Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação da composição corporal pela densitometria de corpo inteiro: o que os radiologistas precisam saber

Resumo

A análise da composição corporal é parte fundamental de uma avaliação nutricional, em que a utilização de métodos diagnósticos por imagem tem sido cada vez mais requisitada para uma adequada caracterização da massa magra e massa gorda corporal. Medidas de composição corporal são úteis em avaliar a eficácia das intervenções nutricionais e monitorar as mudanças associadas ao envelhecimento e condições de doenças crônicas. A densitometria de corpo inteiro utilizando a técnica de absorciometria de dupla energia (DEXA) é um dos métodos mais utilizados na prática clínica, que permite avaliação com elevada acurácia do conteúdo mineral ósseo, da gordura corporal e da massa magra. Este exame fornece grande quantidade de informações, no entanto, ainda não existe uma padronização universal de quais parâmetros devem ser incluídos nos relatórios radiológicos. O objetivo deste trabalho é revisar as informações mais relevantes para avaliação da composição corporal fornecidas pela densitometria de corpo inteiro.

Unitermos:
Densitometria; Composição corporal; Distribuição da gordura corporal; Sarcopenia

Abstract

The analysis of body composition is a fundamental part of a nutritional status assessment, and the use of diagnostic imaging methods has been increasingly required for an adequate characterization of the lean body mass and fat mass. Body composition measurements are useful in evaluating the effectiveness of nutritional interventions and monitoring changes associated with aging and chronic diseases. Whole-body densitometry using dual-energy X-ray absorptiometry (DEXA) is one of the most widely used methods in clinical practice, allowing highly accurate assessment of the bone mineral content, lean body mass, and fat mass. Although a DEXA examination provides a lot of information, there is still no universal standardization of the parameters to be included in radiology reports. The aim of this study was to review the most relevant information for assessing body composition by whole-body densitometry.

Keywords:
Densitometry; Body composition; Body fat distribution; Sarcopenia

INTRODUÇÃO

O corpo humano é composto principalmente de quatro componentes de nível molecular - água, gordura, proteínas e minerais -, geralmente em quantidades na ordem decrescente. A análise da composição corporal é parte fundamental da avaliação nutricional, permitindo o diagnóstico preciso de condições como obesidade visceral e na investigação diagnóstica da sarcopenia, que podem estar relacionadas a maior risco e pior prognóstico em diversos tipos de doenças clínicas e cirúrgicas. Além disso, as alterações de composição corporal são conhecidas por estarem associadas a várias doenças, como as cardiovasculares, diabetes, câncer, osteoporose e osteoartrite(11 Borga M, West J, Bell JD, et al. Advanced body composition assessment: from body mass index to body composition profiling. J Investig Med. 2018;66:1-9.).

As medidas antropométricas (por exemplo: índice de massa corporal [IMC], circunferência da cintura e relação cintura-quadril) e dobras cutâneas têm sido utilizadas para avaliação indireta da composição corporal na prática clínica, no entanto, essas medidas apresentam limitações, especialmente em pacientes idosos e com obesidade(22 Andreoli A, De Lorenzo A, Cadeddu F, et al. New trends in nutritional status assessment of cancer patients. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2011;15:469-80.,33 Holmes CJ, Racette SB. The utility of body composition assessment in nutrition and clinical practice: an overview of current methodology. Nutrients. 2021;13:2493.). A bioimpedância elétrica é outra técnica utilizada rotineiramente na prática clínica, de fácil acesso e baixo custo, que permite avaliação de múltiplos parâmetros como água corporal total, massa gorda e massa livre de gordura. Porém, este método também apresenta limitações relacionadas à variação dos resultados entre diferentes aparelhos e à variabilidade interindividual e intraindividual que pode estar relacionada ao status nutricional, hidratação, atividade física, alimentação, idade e presença de comorbidades(33 Holmes CJ, Racette SB. The utility of body composition assessment in nutrition and clinical practice: an overview of current methodology. Nutrients. 2021;13:2493.

4 Ceniccola GD, Castro MG, Piovacari SMF, et al. Current technologies in body composition assessment: advantages and disadvantages. Nutrition. 2019;62:25-31.

5 Marra M, Sammarco R, De Lorenzo A, et al. Assessment of body composition in health and disease using bioelectrical impedance analysis (BIA) and dual energy X-ray absorptiometry (DXA): a critical overview. Contrast Media Mol Imaging. 2019;2019:3548284.
-66 Achamrah N, Colange G, Delay J, et al. Comparison of body composition assessment by DXA and BIA according to the body mass index: a retrospective study on 3655 measures. PLoS One. 2018;13:e0200465.)
.

Ao se comparar métodos de análise de composição corporal, é importante distinguir a gordura de tecido adiposo, que contém cerca de 80% de massa gorda, e o restante composto de água, proteínas e minerais. Enquanto a maior parte da gordura corporal é armazenada no tecido adiposo, também está presente em órgãos como fígado (esteatose hepática) e musculoesquelético (mioesteatose). Atualmente, é bem conhecido que o risco metabólico relacionado ao acúmulo de gordura é fortemente dependente de sua distribuição corporal(11 Borga M, West J, Bell JD, et al. Advanced body composition assessment: from body mass index to body composition profiling. J Investig Med. 2018;66:1-9.,22 Andreoli A, De Lorenzo A, Cadeddu F, et al. New trends in nutritional status assessment of cancer patients. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2011;15:469-80.,77 Gonçalves TJM, Horie LM, Gonçalves SEAB, et al. Diretriz BRASPEN de terapia nutricional no envelhecimento. BRASPEN J. 2019; 34(Supl 3):2-58.). Além da gordura, agindo no corpo a longo prazo com armazenamento de energia, o estudo musculoesquelético é de grande interesse na prática clínica, e o equilíbrio entre os músculos que consomem energia e o armazenamento em compartimentos de gordura é, portanto, altamente relevante para compreender o equilíbrio do metabolismo corporal(11 Borga M, West J, Bell JD, et al. Advanced body composition assessment: from body mass index to body composition profiling. J Investig Med. 2018;66:1-9.).

Métodos de imagem têm sido cada vez mais utilizados para auxiliar nessa avaliação e no acompanhamento dos diferentes compartimentos corporais e sua distribuição, permitindo a adequada caracterização da massa magra e massa gorda. Diversos métodos de imagem já foram avaliados, incluindo a ultrassonografia, a ressonância magnética (RM), a tomografia computadorizada (TC) e a densitometria de corpo inteiro utilizando a técnica de absorciometria de dupla energia (dual energy x-ray absorptiometry - DEXA), sendo os dois últimos mais comumente utilizados na prática clínica. Em razão da elevada dose de radiação, o uso da TC para avaliação da composição corporal é reservado para pacientes que já realizariam este exame por outra indicação clínica (“exame de conveniência”). Em relação aos outros métodos de imagem, as principais vantagens da DEXA incluem ser um método rápido, com alta disponibilidade e baixo custo, que permite avaliação com elevada acurácia do conteúdo mineral ósseo, da gordura corporal e da massa magra, com valores de referência bem estabelecidos na literatura(77 Gonçalves TJM, Horie LM, Gonçalves SEAB, et al. Diretriz BRASPEN de terapia nutricional no envelhecimento. BRASPEN J. 2019; 34(Supl 3):2-58.

8 Shepherd JA, Ng BK, Sommer MJ, et al. Body composition by DXA. Bone. 2017;104:101-5.

9 Yip C, Dinkel C, Mahajan A, et al. Imaging body composition in cancer patients: visceral obesity, sarcopenia and sarcopenic obesity may impact on clinical outcome. Insights Imaging. 2015;6:489-97.

10 Prado CMM, Heymsfield SB. Lean tissue imaging: a new era for nutritional assessment and intervention. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2014;38:940-53.
-1111 Messina C, Albano D, Gitto S, et al. Body composition with dual energy X-ray absorptiometry: from basics to new tools. Quant Imaging Med Surg. 2020;10:1687-98.)
.

A análise da composição corporal pela DEXA mostrou ser mais precisa do que outros métodos de densidade corporal, especialmente para estimar o conteúdo mineral ósseo e a gordura corporal total. A DEXA assume uma hidratação constante da massa magra, mas deve-se ressaltar que a hidratação varia com a idade, o sexo e as doenças crônicas, o que poderia ser uma limitação em alguns grupos específicos de pacientes, especialmente em idosos com comorbidades(1212 Petak S, Barbu CG, Yu EW, et al. The official positions of the International Society for Clinical Densitometry: body composition analysis reporting. J Clin Densitom. 2013;16:508-19.,1313 Black DM. DXA imaging in nontypical populations. Radiol Technol. 2018;89:371-87.). Além disso, variação no grau de hidratação pode ser um fator confundidor na avaliação da massa magra pela DEXA e deve ser levada em consideração na análise evolutiva de alterações relacionadas a intervenções nutricionais ou atividade física, principalmente em atletas(1414 Toomey CM, McCormack WG, Jakeman P. The effect of hydration status on the measurement of lean tissue mass by dual-energy X-ray absorptiometry. Eur J Appl Physiol. 2017;117:567-74.,1515 Rodriguez-Sanchez N, Galloway SDR. Errors in dual energy x-ray absorptiometry estimation of body composition induced by hypohydration. Int J Sport Nutr Exerc Metab. 2015;25:60-8.).

Apesar de a DEXA ser um método cada vez mais utilizado na prática clínica, ainda não existe uma padronização específica para os relatórios de exames de densitometria para composição corporal no nosso meio. O objetivo deste trabalho é revisar as informações mais relevantes para avaliação da composição corporal fornecidas pela DEXA.

INDICAÇÕES

Segundo as posições oficiais da Sociedade Internacional de Densitometria Clínica(1212 Petak S, Barbu CG, Yu EW, et al. The official positions of the International Society for Clinical Densitometry: body composition analysis reporting. J Clin Densitom. 2013;16:508-19.), as principais indicações para avaliação da composição corporal pela DEXA são: pacientes com diagnóstico de obesidade tratados clinicamente (dieta, medicamentos) ou os submetidos a cirurgia bariátrica com perda de peso superior a 10%, para avaliar gordura corporal e massa magra; pacientes com risco de sarcopenia ou para confirmação diagnóstica por fraqueza muscular e/ou baixo desempenho físico, para avaliar a quantidade de massa magra apendicular; pacientes HIV positivos em uso de terapia antirretroviral (zidovudina e estavudina) por risco de lipodistrofia, para avaliar a distribuição da gordura corporal.

A avaliação da composição corporal pela DEXA pode ser indicada, também, para atletas ou qualquer indivíduo como parte da avaliação do estado nutricional ou para monitorar os resultados de intervenções em perda de peso (por exemplo: dieta, atividade física ou tratamento medicamentoso)(1212 Petak S, Barbu CG, Yu EW, et al. The official positions of the International Society for Clinical Densitometry: body composition analysis reporting. J Clin Densitom. 2013;16:508-19.).

De acordo com a última atualização do consenso do Grupo Europeu de Trabalho sobre Sarcopenia, a sarcopenia é definida como uma síndrome caracterizada por perda progressiva e generalizada de força muscular associada a perda de massa muscular esquelética em quantidade e/ou qualidade, com risco de resultados adversos e piores desfechos clínicos, como dependência física, risco de quedas e fraturas, redução da qualidade de vida e óbito(1616 Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019; 48:16-31.).

A sarcopenia pode ter origem primária, quando associada ao processo de envelhecimento, ou secundária, quando relacionada a outros fatores desencadeantes, como ingestão inadequada de fontes proteicas, desordens de má absorção gastrointestinal, doença crítica, câncer e diversas doenças crônicas (doença renal crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica e insuficiência cardíaca congestiva grave). O consenso atual recomenda que o diagnóstico de sarcopenia seja fundamentado na redução da força muscular (provável sarcopenia), somado a uma baixa quantidade e/ou qualidade da massa muscular esquelética (sarcopenia confirmada), podendo estar associado a baixo desempenho físico (sarcopenia grave)(77 Gonçalves TJM, Horie LM, Gonçalves SEAB, et al. Diretriz BRASPEN de terapia nutricional no envelhecimento. BRASPEN J. 2019; 34(Supl 3):2-58.,1616 Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019; 48:16-31.).

PREPARO E TÉCNICA DO EXAME

É necessário diferenciar, no pedido médico, a DEXA para avaliação da composição corporal da densitometria óssea convencional. Embora ambos os exames sejam realizados no mesmo aparelho, a densitometria óssea, utilizada de rotina para diagnóstico e acompanhamento de osteopenia e osteoporose, avalia sítios ósseos específicos que incluem a coluna lombar, o fêmur proximal e o antebraço. Já a composição corporal pela DEXA necessita de avaliação do corpo inteiro, que não é realizada de rotina para avaliação da densidade óssea em adultos (apenas em menores de 20 anos).

Não existe nenhum preparo específico para a DEXA, mas deve-se evitar a realização do exame após algum outro exame de imagem com utilização de contraste (por exemplo: TC ou radiografias contrastadas), principalmente quando foi feito uso de algum contraste oral. As contraindicações para o exame incluem gestação, por causa do uso de radiação ionizante, e obesidade com peso acima do limite do equipamento (varia de 160 a 225 kg com fornecedor e modelo). A DEXA usa dose muito baixa de radiação ionizante (0,001 mSv), cerca de dez vezes inferior à radiação de uma radiografia de tórax simples. A fonte de raios-X gera um feixe de dupla energia que é atenuado durante a passagem através do corpo, sendo influenciado pela intensidade da energia, densidade e espessura dos tecidos(1717 Bazzocchi A, Ponti F, Albisinni U, et al. DXA: technical aspects and application. Eur J Radiol. 2016;85:1481-92.,1818 Kuriyan R. Body composition techniques. Indian J Med Res. 2018; 148:648-58.).

O exame é realizado com o paciente deitado em decúbito dorsal (Figura 1), em equipamento de densitometria convencional (o mesmo utilizado para exame de densitometria óssea) e tem duração de 2 a 10 minutos, a depender do modelo do equipamento utilizado e do tamanho do paciente. Enquanto no exame de densitometria óssea são avaliados sítios específicos do corpo para cálculo da densidade mineral óssea (por exemplo: coluna lombar, fêmur proximal e antebraço), no exame de densitometria para composição corporal o corpo inteiro é avaliado ao mesmo tempo. No entanto, é possível ainda realizar a avaliação da composição corporal por regiões (tronco, braços e pernas) mediante posicionamento adequado de linhas de referência (Figura 2). Em pacientes muito altos ou largos, em que não é possível a aquisição da imagem do corpo inteiro em uma única aquisição, os aparelhos contam com técnicas específicas de espelhamento que possibilitam a “reconstrução” da imagem de um membro baseado na imagem do membro contralateral, por exemplo(88 Shepherd JA, Ng BK, Sommer MJ, et al. Body composition by DXA. Bone. 2017;104:101-5.,1111 Messina C, Albano D, Gitto S, et al. Body composition with dual energy X-ray absorptiometry: from basics to new tools. Quant Imaging Med Surg. 2020;10:1687-98.).

Figura 1
Paciente posicionada para realização de DEXA para avaliação da composição corporal.

Figura 2
Exemplo de imagem de DEXA para avaliação da composição corporal, com adequado posicionamento das linhas de referência separando as regiões do corpo: cabeça, tronco, pelve, braços e pernas.

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO

Os resultados da DEXA permitem análise dos diferentes componentes da composição corporal pelas diferenças de densidade entre conteúdo mineral ósseo, massa gorda e massa magra. Os valores da densidade mineral óssea obtidos na DEXA não são utilizados para diagnóstico de osteopenia ou osteoporose em adultos, sendo necessária a realização de exame direcionado de densitometria óssea com avaliação dos sítios específicos para este fim (coluna lombar, fêmur proximal e/ou antebraço). Desse modo, os dados do conteúdo mineral ósseo obtidos na DEXA para composição corporal têm menor importância que os dados relacionados a massa gorda e massa magra no relatório. A Tabela 1 resume os dados obtidos no exame de DEXA para gordura corporal e massa magra.

Tabela 1
Dados obtidos no exame de DEXA para composição corporal com valores de referência.

A DEXA detecta com alta acurácia o tecido adiposo, permitindo o cálculo do porcentual de gordura corporal e do índice de massa gorda (IMG), além da identificação da relação entre gordura ginoide e androide (taxa A/G) (Figuras 3 e 4). Diferentemente do IMC, que avalia o peso corporal total, o IMG avalia apenas a gordura corporal e apresenta valores de referência bem estabelecidos para ambos os sexos(1919 Kelly TL, Wilson KE, Heymsfield SB. Dual energy X-ray absorptiometry body composition reference values from NHANES. PLoS One. 2009;4:e7038.), sendo considerado uma ferramenta melhor para avaliação de sobrepeso e obesidade (Tabela 2).

Tabela 2
Valores de referência para o IMG.* * Adaptado de Kelly et al.(8).

Figura 3
Exemplo de imagem de DEXA em paciente de 79 anos, do sexo masculino, com IMC de baixo peso (IMC: 22,7 kg/m2; peso: 61 kg; altura: 1,64 cm). Análise da gordura corporal revelou massa gorda de 21,9 kg (35,8% de gordura corporal), com IMG de 8,1 kg/m2, compatível com sobrepeso, área do TAV de 240 cm2 (normal até 100 cm2) e predomínio de gordura androide (relação A/G de 1,72). Análise da massa magra mostrou índice de massa magra apendicular (Baumgartner) de 5,8 kg/m2 (massa magra apendicular: 15,7 kg), compatível com baixa massa magra apendicular.

Figura 4
Exemplo de imagem de DEXA em paciente de 70 anos, do sexo feminino, com IMC de baixo peso (IMC: 21,9 kg/m2; peso: 61 kg; altura: 1,67 cm). Análise da gordura corporal revelou massa gorda de 32,2 kg (39,6% de gordura corporal), com IMG de 11,5 kg/m2, compatível com sobrepeso, área do TAV de 211 cm2 (normal até 100 cm2) e predomínio de gordura ginoide (relação A/G de 0,94). Análise da massa magra revelou índice de massa magra apendicular (Baumgartner) de 7,4 kg/m2 (massa magra apendicular: 20,5 kg), compatível com massa magra apendicular normal.

A gordura ginoide, também denominada periférica ou gluteofemoral, se concentra na região da pelve e coxas e tem menor risco cardiovascular, enquanto a gordura androide, também denominada central ou troncular, se concentra na região abdominal e está associada a maior risco de complicações metabólicas. Desse modo, a relação entre a gordura androide e ginoide maior que 1 (predomínio de gordura androide) confere maior risco para doenças cardiovasculares, dislipidemias, resistência à insulina, diabetes tipo 2 e síndrome metabólica(2020 Wiklund P, Toss F, Weinehall L, et al. Abdominal and gynoid fat mass are associated with cardiovascular risk factors in men and women. J Clin Endocrinol Metab. 2008;93:4360-6.).

Aparelhos mais modernos de DEXA permitem, também, o cálculo do tecido adiposo visceral (TAV) e do tecido adiposo subcutâneo (TAS) na região abdominal. A medida do TAV é tradicionalmente realizada por meio de métodos de imagem axiais como a TC e a RM, seja por avaliação volumétrica ou da área da gordura visceral em um corte axial, realizado mais comumente ao nível de L3(2121 Murray TE, Williams D, Lee MJ. Osteoporosis, obesity, and sarcopenia on abdominal CT: a review of epidemiology, diagnostic criteria, and management strategies for the reporting radiologist. Abdom Radiol (NY). 2017;42:2376-86.). A estimativa da medida da área de TAV realizada pela DEXA demonstrou boa correlação com a avaliação tomográfica e tem sido utilizada de rotina na avaliação da composição corporal(2222 Xia Y, Ergun DL, Wacker WK, et al. Relationship between dual-energy X-ray absorptiometry volumetric assessment and X-ray computed tomography-derived single-slice measurement of visceral fat. J Clin Densitom. 2014;17:78-83.

23 Micklesfield LK, Goedecke JH, Punyanitya M, et al. Dual-energy X-ray performs as well as clinical computed tomography for the measurement of visceral fat. Obesity (Silver Spring). 2012;20:1109-14.
-2424 Ofenheimer A, Breyer-Kohansal R, Hartl S, et al. Reference values of body composition parameters and visceral adipose tissue (VAT) by DXA in adults aged 18-81 years-results from the LEAD cohort. Eur J Clin Nutr. 2020;74:1181-91.)
. Valores da área de TAV acima de 100 cm2 estão associados a um perfil de maior risco cardiovascular, enquanto valores acima de 160 cm2 estão associados a um risco ainda maior(2525 Nicklas BJ, Penninx BWJH, Ryan AS, et al. Visceral adipose tissue cutoffs associated with metabolic risk factors for coronary heart disease in women. Diabetes Care. 2003;26:1413-20.). Além disso, a relação entre TAV e TAS fornece um índice relativo para o acúmulo de gordura abdominal, sendo predomínio de gordura visceral (valores de TAV/TAS maiores ou iguais a 0,4) um importante fator de risco para desordens no metabolismo da glicose e dos lipídios(2626 Wajchenberg BL. Subcutaneous and visceral adipose tissue: their relation to the metabolic syndrome. Endocr Rev. 2000;21:697-738.).

A avaliação da massa magra pode ser utilizada para diagnóstico e acompanhamento da sarcopenia. A DEXA pode avaliar corretamente a composição corporal com boa precisão e baixa exposição à radiação. Porém, vale lembrar que a DEXA não avalia a massa muscular esquelética, e sim a massa magra corporal. A massa magra avaliada pela DEXA inclui tanto a massa muscular esquelética como vísceras e líquidos, pois todas essas estruturas apresentam densidade radiológica similar, não sendo possível diferenciá-las no exame de densitometria. Por este motivo, a medida utilizada para análise da massa magra na DEXA é a massa magra apendicular, ou seja, a soma da massa magra dos braços e pernas, excluindo a região do tronco, onde há maior sobreposição com vísceras e líquidos. Como a DEXA não avalia a massa muscular diretamente, existe certa relutância por parte de alguns autores em aceitá- la como padrão ouro para essa finalidade. Apesar dessas limitações, estão disponíveis pontos de corte específicos para diferentes populações, com o objetivo da identificação de baixa massa muscular pela utilização do índice de Baumgartner ou índice de massa magra apendicular. Este índice, descrito por Baumgartner, é calculado pela relação entre a massa magra apendicular dividida pelo quadrado da altura em metros. Valores deste índice inferiores a 7 kg/m2 para homens e 5,5 kg/m2 para mulheres confirmam o diagnóstico de baixa massa magra na investigação da sarcopenia (Figuras 3 e 4)(2727 Baumgartner RN, Koehler KM, Gallagher D, et al. Epidemiology of sarcopenia among the elderly in New Mexico. Am J Epidemiol. 1998;147:755-63.).

LIMITAÇÕES

As principais limitações da DEXA são a exposição à radiação ionizante, que apesar de baixa, pode limitar a realização de exames seriados. Além disso, pode haver dificuldade de posicionamento para realização do exame, principalmente em pacientes obesos ou com alguma limitação funcional. Apesar do baixo custo e da alta disponibilidade em relação aos demais métodos de imagem, principalmente TC e RM, a DEXA não é utilizada de rotina para todos os pacientes, sendo reservada para casos selecionados. Na maioria dos pacientes, é possível realizar avaliação do status nutricional com métodos mais disponíveis, mais rápidos, de menor custo, que podem ser realizados no consultório, incluindo medidas antropométricas, pregas cutâneas e bioimpedância elétrica.

CONCLUSÃO

A análise da composição corporal pela DEXA fornece informações complementares importantes para avaliação do status nutricional, especialmente em pacientes com risco de sarcopenia. Apesar da sua acurácia elevada e do custo relativamente baixo, quando comparada aos outros métodos de imagem, esta técnica ainda é pouco utilizada no nosso meio, necessitando de maior divulgação para que mais pacientes tenham acesso e possam se beneficiar dessa ferramenta.

REFERENCES

  • 1
    Borga M, West J, Bell JD, et al. Advanced body composition assessment: from body mass index to body composition profiling. J Investig Med. 2018;66:1-9.
  • 2
    Andreoli A, De Lorenzo A, Cadeddu F, et al. New trends in nutritional status assessment of cancer patients. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2011;15:469-80.
  • 3
    Holmes CJ, Racette SB. The utility of body composition assessment in nutrition and clinical practice: an overview of current methodology. Nutrients. 2021;13:2493.
  • 4
    Ceniccola GD, Castro MG, Piovacari SMF, et al. Current technologies in body composition assessment: advantages and disadvantages. Nutrition. 2019;62:25-31.
  • 5
    Marra M, Sammarco R, De Lorenzo A, et al. Assessment of body composition in health and disease using bioelectrical impedance analysis (BIA) and dual energy X-ray absorptiometry (DXA): a critical overview. Contrast Media Mol Imaging. 2019;2019:3548284.
  • 6
    Achamrah N, Colange G, Delay J, et al. Comparison of body composition assessment by DXA and BIA according to the body mass index: a retrospective study on 3655 measures. PLoS One. 2018;13:e0200465.
  • 7
    Gonçalves TJM, Horie LM, Gonçalves SEAB, et al. Diretriz BRASPEN de terapia nutricional no envelhecimento. BRASPEN J. 2019; 34(Supl 3):2-58.
  • 8
    Shepherd JA, Ng BK, Sommer MJ, et al. Body composition by DXA. Bone. 2017;104:101-5.
  • 9
    Yip C, Dinkel C, Mahajan A, et al. Imaging body composition in cancer patients: visceral obesity, sarcopenia and sarcopenic obesity may impact on clinical outcome. Insights Imaging. 2015;6:489-97.
  • 10
    Prado CMM, Heymsfield SB. Lean tissue imaging: a new era for nutritional assessment and intervention. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2014;38:940-53.
  • 11
    Messina C, Albano D, Gitto S, et al. Body composition with dual energy X-ray absorptiometry: from basics to new tools. Quant Imaging Med Surg. 2020;10:1687-98.
  • 12
    Petak S, Barbu CG, Yu EW, et al. The official positions of the International Society for Clinical Densitometry: body composition analysis reporting. J Clin Densitom. 2013;16:508-19.
  • 13
    Black DM. DXA imaging in nontypical populations. Radiol Technol. 2018;89:371-87.
  • 14
    Toomey CM, McCormack WG, Jakeman P. The effect of hydration status on the measurement of lean tissue mass by dual-energy X-ray absorptiometry. Eur J Appl Physiol. 2017;117:567-74.
  • 15
    Rodriguez-Sanchez N, Galloway SDR. Errors in dual energy x-ray absorptiometry estimation of body composition induced by hypohydration. Int J Sport Nutr Exerc Metab. 2015;25:60-8.
  • 16
    Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019; 48:16-31.
  • 17
    Bazzocchi A, Ponti F, Albisinni U, et al. DXA: technical aspects and application. Eur J Radiol. 2016;85:1481-92.
  • 18
    Kuriyan R. Body composition techniques. Indian J Med Res. 2018; 148:648-58.
  • 19
    Kelly TL, Wilson KE, Heymsfield SB. Dual energy X-ray absorptiometry body composition reference values from NHANES. PLoS One. 2009;4:e7038.
  • 20
    Wiklund P, Toss F, Weinehall L, et al. Abdominal and gynoid fat mass are associated with cardiovascular risk factors in men and women. J Clin Endocrinol Metab. 2008;93:4360-6.
  • 21
    Murray TE, Williams D, Lee MJ. Osteoporosis, obesity, and sarcopenia on abdominal CT: a review of epidemiology, diagnostic criteria, and management strategies for the reporting radiologist. Abdom Radiol (NY). 2017;42:2376-86.
  • 22
    Xia Y, Ergun DL, Wacker WK, et al. Relationship between dual-energy X-ray absorptiometry volumetric assessment and X-ray computed tomography-derived single-slice measurement of visceral fat. J Clin Densitom. 2014;17:78-83.
  • 23
    Micklesfield LK, Goedecke JH, Punyanitya M, et al. Dual-energy X-ray performs as well as clinical computed tomography for the measurement of visceral fat. Obesity (Silver Spring). 2012;20:1109-14.
  • 24
    Ofenheimer A, Breyer-Kohansal R, Hartl S, et al. Reference values of body composition parameters and visceral adipose tissue (VAT) by DXA in adults aged 18-81 years-results from the LEAD cohort. Eur J Clin Nutr. 2020;74:1181-91.
  • 25
    Nicklas BJ, Penninx BWJH, Ryan AS, et al. Visceral adipose tissue cutoffs associated with metabolic risk factors for coronary heart disease in women. Diabetes Care. 2003;26:1413-20.
  • 26
    Wajchenberg BL. Subcutaneous and visceral adipose tissue: their relation to the metabolic syndrome. Endocr Rev. 2000;21:697-738.
  • 27
    Baumgartner RN, Koehler KM, Gallagher D, et al. Epidemiology of sarcopenia among the elderly in New Mexico. Am J Epidemiol. 1998;147:755-63.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2021
  • Aceito
    03 Mar 2022
Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br