Resumo
Manipulation of the flux of substrates was utilized to control the amount of 3-hydroxyvalerate and 3-hydroxy-4-pentenoate produced by Burkohlderia sp. The 3HV production rate was directly proportional to the propionic acid uptake rate with the last one completely directed to 3HV biosynthesis. The 3HPE production rate was inversely proportional to the sucrose uptake rate probably due to operation of the glyoxylate cycle.
polyhydroxyalkanoates; P3HB-co-3HV; P3HB-b-3HPE
polyhydroxyalkanoates; P3HB-co-3HV; P3HB-b-3HPE
ARTIGO
Controle da biossíntese de poli-hidroxialcanoatos bacterianos através do fluxo de substratos
Control of the biosynthesis of bacterial polyhydroxyalkanoates through the flux of substrates
Rafael Costa Santos Rocha* * e-mail: rocharcs@usp.br ; Fabrício Saab Pereira; Marilda Keico Taciro; Maria Filomena de Andrade Rodrigues; José Geraldo da Cruz Pradella
Divisão de Química Agrupamento de Biotecnologia, Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo S.A., Av. Prof. Almeida Prado, 532, 5508-901 São Paulo SP, Brasil
ABSTRACT
Manipulation of the flux of substrates was utilized to control the amount of 3-hydroxyvalerate and 3-hydroxy-4-pentenoate produced by Burkohlderia sp. The 3HV production rate was directly proportional to the propionic acid uptake rate with the last one completely directed to 3HV biosynthesis. The 3HPE production rate was inversely proportional to the sucrose uptake rate probably due to operation of the glyoxylate cycle.
Keywords: polyhydroxyalkanoates; P3HB-co-3HV; P3HB-b-3HPE.
INTRODUÇÃO
Poli-hidroxialcanoatos (PHA) são poliésteres de ácidos hidroxialcanóicos, acumulados por diversas bactérias na forma de grânulos intracelulares, que atingem até 80% em peso seco da biomassa bacteriana1-3. Os PHA são biodegradáveis e biocompatíveis, sendo sintetizados a partir de matérias-primas renováveis, como açúcar de cana4-6. Suas aplicações vão desde embalagens e materiais descartáveis, matriz para liberação controlada de fármacos até implantes e moldes na área médica7-11.
A estrutura geral dos PHA está representada na Figura 1, onde n é 1, 2, 3 ou 4 para 3-hidroxialcanoatos, 4-hidroxialcanoatos, 5-hidroxialcanoatos ou 6-hidroxialcanoatos, respectivamente12. O radical R pode possuir uma cadeia de até 13 carbonos, ramificada ou não; pode conter grupos aromáticos, cadeias cíclicas, átomos de cloro, flúor ou nitrogênio13.
Para o acúmulo destes biopolímeros, a maioria dos microrganismos devem estar submetidos a condições de cultivo limitadas em um nutriente essencial ao crescimento (N, P, Mg e oxigênio)1,2 e com fonte de carbono em excesso como carboidratos ou ácidos carboxílicos. Para a biossíntese de poli-3-hidroxibutirato-co-3-hidroxivalerato (P3HB-co-3HV) é necessário que se forneça, além de um carboidrato para gerar moléculas de acetil-CoA, responsável pela formação do monômero 3-hidroxibutirato (3HB)14, um substrato precursor, geralmente o ácido propiônico ou ácido valérico, ambos com estrutura similar ao monômero 3-hidroxivalerato (3HV). Por outro lado, a biossíntese da blenda poli-3-hidroxi-b-4-pentenoato (P3HB-b-3HPE), produzida por algumas linhagens do gênero Burkholderia sp. isoladas de solo, necessita apenas de uma única fonte de carbono e energia15.
A manipulação dos fluxos de substratos utilizados para síntese destes biopolímeros pode levar à produção de polímeros e copolímeros com diferentes composições e propriedades físico-químicas adequadas para as diversas aplicações10. No presente trabalho, foi estudada a relação dos fluxos de substratos com as velocidades de biossíntese dos monômeros componentes de dois poli-hidroxialcanoatos: P3HB-co-3HV, produzido por Burkholderia sacchari IPT 189 e P3HB-b-3HPE, produzido por Burkholderia cepacia IPT 064.
PARTE EXPERIMENTAL
Microrganismos
Foram utilizadas as linhagens de Burkholderia sacchari IPT 189, mutante prp de Burkholderia sacchari IPT 101 (LMG 19450)16 e Burkholderia cepacia IPT 064 (DSMZ 9242)4 criopreservadas a -80ºC no banco de cepas do Agrupamento de Biotecnologia do IPT.
Condições de cultivo
Para o preparo do pré-inóculo, foi retirado 1 mL da(s) cultura(s) estoque(s) mantida(s) em freezer -80 ºC, e inoculado em 300 mL de meio caldo nutriente (CN) contendo 3 g/L de extrato de carne e 5 g/L de peptona bacteriológica, incubadas em agitador rotativo a 200 rpm e 30 ºC por 18 h. Cerca de 10% (v/v) do pré-inóculo foi transferido para meio mineral17 (MM1): sacarose 10 g/L; KH2PO4 1,5 g/L; Na2HPO4 3,54 g/L; (NH4)2SO4 3 g/L; MgSO4 0,2 g/L; CaCl2 0,01 g/L; citrato férrico amoniacal 0,06 g/L e solução de elementos traços18 1 mL/L e incubado em agitador rotativo a 200 rpm e 30 ºC por 20 h. 1 L da cultura resultante foi inoculada em biorreator de bancada (Biostat Braun modelo ED, Alemanha) aerado e agitado mecanicamente, contendo 6 L de meio de cultura. Os biorreatores equipados com 4 chicanas e 3 turbinas do tipo Rushton, controles automáticos de temperatura mantida a 32 ºC para B. sacchari e 30 ºC para B. cepacia, e oxigênio dissolvido (acima de 20% da saturação) foram munidos de bombas e balanças para introdução de soluções dos substratos e soluções para controle de pH.
O meio mineral utilizado para cultivo em biorreatores (MM2) apresentou a seguinte formulação (g/L): sacarose 30; KH2PO4 1,5; (NH4)2SO4 1,83; MgSO4 0,55; CaCl2 0,02; citrato férrico amoniacal 0,05 e solução de elementos traços18 2 mL/L. Os cultivos foram conduzidos em duas fases: a fase de crescimento (regime descontínuo) sem limitação de nutrientes essenciais ao crescimento e a fase de acúmulo (regime descontínuo alimentado), na qual foi efetivada a limitação da fonte de nitrogênio para acúmulo intracelular dos biopolímeros P3HB-co-3HV e P3HB-b-3HPE. O pH foi mantido em 7,0 com auxílio de soluções de NH4OH (28%) e H2SO4 4N durante a fase de crescimento e NaOH 4N e H2SO4 4N durante a fase de acúmulo. Após o esgotamento da fonte de carbono e nitrogênio foi alimentado ao biorreator uma solução contendo sacarose e ácido propiônico para o acúmulo de P3HB-co-3HV e uma solução contendo apenas sacarose para o acúmulo de P3HB-b-3HPE. As soluções alimentadas continham 250 g/L de fontes de carbono.
Para os ensaios de produção do copolímero, a vazão específica de alimentação (fc) foi constante (0,15 g de substrato/g de biomassa residual .h) e a relação entre os substratos sacarose e ácido propiônico (sac/prop) variou entre 10:1; 19:1; 30:1 e 61,5:1. Para formação da blenda de P3HB-b-3HPE, variou-se a vazão específica de alimentação (0,05; 0,075; 0,15 e 0,30 g de sacarose/g de biomassa residual.h).
Metodologias analíticas
Durante os ensaios, periodicamente foram retiradas alíquotas para a execução das seguintes análises: concentração de carboidratos (sacarose, glicose e frutose), ácidos carboxílicos (ácidos acético e propiônico), concentração de biomassa total e residual, nitrogênio amoniacal, teor e composição dos biopolímeros.
Os carboidratos foram determinados por cromatografia líquida e os ácidos carboxílicos, por cromatografia gasosa19. A concentração de biomassa total (Xt) foi determinada por gravimetria filtrando-se as amostras em membranas de poro 0,45 µm. As membranas e as células foram secas a 105 ºC até massa constante20. O teor e a composição dos biopolímeros foram determinados por cromatografia gasosa, após realização de propanólise21. A biomassa residual (Xr) foi calculada como Xr = Xt-PHA. O PHA é a soma dos monômeros constituintes de cada um dos biopolímeros estudados.
A vazão específica de alimentação (fc) para cada ensaio foi calculada22 pelas Equações 1 e 2:
onde sacaroseal. e propiônicoal. são as concentrações de sacarose e ácido propiônico, respectivamente, introduzidas ao biorreator durante a fase de acúmulo; F é a vazão volumétrica das soluções de alimentação; Xr, a concentração de biomassa residual e V, o volume do biorreator.
As velocidades específicas de formação de 3HB, 3HV e 3HPE e do consumo dos substratos sacarose e ácido propiônico foram avaliadas segunda a relação 1/Xr (dN/dt) onde N representa a concentração destas variáveis, sendo expressas em mmoles da substância/g de biomassa residual por h. Estas velocidades foram então normalizadas, fazendo-se sua divisão pela velocidade máxima de consumo de sacarose, à qual foi atribuído o valor de 100.
Os experimentos foram realizados de tal maneira que as fontes de carbono admitidas ao sistema na fase de acúmulo foram consumidas, resultando sempre no meio de fermentação concentrações de substrato iguais a zero.
Assim, as velocidades de consumo destes substratos foram iguais aos fluxos de alimentação destes substratos, valendo para todos os experimentos realizados a igualdade
Salienta-se que a concentração de células residuais (Xr) foi estabelecida a priori pela composição do meio de cultura da fase de crescimento e que a variação do volume reacional durante a fase de acúmulo era desprezível. Desta maneira, dentro dos limites operacionais dos experimentos, foi possível ajustar a velocidade de consumo dos substratos pela manipulação dos fluxos de entrada destes substratos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Constantemente são estudadas diferentes estratégias para obtenção de poli-hidroxialcanoatos, dentre elas o emprego de cepas geneticamente modificadas e diferentes regimes de operação3,7,14. No presente trabalho, foi possível estudar a influência do fluxo de substratos na síntese de biopolímeros com diferentes composições monoméricas (3HB, 3HV e 3HPE) utilizando as linhagens bacterianas B. sacchari IPT 189 e B. cepacia IPT 064.
Para B. sacchari IPT 189, as velocidades de consumo de ácido propiônico e de síntese de unidades de 3HV foram diretamente proporcionais, conforme apresentadas na Figura 2. A manutenção da proporcionalidade em um grande intervalo de variação de velocidades demonstra a rigidez do "nó" reacional entre a oxidação de propionil-CoA e a reação subseqüente de condensação de acetil-CoA e propionil-CoA formando valeril-CoA, intermediário da síntese de unidades de 3HV em B. sacchari, com evidente predomínio para a reação de condensação.
O coeficiente angular da reta da Figura 2 expressa o valor do fator de conversão de ácido propiônico a 3HV (Y3HV/prop) e foi de cerca de 1,25 g/g, muito próximo ao valor máximo teórico (1,35 g/g)19. Baixas conversões de ácido propiônico em 3HV são apontadas como um dos fatores limitantes na produção de P3HB-co-3HV, elevando o custo do produto final14,23,24. Neste sentido, o presente resultado pode ser importante para minimização dos custos de produção deste polímero, uma vez que foi possível modular a composição do copolímero P3HB-co-3HV oferecendo diferentes relações entre os substratos, sacarose/ácido propiônico, durante a fase de acúmulo. A Tabela 1 apresenta diferentes composições poliméricas em função da relação de consumo dos substratos para B. sacchari IPT 189. O monômero HV variou entre 6,5 até 40% mol, influenciado diretamente pela concentração de ácido propiônico, ou seja, quanto maior a concentração de ácido propiônico, maior a concentração de unidades de hidroxivalerato formado.
Por outro lado, a biossíntese de 3HPE em B. cepacia utilizando a linhagem IPT 064, foi inversamente proporcional ao consumo de sacarose (Figura 3). Neste caso, propôs-se a existência de uma via metabólica, ainda não comprovada, para a síntese de unidades de 3HPE a partir da condensação de 2 moles de acetil-CoA gerados da oxidação de sacarose e uma unidade de formil-CoA ou de oxalil-CoA provenientes do ciclo do glioxilato20. Este ciclo opera em condições limitadas de aporte de sacarose, provocando a ativação da isocitrato liase, enzima chave do referido ciclo, gerando glioxilato, intermediário que é oxidado até formil-CoA. A Figura 3 mostra o efeito do aporte de sacarose na fase de acúmulo, caracterizado pelo aumento da velocidade normalizada de síntese de 3HPE com limitação do consumo de sacarose µS até cerca de 20% do valor máximo.
Observa-se na Tabela 2 a composição polimérica da blenda P3HB-b-3HPE em função do consumo de substrato para B. cepacia IPT 064. Verificou-se que é possível a síntese de vários tipos de blendas de P(3HB-b-3HPE) com composição variando entre 0 até 8 %mol de 3HPE pela manipulação do fluxo de entrada de substrato, através de diferentes velocidades de oferta de sacarose. Devido à insaturação neste biopolímero, o grupo vinil do 3HPE é um alvo promissor para a realização de diferentes modificações químicas do polímero. Estas modificações conferem novas propriedades físico-químicas ao P3HB-b-3HPE8,15. Este resultado pode ser importante para obtenção de matriz de liberação controlada, com diferentes perfis de liberação de fármacos8.
O presente artigo contribuiu com o estudo de produção de poli-hidroxialcanoatos bacterianos e estabelece um protocolo para controle da composição destes biopolímeros, através da manipulação do fluxo de substratos.
AGRADECIMENTOS
À FINEP e ao CNPq que financiaram este projeto e à FAPESP pelas bolsas de Mestrado. Aos técnicos do laboratório de fermentações industriais, V. de Oliveira e R. N. Carvalho.
NOMENCLATURA
Fator de conversão de ácido propiônico a unidades de 3HV
Recebido em 24/10/05; aceito em 20/4/06; publicado na web em 30/8/06
- 1. Sudesh, K.; Abe.; H. E.; Doi, Y.; Prog. Polym. Sci. 2000, 25, 1503.
- 2. Anderson, A. J.; Dawes, E. A.; Microbiol. Rev. 1990, 54, 450.
- 3. Khanna, S.; Srivastava, A. K.; Process Biochem. 2005, 40, 607.
- 4. Rodrigues, M. F. A.; Silva, L. F.; Gomez, J. G. C.; Velentim, H. E.; Steinbüchel, A.; Appl. Microbiol. Biotecnhol. 1995, 43, 880.
- 5. Tavares, L. Z.; Silva, E. S.; Pradella, J. G. C.; Biochemi. Eng. J. 2004, 18, 21.
- 6. Rocha, R. C. S.; Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, Brasil, 2002.
- 7. Du, G. C.; Chen, J.; Yu, J.; Lun, S.; Biochemi. Eng. J. 2000, 8, 103.
- 8. Ré, M. I.; Rodrigues, M. F. A.; Silva, E. S.; Castro, I. M.; Simioni, A. R.; Pelisson, M. M. M.; Beltrame J. R. M.; Tedesco, A. C.; Minerva Biotecnologica 2006, 18, 3.
- 9. Hrabak, O.; FEMS Microbiol. Rev. 1992, 103, 251.
- 10. Doi, Y.; Microbial Polyesters VHC Publishers: New York, 1990.
- 11. Byrom, D. Em Novel biodegradable microbial polymers; Dawes, E. A., ed.; Kluwer: London, 1990.
- 12. Jackson, D. E.; Srienc, F.; Ann. New York Acad. Sci., 1995, 175, 134.
- 13. Steinbüchel, A.; Valentim, H. E.; FEMS Microbiol Lett. 1995, 125, 219.
- 14. Silva, L. F.; Gomez, J. G. C.; Oliveira, M. S.; Torres, B. B.; J. Biotechnol. 2000, 76, 165.
- 15. Valentim, H. E.; Berger, P. A.; Gruys, K. J.; Rodrigues, M. F. A.; Steinbuchel, A.; Tran, M.; Asrar, J.; Macromolecules 1999, 32, 7389.
- 16. Brämer, C. O.; Silva, L. F.; Gomez, J. G. C.; Steinbüchel, A.; Appl. Environ. Microbiol. 2002, 68, 271.
- 17. Ramsay, B. A.; Lomaliza, K.; Chavarie, C.; Dubé, B.; Bataile, P.; Ramsay, J.; Appl. Environ. Microbiol. 1990, 61, 2487.
- 18. Pfennig, N.; Arch. Microbiol. 1974, 2, 100.
- 19. Gomez, J. G. C.; Rodrigues, M. F. A.; Alli, R. C. P.; Torres, B. B.; Bueno Netto, C. L.; Oliveira, M. S.; Silva, L. F.; Appl. Microbiol. Biotechnol. 1996, 45, 785.
- 20. Pereira, F.S.; Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, Brasil, 2003.
- 21. Riss, V.; Mai, W.; J. Chromatogr., A 1988, 445, 285.
- 22. Diniz, S. C.; Taciro, M. K.; Gomez, J. G. C.; Pradella, J. G. C.; Appl. Biochem. Biotechnol. 2004, 119, 51.
- 23. Choi, J.; Lee, S. Y.; Appl. Microbiol. Biotechnol. 1999, 51, 13.
- 24. Squio, C. R.; Aragão, G. M. F.; Quim. Nova, 2004, 27, 615.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Fev 2007 -
Data do Fascículo
Fev 2007
Histórico
-
Recebido
24 Out 2005 -
Aceito
20 Abr 2006