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Biodegradação bacteriana de compostos organoclorados

Bacterial biodegradation of organochloride compounds

Resumo

Due to their recalcitrant nature, organochlorides are already found in environment and the search for alternatives to eliminate these compounds such as biodegradation using native microorganisms is of great interest. A screening trial to select environmental bacteria able to degrade DDD, PCP and dieldrin was conducted. Among 14 isolates, the soil bacteria Pseudomonas aeruginosa L2-1 showed the highest tolerance to increasing concentrations of the organochlorides and was selected for further studies. Biodegradation was assessed in liquid medium, varying the concentrations of glucose and the presence of rhamnolipids (RL). The best medium for the occurrence of biodegradation of the compounds contained 0.5% glucose, giving approximately 50% yield after three days of incubation. Results showed that the biodegradation rates of the organochlorides by P. aeruginosa L2-1 were greater at low concentrations of glucose and in the presence of rhamnolipids.

biodegradation; DDD; dieldrin; PCP; rhamnolipids


biodegradation; DDD; dieldrin; PCP; rhamnolipids

ARTIGO

Biodegradação bacteriana de compostos organoclorados

Bacterial biodegradation of organochloride compounds

Mariana Consiglio Kasemodel; André Luiz Meleiro Porto; Marcia Nitschke* * e-mail: nitschke@iqsc.usp.br

Departamento de Físico-Química, Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo, 13560-970 São Carlos - SP, Brasil

ABSTRACT

Due to their recalcitrant nature, organochlorides are already found in environment and the search for alternatives to eliminate these compounds such as biodegradation using native microorganisms is of great interest. A screening trial to select environmental bacteria able to degrade DDD, PCP and dieldrin was conducted. Among 14 isolates, the soil bacteria Pseudomonas aeruginosa L2-1 showed the highest tolerance to increasing concentrations of the organochlorides and was selected for further studies. Biodegradation was assessed in liquid medium, varying the concentrations of glucose and the presence of rhamnolipids (RL). The best medium for the occurrence of biodegradation of the compounds contained 0.5% glucose, giving approximately 50% yield after three days of incubation. Results showed that the biodegradation rates of the organochlorides by P. aeruginosa L2-1 were greater at low concentrations of glucose and in the presence of rhamnolipids.

Keywords: biodegradation; DDD; dieldrin; PCP; rhamnolipids.

INTRODUÇÃO

A qualidade da produção agrícola sempre foi comprometida devido ao surgimento de formas de vida indesejáveis, tais como insetos e ervas daninhas, tornando-se necessário o uso de compostos específicos para o controle destas espécies. Em 2008, o Brasil alcançou a liderança do mercado consumidor de defensivos agrícolas, com investimentos de US$ 7 bilhões e aplicação de 986,5 mil toneladas de produtos.1 Em 2009, seu uso no país atingiu 1 milhão de toneladas, o equivalente a 5,2 kg por habitante brasileiro.1

Os organoclorados incluem os derivados clorados do difenil etano (que inclui o DDT, seus metabólitos DDE e DDD, e o metoxicloro); o hexaclorobenzeno (HCB); o grupo dos hexaclorocicloexanos (α-HCH, β-HCH, δ-HCH, ϒ-HCH ou lindano); o grupo dos ciclodienos (aldrin, dieldrin, endrin, clordano, nonacloro, heptacloro e heptacloro-epóxido), e os hidrocarbonetos clorados (dodecacloro, toxafeno, e clordecona).2-4

A maioria dos organoclorados é enquadrada como substâncias tóxicas persistentes (STP), estas substâncias compreendem as bifenilas policloradas (PCB), os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (PAH), o hexaclorobenzeno, o aldrin, o dieldrin, o endrin, o p,p'-DDT, o p,p'-DDE, o p,p'-DDD, os hexaclorocicloexanos, o endossulfan, o heptacloro e o pentaclorofenol.5

O uso dos organoclorados iniciou com a introdução do diclorodifeniltricloroetano (DDT) que devido a sua pronunciada propriedade inseticida, juntamente com baixa solubilidade em água e alta persistência no meio ambiente, propiciou resultados notáveis favorecendo a sua rápida disseminação.6 O DDT foi utilizado no combate aos mosquitos transmissores de malária e também foi aplicado na pele de soldados, durante a segunda guerra mundial, para combater piolhos que transmitiam tifo.7 O uso excessivo de organoclorados e sua difícil degradabilidade levaram a um acúmulo destes compostos no meio ambiente e nos seres vivos, portanto, o poder residual considerado como qualidade positiva desses compostos tornou-se um sério problema ambiental e de saúde pública.8

Devido a sua natureza tóxica e recalcitrante, muitos organoclorados como aldrin, dieldrin, endrin, toxafeno, mirex e heptacloro, além do DDT, tiveram seu uso proibido em diversos países, entretanto no Brasil o DDT ainda é utilizado em situações de emergência para combate ao mosquito da malária,7 e nos Estados Unidos o pentaclorofenol (PCP) tem seu uso permitido como conservante de madeiras.9

Mesmo após a maioria dos organoclorados terem sido banidos, estes ainda são encontrados na natureza, e em alguns casos metabólitos como DDD e dieldrin (derivados de DDT e aldrin) são relatados. A presença de DDT foi detectada em peixes da costa brasileira,10 em leite materno na região amazônica11 e em solo contaminado no Mato Grosso.12 Estudos realizados na China apontaram a presença de PCP em leite materno e em sedimentos do rio Pearl Delta13 mesmo após seu uso ter sido banido no país há vários anos. A presença de organoclorados também esta associada a acidentes em plantas de produção industrial e ao descarte inadequado como ocorrido com o PCP em Cubatão5 e com dieldrin e endrin em Paulínia,14 no estado de São Paulo.

A biorremediação é uma alternativa de baixo custo para reduzir a concentração de organoclorados acumulados no meio ambiente. Além de possibilitar o tratamento in situ, reduzindo gastos com o transporte do material contaminado, a biorremediação permite o tratamento em áreas de preservação ambiental e de resíduos considerados de difícil degradação.15 Agências ambientais como a CETESB não permitem o uso de micro-organismos exógenos ao ambiente para fins de biorremediação, ou seja, é importante isolar e caracterizar micro-organismos diretamente de áreas impactadas. Além disso, para tornar processos de biorremediação mais eficazes, faz-se necessário selecionar micro-organismos capazes de degradar eficientemente a molécula alvo, o que possibilita a aplicação direta dos micro-organismos ou de suas enzimas na degradação dos poluentes.

O objetivo deste trabalho foi selecionar micro-organismos capazes de degradar os organoclorados dieldrin, PCP e DDD e estudar os efeitos da presença de nutrientes sobre a biodegradação.

PARTE EXPERIMENTAL

Reagentes

Os compostos DDD na mistura dos isômeros, 2,2'-bis(o-clorofenil)-1,1-dicloroetano e 4,4'-bis(p-clorofenil)-1,1-dicloroetano; pentaclorofenol (PCP) e dieldrin foram adquiridos da Sigma-Aldrich. Todos os organoclorados foram dissolvidos em dimetilsulfóxido (DMSO) e adicionados aos meios de cultura previamente esterilizados. O ramnolipídio (RL) comercial em solução 25% (v/v) foi adquirido de Rhamnolipid Inc (EUA). O RL apresentou concentração micelar crítica de 99,0 mg/L e tensão superficial de 29,0 mN/m.

Micro-organismos e meios de cultura

Foram testados 14 isolados bacterianos provenientes de solo contaminado com hidrocarbonetos16 e isolados de origem marinha obtidos na região de São Sebastião, São Paulo.17 As bactérias foram identificadas em nível de gênero (marinhas) e em nível de espécie (solo), utilizando-se técnicas convencionais de análise morfológica (microscopia, coloração de Gram e aspecto das colônias), caracterização bioquímica e tipagem molecular. Os micro-organismos foram armazenados em freezer a -20 oC em caldo nutriente adicionado de 20% de glicerol.

As bactérias foram cultivadas em caldo ou ágar nutriente (Himedia). Para os ensaios de biodegradação foi utilizado o meio salino de Robert et al.18 com a seguinte composição (em g/L): 2,0 NaNO3; 2,0 KH2PO4; 2,0 K2HPO4; 0,5 MgSO4.7H2O; 0,1 KCl; 0,01 FeSO4.7H2O; 0,01 CaCl2; 7,5 × 10-7 H3BO3; 1,0 × 10-9 CuSO4.5H2O; 7,7 × 10-7 MnSO4.H2O, 5,0 × 10-6 Mo7(NH4)6.O24.H2O e 9,0 × 10-7 ZnSO4.H2O. O meio foi modificado pela adição de glicose e ramnolipídios, conforme a Tabela 1, para verificar a influência destes na biodegradação. O pH foi ajustado para 7,0 ± 0,1 e os meios de cultura foram esterilizados em autoclave a 121 °C durante 20 minutos.

Seleção das bactérias: ensaios de tolerância aos organoclorados

O inóculo bacteriano foi preparado a partir de culturas estoques mantidas a -20 °C, que foram transferidas para placas contendo ágar nutriente e incubadas por 24 horas a 30 °C. Uma alíquota da cultura bacteriana (24 h) foi adicionada à solução de NaCl 0,86%, ajustando-se a absorbância da suspensão para 0,100 ± 0,01 (610 nm) que corresponde a uma população de aproximadamente 108 UFC/mL, obtendo-se assim o inóculo bacteriano padronizado.

Os testes de crescimento na presença dos compostos foram realizados em tubos de ensaio contendo 5 mL de caldo nutriente adicionados de 5, 10, 20, 50 e 100 mg/L de DDD, PCP e dieldrin individualmente. Após a adição de 0,5 mL da suspensão bacteriana padronizada, os tubos foram deixados em repouso em temperatura ambiente (aproximadamente 30 °C) durante 24 horas, e em alguns casos, quando não houve crescimento, durante 48 horas. Os ensaios foram realizados em duplicata e para cada concentração foi feito um controle abiótico (sem bactéria). Cultivos sem o organoclorado foram utilizados como controle para comparar o crescimento bacteriano na ausência deste. O crescimento bacteriano foi acompanhado por medidas de absorbância (turbidez) em 610 nm, utilizando-se o controle abiótico em cada concentração como branco.

Ensaios de biodegradação

Preparo do inóculo

O inóculo bacteriano de foi preparado a partir de culturas estoques armazenadas a -20 °C, que foram transferidas para placas contendo ágar nutriente incubando-se a temperatura de 30 °C por 24 horas. Uma alíquota da cultura foi transferida com alça de inoculação para erlenmeyer de 125 mL, contendo 50 mL de caldo nutriente incubando-se a 30 °C e 150 rpm, durante 8 horas, para que a cultura atingisse o final da fase exponencial de crescimento. A cultura resultante foi submetida à centrifugação (8.000 g) por 15 minutos. O sobrenadante foi descartado e o sedimento celular suspendido com solução de NaCl 0,86%. A amostra foi centrifugada novamente, nas mesmas condições. A biomassa bacteriana foi diluída com solução salina, de tal forma a obter a absorbância de 0,400 ± 0,01 (610 nm), que corresponde a uma população de 109 UFC/mL.

Biodegradação em meio líquido

Os testes de biodegradação foram realizados em erlenmeyer de 125 mL, contendo 50 mL de meio salino18 modificado de acordo com a Tabela 1 e 1 mL (2%) da suspensão bacteriana preparada conforme item anterior. Os compostos foram dissolvidos em DMSO e adicionados na concentração de 50 mg/L (2,5 mg/50 mL). Os frascos foram incubados em agitador rotatório a 150 rpm e 30 °C. Para cada tempo de incubação, um controle negativo (meio de cultura e organoclorado) foi incubado nas mesmas condições para monitorar perdas abióticas. A cada intervalo amostras foram retiradas, procedendo-se as determinações analíticas descritas a seguir.

Determinações analíticas

Extração e quantificação dos organoclorados

Amostras (50 mL) do meio de cultura foram submetidas a centrifugação (8.000 g, 15 min). As células (pellet) e o sobrenadante resultantes foram separados e submetidos à extração com acetato de etila (3 × 50 mL). Os extratos orgânicos foram reunidos, adicionados de Na2SO4 anidro e filtrados em algodão. Após a filtragem a amostra foi submetida à secagem em evaporador rotativo a vácuo. O extrato foi analisado em cromatógrafo a gás (Shimadzu GC2010plus) com detector de ionização por chama (GC/FID) equipado com coluna DB5 fundida com sílica (J&W Scientific 30 m × 0,25 mm × 0,25). A temperatura do forno foi programada para 90 °C, elevando-se a taxa de 10 °C/min até atingir 270 °C, quando foi mantida por 7 minutos. A temperatura de injeção foi de 250 °C; a razão de fracionamento da amostra para injeção foi 1:5 e nitrogênio foi utilizado como gás de arraste.19

Determinação do número de células viáveis

A população bacteriana foi quantificada em cada amostra a partir de diluições sucessivas e contagem em placa utilizando o método da gota.20

Determinação de glicose

Foi determinada pelo método enzimático glicose oxidase/peroxidase (GOD/POD) utilizando kit comercial (LaborLab).

Determinação da tensão superficial (TS) e diluição micelar crítica (CMD)

Amostras do meio de cultura foram submetidas à centrifugação (8.000 g, 15 min) para remoção das células e o sobrenadante utilizado para a determinação da TS em tensiômetro automático (Sigma 700 - KSV Instruments) pelo método do anel de Du Nöuy. A CMD foi determinada por meio da diluição do sobrenadante em água 1:10 (CMD-1) procedendo-se a determinação da TS das amostras diluídas.16

Os ensaios de tolerância aos organoclorados foram realizados em duplicata e expressos como média de duas repetições independentes. Os demais ensaios foram realizados em triplicata e expressos como média de três repetições independentes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Seleção do micro-organismo: ensaios de tolerância aos organoclorados

Entre as bactérias testadas quanto à tolerância frente a cada organoclorado, destacaram-se as pertencentes ao gênero Pseudomonas e que foram isoladas de solo.16 Bactérias deste gênero são conhecidas por sua versatilidade, e como a maioria das linhagens testadas neste trabalho foram isoladas de ambientes contaminados, é possível que estas tenham adquirido maior habilidade de sobreviver em ambientes hostis. Os isolados bacterianos de origem marinha foram previamente identificados como pertencentes aos gêneros Arthrobacter, Bacillus e Micrococcus.17 Estes micro-organismos apresentaram pouco ou nenhum crescimento na presença dos organoclorados e por esta razão, não foram selecionados para a sequência do trabalho. Comparando-se os resultados obtidos para cada micro-organismo, a bactéria Pseudomonas aeruginosa L2-1 destacou-se por apresentar tolerância a todas as concentrações testadas, para os três organoclorados. Observou-se que seu crescimento na presença dos compostos foi inferior em comparação ao controle positivo, no entanto, mesmo aumentando-se as concentrações dos organoclorados, o crescimento bacteriano se manteve praticamente constante, observando-se decréscimo no crescimento em 50 mg/L de PCP e em 100 mg/L de DDD (Figura 1). O fato da presença dos organoclorados no meio não influenciar de forma significativa o crescimento do micro-organismo (quando comparado aos outros isolados testados) sugere que esta bactéria apresenta mecanismos para se proteger dos efeitos tóxicos dos organoclorados que podem estar relacionados à degradação destes e, por isso, essa linhagem foi selecionada para os ensaios subsequentes.


Biodegradação dos organoclorados

A biodegradação dos três compostos foi testada em meio líquido na presença e ausência de glicose como fonte de carbono com o objetivo de avaliar se os organoclorados poderiam ser degradados em um ambiente pobre em nutrientes com privação de uma fonte de carbono prontamente assimilável. Também foram preparados ensaios nos quais foi adicionado o biosurfatante ramnolipídio com o objetivo de avaliar seu efeito na biodegradação. Este ensaio foi realizado porque se detectou a presença de ramnolipídio no meio quando P. aeruginosa L2-1 cresceu na presença de glicose (meio MS1 e MS2).

Biodegradação de dieldrin

Na presença de glicose (MS1 e MS2) foi observada degradação de 49,2% do dieldrin presente no meio após 72 h. A população bacteriana foi maior no meio MS2 apesar da menor concentração de glicose, o que pode ter causado o mesmo percentual de degradação. Já para os meios sem adição de glicose, observou-se maior biodegradação e maior crescimento celular em MS4. No meio MS3 apenas 16,9% do dieldrin foi degradado comparado a 33,6% em MS4 portanto, a adição de ramnolipídio favoreceu a degradação do dieldrin por P. aeruginosa L2-1. Embora o tempo de cultivo tenha sido maior para os meios sem glicose pode-se inferir que este carboidrato é necessário para crescimento intenso das células resultando em maior degradação em menor tempo. A Figura 2 apresenta a degradação do dieldrin nos meios MS2 e MS4.


Bandala et al.21 avaliaram a biodegradação de dieldrin por uma linhagem de Pseudomonas fluorescens. Os autores utilizaram meio de cultura contendo glicose e peptona e uma concentração inicial de dieldrin de 10 mg/L, observando degradação de 77,8% após 120 horas. Xiao et al.22 também descreveram a degradação de dieldrin por um fungo pertencente ao gênero Phlebia. A concentração inicial de dieldrin foi de 9,5 mg/L, em meio de cultura contendo glicose como fonte de carbono e sais de amônio como fonte de nitrogênio. Foi observado que após 28 dias o fungo degradou 50% do dieldrin. Comparativamente, P. aeruginosa L2-1 foi capaz de degradar 25 mg/L de dieldrin em 72 horas, demonstrando a elevada tolerância e potencialidade da bactéria selecionada para a degradação deste organoclorado.

Biodegradação do DDD

Com respeito à degradação do DDD, observou-se 50% de degradação quando o meio MS2 foi utilizado enquanto no meio MS1 23% do DDD foi degradado em 72 horas. Utilizando meio mínimo contendo DDD como fonte de carbono (MS3) observou-se 23,8% de biodegradação sendo que a adição de ramnolipídios (MS4) promoveu 35% de degradação após 28 dias. Assim como observado para o dieldrin, pode-se afirmar que a glicose favorece o crescimento celular intenso e uma maior taxa de biodegradação. A Figura 3 mostra a cinética de degradação do DDD em meio MS2 e MS4.


Poucos trabalhos relatam a biodegradação do DDD; entretanto, o fungo marinho Trichoderma sp. foi capaz de degradar 33 mg/L de DDD, resultando em 100% de degradação após 14 dias de cultivo.19

Biodegradação do PCP

O número de células viáveis nos meios contendo PCP foi semelhante ao observado para os outros organoclorados corroborando com o observado nos ensaios de seleção (Figura 1). Dentre os meios contendo glicose, o MS2 promoveu as melhores condições para a degradação de PCP sendo observado um aumento de 5 vezes na degradação (50%) quando a concentração de glicose foi reduzida à metade (0,5%).

Para os meios mínimos (sem glicose) o MS4 mostrou 32% de degradação enquanto que na ausência de glicose e RL a degradação do PCP foi de 20% após 28 dias, mostrando a influência positiva da presença destas moléculas na biodegradação. A Figura 4 mostra a cinética de degradação do PCP nos meios MS2 e MS4, nos quais foram obtidos os melhores resultados.


Wolski et al.23 relataram a seleção de um isolado de Pseudomonas sp. capaz de utilizar o PCP como fonte de carbono em meio mínimo contendo NaNO3 como fonte de nitrogênio, sendo que 150 mg/L de PCP foram consumidos após 8 dias; enquanto em meio contendo glicose e NH4NO3 um isolado de P. aeruginosa degradou 200 mg/L de PCP (100% de degradação) após 5 dias de cultivo.24

A partir dos resultados obtidos, pode-se afirmar que a biodegradação dos organoclorados por Pseudomonas aeruginosa L2-1, ocorreu principalmente durante a fase exponencial de crescimento, sugerindo uma correlação direta entre o crescimento celular e a degradação. A redução na concentração de glicose presente no meio de cultura (de 1% para 0,5%) aumentou a biodegradação dos organoclorados, exceto para o dieldrin, que manteve o mesmo percentual de biodegradação. Em meio contendo 0,5% de glicose a degradação de PCP (200 mg/L) por um isolado de Pseudomonas sp. foi favorecida, entretanto, os autores afirmaram que em concentrações superiores a 0,5% o crescimento da bactéria era suprimido,24 fato que não foi observado neste estudo. Estas diferenças podem ser relativas às diferentes condições de cultivo, além das características metabólicas de cada micro-organismo, que podem variar mesmo entre indivíduos de uma mesma espécie.

Comparativamente aos resultados da literatura, a P. aeruginosa L2-1 selecionada neste trabalho apresentou resultados superiores para a biodegradação do organoclorado dieldrin, além de demonstrar potencial para a degradação de PCP e DDD.

A Figura 5 mostra a comparação entre os percentuais de biodegradação obtidos nos diferentes meios utilizados.


Influência dos ramnolipídios na biodegradação

Algumas espécies de Pseudomonas são capazes de produzir glicolipídios contendo ramnose, também chamados ramnolipídios (RL). Quando cultivados em meio líquido, espécies de P. aeruginosa produzem uma mistura de dois tipos de ramnolipídios chamadas de: mono-ramnolipídios, consistindo de um grupo ramnosila e dois grupos b-hidroxidecanoila e di-ramnolipídios, consistindo de dois grupos ramnosila e dois grupos b-hidroxidecanoila. Os ramnolipídios, quando excretados no meio de cultura, reduzem a tensão superficial do meio para valores menores de 30 mN/m, a tensão interfacial em sistemas água/óleo de 43 para valores inferiores a 1 mN/m e apresentam CMC de aproximadamente 100 mg/L.25

Observou-se que a linhagem P. aeruginosa L2-1 produziu compostos tensoativos durante o cultivo nos meios MS1 e MS2, que foram posteriormente identificados como ramnolipídios. Esta observação sugeriu que a presença destas moléculas poderia influenciar na biodegradação dos organoclorados. Por esta razão foram realizados ensaios em meio mínimo contendo o composto sem adição de glicose (MS3 onde não há biossíntese de RL) e com adição de RL comercial (MS4). Observou-se que a adição de RL favoreceu a biodegradação dos três organoclorados (Figura 5).

A adição de surfatantes é uma estratégia para o tratamento microbiológico de efluentes ricos em hidrocarbonetos de indústrias e refinarias petroquímicas. O aprisionamento de compostos hidrofóbicos no núcleo micelar é o principal fator responsável pelo aumento na solubilização de defensivos, alcanos, solventes clorados ou hidrocarbonetos aromáticos policíclicos.26

O aumento na biodegradação na presença de RL provavelmente se deve à emulsificação dos organoclorados, que favoreceu o contato entre as células e as moléculas hidrofóbicas, contribuindo com a sua captação em meio aquoso. Paralelamente, o fato de P. aeruginosa L2-1 produzir biotensoativos pode ter influenciado na seleção prévia deste micro-organismo nos ensaios de tolerância aos organoclorados.

A concentração de ramnolipídios no meio MS4 foi monitorada por medidas de tensão superficial e diluição micelar crítica (CMD) e não foram observadas variações significativas. Para todos os organoclorados, a tensão superficial inicial do meio de cultura era de 27,2 mN/m e após 28 dias se manteve praticamente constante (27,4 mN/m); a CMD-1 variou de 27,1 mN/m (tempo zero) para 29,8 mN/m (28 dias). Estes resultados permitem excluir a hipótese de que o aumento da biodegradação possa ter sido causado pela utilização do RL como nutriente, o que poderia favorecer o crescimento e a consequente degradação dos organoclorados.

Para verificar se a redução na concentração dos organoclorados presentes nos meios de cultura estava relacionada à adsorção das moléculas pelas células sem, no entanto, ocorrer degradação, a massa celular bacteriana também foi submetida a extração e os extratos obtidos (massa celular e meio líquido) foram reunidos para então se proceder a análise cromatográfica. No meio MS3 os organoclorados eram a única fonte de carbono presente no meio, entretanto, foi observado incremento na população celular, sugerindo que esses compostos foram utilizados pela bactéria para promover seu crescimento/manutenção tendo como consequência a degradação.

Nenhum produto intermediário foi detectado nas condições experimentais utilizando CG-MS que permitissem a proposição de uma rota de degradação dos organoclorados por P. aeruginosa L2-1. Resultados semelhantes também foram relatados por Ortega et al.,19 que descreveram a degradação de DDD por Trichoderma sp. Gc1, entretanto, nenhum composto intermediário da degradação foi encontrado.

CONCLUSÃO

Comparando-se a biodegradação na presença e ausência de glicose é evidente que a adição deste carboidrato é importante para suprir o metabolismo e crescimento celular levando a um aumento na taxa de biodegradação; contudo, P. aeruginosa L2-1 também foi capaz de degradar os organoclorados na ausência de glicose (embora em taxas menores), um fato importante, considerando que em ambientes naturais há, em geral, disponibilidade limitada de nutrientes. A presença de ramnolipídios favoreceu a biodegradação de DDD, dieldrin e PCP por P. aeruginosa L2-1. A bactéria selecionada demonstrou potencialidade para degradação dos organoclorados e pode ser explorada para aplicações futuras na biorremediação.

MATERIAL SUPLEMENTAR

Ilustrações das estruturas químicas dos compostos organoclorados e dos ramnolipídios utilizados neste trabalho estão disponíveis em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a CAPES pela bolsa concedida e a FAPESP pelo auxílio financeiro.

Recebido em 18/03/2014

Aceito em 11/06/2014

Publicado na web em 01/08/2014

Dados Suplementares

Os dados complementares está disponível em pdf: [dados Suplementar]

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2014
    • Data do Fascículo
      2014

    Histórico

    • Recebido
      18 Mar 2014
    • Aceito
      11 Jun 2014
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