Acessibilidade / Reportar erro

Terapias locorregionais para o tratamento do carcinoma hepatocelular localmente avançado

O câncer de fígado ocupa a terceira posição em causa de mortalidade relacionada a câncer no mundo. No Brasil, é responsável por 0,7% de todos os tumores, com incidência de 2,7 casos novos por 100.000 habitantes em cinco anos(11 Fernandes GS, Campos D, Ballalai A, et al. Epidemiological and clinical patterns of newly diagnosed hepatocellular carcinoma in Brazil: the need for liver disease screening programs based on real-world data. J Gastrointest Cancer. 2020. Online ahead of print.). O carcinoma hepatocelular (CHC) é o tipo mais comum, correspondendo a 85% a 90% dos casos(11 Fernandes GS, Campos D, Ballalai A, et al. Epidemiological and clinical patterns of newly diagnosed hepatocellular carcinoma in Brazil: the need for liver disease screening programs based on real-world data. J Gastrointest Cancer. 2020. Online ahead of print.). Está associado a baixas taxas de cura e sobrevida em longo prazo, pois apenas 20% a 25% dos pacientes, quando o diagnóstico é feito, são candidatos a tratamento curativo, como ressecção cirúrgica ou ablação do tumor e transplante hepático(11 Fernandes GS, Campos D, Ballalai A, et al. Epidemiological and clinical patterns of newly diagnosed hepatocellular carcinoma in Brazil: the need for liver disease screening programs based on real-world data. J Gastrointest Cancer. 2020. Online ahead of print.).

As terapias locorregionais que utilizam técnicas endovasculares (terapia intra-arterial transcateter) têm papel de destaque no tratamento do CHC se considerarmos que 80% dos pacientes possuem diagnóstico de doença localmente avançada ou avançada - Barcelona Clinic Liver Cancer (BCLC) B e C -, portanto, diagnóstico tardio, quando descobrem a doença.

Desde o estudo de Llovet et al., em 2002(22 Llovet JM, Real MI, Montaña X, et al. Arterial embolisation or chemoembolisation versus symptomatic treatment in patients with unresectable hepatocellular carcinoma: a randomised controlled trial. Lancet. 2002;359:1734-9.), ficou comprovada a eficácia da quimioembolização no aumento da sobrevida dos pacientes com CHC localmente avançado(22 Llovet JM, Real MI, Montaña X, et al. Arterial embolisation or chemoembolisation versus symptomatic treatment in patients with unresectable hepatocellular carcinoma: a randomised controlled trial. Lancet. 2002;359:1734-9.,33 Llovet JM, Bruix J. Systematic review of randomized trials for unresectable hepatocellular carcinoma: chemoembolization improves survival. Hepatology. 2003;37:429-42.). Na verdade, existem várias modalidades de terapia intra-arterial transcateter responsáveis por aumentar a sobrevida desses pacientes: transarterial embolization (TAE) - embolização do tumor sem uso de quimioterápico; transarterial chemoembolization (TACE) ou conventional TACE (cTACE) ou quimioembolização - agente embolizante + quimioterápico (doxorrubicina ou cisplatina); drug-eluting beads (DEB-TACE) - agente embolizante carregado com quimioterápico; e transarterial radioembolization (TARE) ou selective internal radiation therapy (SIRT) - partículas carregadas com o radioisótopo ítrio-90 que emitem radiação beta. Todas elas se apoiam no princípio de induzir necrose tumoral, baseado no fato que o CHC possui vascularização predominantemente arterial (isquemia provocada pela oclusão dos vasos com os agentes embolizantes), diferente do restante do parênquima hepático, que possui vascularização predominantemente portal(44 Schiavon LL, Ejima FH, Menezes MR, et al. Recommendations for invasive procedures in patients with diseases of the liver and biliary tract: report of a joint meeting of the Brazilian Society of Hepatology (SBH), Brazilian Society of Digestive Endoscopy (SOBED) and Brazilian Society of Interventional Radiology and Endovascular Surgery (SOBRICE). Arq Gastroenterol. 2019;56:213-31.). O efeito dessa isquemia pode ser potencializado pela quimioterapia ou radioterapia intra-arterial.

O tratamento padrão ouro para CHC estágio intermediário (BCLC B) já estabelecido há décadas é a TACE, que pode ser realizada utilizando técnicas diversas: com partículas de tamanhos variados, calibradas ou não; com lipiodol (cTACE); com quimioterápicos variados (a droga mais utilizada é a doxorrubicina); números de sessões que podem variar de uma a múltiplas (duas a três, em média), a depender da resposta individual de cada paciente(55 Inchingolo R, Spiliopoulos S, Posa A, et al. New frontiers in endovascular therapies for locally advanced hepatocellular carcinoma. Radiol Bras. 2021;54:130-5.). Mais recente, a DEB-TACE foi desenvolvida com o intuito de melhorar os resultados da TACE para CHC. Ainda não foi possível provar isso, porém, a DEB- TACE ampliou o espectro de doentes que podem se beneficiar do tratamento - pacientes com função hepática pior -, pois esta técnica conseguiu diminuir os efeitos colaterais da TACE mediante diminuição do pico plasmático da droga(66 Lammer J, Malagari K, Vogl T, et al. Prospective randomized study of doxorubicin-eluting-bead embolization in the treatment of hepatocellular carcinoma: results of the PRECISION V study. Cardiovasc Intervent Radiol. 2010;33:41-52.,77 Galastri FL, Nasser F, Affonso BB, et al. Imaging response predictors following drug eluting beads chemoembolization in the neoadjuvant liver transplant treatment of hepatocellular carcinoma. World J Hepatol. 2020;12:21-33.). Vale o registro que por intermédio da DEB-TACE foi possível padronizar a técnica de quimioembolização. Existe uma corrente de clínicos, porém, que acredita no efeito embólico do tratamento (TAE) mas não acredita na potencial associação com o quimioterápico(88 Brown KT, Do RK, Gonen M, et al. Randomized trial of hepatic artery embolization for hepatocellular carcinoma using doxorubicin-eluting microspheres compared with embolization with microspheres alone. J Clin Oncol. 2016;34:2046-53.).

A TACE também pode ser utilizada para resgatar um paciente que numa primeira avaliação não tenha critério para entrar numa lista de transplante hepático (esteja fora dos Critérios de Milão). Isto é o chamado downstaging, dando a esse paciente a possibilidade de cura. Ou, ainda, pode ser usada para manter o paciente em lista de transplante hepático por mais tempo (bridging), evitando a progressão da doença, nos países onde a lista de espera para transplante hepático é maior do que seis meses(99 Affonso BB, Galastri FL, Motta-Leal-Filho JM, et al. Long-term outcomes of hepatocellular carcinoma that underwent chemoembolization for bridging or downstaging. World J Gastroenterol. 2019;25:5687-701.).

A TARE ou SIRT tem sido utilizada mais comumente para pacientes com CHC BCLC B e C (estágio avançado) que não são candidatos a TACE ou sorafenibe(55 Inchingolo R, Spiliopoulos S, Posa A, et al. New frontiers in endovascular therapies for locally advanced hepatocellular carcinoma. Radiol Bras. 2021;54:130-5.). É um tratamento de alto custo e pouco disponível. Apesar de ser considerado um tratamento paliativo, já existem relatos de pacientes que fizeram downstaging de CHC após TARE e foram submetidos a ressecção do tumor e/ou transplante hepático, dando a estes pacientes a possibilidade de cura(1010 Carvalho VO, Galastri FL, Affonso BB, et al. Transarterial radioembolization for liver tumors as neoadjuvant therapy: three case reports. Einstein (Sao Paulo). 2020;18:eRC4990.).

As terapias locorregionais que utilizam técnicas endovasculares também podem ser combinadas a outras terapias locorregionais, como ablação e terapias medicamentosas. A radiologia intervencionista tem papel protagonista no tratamento do CHC. Para melhor compreensão dessas modalidades terapêuticas, é recomendada a leitura do artigo de Inchingolo et al.(55 Inchingolo R, Spiliopoulos S, Posa A, et al. New frontiers in endovascular therapies for locally advanced hepatocellular carcinoma. Radiol Bras. 2021;54:130-5.), publicado no número anterior da Radiologia Brasileira, que resume majestosamente as vantagens e desvantagens de cada um dos métodos aqui citados.

REFERENCES

  • 1
    Fernandes GS, Campos D, Ballalai A, et al. Epidemiological and clinical patterns of newly diagnosed hepatocellular carcinoma in Brazil: the need for liver disease screening programs based on real-world data. J Gastrointest Cancer. 2020. Online ahead of print.
  • 2
    Llovet JM, Real MI, Montaña X, et al. Arterial embolisation or chemoembolisation versus symptomatic treatment in patients with unresectable hepatocellular carcinoma: a randomised controlled trial. Lancet. 2002;359:1734-9.
  • 3
    Llovet JM, Bruix J. Systematic review of randomized trials for unresectable hepatocellular carcinoma: chemoembolization improves survival. Hepatology. 2003;37:429-42.
  • 4
    Schiavon LL, Ejima FH, Menezes MR, et al. Recommendations for invasive procedures in patients with diseases of the liver and biliary tract: report of a joint meeting of the Brazilian Society of Hepatology (SBH), Brazilian Society of Digestive Endoscopy (SOBED) and Brazilian Society of Interventional Radiology and Endovascular Surgery (SOBRICE). Arq Gastroenterol. 2019;56:213-31.
  • 5
    Inchingolo R, Spiliopoulos S, Posa A, et al. New frontiers in endovascular therapies for locally advanced hepatocellular carcinoma. Radiol Bras. 2021;54:130-5.
  • 6
    Lammer J, Malagari K, Vogl T, et al. Prospective randomized study of doxorubicin-eluting-bead embolization in the treatment of hepatocellular carcinoma: results of the PRECISION V study. Cardiovasc Intervent Radiol. 2010;33:41-52.
  • 7
    Galastri FL, Nasser F, Affonso BB, et al. Imaging response predictors following drug eluting beads chemoembolization in the neoadjuvant liver transplant treatment of hepatocellular carcinoma. World J Hepatol. 2020;12:21-33.
  • 8
    Brown KT, Do RK, Gonen M, et al. Randomized trial of hepatic artery embolization for hepatocellular carcinoma using doxorubicin-eluting microspheres compared with embolization with microspheres alone. J Clin Oncol. 2016;34:2046-53.
  • 9
    Affonso BB, Galastri FL, Motta-Leal-Filho JM, et al. Long-term outcomes of hepatocellular carcinoma that underwent chemoembolization for bridging or downstaging. World J Gastroenterol. 2019;25:5687-701.
  • 10
    Carvalho VO, Galastri FL, Affonso BB, et al. Transarterial radioembolization for liver tumors as neoadjuvant therapy: three case reports. Einstein (Sao Paulo). 2020;18:eRC4990.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2021
Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br