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Lipídios como Indicadores de Mudanças Climáticas no Passado 1: Biomarcadores Marinhos

Lipids as indicators of paleoclimatic changes 1: Marine Biomarkers

Resumo

The distribution and abundance of specific lipid biomarkers in marine sediments can play an important rule for the reconstruction of past climatic changes. Here, it is shown the use of a widely known paleo Sea Surface Temperature (SST) proxy based on the unsaturation ratio of a suite of long-chain C37 alkenones: the alkenone unsaturation index, U K37'. These compounds are biosynthesised by only a restricted group of prymnesiophyte algae, mostly notably the coccolithophorid Emiliania huxleyi. To ilustrate the importance of the U K37' index as a molecular tool, the correlation between the SST signal derived from the U K37' and other paleoclimatic records examined in a core from the North Atlantic is discussed.

alkenones; marine sediments; North Atlantic


alkenones; marine sediments; North Atlantic

DIVULGAÇÃO

Lipídios como Indicadores de Mudanças Climáticas no Passado 1: Biomarcadores Marinhos

Luiz A. S. Madureira

Departamento de Química - Campus Universitário Trindade - UFSC - 88040-900 - Florianópolis - SC

Recebido em 21/3/96; aceito em 27/6/96

Lipids as indicators of paleoclimatic changes 1: Marine Biomarkers. The distribution and abundance of specific lipid biomarkers in marine sediments can play an important rule for the reconstruction of past climatic changes. Here, it is shown the use of a widely known paleo Sea Surface Temperature (SST) proxy based on the unsaturation ratio of a suite of long-chain C37 alkenones: the alkenone unsaturation index, UK37'. These compounds are biosynthesised by only a restricted group of prymnesiophyte algae, mostly notably the coccolithophorid Emiliania huxleyi. To ilustrate the importance of the UK37' index as a molecular tool, the correlation between the SST signal derived from the UK37' and other paleoclimatic records examined in a core from the North Atlantic is discussed.

Keywords: alkenones; marine sediments; North Atlantic.

1. INTRODUÇÃO

Há cerca de dezoito anos, uma série de metil- e etil-alquenonas de cadeias longas, di- e tri-insaturadas (C37 - C39 alcadienonas e alcatrienonas), foram identificadas em sedimentos da Cordilheira de Walvis (DSDP Leg 401)2. Coincidentemente, com a tentativa da determinação da estrutura desses compostos através da espectrometria de massas por de Leeuw e colaboradores3 em 1980, essas alquenonas, além de uma série de alquenoatos de alquila derivados do ácido hexatriacontanóico, foram também identificados no cocolitoforídeo Emiliania huxleyi 4, uma espécie de alga marinha encontrada em várias regiões nos oceanos, bem como em outros sedimentos oceânicos3,5 (Tabela 1 e Fig. 1). Nos anos seguintes, houve um grande aumento no número de sedimentos marinhos imaturos onde esses compostos eram reconhecidos, extendendo-se do Quaternário (1,8 x 106 anos) até o Cretáceo (65 x 106 anos)6-10. Há ainda trabalhos que reportam a presença dessas alquenonas em sedimentos lacustres do Quaternário11.


Como em toda abordagem da geoquímica orgânica, tornou-se necessário então avaliar a distribuição desses compostos em organismos vivos a fim de se inferir qual ou quais espécies que possivelmente poderiam ter contribuído para a formação do ambiente sedimentar onde tais compostos são encontrados.

No princípio, as alquenonas e os ésteres, assim como alguns esteróis, foram investigados em várias espécies de alguns gêneros de algas da Classe Prymnesiophyceae, com o objetivo de se estabelecer não somente uma correlação fonte-origem, mas também obter informações quimiotaxonômicas, isto é, investigar a composição química de algas de diferentes espécies de uma mesma Classe6,12. Em seus estudos usando culturas de laboratório, Marlowe observou a presença desses compostos em quatro espécies de primnesiofita (do inglês prymnesiophyte), além, é claro, do abundante cocolitoforídeo marinho Emiliania huxleyi.

2. VARIAÇÕES COM A TEMPERATURA

As alquenonas começaram a despertar o interesse da comunidade geoquímica quando Marlowe6 demonstrou que o padrão de insaturação dessas alquenonas variava em resposta à temperatura na qual as algas eram cultivadas. À medida que a temperatura de cultivo era aumentada, diminuia o número de insaturações, isto é, o número médio de alquenonas tri- e tetra-insaturadas em relação às di-insaturadas. Tal comportamento na mudança do padrão de insaturação com a temperatura já era conhecido para outras classes de lipídios, notadamente ácidos carboxílicos e ésteres de cadeias longas13,14. De fato, organismos aquáticos podem biossintetizar um certo conjunto de lipídios que os capacitem a viver sob determinadas condições15. Variações na composição molecular da camada de lipídios ajudam, por exemplo, a manter a fluidez das membranas, seja através de alterações no comprimento das cadeias ou no padrão de insaturação. Entretanto, no caso particular das alquenonas e dos alquenoatos de alquila, ainda não foram comprovadas as suas funções nas algas.

Até 1986, já haviam sido publicados diversos trabalhos que relatavam a presença das alquenonas e, em alguns casos, dos alquenoatos de alquila em sedimentos marinhos do Quaternário coletados durante várias expedições oceanográficas, principalmente nas do programa DSDP. A idéia de se usar o padrão de insaturação dessas alquenonas como uma medida da variação da temperatura das águas superficiais nos oceanos, originou-se a partir da observação de que o número de insaturações variava de acordo com a região de onde a amostra, sedimentar ou particulado em suspensão, era coletada. O reconhecimento de que sedimentos provenientes de regiões sob águas mais quentes continham menor proporção de alcatrienonas e alcatetraenonas em relação às alcadienonas quando comparados com os sedimentos de regiões sob águas mais frias, levou Brassell e colaboradores8 a considerar o uso desses biomarcadores para estudos de paleotemperaturas. De fato, em 1986, esses autores mostraram a existência de uma relação entre a variação no padrão de insaturação das alquenonas em sedimentos marinhos de uma ampla variedade de latitudes e a temperatura da superfície aquática habitada pelas algas. Assim, aparecia pela primeira vez um índice baseado na razão das alquenonas C37 (Eq. 1) denominado de índice de insaturação, UK37 (do inglês Unsaturated Ketones)8:

onde, C37:2Me, C37:3Me e C37:4Me correspondem às C37 metil-alquenonas com duas, três e quatro insaturações, respectivamente.

Para uma grande parte das amostras sedimentares dos oceanos, o índice UK37 pode ser simplificado devido à ausência do composto C37:4Me:

Para os sedimentos marinhos do Quaternário Recente (0,75 x 106 anos), esses autores mostraram que os maiores valores do índice UK37' (Eq. 2) eram encontrados em baixas latitudes, regiões mais quentes; enquanto que as amostras sedimentares provenientes de altas latitudes, regiões mais frias, apresentavam valores de UK37' bem menores. Os valores na tabela 2 exemplificam esta variação do UK37' com a latitude para algumas amostras de sedimentos de superfície (0 - 10 cm) coletadas no oceano Atlântico Norte. A divulgação deste índice teve uma enorme repercussão dentro da comunidade geoquímica, pois marcava o início do uso das alquenonas como uma ferramenta molecular para a avaliação de mudanças climáticas no passado, paleoclimas, através de testemunhos marinhos.

3. ANÁLISE, CARACTERIZAÇÃO E ESTABILIDADE RELATIVA DAS ALQUENONAS

Ao longo dos anos, diversos procedimentos vêm sendo usado para a extração e análise das alquenonas e dos alquenoatos de alquila. No entanto, tendo em vista o grande interesse de outros grupos de pesquisa em áreas afins, como geólogos, biólogos marinhos, geofísicos e paleontólogos, de obter informações rápidas aplicando-se rotinas de extração e análise simplificadas, tornou-se necessário elaborar uma metodologia que pudesse ser relativamente simples e de boa reprodutibilidade16,17. É importante ressaltar que são necessárias, muitas vezes, centenas de amostras para se reconstruir, com alta resolução, mudanças paleoclimáticas durante algumas centenas de milhares de anos. Portanto, todo o procedimento tem que ser o mais automatizado possível. A quantidade de sedimento seco geralmente usada na extração pode variar de 1 a 6 g, dependendo do teor de carbono orgânico presente na amostra. As análises quantitativas podem ser realizadas por cromatografia gasosa de alta resolução. De acordo com o método descrito por nós16, é possível se obter uma boa separação das alquenonas e dos alquenoatos de alquila usando uma coluna de baixa polaridade, como a CPSil5CB (Chrompack, Fig. 2). O índice UK37' é obtido diretamente a partir da razão das áreas dos picos das alquenonas. Algumas vezes, o teor de matéria orgânica é tão baixo (< 0,5 %) que exige uma análise mais sofisticada. Para esses casos, Rosell-Melé e colaboradores17 desenvolveram, recentemente, uma rotina de análise com o uso da técnica de cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas, usando amônia para a ionização química. Através desta técnica, o índice UK37' é obtido com base nas áreas dos picos dos íons pseudo-moleculares das alquenonas (M + NH4)+. É interessante se notar a diferença na intensidade do íon molecular de uma alquenona quando o espectro de massas é obtido pelo método Impacto de Elétrons (Fig. 3A), onde a intensidade relativa do pico M+ é cerca de 3 - 4 % da corrente iônica total, e quando se usa a Ionização Química, onde o íon (M + NH4)+ torna-se, então, o pico base (Fig. 3B).



As estruturas das alquenonas só foram confirmadas em 1987, por Rechka e Maxwell18, através da comparação com padrões sintéticos de configurações Z e E. Esses autores mostraram que os componentes naturais encontrados tanto na alga Emiliania huxleyi, ou em outras espécies, quanto nos sedimentos marinhos e particulados suspensos na coluna aquática, tinham a inusitada configuração E (Fig. 1 e Tabela 1).

Após a identificação e a caracterização das alquenonas, alguns pesquisadores começaram a examinar a estabilidade relativa dos C37 di-, tri- e tetra-insaturado16,19. Esses grupos estavam interessados em verificar se o valor do índice UK37, ou UK37', poderia sofrer alterações desde a produção das alquenonas pelas algas passando, em seguida, pela coluna aquática, com assimilação pelo zooplâncton, até a incorporação no sedimento. Com este objetivo, foram analisadas várias amostras de águas obtidas de diversas regiões e profundidades no oceano Atlântico Norte. Os valores dos UK37' obtidos a partir dos particulados suspensos foram comparados com os medidos nos sedimentos depositados nas mesmas regiões do oceano. Os resultados desses estudos mostraram que para uma certa região, o valor do UK37' medido no fitoplâncton permaneceu invariavelmente o mesmo que fora encontrado na coluna aquática e no sedimento19. É importante salientar que esses trabalhos com particulados foram realizados, na grande maioria, durante a primavera20, ou seja, no período quando ocorre o florescimento (do inglês bloom) das algas, ocasionando um grande aumento na produção primária no oceano Atlântico Norte. Para se ter uma idéia da variação média na produtividade primária, a concentração de células dessas algas na superfície do mar (aproximadamente 4 m de profundidade), antes e durante o florescimento, pode variar, por exemplo, de 10 a 2800 células por mL, conforme relatado por Conte e colaboradores21. Neste mesmo trabalho, esses autores mostraram que a soma das concentrações das alquenonas mais os alquenoatos de alquila pode ser correlacionada à concentração de células da alga E. huxleyi (mais a Geophyrocapsa ssp.). Durante o período transitório de rápido florescimento, que pode durar alguns dias22,23, uma grande quantidade de matéria orgânica é transportada através da coluna aquática para o fundo do oceano sob a forma de macroagregados24,25, entre outras24. A deposição dos fitodetritos é sazonal26, dependendo inteiramente do material procedente da zona eufótica. Portanto, é plausível se imaginar que o valor do UK37' fossilizado no sedimento pelas alquenonas corresponda à temperatura média da primavera durante o período de florescimento das algas (Tabela 2). Apesar desta aparente simplificada correlação entre o sinal na superfície e no sedimento, há controvérsias quanto ao valor do índice UK37' que é de fato registrado no sedimento27.

Apesar das controvérsias quanto ao sinal que chega ao sedimento, se é especificamente uma resposta de uma deposição sazonal ou uma média do material que é depositado ao longo de todo o ano, não há dúvidas quanto à estabilidade relativa das alquenonas. Conforme mencionado no parágrafo anterior, as perdas das alquenonas durante a passagem pela coluna aquática são consideráveis, embora o padrão de insaturação permaneça invariável, ou seja, não existem perdas relativas19. Prahl e colaboradores28 demonstraram que perdas das alquenonas devido a processos de oxidação em sedimentos não tiveram praticamente nenhum efeito no padrão de insaturação. Essa resistência a mudanças com a deposição também foi observada por Sikes e colaboradores29 que, inclusive, realizaram vários testes para avaliar a estabilidade desses biomarcadores. Mais recentemente, nós também demonstramos que o índice UK37' permanecia invariavelmente o mesmo ao longo dos primeiros 10 cm de profundidade em sedimentos de diversos testemunhos coletados no Atlântico Norte, apesar de ocorrerem degradações desses e de outros biomarcadores, devido à diagênese, principalmente dentro do primeiro centímetro de profundidade16. Outros trabalhos em laboratório também demonstraram a consistência do índice UK37' após a remoção das alquenonas de substratos que foram submetidos a diversos processos de degradação30.

4. RELAÇÃO ENTRE O ÍNDICE UK37' E A TEMPERATURA DA SUPERFÍCIE DO MAR (TSM)

Graças à variação linear do índice UK37' com a temperatura da superfície da água do mar (TSM, do inglês Sea Surface Temperature - SST), isto é, a região onde as algas produzem as alquenonas, foi possível se estabelecer uma relação entre o UK37' e a TSM. A maneira com que as equações propostas na literatura para esta relação são elaboradas, baseia-se fundamentalmente em três tipos de considerações: a) crescimento de culturas da alga Emiliania huxleyi 31-33 e várias outras espécies (Isochrysis galbana31, Chrysotila lamellosa31, Geophyrocapsa oceanica34) em laboratório a diferentes temperaturas; b) o uso de particulado suspenso na coluna aquática de diversas regiões dos oceanos Atlântico, Pacífico e Ártico e do Mar Negro19,32,33,35,36; c) extrato de sedimentos de superfície do oceano Pacífico33,35,37,38, do leste do Atlântico Norte19,27 e de outras regiões29. A tabela 2 contém alguns exemplos de TSM estimados com o uso do índice UK37' no Atlântico Norte. Ainda nesta tabela, encontram-se as respectivas temperaturas da superfície da água do mar para essas mesmas regiões e que foram medidas durante outras expedições oceanográficas.

Com relação às equações usadas, nota-se, em alguns casos, o aparecimento de outros dois índices: o AA36, baseado nas abundâncias relativas dos alquenoatos de metila (C36:2FAME eC36:2FAME) e da etil-alquenona tri-insaturada (C38:3Et); e o UK38Me, baseado nas abundâncias das metil-alquenonas di- e tri-insaturada (C38:2Me e C38:3Me)(Tabela 2). Esses dois índices mostraram-se particularmente úteis para uma equação desenvolvida a partir de amostras de particulados suspensos presentes em águas com temperaturas abaixo de 16oC (r2 = 0,81), no leste do Atlântico Norte. No recente trabalho de Rosell-Melé e colaboradores27, é feita uma abordagem crítica das equações existentes para a relação UK37' x TSM. Os autores também propõem novas equações baseadas em um grande número de amostras de sedimentos de superfície do Atlântico Norte.

5. APLICAÇÃO DO UK37': IDENTIFICAÇÃO DOS EVENTOS DE HEINRICH

A aplicação das alquenonas como uma ferramenta molecular para a reconstrução de paleo TSM a partir de testemunhos marinhos encontra-se amplamente difundida em todo o mundo9,29,32,35-37,39-49. Abaixo, segue um exemplo da aplicação desses biomarcadores em um trabalho que nós realizamos com um testemunho coletado no Atlântico Norte40 (Fig. 4).


O testemunho T88, com aproximadamente 8 m de profundidade, equivalentes a cerca de 208 mil anos, convertidos para ano-calendário com 14C, fora anteriormente estudado por um grupo holandês50. Os resultados apresentados pelo grupo revelaram que o testemunho continha diversas informações relevantes e que poderiam ser correlacionadas com os parâmetros moleculares obtidos a partir das alquenonas. Por exemplo, através da razão isotópica de oxigênio, δ18O (uma medida do teor dos isótopos de oxigênio no carbonato que compõe as conchas de espécies de foraminíferas51), para Globigerina bulloides, e da composição de espécies de microfloras, esses autores identificaram claramente transições de intervalos glacial-interglacial (Terminações I e II há 12.300 e 130.000 anos, respectivamente) (Fig. 5A). Portanto, ao analisar as amostras de sedimentos deste testemunho, o nosso principal objetivo foi examinar variações na distribuições e abundância de biomarcadores de procedência marinha (alquenonas e alquenoatos de aquila) e terrestre (hidrocarbonetos, ácidos carboxílicos e álcoois de cadeias longas com a profundidade e correlacioná-las com as mudanças estratigráficas observadas por meio de outros parâmetros previamente analisados no testemunho. Os resultados dessas correlações são apresentados em um outro trabalho40. Um dos resultados mais interessantes e que será resumidamente descrito a seguir, é a identificação dos chamados eventos de Heinrich52 com o uso do UK37'.


Em 1988, Heinrich publicou que proeminentes picos com grande abundância de fragmentos líticos (detritos rochosos) espaçados de aproximadamente 10.000 anos de intervalo, haviam sido observados em uma série de três testemunhos no Atlântico Norte. Nos anos seguintes, outros autores também relataram a presença desses eventos nessa mesma região, entre as latitudes 540N e 410N53-57 (Fig. 4). Esses fragmentos foram depositados no fundo do oceano como consequência do transporte e derretimento de imensos icebergs. Uma análise detalhada dos detritos rochosos presentes nessas camadas, indicou que o material poderia ter mais de uma origem56. Para os cinco eventos mais recentes, quatro (h1, h2, h4 e h5) apresentaram sinais de material tipicamente encontrado na crosta ao norte de Quebec e noroeste da Groenlândia. Um dos eventos (h3) foi interpretado como procedente da região Escandinávia-Islândia-Ártico (Fig. 4). Kreveld e colaboradores50 conseguiram identificar treze desses eventos com o testemunho T88. Com o uso do UK37', nós conseguimos identificar onze dos treze eventos relatados por esses autores (Fig. 5C). Também usando o índice UK37', Zhao e colaboradores48 conseguiram observar os eventos de Heinrich até mesmo em águas bem menos frias, próximas do continente africano.

No testemunho T88, o valor da TSM variou consideravelmente durante os intervalos de tempo correspondentes aos eventos de Heinrich (Fig. 5C). Embora Heinrich52 tenha reportado alguns desses eventos durante o estágio isotópico cinco, último intervalo interglacial, tanto Kreveld como nós, não identificamos nenhum desses eventos durante aquele estágio. Além da TSM, um outro resultado que reforça a visão de que as camadas de Heinrich foram formadas durante tempos em que as águas no Atlântico Norte estavam extremamente frias, devido ao afluxo de icebergs, é o aumento na porcentagem de foraminífera Neogloboquadrina pachyderma sinistra durante os intervalos de Heinrich (Fig. 5B). Outro ponto interessante na Fig. 5 é a correlação entre a variação da TSM e a do δ18O, medido a partir da Globigerina bulloides. Apesar de não serem muito sensíveis aos eventos de Heinrich, os valores de δ18O mostraram claramente as transições glacial-interglacial nas Terminações I e II. Por outro lado, através da TSM tanto os eventos de Heinrich como as duas Terminações foram observadas claramente.

6. FUTUROS TRABALHOS

O recente trabalho de Rosell-Melé e colaboradores27 chama a atenção para o fato de que existe uma diferença entre os valores de UK37 obtidos por meio de culturas em laboratório e os observados na coluna aquática e no sedimento. Esses autores, baseados apenas em dados empíricos, sugerem que essa diferença seja devido a um aumento na velocidade de degradação com o número de insaturações das alquenonas, ou seja, C37:4Me > C37:3Me > C37:2Me. Eles especulam ainda que essas mudanças sejam devido ao tempo de residência das alquenonas na coluna aquática, diagênese, condições de deposição, etc. No entanto, não está claro o que realmente estaria causando tal discrepância de valores. Um estudo teórico simulando diversas condições ambientais de deposição possivelmente ajudaria a entender tal comportamento.

A determinação da razão isotópica 12C:13C para biomarcadores individuais presentes em sedimento ou petróleo, encontra cada vez mais aplicação em estudos geoquímicos58,59. Esse fracionamento isotópico é de grande importância para o entendimento, por exemplo, da assimilação de carbono pelas algas60 e seria de grande interesse para as alquenonas preservadas no sedimento.

O grande número de trabalhos envolvendo a análise de alquenonas, entre outros biomarcadores, no hemisfério Norte, demonstra o interesse daqueles países em reconstruir mudanças paleoclimáticas com o objetivo de obter informações que ajudem no entendimento de mudanças climáticas futuras. O uso de compostos orgânicos como uma ferramenta paleoclimática é um exemplo da importância que programas multidiciplinares vêm obtendo, cada vez mais, em diversos países, o que demanda a formação de químicos com conhecimentos em áreas como a geologia e a oceanografia química, por exemplo. Em contraste com esses países do Norte, muito pouco tem sido estudado sobre a presença desses e outros biomarcadores no Atlântico Sul. Com exceção de alguns trabalhos em regiões próximas da costa (ver, por exemplo, referências 49, 61 e 62) onde existem as ressurgências (do inglês upwellings) além, é claro, da costa do Peru devido ao fenômeno El Niño37,63,64, o exame de biomarcadores que tenham implicações paleoclimáticas é praticamente inexistente nesta região do Atlântico.

7. AGRADECIMENTOS

Ao NERC (Natural and Environmental Research Council, Inglaterra), pela bolsa de pós-doutoramento durante o ano de 1994. Ao CNPq, pela concessão de bolsa para a realização do doutorado (1989-1993) na Unidade de Geoquímica Orgânica da Universidade de Bristol, Inglaterra.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 1997

Histórico

  • Aceito
    27 Jun 1996
  • Recebido
    21 Mar 1996
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