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Resposta do capim-tanzânia à aplicação de soro ácido de leite

Response of tanzânia grass to acid whey application

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar a produção de matéria seca e a quantidade de nutrientes extraída por Panicum maximum Jacq. cv. Tanzânia adubado com soro ácido de leite. Amostras de um Argissolo foram coletadas nas profundidades de 0-20, 20-40 e 40-60 cm e colocadas em colunas de PVC compostas por três anéis correspondentes a cada camada. As doses de soro foram definidas com base na concentração de K, de modo a adicionar ao solo 0, 75, 150, 225 e 300 kg/ha de K2O em cada uma das três aplicações: antes da semeadura, após o primeiro e após o segundo corte. O experimento foi realizado em casa de vegetação em delineamento inteiramente ao acaso, durante 112 dias. Após esse período, as colunas foram desmontadas e o solo foi amostrado para análise. A aplicação de soro aumentou a produção de matéria seca; a produção máxima teórica total dos três cortes foi obtida com a aplicação acumulada de 390 m³/ha. As quantidades de K, P e Ca absorvidas pela planta e o teor de K no solo aumentaram significativamente com as doses de soro.

forragem; nutriente; nitrogênio; potássio; resíduo orgânico


The objective of this work was to evaluate the dry matter production and nutrient uptake by Panicum maximum Jacq. cv. Tanzânia fertilized with acid whey. Soil samples of an Alfisol were collected in 0-20 cm, 20-40 cm and 40-60 cm layers and were used to fill PVC columns with three rings with 20 cm height, obeying the collecting depth. The doses of whey were based on its K content and 0, 75, 150, 225 and 300 kg/ha K2O were added in each application: the first one applied before sowing, the second after the first cut and the third after the second cut. The experiment was carried out in a greenhouse in a completely randomized design during 112 days. After this period, the rings of the columns were separated and soil samples were taken for analysis. The dry matter production increased with whey application and the total maximum theoretical production was obtained with the cumulative application of 390 m³/ha. The K, P, and Ca uptake by the grass and soil K increased with whey application.

forage; nutrients; nitrogen; potassium; organic wastes


ZOOTECNIA

Resposta do capim-tanzânia à aplicação de soro ácido de leite1 1 Extraído da dissertação de mestrado apresentada pelo primeiro autor à Universidade Estadual Paulista (Unesp), Jaboticabal, SP

Response of tanzânia grass to acid whey application

Emerson de Oliveira GheriI; Manoel Evaristo FerreiraII; Mara Cristina Pessôa da CruzII

IRua Miguel Ignácio, 153, CEP 14090-530 Ribeirão Preto, SP. Bolsista da Fapesp. E-mail: gheri@coc.com.br

IIUnesp, Dep. de Solos e Adubos, Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane, s/no, CEP 14884-900 Jaboticabal, SP. E-mail: evaristo@fcav.unesp.br, mcpcruz@fcav.unesp.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar a produção de matéria seca e a quantidade de nutrientes extraída por Panicum maximum Jacq. cv. Tanzânia adubado com soro ácido de leite. Amostras de um Argissolo foram coletadas nas profundidades de 0-20, 20-40 e 40-60 cm e colocadas em colunas de PVC compostas por três anéis correspondentes a cada camada. As doses de soro foram definidas com base na concentração de K, de modo a adicionar ao solo 0, 75, 150, 225 e 300 kg/ha de K2O em cada uma das três aplicações: antes da semeadura, após o primeiro e após o segundo corte. O experimento foi realizado em casa de vegetação em delineamento inteiramente ao acaso, durante 112 dias. Após esse período, as colunas foram desmontadas e o solo foi amostrado para análise. A aplicação de soro aumentou a produção de matéria seca; a produção máxima teórica total dos três cortes foi obtida com a aplicação acumulada de 390 m3/ha. As quantidades de K, P e Ca absorvidas pela planta e o teor de K no solo aumentaram significativamente com as doses de soro.

Termos para indexação: forragem, nutriente, nitrogênio, potássio, resíduo orgânico.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the dry matter production and nutrient uptake by Panicum maximum Jacq. cv. Tanzânia fertilized with acid whey. Soil samples of an Alfisol were collected in 0-20 cm, 20-40 cm and 40-60 cm layers and were used to fill PVC columns with three rings with 20 cm height, obeying the collecting depth. The doses of whey were based on its K content and 0, 75, 150, 225 and 300 kg/ha K2O were added in each application: the first one applied before sowing, the second after the first cut and the third after the second cut. The experiment was carried out in a greenhouse in a completely randomized design during 112 days. After this period, the rings of the columns were separated and soil samples were taken for analysis. The dry matter production increased with whey application and the total maximum theoretical production was obtained with the cumulative application of 390 m3/ha. The K, P, and Ca uptake by the grass and soil K increased with whey application.

Index terms: forage, nutrients, nitrogen, potassium, organic wastes.

Introdução

No Brasil, a pecuária depende basicamente de plantas forrageiras para alimentação dos animais, e para uma boa formação das pastagens é necessária a aplicação, principalmente, de N, P e potássio.

Por causa do preço elevado dos adubos minerais, estudos sobre fontes alternativas de nutrientes são de grande importância. Assim, na indústria de laticínios, o soro é o principal subproduto e, segundo Morris et al. (1985), contém 1,5 g/L de N, 0,9 g/L de P2O5 e 1,9 g/L de K2O. Essas concentrações são parecidas com as observadas por Modler (1987), que foram de 1,3, 1,1 e 1,9 g/L de N, P2O5 e K2O, respectivamente. Como resultado de sua composição, a demanda bioquímica de oxigênio (DBO) do soro é elevada, e o seu descarte em cursos de água pode causar sérios danos ambientais. Parkin & Marshall (1976) constataram que o uso do soro é mais barato e eficiente do que o dos fertilizantes convencionais e que, com aplicação controlada em pastagens, além de aumentar a produção de forragem, evita-se a poluição dos cursos de água.

Para estimar a quantidade de soro gerada na indústria de laticínios, pode-se adotar a proporção de 9 kg do subproduto para cada kg de queijo produzido (Robbins et al., 1996). No período de 1984/85, a Nova Zelândia produziu cerca de 2,5 bilhões de litros de soro (Radford et al., 1986) e em 1993, os EUA produziram 38 bilhões de litros (Robbins et al., 1996). Em 1999, a Nova Zelândia e os EUA produziriam 2,2 e 31 bilhões de litros de soro, respectivamente (Anuário Milkbizz, 1999). No Brasil, os grandes geradores de soro são as empresas Batávia S/A, Danone S/A, CCPR/Itambé, Nestlé Brasil Ltda, Parmalat Brasil e Vigor S/A, na maioria localizadas nas regiões Sul e Sudeste. A produção brasileira de soro, em 1998, foi de cerca de 3,6 bilhões de litros (Anuário Milkbizz, 1999).

Ao compararem o efeito de soro e de fertilizantes convencionais em "bluegrass", Sharrat et al. (1959) verificaram que as maiores produções foram obtidas nos tratamentos com 156.000 L/ha de soro e 78.000 L/ha de soro mais 240 kg/ha de hidróxido de amônio, 930 kg/ha da fórmula 12-12-12 e 100 kg/ha de nitrogênio.

Segundo Parkin et al. (1986), citados por Radford et al. (1986), a aplicação de 40.000 L/ha de soro em pastagens, por meio de fertirrigação, fornece quantidades de N, P e K equivalentes às recomendadas na Nova Zelândia na forma de fertilizantes convencionais, e essa quantidade de soro era mais econômica do que a aplicação de 500 kg de superfosfato simples mais 50 kg de uréia, desde que a distância entre a fazenda e o laticínio fosse de até 10 km.

Modler (1987) analisou folhas de milho cultivado em solos que receberam 640.000 L/ha de soro seis meses antes do plantio e observou que os teores de N, K, Mg e S excediam o normal e que as quantidades de N, P e K fornecidas pelo soro aplicado correspondiam a 3, 8 e 6 vezes a absorvida pelo milho para uma produção de 3,2 t/ha de grãos.

Jones et al. (1993), em casa de vegetação, avaliaram o efeito equivalente a 0, 250.000, 500.000 e 1.000.000 L/ha de soro na produção de grãos e de matéria seca (grãos mais parte aérea) de cevada e observaram que as maiores produções, de ambos, foram obtidas com 500.000 L/ha de soro.

Em razão do volume de soro aplicado no solo, grandes quantidades de N são adicionadas, e isso pode levar à contaminação da água. Para evitar este problema, Kelling & Peterson (1980), citados por Modler (1987), recomendaram que não se deve aplicar mais do que 625.000 a 950.000 L/ha/ano de soro, o que seria suficiente para suprir as necessidades de N, P e K de diversas culturas.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a produção de matéria seca e a quantidade de nutrientes extraída por Panicum maximum Jacq. cv. Tanzânia adubado com soro ácido de leite.

Material e Métodos

O experimento foi realizado em casa de vegetação e teve por finalidade avaliar a aplicação de cinco doses de soro equivalentes a 0, 75, 150, 225 e 300 kg/ha de K2O. O delineamento experimental empregado foi o inteiramente casualizado com cinco repetições, totalizando 25 unidades experimentais.

O solo utilizado foi o Podzólico Vermelho-Amarelo, textura média (Argissolo Vermelho-Amarelo, segundo Embrapa, 1999) coletado em área de pastagem degradada de braquiária, nas profundidades de 0-20, 20-40 e 40-60 cm e cujas características químicas, determinadas segundo Raij et al. (1987), encontram-se na Tabela 1.

A partir do índice de saturação por bases inicial do solo da camada arável, foram calculadas as quantidades do carbonato de cálcio p.a. (CaCO3) e hidroxicarbonato de magnésio p.a. (4MgCO3.Mg(OH)2.5H2 O) a aplicar, na proporção Ca:Mg de 4:1, para elevar a saturação por bases (V%) a 70%, conforme Werner et al. (1996). Porções de solo da camada de 0-20 cm, equivalentes a 10,5 dm3, receberam as quantidades correspondentes de corretivos e 140 mg/dm3 de P (superfosfato triplo). O solo foi umedecido a 60% da capacidade de retenção de água, com água desionizada, e deixado em incubação por 35 dias, ajustando-se periodicamente a umidade. Nesse período as amostras receberam solução de sulfato de amônio mais nitrato de amônio, de modo a adicionar 63,2 mg/dm3 de N e 20 mg/dm3 de enxofre.

Após a incubação, o solo foi secado, destorroado, passado em peneira de 6 mm de abertura de malha, homogeneizado, e cerca de 0,7 dm3 foi coletado para análise química. O V% médio atingido foi de 66% (pH de 5,3 em CaCl2 0,01 mol/L), o teor médio de P resina foi de 63 mg/dm3, e os de Ca e Mg foram, respectivamente, 38 e 14 mmolc/dm3.

O experimento foi realizado em colunas de PVC, cada uma constituída por três anéis com 25 cm de diâmetro e altura de 22 cm (o da parte superior) e de 20 cm (os da parte intermediária e inferior), unidos por fita adesiva, e com uma tampa ("cap") acoplada ao anel inferior. As paredes internas dos anéis receberam uma camada de resina líquida, sobre a qual foi espalhada uma mistura de areia grossa e areia fina lavadas, a fim de se evitar o escoamento preferencial de água pelas paredes da coluna. Depois de montadas, as colunas foram casualizadas e preenchidas com o solo oriundo de cada profundidade. O solo da camada de 40-60 cm ocupou o anel inferior; o da de 20-40 cm, o intermediário, e o da camada de 0-20 cm, o superior. Cada coluna recebeu 29,4 dm3 de solo.

O solo de cada coluna foi umedecido a 60% da capacidade de retenção de água. Cinco dias após o umedecimento, foi feita a primeira aplicação de soro em quantidades equivalentes a 0, 75, 150, 225 e 300 kg/ha de K2O, segundo o tratamento, e água, de modo a balancear a quantidade aplicada à do tratamento que recebeu mais soro. O soro utilizado, derivado da fabricação do queijo petit suisse, foi fornecido pela Danone S/A e transportado em galões de 5 L em caminhão refrigerado (Tabela 2). Apresentava odor característico e foi aplicado logo após sua chegada ao laboratório.

Três dias após a aplicação do soro foi realizada a semeadura do capim-tanzânia, e quatro dias depois a maioria das plântulas havia emergido. Aos 12 dias da emergência, foi realizado o desbaste, deixando-se quatro plantas por coluna.

Até o primeiro corte, feito aos 45 dias após a emergência, as plantas receberam duas aplicações de 100 mg/dm3 de N (nitrato de amônio). O corte foi feito a 10 cm do solo.

Três dias após o primeiro corte do capim e cinco dias após o segundo, foram realizadas a segunda e a terceira aplicações de soro, respectivamente, do mesmo modo do descrito na primeira. Entre o primeiro e o segundo cortes do capim, foram feitas três aplicações de N, totalizando 260 mg/dm3. Em uma das adubações foi usado sulfato de amônio, de modo a adicionar 51,4 mg/dm3 de enxofre. Outro fertilizante utilizado foi o nitrato de amônio. Depois de 35 dias do primeiro corte, foi realizado o segundo corte, a 10 cm do solo. Entre o segundo e o terceiro cortes, também foram feitas três adubações, mantendo os 260 mg/dm3 de N e diminuindo a dose de S para 22,9 mg/dm3. Depois de 35 dias do segundo corte, foi realizado o terceiro corte, a 10 cm do solo.

Para viabilizar a determinação do N nítrico nas plantas, a colheita do experimento foi feita entre 7h e 8h, pois, de acordo com Maynard et al. (1976), entre os fatores que influenciam o acúmulo de nitrato em plantas estão a intensidade luminosa e a temperatura. As plantas foram cortadas e, rapidamente, colocadas em sacos de plástico e mantidas em geladeira a 4ºC, até serem lavadas em água corrente, em solução de detergente neutro (1 mL/L) e em água desionizada (por três vezes). Em seguida, as plantas foram secadas em estufa com circulação forçada de ar, com temperatura em torno de 65ºC, até atingirem peso constante, e depois foram moídas. Uma parte das amostras sofreu digestão nítrico-perclórica e nos seus extratos foram determinados os teores de K, Ca, Mg, Cu, Fe, Mn e Zn, por espectrofotometria de absorção atômica, e o de P, por colorimetria. Na outra parte das amostras, após digestão sulfúrica, foi determinado o N total, por destilação em aparelho Kjeldahl e quantificação por titulação; o N nítrico foi determinado, segundo Cataldo et al. (1975), por extração com água desionizada e quantificação por colorimetria.

Após o terceiro corte, as colunas foram desmontadas e coletadas duas amostras de solo de cada anel. Uma delas foi conservada em freezer para posterior determinação de N nítrico, segundo Silva (1999), e a outra foi secada ao ar para determinação de K (Raij et al., 1987) e N total (Tedesco et al., 1985).

Os dados de produção de matéria seca, concentração de N nítrico e de quantidade absorvida de nutrientes foram submetidos à análise de variância, a 1% de probabilidade, e as médias comparadas pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade. Foram também realizadas análises de regressão.

Resultados e Discussão

No primeiro corte ocorreu aumento linear na produção de matéria seca de folhas, colmo + bainhas e total (Figura 1). Nos demais cortes e no total produzido, ocorreram aumentos que seguiram tendência quadrática, aumentando até a dose de 110 m3/ha de soro no primeiro corte e a reaplicação de 125 m3/ha de soro no segundo e no terceiro cortes (que equivaleram à aplicação de 225 kg/ha de K2O por corte). Embora nos tratamentos que receberam 0 e 75 kg/ha de K2O por corte tenham sido obtidas produções semelhantes de matéria seca nos dois primeiros cortes, notaram-se sintomas visuais de deficiência de K: clorose, da ponta para a base da folha e das bordas para o centro, seguida de necrose, inicialmente nas folhas mais velhas. No terceiro corte, a produção diminuiu em relação à dos cortes anteriores e os sintomas de deficiência de K se manifestaram nos tratamentos que receberam 0, 75 e 150 kg/ha de K2O por corte. As doses de 225 e 300 kg/ha de K2O causaram diminuição de produção de matéria seca sem, contudo, aparecer sintoma de deficiência de qualquer nutriente, podendo essa diminuição ser atribuída a um desequilíbrio nutricional ou à deficiência de Mg, uma vez que N, P, K e S estavam sendo adicionados pela adubação mineral ou pelo soro. Os teores de Ca, ao final do experimento, eram altos no solo (acima de 17 mmolc/dm3), e os de Mg, muito baixos (abaixo de 2 mmolc/dm3).


Por meio da derivada primeira da equação de regressão, para o total produzido pelo capim-tanzânia nos três cortes, pode-se estimar que a produção máxima teórica de matéria seca ocorreu com a aplicação de 390 m3/ha de soro, o que corresponde a 736 kg/ha de K2O (Figura 1). Sharrat et al. (1959) obtiveram produção máxima de "bluegrass" com a aplicação de 156 m3/ha de soro, e Modler (1987) obteve produção de 3,2 t de grãos de milho com aplicação de 640 m3/ha. Jones et al. (1993) conseguiram produção máxima de cevada com a aplicação de 500 m3/ha de soro.

No primeiro corte, a relação lâmina foliar:(colmo + bainha) foi de aproximadamente 3:1 em todos os tratamentos. No segundo e terceiro cortes, os tratamentos que receberam as doses menores de soro (0 e 75 kg/ha de K2O) apresentaram essa relação maior que os demais tratamentos (Tabela 3). Resultados semelhantes foram obtidos por Forni (2000). Em relação à produção total nos três cortes a relação lâmina foliar:(colmo + bainha) foi de aproximadamente 3:1 em todos os tratamentos. Pinto et al. (1994), também em casa de vegetação, estudando os efeitos da aplicação de N, na forma de sulfato de amônio (15 e 90 mg/kg), observaram relação menor com Panicum maximum Jacq. cv. Guiné (2:1); por sua vez, Quadros (2001), no campo, obteve relação média de lâmina foliar:(colmo + bainha) com capim-tanzânia de aproximadamente 1:1, ou maior, quando menos adubado.

Os teores de N nítrico na planta variaram de 3.457 a 1.792 mg/kg, no primeiro corte, de 1.152 a 719 mg/kg, no segundo, e de 2.144 a 749 mg/kg, no terceiro corte. Esses limites de valores se referem, respectivamente, ao tratamento que não recebeu soro e ao que recebeu a maior dose. Portanto, houve diminuição do teor de N nítrico com o aumento das doses de soro (Tabela 4), e as plantas com os maiores teores foram as que apresentaram deficiência de K e menor produção de matéria seca. Nas plantas mais desenvolvidas, no tratamento que recebeu a maior aplicação de soro, a diminuição do teor de nitrato deveu-se, em parte, ao efeito de diluição, mas como a assimilação é influenciada pela nutrição da planta (Mengel & Kirkby, 1987), aquelas com melhor suprimento em K devem apresentar maior eficiência na redução do íon. A ingestão de plantas com teores de nitrato entre 1.500 e 3.000 mg/kg pode provocar intoxicação em bovinos e ovinos se ela ocorrer durante três ou mais dias consecutivos (Pereira, 1992). Desse modo, os teores observados no capim-tanzânia, exceto o das plantas com deficiência aguda de K, estão abaixo do citado por Pereira (1992) e não provocariam intoxicação nesses animais.

Houve efeito linear entre a quantidade de N total absorvida e as doses de soro aplicadas no primeiro e segundo cortes; no primeiro, ocorreu um aumento, no segundo, uma diminuição e, no terceiro corte, houve efeito quadrático (Tabela 4). Quanto ao K, houve aumento linear no primeiro e segundo cortes e efeito quadrático no terceiro. O P apresentou efeito linear no primeiro e terceiro cortes e efeito quadrático no segundo. Houve aumento linear na quantidade de Ca absorvida no primeiro e terceiro cortes. Com relação ao Mg, observou-se diminuição linear no segundo corte. O Zn e o Fe apresentaram aumento linear no primeiro e terceiro cortes, e o mesmo efeito foi observado para Mn nos três cortes. No segundo corte, constatou-se uma diminuição linear em relação ao Zn e ao cobre.

O teor de nitrato do solo na testemunha foi maior do que nos tratamentos que receberam soro, provavelmente por causa da menor produção de matéria seca das plantas que ocorreu por deficiência de K, o que ocasionou menor absorção de nitrato do solo (Tabela 5). As diferenças nos teores de nitrato entre as profundidades 0-20, 20-40 e 40-60 cm não foram significativas. Quando, na colheita do experimento, foi feita a separação dos anéis das colunas, observou-se que, apesar de estarem concentradas nos 20 cm superficiais, havia abundância de raízes até 40-60 cm de profundidade. Desse modo, mesmo que tenha havido lixiviação de nitrato, ele foi absorvido pelas raízes dos anéis inferiores.

Apesar de terem sido aplicados de 75 a 300 kg/ha de N com o soro, essencialmente na forma orgânica, não houve aumento no N total do solo com a aplicação de soro (Tabela 5). Isso faz admitir uma taxa de mineralização dos compostos de N do solo suficientemente rápida a ponto de não permitir acúmulo desses compostos, e contraria a afirmação de Modler (1987), de que o N do soro é apenas lentamente mineralizável. O teor de N total do solo só variou com a profundidade, ou seja, na camada de 0-20 cm foi maior do que na camada de 20-40 cm e nesta maior do que na camada de 40-60 cm, acompanhando a distribuição da matéria orgânica.

O soro aumentou significativamente o teor de K no solo dos tratamentos que receberam 150, 225 e 300 kg/ha de K2O, quando comparado aos teores no solo com doses de soro equivalentes a 0 e 75 kg/ha de K2O (Tabela 6). Os resultados obtidos com K foram semelhantes aos observados por Sharrat et al. (1962), Parkin & Marshall (1976), Jones et al. (1993) e Pivello (2001). Em relação à profundidade, o teor de K trocável foi maior na camada de 0-20 cm do que nas de 20-40 e de 40-60 cm, em todos os tratamentos. Resultados semelhantes foram encontrados por Robbins et al. (1996) em dois experimentos realizados com a adição de soro, em que ocorreu diminuição do teor de K trocável da camada de 0-30 cm para a camada de 30-60 cm, quando se aplicou o equivalente a 0, 400, 800 e 1.600 m3/ha.

Conclusões

1. A aplicação de soro ácido de leite aumenta a produção de matéria seca do capim-tanzânia; a produção máxima teórica é obtida com a aplicação de 390 m3/ha de soro.

2. A aplicação do soro aumenta a quantidade de nutrientes absorvida pelo capim-tanzânia, particularmente de K, P e cálcio.

3. A aplicação de até 500 m3/ha de soro ácido de leite no solo não proporciona concentrações tóxicas de nitrato nas plantas para os bovinos, nem teor de nitrato no solo em quantidade que cause contaminação do meio ambiente.

Aceito para publicação em 19 de março de 2003

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  • 1
    Extraído da dissertação de mestrado apresentada pelo primeiro autor à Universidade Estadual Paulista (Unesp), Jaboticabal, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2003

    Histórico

    • Aceito
      19 Mar 2003
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