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Variabilidade interdecadal na série secular de temperatura do ar em Santa Maria, RS

Interdecadal variability in the secular series of air temperature in Santa Maria, RS, Brazil

Resumos

O objetivo deste trabalho foi verificar possíveis associações entre a variabilidade interdecadal das temperaturas mínima (Tmín) e máxima (Tmáx) diárias do ar e da amplitude térmica diária (ATD) em Santa Maria, RS, com a Oscilação Decadal do Pacífico (ODP). Foram usados os valores diários de Tmín e Tmáx de janeiro de 1912 a dezembro de 2009, e os valores mensais do índice da ODP do mesmo período. Há associação entre a variabilidade interdecadal da Tmín e Tmáx e da ATD com a ODP nesse local. Na fase fria da ODP, de 1947-1976, houve decréscimo nas Tmín e Tmáx. Nas duas fases quentes da ODP, 1925-1946 e de 1977-1998, houve aumento na Tmín no primeiro período e na Tmáx no segundo período. Durante a fase fria da ODP, de 1947-1976, houve redução da ATD, pela diminuição da Tmáx média e máxima. Houve aumento na ATD, no primeiro semestre na fase fria atual (1999-2009), em razão da diminuição na média da Tmín. Esses ciclos de aquecimento e resfriamento, na escala decadal, podem nortear estratégias de adaptação e mitigação na agricultura, por meio do melhoramento genético e desenvolvimento de cultivares tolerantes a tais oscilações de temperatura.

adaptação; agricultura; clima; mitigação; oscilação de baixa frequência


The objective of this work was to verify possible associations between the interdecadal variability of minimum (Tmin) and maximum (Tmax) daily air temperatures and daily thermal range (DTR) in Santa Maria, RS, Brazil, with the Pacific Decadal Oscillation (PDO). Daily Tmin and Tmax values, from January 1912 to December 2009, and the monthly values of the PDO index during the same period were used. There is association between the interdecadal variability of Tmin, Tmax, and DTR with the PDO in this location. There was a decrease in Tmin and Tmax, during the 1947-1976 cold phase of the PDO. In the two PDO's warm phases, 1925-1946 and 1977-1998, there was an increase in Tmin during the first period and in Tmax during the second period. There was a reduction in DTR during the 1947-1976 cold phase of the PDO, due to a reduction of average Tmax and maximum Tmax. There was an increase in DTR in the first semester during the current (1999-2009) cold phase of the PDO, due to a decrease in average Tmin. These warming and cooling cycles, on the decadal time scale, may help in defining adaptation and mitigating strategies in agriculture through plant breeding and the development of cultivars tolerant to such temperature oscillations.

adaptation; agriculture; climate; mitigation; low frequency oscillation


AGROMETEOROLOGIA

Nereu Augusto StreckI; Luana Fernandes GabrielI; Galileo Adeli BuriolII; Arno Bernardo HeldweinI; Gizelli Moiano de PaulaI

IUniversidade Federal de Santa Maria, Avenida Roraima, nº 1.000, CEP 97105-900 Santa Maria, RS. E-mail: nstreck2@yahoo.com.br, luana1fernandes@yahoo.com.br, heldweinab@smail.ufsm.br, gizellidepaula@gmail.com

IICentro Universitário Fransciscano, Rua dos Andradas, nº 1.614, CEP 97010-032 Santa Maria, RS. E-mail: galileoburiol@yahoo.com.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi verificar possíveis associações entre a variabilidade interdecadal das temperaturas mínima (Tmín) e máxima (Tmáx) diárias do ar e da amplitude térmica diária (ATD) em Santa Maria, RS, com a Oscilação Decadal do Pacífico (ODP). Foram usados os valores diários de Tmín e Tmáx de janeiro de 1912 a dezembro de 2009, e os valores mensais do índice da ODP do mesmo período. Há associação entre a variabilidade interdecadal da Tmín e Tmáx e da ATD com a ODP nesse local. Na fase fria da ODP, de 1947-1976, houve decréscimo nas Tmín e Tmáx. Nas duas fases quentes da ODP, 1925-1946 e de 1977-1998, houve aumento na Tmín no primeiro período e na Tmáx no segundo período. Durante a fase fria da ODP, de 1947-1976, houve redução da ATD, pela diminuição da Tmáx média e máxima. Houve aumento na ATD, no primeiro semestre na fase fria atual (1999-2009), em razão da diminuição na média da Tmín. Esses ciclos de aquecimento e resfriamento, na escala decadal, podem nortear estratégias de adaptação e mitigação na agricultura, por meio do melhoramento genético e desenvolvimento de cultivares tolerantes a tais oscilações de temperatura.

Termos para indexação: adaptação, agricultura, clima, mitigação, oscilação de baixa frequência.

ABSTRACT

The objective of this work was to verify possible associations between the interdecadal variability of minimum (Tmin) and maximum (Tmax) daily air temperatures and daily thermal range (DTR) in Santa Maria, RS, Brazil, with the Pacific Decadal Oscillation (PDO). Daily Tmin and Tmax values, from January 1912 to December 2009, and the monthly values of the PDO index during the same period were used. There is association between the interdecadal variability of Tmin, Tmax, and DTR with the PDO in this location. There was a decrease in Tmin and Tmax, during the 1947-1976 cold phase of the PDO. In the two PDO's warm phases, 1925-1946 and 1977-1998, there was an increase in Tmin during the first period and in Tmax during the second period. There was a reduction in DTR during the 1947-1976 cold phase of the PDO, due to a reduction of average Tmax and maximum Tmax. There was an increase in DTR in the first semester during the current (1999-2009) cold phase of the PDO, due to a decrease in average Tmin. These warming and cooling cycles, on the decadal time scale, may help in defining adaptation and mitigating strategies in agriculture through plant breeding and the development of cultivars tolerant to such temperature oscillations.

Index terms: adaptation, agriculture, climate, mitigation, low frequency oscillation.

Introdução

Os efeitos causados pelos extremos de temperatura do ar, da chuva e do vento preocupam a maioria da população e, principalmente os agricultores. Os extremos da temperatura diária do ar, dados pela temperatura mínima (Tmín) e máxima (Tmáx) diárias, podem afetar de modo negativo as culturas agrícolas, pois são determinantes da taxa de crescimento, do desenvolvimento das plantas (Streck et al., 2003, 2007) e também da produtividade das culturas, pois valores muito altos ou muito baixos, durante a fase reprodutiva do ciclo, especialmente na antese e esporogênese, causam esterilidade de grãos (Buriol et al., 2000; Steinmetz et al., 2001a, 2001b; Kuinchtner et al., 2007).

Em estudos que envolvem séries temporais longas de elementos meteorológicos são realizadas diferentes análises, que incluem a determinação de suas tendências e a verificação da existência ou não de padrões ou ciclos de variabilidade de diferentes frequências temporais, desde intrassazonais, interanuais até interdecadais (Kayano & Sansigolo, 2009). Na agricultura, a existência desses ciclos pode nortear estratégias de adaptação e mitigação, através do melhoramento genético. No Rio Grande do Sul, a variabilidade dos elementos climáticos, na frequência intrassazonal (de 50 a 100 dias), está associada ao Modo Sul e à Oscilação de Madden-Julian (Cavalcanti et al., 2009), e a variabilidade interanual (frequência de três a sete anos) está associada ao El Niño Oscilação Sul (Enos) (Grimm et al., 2000; Kayano & Sansigolo, 2009).

Na segunda metade da década de 1990, foi identificada uma oscilação de baixa frequência na temperatura do Oceano Pacífico (Mantua et al., 1997), com duração entre 20 e 30 anos, denominada de Oscilação Decadal do Pacífico (ODP), com duas fases (fria e quente). Na fase fria, ocorrem anomalias negativas de temperaturas da superfície do mar (TSM), no Oceano Pacífico Tropical (OPT), e positivas no Oceano Pacífico Extratopical (OPE), nos dois hemisférios; na fase quente, as alterações da TSM são opostas, ou seja, anomalias positivas no OPT e negativas nas duas regiões do OPE (Mantua et al., 1997). Durante o século 20, foi identificada uma fase fria (1947-1976), que separou duas fases quentes (1925-1946 e 1977-1998) da ODP (Mantua & Hare, 2002). O período anterior a 1925 não está bem definido quanto à ODP (Mantua & Hare, 2002), e o período após 1998 indica uma nova fase fria (Jisao, 2010).

A ODP é responsável pela variabilidade interdecadal de alguns elementos meteorológicos em diferentes locais da Terra (Mantua & Hare, 2002; Schneider & Cornuelle, 2005; Garcia & Kayano, 2008; Blain et al., 2009, Streck et al., 2009). Chen et al. (2006) relataram a influência da ODP nas oscilações de crescimento de pinheiros, na periferia da cidade de Shenyang, na Província de Liaoning, China. Na Califónia, EUA, no período de 1950-2000, em 83% das estações meteorológicas houve correlação significativa entre a temperatura mínima média do ar e a ODP (LaDochy et al., 2007). Brito-Castillo et al. (2009), em análises de Tmáx e Tmín do período 1963-2002, de 23 estações climáticas, constataram que a amplitude térmica diurna, em Zacatecas do Sul, México, aumentou em função do aumento na Tmáx e diminuição na Tmín no mesmo período, enquanto a amplitude térmica diurna em Zacatecas do Norte diminuiu em função de um declínio mais acentuado na Tmáx do que de um aumento da Tmín; essas diferenças foram atribuídas a mudanças em grande escala da TSM do Oceano Pacífico e Atlântico. Os resultados de Pavia et al. (2009) seguem essa tendência, pois constataram que as temperaturas do ar, dos períodos 1940-1969 e 1970-2004, no México, variaram mais com as fases da ODP que do Enos. Para a série histórica de Tmín e Tmáx em Santa Maria, RS, que se inicia em 1912, a análise da variabilidade interdecadal ainda não foi realizada, o que constituiu a motivação para este trabalho, pois este local está na Depressão Central, região de grande importância agrícola do Rio Grande do Sul para a produção de arroz, milho e soja.

O objetivo deste trabalho foi verificar possíveis associações entre a variabilidade interdecadal da temperatura mínima e máxima do ar e a amplitude térmica diária em Santa Maria, RS, com a ODP.

Material e Métodos

Foram usados os dados diários de temperatura mínima (Tmín) e máxima (Tmáx), medidos de 16 de janeiro de 1912 a 31 de dezembro de 2009, da Estação Climatológica Principal de Santa Maria (ECPSM), pertencente ao 8º Distrito do Instituto Nacional de Meteorologia. A ECPSM estava localizada em área da cidade de Santa Maria, a 29º41'S, 53º48'W, a 138 m de altitude (atualmente urbana), até 1967 e, desde julho de 1968, está localizada no Campo Experimental do Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Maria (29º43'S, 53º43'W, a 95 m de altitude). A amplitude térmica diária (ATD) foi calculada pela subtração da Tmín da Tmáx. Dados com falhas por falta de leitura ou registro ilegível não foram usados na análise, o que correspondeu a 878 e 1.190 dias ou 2,45 e 3,32% da Tmín e Tmáx, respectivamente, da série.

Os valores mensais do índice da ODP, do período de 1912 a 2009, foram retirados de Jisao (2010). Na análise, foram consideradas as seguintes variáveis: média da Tmín (Tmínméd), da Tmáx (Tmáxméd) e da ATD (ATDméd), mínimo absoluto da Tmín (Tmínmín) e da Tmáx (Tmáxmín), e máximos absolutos da Tmín (Tmínmáx) e da Tmáx (Tmáxmáx) em nível anual, semestral, sazonal (verão-DJF, outono-MAM, inverno-JJA e primavera-SON) e mensal. Para detectar periodicidades e suas frequências, na série histórica das variáveis de temperatura, relacionadas à ODP, usou-se o método da função densidade espectral de potências, calculada com o Teorema de Wiener, com o "lag" 50 anos (Souza et al., 2009). Os harmônicos que representam o ciclo ou frequência das oscilações, foram considerados significativos quando os valores da densidade espectral foram superiores aos valores de probabilidade de 95%, pelo teste do qui-quadrado (Souza et al., 2009).

Para cada variável, calculou-se a média do período 1912-2009, a que se denominou normal, e o desvio da normal pela subtração do valor de cada ano da média do período, para obter, assim, desvios positivos e negativos. Realizou-se, então, uma análise de frequência, pelo cálculo da percentagem de anos com desvios negativos e positivos, tendo-se considerado quatro períodos na série, conforme Streck et al. (2009): 1925-1946 (primeira fase quente), 1947-1976 (primeira fase fria), 1977-1998 (segunda fase quente) e 1999-2009 (segunda fase fria).

A tendência temporal da série de variáveis de temperatura, em cada fase da ODP, foi testada pelo teste não paramétrico de Mann-Kendall (Back, 2001). Para as séries em que houve autocorrelação pelo teste Run, aplicou-se o teste de Mann-Kendall modificado (Hamed & Rao, 1998). Para os meses em que a tendência foi significativa pelo teste Mann-Kendall, realizou-se uma regressão linear simples, tendo-se considerado como variáveis dependentes a Tmín e a Tmáx e, como variáveis independentes os anos em cada fase da ODP. O coeficiente angular dessa regressão representa a mudança na série histórica e é significativo quando o intervalo de confiança não inclui o valor zero (Back, 2001). Considerou-se, no presente trabalho, o nível de 15% de probabilidade para o teste de Mann-Kendall e o intervalo de confiança da regressão, pois a série temporal, em cada fase da ODP, é pequena e a variabilidade interanual (em razão, principalmente, do Enos) é alta, além disso, trabalhos anteriores utilizaram nível de probabilidade de até 20% (Blain, 2011).

Resultados e Discussão

Nas Figuras 1, 2 e 3, estão apresentadas as séries históricas (1912-2009) das variáveis de temperatura e do índice da ODP na escala de tempo anual, e o primero e segundo semestres, respectivamente, e na Figura 4, as séries de amplitude térmica diária. Em cada painel das quatro Figuras, estão apresentadas também as equações de regressão, nas variáveis, e fases da ODP em que o teste de Mann-Kendall (original ou modificado) e o coeficiente angular da regressão linear foram significativos. As descontinuidades nos gráficos de temperatura das Figuras 1, 2, 3 e 4, marcam o final de uma fase e o início da próxima fase da ODP.







Em escala anual, das seis variáveis apenas Tmáxmín apresentou pouca oscilação de baixa frequência na série histórica (Figura 1 D), enquanto as outras oscilaram em fase com o índice ODP. É observada defasagem nos picos máximos e mínimos das séries de temperatura do ar, em relação aos picos do índice ODP, o que indica atraso da resposta da atmosfera à mudança das condições térmicas da superfície do Oceano Pacífico. A oscilação em fase da temperatura do ar com o índice ODP, em nível anual, ajuda a explicar a maior frequência de desvios negativos de Tmín e Tmáx, em relação à média 1912-2009, durante a fase fria da ODP de 1947-1976 (Tabela 1). Ainda, em escala anual, nas duas fases quentes da ODP (1925-1946 e 1977-1998), esperava-se que os desvios positivos fossem mais frequentes, mas esta expectativa só foi confirmada para a Tmáxméd e Tmáxmáx, na fase 1925-1946, e na Tmínméd e Tmínmáx, na fase 1977-1998, possivelmente em consequência da defasagem entre a oscilação do índice ODP e a temperatura do ar anteriormente discutida. Na atual fase fria da ODP (1999-2009), os desvios positivos são mais frequentes tanto na Tmín quanto na Tmáx, contrariamente à expectativa, que podem ser atribuídos à defasagem da resposta da atmosfera ao Oceano Pacífico.

Na escala semestral, os resultados seguiram a mesma tendência observada na escala anual. Os desvios negativos predominaram na primeira fase fria da ODP (1947-1976), enquanto os desvios positivos ocorreram, mas não predominaram, nas duas fases quentes da ODP (1925-1946) e (1977-1998) e predominaram no período recente (após 1999). No primeiro semestre, a maior frequência de desvios positivos foi na fase quente de 1925-1946.

Na escala sazonal, os desvios negativos na primeira fase fria da ODP (1947-1976) predominaram nas quatro estações, e os desvios positivos na primeira fase quente da ODP (1925-1946) predominaram no outono e no inverno, mas não predominaram na segunda fase quente da ODP (1977-1998), vindo a predominar novamente na atual fase fria da ODP. Na escala mensal, o mês de maio mostrou ter pouco sinal da ODP, pois os desvios negativos e positivos foram próximos ou iguais a 50%, nas duas fases quentes da ODP; na primeira fase fria, os desvios foram positivos e, na segunda fase fria (período atual), os desvios foram negativos, contrariamente aos outros meses, em que todos apresentaram sinal da ODP.

A análise de densidade espectral (Tabela 2) confirma a existência de periodicidades nas séries temporais de temperatura mínima e máxima do ar, com ciclos significativos na escala interanual (um a sete anos) e interdecadal (10 a 50 anos). A variabilidade interanual de temperatura do ar está associada ao fenômeno Enos (Grimm et al., 2000; Berlato & Fontana, 2003), enquanto a variabilidade interdecadal indica a associação com a ODP. Na escala anual das diversas variáveis de Tmín e Tmáx, predominam os ciclos entre 20 e 40 anos. Na escala semestral, o primeiro semestre apresentou maior número de ciclos interdecadais do que o segundo semestre e, na escala sazonal, ocorreram vários ciclos significativos, ora mais no verão e na primavera, ora mais no outono e inverno, a depender da variável. Na escala mensal, em janeiro e dezembro, há maior número de ciclos significativos para a média de Tmín (8 e 7 ciclos, respectivamente), em fevereiro, setembro, outubro e novembro há maior número de ciclos significativos para a média de Tmáx (7, 9, 8 e 7 ciclos, respectivamente), em março, agosto e novembro o maior número de ciclos significativos (7, 6 e 7 ciclos, respectivamente) é na temperatura mínima absoluta, em agosto há maior número de ciclos significativos para a temperatura máxima absoluta (8 ciclos), em abril é na mínima da Tmáx (9 ciclos) e, em julho, é na máxima da Tmín, com 8 ciclos significativos.

Na primeira fase quente da ODP (1925-1946), o teste de Mann-Kendall e o coeficiente angular indicaram as seguintes tendências significativas de aumento: na Tmínméd anual, de 0,45°C por década (Figura 1 A); na Tmínméd no segundo semestre, de 0,58°C por década (Figura 3 A); na Tmáxméd no segundo semestre, de 0,46°C por década (Figura 3 B); na Tmínmáx anual, de 1,80°C por década (Figura 1 E). Nos dois semestres do ano a tendência de aumento foi de 1,32ºC, por década, no primeiro semestre (Figura 2 E) e 2,03°C por década no segundo semestre (Figura 3 E). No primeiro semestre, a tendência na Tmáxmáx foi de -0,69ºC, por década, na primeira fase quente. A tendência na Tmínmín anual foi significativa pelo teste Mann-Kendall, mas não pela regressão linear, por isso, a reta de tendência não é mostrada na Figura 1 C.

Na primeira fase fria (1947-1976), a tendência de resfriamento foi significativa para a Tmáxméd e Tmáxmáx anual - -0,59 e -0,95°C por década, respectivamente (Figuras 1 B e F) -; para Tmáxméd e Tmáxmáx semestral, essa tendência foi de -0,53 e -0,90°C por década, respectivamente, para o primeiro semestre (Figuras 2 B e F), e de -0,41 e -0,91°C por década para o segundo semestre (Figuras 3 B e F). De modo semelhante, foram significativas, ainda, a Tmínmín anual, com -0,37°C por década (Figura 1 C) e a Tmínmáx anual, com -0,63°C por década (Figura 1 E), assim como para o primeiro semestre, com -0,43°C por década (Figura 2 E). Também foi significativa pelo teste Mann-Kendall, na primeira fase fria da ODP, a tendência na Tmáxmín e na Tmínmín (Figura 2 D e C) no primeiro semestre, mas o coeficiente angular da regressão linear não foi significativo.

Na segunda fase quente (1977-1998), a tendência de aumento na Tmáxmáx anual foi significativa, com 0,74°C por década (Figura 1 F), e no segundo semestre com 1,11°C por década (Figura 3 F). Nessa mesma fase, ao contrário do esperado, a Tmínmín anual apresentou tendência de declínio de -0,53°C por década (Figura 1 C). Também foi significativa, pelo teste de Mann-Kendall, na segunda fase quente, a tendência da Tmínmín no segundo semestre, mas não pela regressão linear.

Na segunda fase fria (1999-2009), foi significativa a tendência de resfriamento na Tmínméd, no primeiro semestre, com -0,45°C por década (Figura 1 A), o que se contrapõe à tese do aquecimento global inequívoco, apresentado no quarto relatório do IPCC; na Tmáxmáx, a tendência é de aumento (1,85°C por década) no segundo semestre (Figura 3 F), enquanto na Tmáxmáx anual o teste de Mann-Kendall foi significativo, porém o coeficiente angular não o foi, por isso, a reta de tendência não é mostrada na Figura 1 F.

A relação da amplitude térmica diária média, anual e semestral, com o índice da ODP e as tendências significativas pelo teste de Mann-Kendall e pelo intervalo de confiança do coeficiente angular, para cada fase da ODP, está apresentada na Figura 4. Nas escalas anual e semestral, há tendência de diminuição na amplitude térmica, na primeira fase fria da ODP (1947-1976), de -0,62°C por década para o período anual (Figura 4 A), -0,62°C por década para o primeiro semestre (Figura 4 B) e de -0,68°C por década para o segundo semestre (Figura 4 C). Tal fato significa que, durante a primeira fase fria, a tendência geral foi de redução da amplitude térmica diária, em razão da tendência de redução da Tmáxméd (Figuras 1 B, 2 B e 3 B). A tendência de aumento na amplitude térmica, no 1º semestre na fase fria atual (1999-2009), foi de 1,58°C por década (Figura 4 B), em virtude da diminuição de -0,45°C por década na Tmínméd (Figura 2 A).

Os resultados do presente trabalho evidenciam dois aspectos importantes, um do ponto de vista climático e outro do ponto de vista agrícola. O primeiro, do ponto de vista climático, é que a temperatura do ar, em séries históricas longas, é afetada por fenômenos cíclicos de baixa frequência na escala decadal. A consequência dessas oscilações de baixa frequência sugere que no estudo de análise de tendências devem ser usadas séries temporais longas, acima de 50 anos, pois em séries temporais mais curtas, a tendência de aquecimento e de resfriamento pode ser decorrente de oscilações naturais e, desse modo, atribuir tais tendências a causas antrópicas, em estudos com base de dados inferiores a meio século, não é recomendado. Um exemplo de estudos dessa natureza foi realizado por Marengo & Camargo (2008), que detectaram tendências positivas na Tmínméd e Tmáxméd, em diversos locais dos três estados da região Sul do Brasil (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná), inclusive em Santa Maria, RS, no período de 1960 a 2002, em que os 42 anos de dados abrangem a segunda metade da primeira fase fria da ODP (1947-1976), quando a Tmín e a Tmáx encontravam-se em declínio, e toda a segunda fase quente da ODP (1977-1998), quando a Tmín e a Tmáx estavam em elevação, ou seja, o período de estudo teve início quando as temperaturas eram mais baixas e findou quando as temperaturas estavam mais altas, neste caso, espera-se que a tendência seja de elevação, em razão do curto período considerado.

O segundo aspecto, do ponto de vista agrícola, é que o conhecimento da existência de oscilações de temperatura do ar, na escala decadal, possibilitam a adoção de estratégias de mitigação e adaptação, como ocorre no caso do desenvolvimento de novas cultivares adaptadas ao novo padrão climático, como a cultura do arroz no Rio Grande do Sul, em que o tempo médio de lançamento de cada nova cultivar por instituições de pesquisa (IRGA e Embrapa) é de sete a dez anos. A importância do conhecimento das oscilações climáticas é tal que, por se tratar de um ciclo, algumas décadas depois, novamente o padrão climático pode se repetir, o que possibilitaria aos bancos de germoplasma, que já possuem genes antigos de certas culturas comerciais armazenados, fornecer material adaptado à nova condição climática apresentada; isto reduziria o impacto decorrente das oscilações naturais de longo prazo do clima.

Outro aspecto adicional, decorrente dos resultados do presente trabalho, é o fornecimento de subsídios para explicar alguns ditos populares. No Rio Grande do Sul, é comum, tanto no meio rural quanto no urbano, pessoas com idade entre 60 e 70 anos afirmarem que, durante o período de sua adolescência e juventude, nas últimas décadas de 1950 e 1960, os invernos eram mais rigorosos e mais regulares. Ou seja, nessas décadas do século 20, quando a ODP estava na fase fria, as mínimas e máximas anuais da temperatura mínima do ar tiveram tendência de diminuição e alcançaram os valores mais baixos da série histórica (Figura 1 C e E). Como durante a fase fria da ODP, os eventos de La Niña são mais intensos e frequentes, pois a ODP e o ENOS estão em fase fria (Kayano & Andreoli, 2007), no Rio Grande do Sul, as chuvas ocorrem abaixo da média (Berlato & Fontana, 2003), o que contribui para a menor concentração de vapor d'água na atmosfera e resulta em menor efeito estufa e maior redução ou abaixamento da temperatura durante a noite. Quando a ODP está na fase quente, os eventos El Niño são mais intensos e frequentes (Kayano & Andreoli, 2007; Streck et al., 2009), o que contribui, no Rio Grande do Sul, para a ocorrência de chuva acima da normal do período e, consequentemente, maior teor de vapor d'água na atmosfera, que favorece a ocorrência do efeito estufa e causa menor abaixamento da temperatura noturna, como ocorreu com a máxima anual e semestral da temperatura mínima, na fase quente da ODP de 1925-1946 (Figuras 1 E,2 E e 3 E).

Conclusões

1. Existe associação entre a variabilidade interdecadal das temperaturas mínima e máxima diárias do ar em Santa Maria, RS, com a Oscilação Decadal do Pacífico (ODP).

2. Na fase fria da ODP de 1947-1976, observa-se decréscimo nas temperaturas mínimas e máximas, enquanto nas duas fases quentes da ODP, de 1925-1946 e 1977-1998, há aumento na temperatura mínima no primeiro período e na temperatura máxima no segundo período.

3. Na fase fria atual da ODP (1999-2009), é confirmada a tendência de diminuição na média da temperatura mínima, no primeiro semestre do ano, de -0,45°C por década, e de aquecimento, no segundo semestre, com aumento das temperaturas máximas absolutas de 1,85°C por década.

4. Durante a primeira fase fria da ODP (1947-1976), observa-se tendência de redução da amplitude térmica diária, em razão da redução anual e semestral da temperatura máxima média e máxima absoluta; a tendência de aumento na amplitude térmica, no primeiro semestre na fase fria atual (1999-2009), é de 1,58°C por década, em consequência da diminuição de -0,45°C por década na média da temperatura mínima.

Recebido em 14 de fevereiro de 2011 e aprovado em 31 de maio de 2011

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  • Variabilidade interdecadal na série secular de temperatura do ar em Santa Maria, RS

    Interdecadal variability in the secular series of air temperature in Santa Maria, RS, Brazil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      14 Fev 2011
    • Aceito
      31 Maio 2011
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