, n.2, Summer 1997. As indicações de bibliografia constantes das notas de rodapé foram transpostas, nesta edição, para o texto, e a anotação completa, para as Referências Bibliográficas.

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  • *
    . Bell Hooks, pseudônimo de autora feminista radical negra, é grafado em letras minúsculas (N.T.)
  • 1
    . Stuart Hall aborda a reescrita da etnicidade em uma variedade de artigos; consultar especialmente: Hall, 1990, 1991a , 1991b, 1996.
  • 2
    . Minha definição de essencialismo é baseada em Hindess (apud San Juan Jr., 1991). Ele alega que o essencialismo se "refere a um modo de análise pelo qual os fenômenos sociais são analisados, não em termos de suas condições específicas de existência e de seus efeitos em relação a suas relações e práticas sociais, mas, antes, como a expressão mais ou menos adequada de uma essência".
  • 3
    . Para uma definição e análise do capital cultural e seu relacionamento com a educação, consultar minha análise do trabalho de Pierre Bordieu e Jean Claude Passeron (Giroux, 1983).
  • 4
    . Nesse contexto, Hall não está discorrendo sobre brancos, mas sobre negros. Parece–me que seu ponto de vista é tão relevante para rearticular a branquidade como para desmistificar o sujeito negro essencializado, embora isso não deva sugerir que tal apropriação ocorra fora do discurso de poder, história, desigualdade e conflito. Consultar Hall (1991a), Pfeil (1995).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Jul 1999
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