Acessibilidade / Reportar erro

Pesquisa e formatação docente

TEMA EM DESTAQUE

PESQUISA E FORMAÇÃO DOCENTE

Pesquisa e formatação docente

A idéia de propor um conjunto de artigos ao redor desse tema ocorreu-me durante a participação em um evento científico em Montreal, em novembro de 2003, no qual se discutia a formação de professores diante das múltiplas reformas propostas pelos governantes de vários países. Na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, estávamos entrando na terceira etapa de um estudo sobre a complexa relação entre o professor da escola básica e a prática de pesquisa, bem como sua formação para ela. Achei interessante propor a discussão do nosso tema a colegas participantes do evento, M. Tardif e M. Durand, que trabalham em outras culturas, com interesses de pesquisa semelhantes aos nossos.

Conhecia bem os trabalhos de Tardif sobre a questão dos saberes docentes e decidi convidá-lo a elaborar um texto sobre a conexão entre esses saberes e a prática de pesquisa pelo professor da educação básica. Quanto a Durand, conhecia poucos dos seus trabalhos, mas já havia percebido a originalidade de seu enfoque, estudando a atuação do professor numa perspectiva aproximada à da ergonomia. Sabia também de seu interesse pelos Institutos Universitários para a Formação de Professores – IUFMs –, sobretudo, pelo modo como tem sido conduzida a questão da pesquisa na formação de futuros professores nessa importante experiência inovadora, iniciada na França a partir de 1991.

K. Zeichner batalha, há muito tempo, em favor da pesquisa do professor. J. E. Diniz-Pereira, da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG –, que concluía o doutorado sob sua orientação, foi o intermediário do meu convite e colaborou no texto. Tardif convidou A. Zourhlal, Durand trouxe a participação de dois colegas, J. Saury e P. Veyrunes, e eu convidei minha orientanda de doutorado, Giseli Cruz, para participar na elaboração dos nossos respectivos textos.

Tardif e Zourhlal trazem as primeiras constatações de um estudo acerca da difusão da pesquisa da universidade sobre o ensino, entre professores da educação básica. Em busca de pontes entre esses "dois universos discursivos", os autores lançam um desafio aos pesquisadores da universidade, para o desenvolvimento de uma linguagem menos hermética para o discurso da pesquisa, sem implicar sua descaracterização, mas a aceitação de que se dirige (também) a um público diferente. Seria preciso que a própria universidade reconhecesse a importância desse trabalho para a difusão do conhecimento e o considerasse no sistema de valores que rege as carreiras e a produção científica na instituição. Quanto aos professores, sua formação para a pesquisa deveria superar um acentuado "formalismo metodológico", presente nos cursos de graduação e de formação continuada. Para isso, muito contribuiria a pesquisa colaborativa, ao reunir os dois pólos docentes (da universidade e da escola de educação básica), devendo contar com o reconhecimento oficial das instituições universitárias e escolares. Trata-se do desafio de harmonizar instituições distintas, que impõem aos seus membros interesses e obrigações profissionais diferentes e mesmo divergentes, em função de modelos de carreira próprios a cada uma dessas instituições.

Durand e seus colegas oferecem uma análise crítica do esforço desenvolvido pelos IUFMs, para integrar formação de professores e pesquisa, e apresentam a visão prospectiva de um programa de ergonomia/formação. Após analisar as influências do domínio cruzado da epistemologia dos saberes e da epistemologia da ação sobre a formação de professores nesses institutos, os autores introduzem uma perspectiva inspirada em estudos da ergonomia. Rompendo a invisibilidade do trabalho docente, desenvolvem um programa unindo saber e ação na atuação do professor, que assume também o papel de pesquisador, já que está muito mais próximo dos problemas que afligem as escolas do que seus colegas da universidade. Centrar-se na situação de trabalho seria condição e garantia de uma pesquisa produtiva e com sentido, em relação à realidade vivida pelas escolas, rompendo com a separação hierárquica entre o pesquisador e o professor.

Zeichner e Diniz-Pereira também propõem a pesquisa realizada pelo professor, em sua própria situação de trabalho, na busca de soluções para os problemas que o afligem, correspondendo ao papel esperado de toda pesquisa. A modalidade de pesquisa lembrada nesse caso é a pesquisa-ação. Os autores, muito conhecidos pela posição favorável a esse tipo de pesquisa, apontam um duplo objetivo ao desenvolvê-la: compensação pessoal e reconstrução social. Sensíveis às críticas a ela endereçadas, recomendam cuidado especial de seus pesquisadores, ao equacionar as características da pesquisa-ação em sala de aula com as exigências do conhecimento acadêmico. Enfatizando a importância de ir além da retórica de "dar voz aos profissionais", para a definição e melhoria de seus próprios trabalhos, eles reconhecem que isso, apesar de muito importante, não é suficiente.

Fechando o conjunto, nosso texto (Lüdke e Cruz) parte de análises do estudo que vimos desenvolvendo e propõe a discussão da complexa relação entre o professor e a pesquisa. Em suas três etapas o estudo tem procurado aprofundar o entendimento dessa relação, em termos de prática, de formação e de reconhecimento. A prática da pesquisa pelo professor de educação básica é cercada de dificuldades, especialmente na rede pública. A formação desse professor para essa prática ainda não encontrou seus melhores caminhos. E o reconhecimento da pesquisa feita por ele é objeto de discussões e controvérsias, embora já tenha conquistado um bom número de defensores, inclusive entre os autores desta seção. A leitura de seus textos vai contribuir para o esclarecimento de pontos que animam o debate, ajudando a distinguir aspectos importantes e secundários, na busca de assegurar os ganhos que podem advir do esforço de pesquisa do professor, sem desconsiderar as exigências dirigidas a todos os trabalhos de pesquisa.

Menga Lüdke

menga@edu.puc-rio.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Maio 2005
Fundação Carlos Chagas Av. Prof. Francisco Morato, 1565, 05513-900 São Paulo SP Brasil, Tel.: +55 11 3723-3000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cadpesq@fcc.org.br