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Especiação redox de cromo em solo acidentalmente contaminado com solução sulfocrômica

Crhomium redox specification in soil accidentally contamined with sulphochrinuc solution

Resumo

Determination of Cr(VI) and Cr(III) was studied in soil samples accidentally contaminated with sulphochromic solution. Molecular absorption spectrophotometry based on the diphenylcarbazide method was used for the determination of Cr(VI) after its alkaline extraction. The total chromium concentration was determined using ICP OES. The quantification of Cr(III) was accomplished by subtracting the Cr(VI) concentration from the total chromium concentration. Regardless of the known contamination of the soil samples by sulphochromic solution, concentrations of Cr(VI) were below the detection limit. Addition and recovery experiments for Cr(VI) in soil samples with and without organic matter indicated its influence on the reduction of Cr(VI) to Cr(III).

chromium; redox speciation; soil


chromium; redox speciation; soil

ARTIGO

Especiação redox de cromo em solo acidentalmente contaminado com solução sulfocrômica

Crhomium redox specification in soil accidentally contamined with sulphochrinuc solution

Wladiana Oliveira MatosI,* * e-mail: wladianamatos@yahoo.com.br ; Joaquim de Araújo NóbregaI; Gilberto Batista de SouzaII; Ana Rita Araujo NogueiraII

IDepartamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, Rod. Washington Luiz, km 235, 13565-905 São Carlos - SP, Brasil

IIEmbrapa Pecuária Sudeste, CP 339, 13560-970 São Carlos - SP, Brasil

ABSTRACT

Determination of Cr(VI) and Cr(III) was studied in soil samples accidentally contaminated with sulphochromic solution. Molecular absorption spectrophotometry based on the diphenylcarbazide method was used for the determination of Cr(VI) after its alkaline extraction. The total chromium concentration was determined using ICP OES. The quantification of Cr(III) was accomplished by subtracting the Cr(VI) concentration from the total chromium concentration. Regardless of the known contamination of the soil samples by sulphochromic solution, concentrations of Cr(VI) were below the detection limit. Addition and recovery experiments for Cr(VI) in soil samples with and without organic matter indicated its influence on the reduction of Cr(VI) to Cr(III).

Keywords: chromium; redox speciation; soil.

INTRODUÇÃO

O cromo apresenta diversas aplicações industriais incluindo seu emprego no processo de curtimento de couros, na preservação de madeira, como pigmentos, inibidor de corrosão etc. As principais indústrias que utilizam esse metal são das áreas de metalurgia, cerâmica e pigmentos.1

Outra intensa aplicação de compostos desse elemento é na determinação espectrofotométrica de matéria orgânica em amostras de solos, realizada especialmente em laboratórios de rotina. De acordo com a norma ISO 14235, Soil Quality - Determination of organic carbon by sulfochromic oxidation, estabelecida em 1998, a matéria orgânica pode ser determinada através de sua reação de oxidação com a mistura dicromato de potássio em excesso e ácido sulfúrico a uma temperatura de 135 ºC.2

2 Cr2O72- + 3 C + 16 H+ setadiρ 4 Cr3+ + 3 CO2 + 8 H2O(l)

Os íons dicromato, que apresentam coloração laranja, são reduzidos a Cr(III) de coloração verde e a intensidade deste último é medida espectrofotometricamente. Esse tipo de análise gera resíduos de íons cromato, ou seja, íons cromo no estado de oxidação VI que são potencialmente tóxicos ao ambiente.2 A análise de 2500 amostras de solo produz em torno de 150 L de solução ácida (pH <1), contendo aproximadamente 10.000 mg L-1 Cr(VI).

Embora o elemento cromo exista em diversos estados de oxidação, somente Cr(III) e Cr(VI) são suficientemente estáveis para ocorrer no ambiente.3 A presença de Cr(III) na dieta de animais e humanos é importante, pois está relacionada com o metabolismo de glicose, lipídeos e proteínas.4 Contudo, Cr(VI) é tóxico, carcinogênico e mutagênico para animais e humanos.5 Crômio(VI) apresenta mais mobilidade que Cr(III), pois seus ânions são facilmente transportados através do solo.6 Por outro lado, Cr(III) precipita como Cr(OH)3 ou FexCr1-x(OH)3 ou ainda forma quelatos com moléculas orgânicas, tendo portanto menor mobilidade no solo.7,8

Pela toxicidade do Cr(VI) comparativamente ao Cr(III), a especiação redox de cromo se tornou importante, possibilitando um monitoramento ambiental bem mais adequado que apenas a quantificação do teor total do elemento. Devido à legislação estar se tornando cada vez mais restritiva, concentrações limites de Cr(VI) em diferentes matrizes sólidas estão sendo estabelecidas.

Na maioria dos solos o cromo é encontrado em concentrações que variam de 2 a 60 mg kg-1 dependendo do tipo de solo.9 Na Suécia são sugeridos os valores de 5 e 120 mg kg-1 para Cr(VI) e Cr(III), respectivamente.10 No Canadá recomenda-se 0,4 mg kg-1 Cr(VI) para solos destinados à agricultura e residencial e 1,4 mg kg-1 para solos comerciais e industriais.11 Já nos Estados Unidos a concentração limite de cromo pode diferir entre os estados.12 Na Itália, a concentração máxima de Cr(VI) recomendada é de 2 a 15 mg kg-1 dependendo da ocupação do solo.13

Os métodos para tratamentos convencionais de solos e ambientes aquáticos contaminados com cromo hexavalente são a escavação ou bombeamento do material contaminado, adição de redutor químico, precipitação seguida de sedimentação, troca iônica e adsorção.14 Porém, Cr(VI) pode ser reduzido a Cr(III) no solo por reações redox com espécies inorgânicas, transferência de elétrons na superfície mineral, reações com substâncias orgânicas não húmicas, tais como carboidratos e proteínas, ou redução por substâncias húmicas do próprio solo.15

Neste trabalho, foram avaliados os teores de Cr(III) e Cr(VI) em amostras de solo fornecidas pela Embrapa Agropecuária Oeste, localizada no município de Dourados no Mato Grosso do Sul, onde houve um vazamento de resíduos de solução sulfocrômica proveniente de um laboratório de solos.

PARTE EXPERIMENTAL

Amostras

As amostras de solo foram coletadas no município de Dourados - MS, na sede da Embrapa Agropecuária Oeste. Nessa unidade da Embrapa, assim como em outras, o laboratório de solos utiliza o método ISO 14235 para a determinação de matéria orgânica no solo e os resíduos de íons cromato gerados pelas análises são armazenados em reservatórios para posterior tratamento adequado. No caso particular estudado, esse reservatório se rompeu, causando contaminação por Cr(VI) do solo localizado nas proximidades do reservatório. Com o objetivo de avaliar a gravidade do prejuízo ambiental causado pelo acidente, amostras desse solo foram enviados à Embrapa Pecuária Sudeste (São Carlos-SP) para que estudos de especiação redox de cromo fossem realizados.

Material de referência certificado de solo NIST San Joaquin Soil SRM 2709, EUA foi utilizado para verificar a exatidão da determinação de cromo total em solo.

Reagentes e soluções

Todos os materiais utilizados no trabalho foram descontaminados em banho de HCl 10% (v/v) por no mínimo 24 h, lavados com água destilada e com água ultrapura (resistividade de 18,2 MΩ cm) obtida a partir de um sistema de purificação de água Milli-Q (Millipore, Bedford, MA, EUA).

Para todos os experimentos, reagentes de grau analítico e água ultrapura foram empregados para preparo de solução.

Solução padrão estoque 1000 mg L-1 Cr(VI) foi preparada dissolvendo-se 2,830 g de K2Cr2O7 (Riedel-de Haën, Alemanha), previamente seco à temperatura de 140 ºC, em 1 L de água. Solução padrão estoque 1000 mg L-1 Cr(III) (Merck, Alemanha) foi diluída para preparo das soluções analíticas de calibração.

Os ácidos clorídrico 36% (v/v), nítrico 65% (v/v) e fluorídrico 36% (v/v) utilizados para a decomposição total das amostras estudadas foram obtidos da Merck. Os reagentes peróxido de hidrogênio 30% (m/m), 1,5-difenilcarbazida, carbonato de sódio e ácido bórico também tinham a mesma procedência. A acetona empregada no preparo das soluções de 1,5-difenilcarbazida foi produzida pela Synth (Brasil) e o ácido sulfúrico concentrado para ajuste de pH e preparo da solução de 1,5-difenilcarbazida foi produzido pela Mallinckrodt (Cidade do México, México).

Extração e determinação de Cr(VI)

A extração de Cr(VI) nas amostras sólidas foi efetuada empregando solução alcalina sob aquecimento. O meio alcalino foi escolhido por minimizar os riscos de redução dos íons Cr(VI) a Cr(III). A solução 0,10 mol L-1 Na2CO3 foi utilizada como extrator. Essa solução extratora foi empregada por Panichev et al.16 para extração de Cr(VI) em amostras de solo.

A solução 0,10 mol L-1 Na2CO3 foi preparada pesando-se 1,06 g de carbonato de sódio e dissolvendo-se o sal com água para um volume de 100 mL. O volume do extrator utilizado no procedimento de extração de Cr(VI) variou de acordo com o tipo de amostra. A extração de Cr(VI) foi realizada sob aquecimento em banho de areia por período de 10 min, contado a partir do momento da ebulição da solução.

As determinações de Cr(VI) em todas as amostras foram efetuadas por espectrofotometria de absorção molecular na região do visível empregando 1,5-difenilcarbazida como reagente cromogênico. De acordo com esse método, Cr(VI) presente na solução reage com solução de 1,5-difenilcarbazida em meio ácido (pH 1) produzindo uma solução violeta. Esse é um método sensível e seletivo para a determinação espectrofotométrica de Cr(VI).17

Para preparar a solução de 1,5-difenilcarbazida, 0,2 g desse reagente foi pesado e dissolvido em 100 mL de acetona contendo 1 mL de H2SO4 (1 + 9 (v/v)). A solução foi transferida e mantida em frasco âmbar para evitar degradação fotoquímica do reagente. As soluções de 1,5-difenilcarbazida utilizadas no experimento foram refeitas semanalmente.

Preparo de amostra para quantificação do teor total de cromo

Forno de microondas com cavidade utilizando frascos fechados e ácidos concentrados foi empregado para a digestão buscando a decomposição completa das amostras para viabilizar as determinações por ICP OES. Após digestão, foi adicionado ácido fluorídrico à temperatura ambiente para solubilizar os silicatos. O procedimento proposto por Vieira et al.18 envolve apenas um ciclo de digestão evitando, assim, desgaste dos frascos reacionais e excessivo consumo de tempo para o preparo das amostras. Além disso, evita-se a formação de sais insolúveis de fluoreto observada quando a adição de ácido fluorídrico ocorre no início do processo de digestão ou após a decomposição, permitindo a determinação elementar com exatidão e precisão para diferentes tipos de solo.

Instrumentação

Espectrômetro de emissão óptica com plasma acoplado indutivamente (ICP OES) com visão radial (Vista PRO-CCD, Varian, Austrália) foi utilizado para as determinações de cromo total. Aplicou-se potência de 1,3 kW e vazão de nebulização de 0,6 L min-1. Utilizou-se sistema de introdução de amostra com nebulizador com ranhura em V e câmara de nebulização Sturman-Master. A altura de observação foi de 6 mm e o comprimento de onda de 206,158 nm foi escolhido para as determinações de cromo.

Espectrofotômetro de absorção molecular (UV-Vis modelo 482, Femto, São Paulo) foi utilizado para as determinações de Cr(VI), após reação desse íon com solução de 1,5-difenilcarbazida. O comprimento de onda empregado nas determinações de Cr(VI) foi de 545 nm.

Forno com cavidade Multiwave® (Anton Paar Graz, Áustria) com frascos de alta pressão de TFM com volume de 50 mL foi utilizado para a decomposição completa das amostras de solo. O aquecimento da solução para as extrações de Cr(VI) foi feito em banho de areia.

Os digeridos de solo foram centrifugados utilizando centrífuga Hermele Z modelo 200 A (Labnet, Woodbridge, NJ, EUA).

O procedimento de calcinação das amostras de solo foi efetuado em mufla usando cadinho de porcelana.

Procedimento experimental

Teste de estabilidade do Cr(VI)

Foi avaliado o comportamento redox do Cr(VI) na solução extratora 0,10 mol L-1 Na2CO3 com o objetivo de testar a estabilidade desse ânion. Os experimentos foram realizados em triplicata.

Solução contendo 12,5 mg L-1 Cr(VI) foi preparada a partir da solução padrão estoque de 1000 mg L-1 Cr(VI). Uma alíquota de 5 mL da solução com concentração 12,5 mg L-1 Cr(VI) foi adicionada a 25 mL da solução 0,10 mol L-1 Na2CO3. A mistura foi aquecida em um banho de areia por 30 min, de maneira a simular o procedimento adotado para extração em uma amostra. Após a etapa de aquecimento, a solução foi resfriada à temperatura ambiente, transferida para um tubo graduado de 50 mL e o volume foi ajustado para 25 mL com água. Em seguida, uma alíquota de 2 mL dessa solução foi retirada para quantificação de Cr(VI). Dessa forma, adicionou-se solução 0,1 mol L-1 H2SO4 em tubo graduado de 50 mL visando ajustar o pH para 1, sendo, em seguida, adicionado 1 mL de 1,5-difenilcarbazida. O volume final foi ajustado para 25 mL com solução 0,1 mol L-1 H2SO4 e a absorbância da solução resultante, de coloração violeta, foi medida.

Esse mesmo experimento foi repetido, porém, além da solução padrão de Cr(VI), solução padrão de Cr(III) também foi adicionada com o intuito de avaliar o comportamento do cromo hexavalente na presença de cromo trivalente, observando-se as porcentagens de recuperação de Cr(VI). Assim, soluções de 12,5 mg L-1 Cr(III) e Cr(VI) foram preparadas a partir das soluções padrão estoque 1000 mg L-1 Cr(III) e Cr(VI). Alíquotas de 5 mL de solução padrão 12,5 mg L-1 de ambos estados de oxidação foram adicionadas a 25 mL da solução 0,10 mol L-1 Na2CO3. O procedimento adotado foi idêntico ao descrito no parágrafo anterior para as soluções contendo apenas Cr(VI).

Preparo de amostra de Cr total 18

Na digestão das amostras de solo, pesou-se 100 mg de amostra em frascos de digestão e adicionou-se um volume de 2 mL de água régia (ácido nítrico e ácido clorídrico 1:3 (v/v)) e 1 mL de H2O2 concentrado. Essa mistura foi submetida a um programa de aquecimento com tempo total de 34 min (Tabela 1). A decomposição foi conduzida em frascos fechados com aquecimento assistido por radiação microondas. Após resfriamento, os digeridos foram quantitativamente transferidos para frascos graduados com volume de 15 mL, sendo o volume ajustado para 10 mL. A fase insolúvel contendo silicatos não digeridos foi separada por centrifugação (3 min, 2000 rpm). O sobrenadante foi transferido para outro tubo de 15 mL e o precipitado foi dissolvido à temperatura ambiente adicionando-se 1 mL de HF concentrado. Após dissolução dos silicatos, adicionou-se 500 mg de H3BO3 para complexação dos fluoretos remanescentes. A mistura resultante foi acrescentada ao sobrenadante recolhido anteriormente e o volume foi ajustado para 15 mL com água.

Preparo de amostra e determinação de Cr(VI)

No procedimento de extração de Cr(VI) das amostras de solo, 250 mg de solo foram pesados em béquer de vidro e a essa massa foi adicionado 25 mL de solução extratora 0,1 mol L-1 Na2CO3. A mistura foi mantida sob ebulição em banho de areia por 10 min, tempo suficiente para completa extração de Cr(VI) empregando solução 0,1 mol L-1 Na2CO3, segundo Panichev et al..16 Após extração, a solução resultante foi resfriada à temperatura ambiente e transferida para tubo graduado de 50 mL, sendo o volume ajustado para 25 mL. A solução foi centrifugada por 10 min (4000 rpm). Um volume de 10 mL do sobrenadante foi retirado e transferido para tubo graduado de 50 mL para reação com 1,5-difenilcarbazida. Para isso, o pH da solução foi ajustado para 1 com a utilização de H2SO4 5 mol L-1. Em seguida, 1 mL da solução de 1,5-difenilcarbazida foi acrescentado e, após desenvolvimento da reação, a absorbância da solução colorida resultante foi medida. Como o extrato apresentou ligeira coloração, sinais de absorção para brancos analíticos contendo as amostras e todos os reagentes empregados no procedimento de extração, porém sem adição do reagente cromogênico, foram medidos para cada amostra. A absorbância do branco analítico foi subtraída do sinal de absorbância da respectiva amostra. A curva analítica foi construída usando soluções de referência preparadas a partir do branco analítico. Os experimentos foram realizados em triplicata.

Adição e recuperação de Cr(VI) em amostra de solo calcinado e não calcinado

Procedimento de calcinação de amostra de solo foi aplicado para verificar a influência da matéria orgânica sobre a determinação de Cr(VI). Nesse procedimento, duas alíquotas de 55 g da mesma amostra de solo foram pesadas. Uma delas foi colocada em cadinho de porcelana e aquecida em forno tipo mufla à temperatura de 500 ºC por 10 h a fim de que toda a matéria orgânica fosse eliminada. Após resfriamento da amostra que foi submetida à calcinação, adicionaram-se volumes de 14 mL de solução padrão 1000 mg L-1 Cr(VI) em ambas alíquotas de solo. As misturas foram homogeneizadas utilizando almofariz e pistilo e aquecidas em estufa à temperatura de 30 ºC até a secura. Em seguida, foram realizadas determinações de matéria orgânica pelo método ISO 14235 e quantificação de Cr(VI) com o método da 1,5-difenilcarbazida nas duas alíquotas da amostra de solo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Estabilidade do íon Cr(VI)

A avaliação da estabilidade da forma redox que se deseja quantificar é de fundamental importância na análise de especiação. No caso da especiação redox de cromo, espécies de Cr(VI) podem ser reduzidas à forma Cr(III), resultando em teores de Cr(VI) inferiores ao conteúdo original. Ou ainda, íons Cr(III) presentes no meio podem ser oxidados a Cr(VI) e, conseqüentemente, os teores de Cr(VI) determinados serão afetados por erros positivos.

Assim, experimentos de adição e recuperação de Cr(VI) na presença e na ausência de íons Cr(III) foram realizados usando solução extratora 0,10 mol L-1 Na2CO3. No primeiro experimento, apenas Cr(VI) na concentração final de 2,0 mg L-1 estava presente na solução extratora. No segundo, a solução extratora continha quantidades equivalentes a 1,8 mg L-1 Cr(VI) e 1,8 mg L-1 Cr(III). Essas misturas foram submetidas a aquecimento em banho de areia por 30 min, visando simular o procedimento de extração aplicado para amostras.

A recuperação em porcentagem de Cr(VI) quando se adicionou apenas padrão de Cr(VI) foi de 101,9 ± 2,8 e com adição da mistura das espécies Cr(VI) e Cr(III) foi de 109,1 ± 2,3. Os resultados apresentam valores médios e os respectivos desvios padrão com n = 3.

Os dados dos testes indicam que 0,10 mol L-1 Na2CO3 com as condições empregadas no procedimento de preparo de amostra, isto é, aquecimento em banho de areia por 30 min, não causou significativa transformação redox do íon Cr(VI), tanto na ausência quanto na presença de íons Cr(III), pois valores de recuperações de Cr(VI) equivalentes a 101,9 e 109,1% foram obtidos. Dessa forma, confirma-se a exatidão proporcionada por essa solução alcalina para as extrações de Cr(VI) na análise de especiação redox de cromo em amostras sólidas. Esses resultados estão de acordo com a literatura, compostos de Cr(VI) em soluções ácidas têm forte tendência a se reduzirem. Em contrapartida, compostos de Cr(VI) têm maior estabilidade em meios com pH's mais elevados.19

Especiação redox de cromo em amostras de solo

A presença de Cr(VI) em solos é preocupante, pois compostos desse íon são, geralmente, solúveis implicando em maior mobilidade no ambiente. Dessa forma, contaminações de reservatórios de águas devido à lixiviação do Cr(VI) presente no solo por chuvas podem ocorrer.

As amostras de solo analisadas haviam sido acidentalmente contaminadas com solução sulfocrômica residual proveniente de determinação de matéria orgânica em solos empregando método ISO 14235. Essa solução normalmente contém aproximadamente 10000 mg L-1 de Cr(VI), conforme determinações realizadas anteriormente (dados não publicados). Em função disso, esperava-se obter altas concentrações de Cr(VI) nas amostras de solo analisadas, contudo não foi o que ocorreu (Tabela 2).

O teor de Cr(VI) ficou abaixo do limite de detecção (LOD = 0,01 mg kg-1 de Cr(VI)), sendo o teor de Cr(III) equivalente à concentração de cromo total obtida na determinação por ICP OES.

A CETESB (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), através da Decisão de Diretoria Nº 195-2005-E de novembro de 2005, dispõe valores orientadores para solos e águas subterrâneas no estado de São Paulo. Os valores orientadores são concentrações de substâncias químicas que definem a condição de qualidade de solo e água subterrânea e são utilizados como prevenção e controle da contaminação e gerenciamento de áreas contaminadas sob investigação. Com relação ao elemento cromo no solo, teores acima de 75 mg kg-1 são designados como valores de prevenção, ou seja, nesse caso podem ocorrer alterações prejudiciais à qualidade do solo. Concentrações de 150, 300 e 400 mg kg-1 indicam solo com valor de intervenção para cenários de exposição Agrícola-Área de Proteção Máxima, Residencial e Industrial, respectivamente, exibindo riscos potenciais, diretos ou indiretos, à saúde humana.20 As concentrações de cromo total, apresentadas na Tabela 2, variaram entre 92,1 e 190,9 mg kg-1, o que enquadra os resultados das amostras de solo analisadas em ambos os casos, valores de prevenção e intervenção.

Material de referência certificado de solo com concentração 130 ± 4 mg kg-1 de cromo foi também analisado para verificar a exatidão da quantificação do teor total do elemento, obtendo-se um teor de 129,6 ± 4,1 mg kg-1 (média ± desvio padrão, n = 3). O percentual de recuperação, portanto, foi de 99,7%, o que indica a adequada exatidão do procedimento de determinação de cromo total.

Como nas amostras de solo havia ocorrido um derramamento do reservatório de solução sulfocrômica residual e as análises de especiação redox de cromo apresentaram concentrações de Cr(VI) abaixo do limite de detecção, a redução de Cr(VI) deve ter ocorrido devido à presença de composto facilmente oxidável nos solos analisados. Alguns trabalhos na literatura afirmam que Cr(VI) em solo pode ser reduzido a Cr(III), especialmente em solos contendo altos teores de matéria orgânica. Esse processo de redução é ainda mais acentuado quando se tem solos com pH ácido.21-23 Para elucidar os resultados obtidos e considerando-se um possível processo redox entre Cr(VI) e matéria orgânica, determinaram-se os teores de matéria orgânica nas amostras de solo contaminadas (Tabela 3).

Os dados da Tabela 3 indicam a presença de matéria orgânica em todas as amostras de solo, com teores que variam de 18,0 a 32,0 g kg-1. Esses resultados confirmaram a presença de agentes redutores. Dessa forma, concentrações significativas de Cr(VI) provavelmente estavam presentes originalmente nas amostras de solo contaminadas com solução sulfocrômica residual. Contudo, os intervalos de tempo entre o processo de contaminação, etapa de coleta e etapa de determinação foram suficientemente longos para que processos redox envolvendo Cr(VI) e matéria orgânica ocorressem e impedissem a detecção do Cr(VI) proveniente do processo de contaminação. Pode-se supor que a fração majoritária do Cr(III) detectado foi gerada por esse processo redox e decorre, portanto, do processo de contaminação original. Assim, a contaminação de um solo por Cr(VI) seria mais drástica para ambientes com baixos teores de matéria orgânica, pois nesse caso o cromo permaneceria na forma de Cr(VI), tóxica e indesejável no ambiente.

Visando investigar a influência da presença da matéria orgânica nos resultados das análises, foi realizado um experimento de adição e recuperação de Cr(VI) em duas porções de uma mesma amostra de solo, porém uma delas foi calcinada antes da adição da alíquota de Cr(VI), ou seja, toda a matéria orgânica dessa alíquota de solo foi eliminada. As adições de Cr(VI) às duas porções de solo foram efetuadas antes das amostragens das replicatas e as amostras foram homogeneizadas utilizando almofariz e pistilo e secas em estufa, conforme descrito anteriormente. Os teores de matéria orgânica e as recuperações de Cr(VI) de ambas as porções da amostra de solo estão apresentadas na Tabela 4.

No solo calcinado, com teor de matéria orgânica abaixo do limite de detecção, a recuperação de Cr(VI) foi próxima a 100%. No entanto, para o solo contendo 13 g kg-1 de matéria orgânica, a recuperação foi de 44%, ou seja, inferior à metade da concentração adicionada de Cr(VI). Esses dados confirmam que, realmente, a presença de matéria orgânica afeta de forma pronunciada a recuperação do Cr(VI), sendo essa redução imediata, considerando-se que as determinações foram realizadas logo após a secagem do solo, ou seja, cerca de 48 h. Deve-se salientar que o solo utilizado nesse experimento possui teor de matéria orgânica inferior ao solo contaminado.

Assim, podem-se atribuir os teores de Cr(VI) abaixo do limite de detecção apresentados pelas amostras de solo contaminadas com solução sulfocrômica residual à redução do Cr(VI) pela matéria orgânica do solo anteriormente ao processo de análise.

CONLUSÕES

A presença de matéria orgânica no solo avaliado foi capaz de promover a redução de Cr(VI) a Cr(III). Essa redução pode ter sido facilitada pelo meio ácido proporcionado pela presença de solução sulfocrômica, elevando o potencial redox do Cr(VI). Assim, pode-se supor que a contaminação do solo em estudo por Cr(VI) poderia ser mais drástica caso o ambiente apresentasse baixo teor de matéria orgânica ou pH's alcalinos, pois dessa forma o cromo tenderia a permanecer na forma Cr(VI).

AGRADECIMENTOS

Às instituições de fomento CAPES, CNPq e FAPESP pelo indispensável apoio e ao Dr. C. H. Kurihara, pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste pelo fornecimento das amostras de solo e preocupação com a qualidade ambiental.

Recebido em 3/10/07; aceito em 15/2/08; publicado na web em 13/8/08

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  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Recebido
      03 Out 2007
    • Aceito
      15 Fev 2008
    Sociedade Brasileira de Química Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), CP6154, 13083-0970 - Campinas - SP - Brazil
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