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Desova induzida de curimatã-pacu submetido a dois protocolos de hipofisação

Induced spawning of curimatã-pacu subjected to two hypophysation protocols

Resumos

O objetivo deste trabalho foi comparar dois protocolos de hipofisação, na indução à desova de curimatã-pacu.Testou-se a aplicação de dose única ou duas doses de extrato bruto de hipófise de carpa-comum. Não houve diferença significativa entre os protocolos quanto às taxas de fêmeas que desovaram, fertilização e larvas deformadas. A aplicação de dose única resultou em valores de horas-graus até a extrusão dos ovócitos maiores do que em duas doses. A aplicação de uma única dose representou menor consumode água, energia e tempo. O protocolo da dose única pode ser utilizado como alternativa para a indução à desova de curimatã-pacu.

Prochilodus argenteus; fertilização; hipófise de carpa-comum; hora-grau; larvas deformadas


The objective of this work was to compare two hypophysation protocols in the spawning induction of curimatã-pacu. The application of a single dose or two doses of crude carp pituitary extract was tested. That there was no significant difference among the protocols for the rate of females that have spawned, fertilization and deformed larvae. A single dose application resulted in higher degree-hour values until the oocyte extrusion than two doses. The application of a single dose represented a lower consumption of water, energy, and handling time. A single dose protocol can be used as an alternative for inducing the curimatã-pacu spawning.

Prochilodus argenteus; fertilization; carp hypophysis; degree-hour; deformed larvae


NOTAS CIENTÍFICAS

Desova induzida de curimatã-pacu submetido a dois protocolos de hipofisação

Induced spawning of curimatã-pacu subjected to two hypophysation protocols

José Cláudio Epaminondas dos SantosI; Yoshimi SatoI; Athiê Jorge Guerra SantosII; Paulo de Paula MendesII; Kleber Biana SantiagoI; Ronald Kennedy LuzIII

ICompanhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), Centro Integrado de Recursos Pesqueiros e Aquicultura de Três Marias, Caixa Postal 11, CEP 39205-000 Três Marias, MG. E-mail: jose.claudio@codevasf.gov.br, sato.codevasf@gmail.com, kleber.biana@codevasf.gov.br

IIUniversidade Federal Rural de Pernambuco, Departamento de Pesca e Aquicultura, Programa de Pós-Graduação em Recursos Pesqueiros e Aquicultura, Avenida Dom Manoel de Medeiros, s/nº, Dois Irmãos, CEP 50090-090 Recife, PE. E-mail: ajgs@depaq.ufrpe.br, paulo_ufrpe@yahoo.com.br

IIIUniversidade Federal de Minas Gerais, Escola de Veterinária, Departamento de Zootecnia, Laboratório de Aquacultura, Avenida Antônio Carlos, nº 6.627, CEP 31270-901 Belo Horizonte, MG. E-mail: luzrk@yahoo.com

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi comparar dois protocolos de hipofisação, na indução à desova de curimatã-pacu.Testou-se a aplicação de dose única ou duas doses de extrato bruto de hipófise de carpa-comum. Não houve diferença significativa entre os protocolos quanto às taxas de fêmeas que desovaram, fertilização e larvas deformadas. A aplicação de dose única resultou em valores de horas-graus até a extrusão dos ovócitos maiores do que em duas doses. A aplicação de uma única dose representou menor consumode água, energia e tempo. O protocolo da dose única pode ser utilizado como alternativa para a indução à desova de curimatã-pacu.

Termos para indexação:Prochilodus argenteus, fertilização, hipófise de carpa-comum, hora-grau, larvas deformadas.

ABSTRACT

The objective of this work was to compare two hypophysation protocols in the spawning induction of curimatã-pacu. The application of a single dose or two doses of crude carp pituitary extract was tested. That there was no significant difference among the protocols for the rate of females that have spawned, fertilization and deformed larvae. A single dose application resulted in higher degree-hour values until the oocyte extrusion than two doses. The application of a single dose represented a lower consumption of water, energy, and handling time. A single dose protocol can be used as an alternative for inducing the curimatã-pacu spawning.

Indexterms:Prochilodus argenteus, fertilization,carp hypophysis, degree-hour, deformed larvae.

A grande maioria de peixes de interesse comercial e utilizados para repovoamento são espécies reofílicas que realizam movimentos migratórios para completar sua reprodução. No entanto, é conhecido que em cativeiro, estas espécies não conseguem realizar as etapas finais de reprodução.

Para superar essa dificuldade, tem se empregado a hipofisação que consiste na aplicação de extrato bruto da hipófise de um peixe doador num peixe receptor, sendo mais utilizada a aplicação de duas doses nas fêmeas e uma dose nos machos (Woynarovich & Horváth, 1980). Entretanto, o manejo excessivo dos animais decorrente deste protocolo pode causar estresse, e prejudicar a qualidade dos ovócitos, e a morte destes (Schreck et al., 2001; Mylonas et al., 2010; Zohar et al, 2010). Além disso, o tempo de permanência dos reprodutores dentro do laboratório pode acarretar custos relacionados ao consumo de água e energia elétrica

O curimatã-pacu (Prochilodus argenteus Agassiz, 1829) é endêmico da Bacia do Rio São Francisco e, também, é popularmente conhecido por xira, bambá ou zulega (Castro & Vari, 2003). Este peixe é reofílico, tem desova total e ovos livres (Sato & Godinho, 1999) e é importante em programas de repovoamento desta bacia.

O objetivo deste trabalho foi comparar dois protocolos de hipofisação, na indução à desova de curimatã-pacu.

O experimento foi realizado no Centro Integrado de Recursos Pesqueiros e Aquicultura de Três Marias, Codevasf, em Três Marias, MG, de dezembro de 2003 a janeiro de 2004.

Os reprodutores utilizados foram capturados na região de Três Marias e mantidos em viveiro de fundo de terra e parede de alvenaria (1 kg de peixe por 5 m2), por período superior a um ano. Os peixes foram alimentados com ração comercial com 36% de proteína bruta, à proporção diária de 1,5 a 2% da biomassa. No período reprodutivo, de dezembro de 2003 a janeiro de 2004, foram selecionadas 42 fêmeas, com orifício urogenital dilatado, vascularizado e ventre abaulado, e 36 machos que liberavam sêmen à leve pressão abdominal e que emitiam sons (roncos) quando capturados. Os dados biométricos estão apresentados na Tabela 1. Animais selecionados foram levados ao pavilhão de reprodução, pesados e estocados em tanques de alvenaria de 2,4 m3 (3 × 1 × 0,8 m) com água corrente. As fêmeas e machos foram separados. A temperatura da água nos tanques de alvenaria foi mantida em aproximadamente 26ºC com o uso de aquecedores. Durante o procedimento de indução hormonal, o oxigênio dissolvido variou de 7 a 7,4 mg L-1, o pH de 6,8 a 7,3 e a condutividade elétrica de 56 a 63 µS cm-1.

Dois protocolos de indução de desova foram testados, com uso de extrato bruto de hipófise de carpa-comum (EBHC). O protocolo I (P1), utilizado em 18 fêmeas, consistiu da aplicação de dose única de 6 mg kg-1 de EBHC ao peixe vivo; e o protocolo II (P2), utilizado em 24 fêmeas, consistiu da aplicação de duas doses de EBHC, a primeira de 0,6 mg kg-1 e, após intervalo de 14 a 15 horas, a segunda dose de 6 mg kg-1. Nos machos (36 animais), foi aplicada a dose única de 2 mg kg-1. Esta aplicação foi realizada no momento da dose única no P1 e da segunda dose no P2. As doses foram aplicadas na cavidade celomática dos peixes.

Após a indução, os peixes foram observados, e o momento da ovulação foi estimado pela movimentação contínua das fêmeas e pela liberação de óvulos no tanque. Nesse momento, os animais foram capturados com rede, e os óvulos foram obtidos por extrusão e fertilizados a seco (Woynarovich & Horváth, 1980). Após a extrusão dos óvulos, realizou-se a coleta de sêmen dos machos, para posterior fertilização, quando se adicionou água. Os ovos foram hidratados por 5 a 10 min, em bacias de plástico, e foram distribuídos em incubadoras de fibra de vidro do tipo funil. A proporção de óvulos variou de 1 a 2 g L-1. Nas incubadoras, a temperatura da água variou de 24 a 26ºC, enquanto o oxigênio dissolvido variou de 6,4 a 6,7 mg L-1, o pH de 6,7 a 7,3 e a condutividade elétrica de 56 a 61 µS cm-1.

As variáveis analisadas foram: taxa de fêmeas que desovaram, horas-graus médias até a extrusão dos ovócitos (HGE), taxas médias de fertilização e de larvas deformadas. A taxa de fêmeas que desovaram foi determinada pela razão entre o total das que desovaram e o total das submetidas à indução hormonal. As horas-graus e a taxa de fertilização foram verificadas conforme Woynarovich & Horváth (1980). A taxa de larvas deformadas foi verificada pela observação, em microscópio estereoscópico, de desvios na coluna de larvas coletadas (300 larvas por amostra), após a eclosão, e fixadas em formol a 4%. Também foi avaliado o consumo da água obtido pelo produto da vazão média (L por hora), tempo (h) e o consumo de energia elétrica, registrado por medidor-padrão.

Foram estabelecidos modelos de relação das variáveis horas-graus, taxa de fertilização e taxa de larvas deformadas, com as variáveis comprimento e peso total, e os protocolos de hipofisação, conforme o seguinte modelo estatístico: Respλ = β1CT + β2PT + β3P1 + β4P2 + ei, em que: Resp é a hora-grau, a taxa de fertilização ou a taxa de larvas deformadas; λ é o fator de transformação Box-Cox; β1, β2, β3 e β4 são os parâmetros do modelo; CT é o comprimento total; PT é o peso total; P1 é o protocolo I; P2 é o protocolo II; e ei é o erro associado a cada observação.

As variáveis significativas do modelo foram selecionadas pelo uso do processo stepwise, associado ao transformador λ de Box-Cox (Box & Cox, 1964). Os protocolos I e II foram inseridos nos modelos como variáveis mudas (0 ou 1). Todos os testes foram efetuados a 5% de probabilidade, pelo programa estatístico STATGRAF, versão 7.1.

Os dois protocolos apresentaram resultados semelhantes quanto a fêmeas que responderam positivamente (que desovaram) à hipofisação (Tabela 1). Os resultados quanto às fêmeas que desovaram foi superior ao verificado para Prochilodus affinis (76,0%) (Sato et al., 1996) e inferior aos 100% registrados para P. lineatus (Pereira et al., 2009), em que ambos os protocolos utilizaram a aplicação de duas doses.

O emprego da dose única propiciou valores de horas-graus de extrusão de ovócitos (HGE) significativamente superiores, em comparação ao protocolo com duas doses. Pelos resultados, a HGE para o protocolo I teria de ser multiplicada por 1,32, em comparação às HGE do protocolo II, e seria necessário avaliar essa relação em outras espécies. O modelo final das relações entre HGE e demais variáveis foi representado pela equação HGE = e5,72P1 + 5,44P2 (R2= 0,9999), o que indicou que apenas os protocolos utilizados influenciaram a HGE (p<0,05). Este aspecto está associado ao desenvolvimento gonadal das fêmeas selecionadas, considerando-se que doses prévias têm a função de incrementar a maturação final dos ovócitos e sincronizar o estádio maturacional para aplicar uma dose decisiva (Mylonas et al., 2010).

A taxa de fertilização média, observada nos protocolos I e II, não apresentou diferenças significativas (Tabela 1). O modelo da relação entre a taxa de fertilização com as demais variáveis foi Fert= (0,0343CT - 0,0006PC)2 (R2 = 0,9896), em que apenas o comprimento total (CT) e a massa corporal (PC) médios influenciaram a taxa de fertilização (p<0,05). Estas taxas de fertilização foram semelhantes ao registrado em P. costatus (com 71% de fertilização), com protocolo com duas doses (Sato et al., 1996).

A taxa média de larvas deformadas também não apresentou diferença significativa entre os dois protocolos testados. Essas taxas foram menores do que as observadas para P. argenteus (média de 9,3±9,0% a 23 ºC, e 9,5±10,8% a 26 ºC), submetido à indução hormonal com duas doses de EBHC (Arantes et al., 2011). A deformidade encontrada com maior frequência foi o desvio na coluna. O modelo mais adequado para representar a taxa de larvas deformadas, em comparação às demais variáveis foi Defor = e-0,0278CT + 0,0006PC (R2 = 0,9979), em que apenas o comprimento total (CT) e a massa corporal (PC) influenciaram essa variável (p<0,05).

Quanto ao tempo necessário para concluir o processo de indução, no protocolo I foram gastas, em média, 11:41±0:21 horas (11:10 a 12:10 horas), enquanto no protocolo II foram, em média, 8:58±0:33 horas (8:17 a 10:35 horas mais um intervalo de 14 a 15 horas). O uso do protocolo I propiciou economia média de 50% no consumo de energia, assim como no consumo de água. Portanto, esses aspectos devem ser considerados, pois se trata da economia dos recursos naturais existentes, sobretudo a água, que é um insumo limitado e de múltiplos usos.

A hipofisação do curumatã-pacu pode ser realizada com o protocolo de aplicação de dose única de extrato bruto de hipófise de carpa-comum. A aplicação de dose única aumenta os valores de horas-graus até a extrusão dos ovócitos e pode gerar economia de tempo, água e energia elétrica.

Agradecimentos

À Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), à Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo apoio financeiro.

Recebido em 30 de agosto de 2011 e aprovado em 2 de julho de 2013

  • ARANTES, F.P.; SANTOS, H.B. dos; RIZZO, E.; SATO, Y.; BAZZOLI, N. Influence of water temperature on induced reproduction by hypophysation, sex steroids concentrations and final oocyte maturation of the "curimatã-pacu" Prochilodus argenteus (Pisces: Prochilodontidae). General and Comparative Endocrinology, v.172, p.400-408, 2011. DOI: 10.1016/j.ygcen.2011.04.007.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2013
  • Data do Fascículo
    Ago 2013

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2011
  • Aceito
    02 Jul 2013
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