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Detecção e epidemiologia da podridão branca da maçã

Detection and epidemiology of white rot on apples

Resumos

Embora a 'Podridão branca' causada por Botryosphaeria dothidea seja uma das principais doenças de verão da macieira (Malus domestica), há pouca informação no Brasil sobre o patógeno e a doença. Este trabalho objetivou definir métodos para a produção de inóculo, para avaliação da patogenicidade de B. dothidea em maçãs sem ferimentos e para desinfestação das maçãs visando a detecção de infecções quiescentes. Caracterizou-se, também, o progresso temporal e o padrão espacial de frutos e de árvores doentes em pomar comercial. A produção de inóculo em batata-dextrose-ágar com papel de filtro e a inoculação de maçãs submetidas previamente a dois dias de câmara úmida, com conídios aderidos em papel toalha, foram eficazes na produção de inóculo e o desenvolvimento da doença, respectivamente. O melhor método de detecção de infecção latente foi a desinfestação das maçãs com uma mistura de NaOCl 1,25% de cloro ativo e álcool 9,6º GL por 2 min. A produção de inóculo de B. dothidea nos ramos de poda foi observado em meses diferentes em cada ciclo. No ciclo 1999, verificou-se infecção das maçãs por B. dothidea, mesmo com proteção química do pomar e não houve diferença na incidência entre frutas oriundas de diferentes posições na árvore. A análise do padrão de distribuição da doença mostrou agregação distinta das árvores doentes e agregação baixa, dos frutos sintomáticos em cada macieira.

macieira; fruteiras temperadas; Botryosphaeria dothidea


Although white rot caused by Botryosphaeria dothidea is one of the most important diseases of apple (Malus domestica) in Brazil during rainy summer seasons, local information on the disease and pathogen is scarce. The aim of this research was to define methods of inoculating B. dothidea on apple fruits without wounding them, to detect latent infection and to analyze the temporal and spatial patterns of the disease in a commercial orchard. The best results of inoculum production were obtained on PDA covered with filter paper. The higheest apple infection rates were obtained after two days in a humid chamber before inoculation with a conidial suspension carried by a piece of paper. Latent infection was better detected when infected fruits were disinfested with NaOCl, 1.25% of active chlorine and 9.6 ºGL of ethylic alcohol for 2 min. Production of B. dothidea on pruning stems occurred in different periods of each season. The disease distribution in a fungicide treated orchard showed clear aggregation of diseased plants but slight aggregation of fruits inside the plant.

apple plants; temperate fruit crops; Botryosphaeria dothidea


ARTIGOS ARTICLES

Detecção e epidemiologia da podridão branca da maçã* * Pesquisa desenvolvida com suporte parcial do CNPq, da FAPERGS, e da ABPM.

Detection and epidemiology of white rot on apples

Rosa M. Valdebenito-SanhuezaI; Valmir DuarteII; Lílian AmorimIII; Miguel D. M. PortoII

IEmbrapa Uva e Vinho, Cx. Postal 130, CEP 95700-000, Bento Gonçalves, RS, e-mail: rosa@cnpuv.embrapa.br

IIUniversidade Federal de Rio Grande do Sul, Cx. Postal 15100, Porto Alegre, RS

IIIEscola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", CEP 13418-900, Piracicaba, SP

RESUMO

Embora a 'Podridão branca' causada por Botryosphaeria dothidea seja uma das principais doenças de verão da macieira (Malus domestica), há pouca informação no Brasil sobre o patógeno e a doença. Este trabalho objetivou definir métodos para a produção de inóculo, para avaliação da patogenicidade de B. dothidea em maçãs sem ferimentos e para desinfestação das maçãs visando a detecção de infecções quiescentes. Caracterizou-se, também, o progresso temporal e o padrão espacial de frutos e de árvores doentes em pomar comercial. A produção de inóculo em batata-dextrose-ágar com papel de filtro e a inoculação de maçãs submetidas previamente a dois dias de câmara úmida, com conídios aderidos em papel toalha, foram eficazes na produção de inóculo e o desenvolvimento da doença, respectivamente. O melhor método de detecção de infecção latente foi a desinfestação das maçãs com uma mistura de NaOCl 1,25% de cloro ativo e álcool 9,6º GL por 2 min. A produção de inóculo de B. dothidea nos ramos de poda foi observado em meses diferentes em cada ciclo. No ciclo 1999, verificou-se infecção das maçãs por B. dothidea, mesmo com proteção química do pomar e não houve diferença na incidência entre frutas oriundas de diferentes posições na árvore. A análise do padrão de distribuição da doença mostrou agregação distinta das árvores doentes e agregação baixa, dos frutos sintomáticos em cada macieira.

Palavras-chave adicionais: macieira, fruteiras temperadas, Botryosphaeria dothidea.

ABSTRACT

Although white rot caused by Botryosphaeria dothidea is one of the most important diseases of apple (Malus domestica) in Brazil during rainy summer seasons, local information on the disease and pathogen is scarce. The aim of this research was to define methods of inoculating B. dothidea on apple fruits without wounding them, to detect latent infection and to analyze the temporal and spatial patterns of the disease in a commercial orchard. The best results of inoculum production were obtained on PDA covered with filter paper. The higheest apple infection rates were obtained after two days in a humid chamber before inoculation with a conidial suspension carried by a piece of paper. Latent infection was better detected when infected fruits were disinfested with NaOCl, 1.25% of active chlorine and 9.6 ºGL of ethylic alcohol for 2 min. Production of B. dothidea on pruning stems occurred in different periods of each season. The disease distribution in a fungicide treated orchard showed clear aggregation of diseased plants but slight aggregation of fruits inside the plant.

Additional keywords: apple plants, temperate fruit crops, Botryosphaeria dothidea.

INTRODUÇÃO

Atualmente, cerca de 32 mil ha de macieira (Malus domestica Borkh.) são cultivados no Brasil. Entre as doenças desta cultura, a podridão branca (Botryosphaeria dothidea (Moug.) Ces. & De Not. (Fusicoccum aesculi Corda) sin. B. berengeriana) é uma das de mais difícil controle, pois apesar de a infecção ocorrer em frutos jovens, os sintomas tornam-se evidentes à medida que se aproxima a colheita. Nos anos com verões chuvosos e temperaturas amenas, os danos por podridão branca comprometem a produção de maçãs no Brasil (Petri, 1998). Nos Estados Unidos da América citam-se perdas importantes causadas pela podridão branca, as quais podem atingir até 100% dos frutos (Shear et al., 1925; Shay & Sitterly, 1954; Brown & Britton, 1986). Segundo Jones & Aldwinckle (1990), o patógeno sobrevive nos cancros dos ramos e tronco e, a partir deles na primavera, inicia a liberação de ascósporos e/ou conídios, os quais infetam os frutos em desenvolvimento (Sutton, 1981; Sutton & Boyne, 1983). A penetração é direta, necessitando da presença de água livre; a temperatura ótima para germinação é de 28 a 32 ºC. Um modelo de previsão de ocorrência da podridão branca foi desenvolvido com o objetivo de racionalizar o uso de fungicidas (Parker & Sutton, 1993a), faltando, contudo, sua validação em condições de campo. Há informações contraditórias na literatura quanto à época de ocorrência das infecções. Assim, Kohn & Hendrix (1983) postularam que esse processo ocorre somente nos frutos que apresentam mais de 10,5º Brix de sólidos solúveis totais, mas Parker & Sutton (1993b) demonstraram que a infecção pode ocorrer durante todo o ciclo da cultura.

O patógeno pode infetar frutos imaturos intactos e permanecer na forma quiescente até o início da maturação. No entanto, o nível de infecção é maior em maçãs que apresentam rachaduras ou irregularidades na cutícula causadas por 'russeting', escaldadura pelo sol ou danos por toxicidade de agroquímicos (Jones & Aldwinckle, 1990).

As infecções latentes causadas por B. dothidea são controladas com tratamento das maçãs, antes da armazenagem, com fungicidas protetores e benzimidazóis aplicados durante o ciclo vegetativo. No entanto, há restrições para aplicações desses produtos em pós-colheita em frutos destinados ao consumo in natura, por isso recomenda-se a sua substituição por outros métodos de controle (Pennock & Maldonado, 1962).

A estimativa correta da incidência de infecções latentes da podridão branca em maçãs, em frutos amostrados no período de pré-colheita, permite avaliar a eficiência dos tratamentos e a previsão das perdas de frutos na comercialização (Biggs, 1995). A aceleração da maturação dos frutos pela manutenção em temperatura entre 22 e 26 ºC, com alta umidade, ou pelo uso de paraquat, pode facilitar a manifestação das lesões. Estas técnicas têm sido usadas na detecção de infecções latentes de Botryosphaeria sp., Glomerella sp. e Colletotrichum sp. em frutos (Biggs, 1995). A toxicidade do paraquat tem limitado a recomendação do uso desta técnica para produtores.

No Brasil, os estudos têm-se limitado a registros de ocorrência (Melzer & Berton, 1886; Boneti et al., 1999), com poucas informações sobre as características do patógeno e nenhuma sobre a epidemiologia da podridão branca. Assim, as medidas de controle têm-se resumido à aplicação preventiva de fungicidas, de alto custo econômico e ambiental e com resultados insatisfatórios.

Este trabalho apresenta um método para a detecção precoce das lesões latentes nos frutos de macieira e analisa o progresso temporal e o padrão espacial de frutos doentes em um pomar comercial.

MATERIAL E MÉTODOS

Métodos para a produção de inóculo

Foram comparados os efeitos na esporulação do patógeno de dois meios de cultura cobertos com celofane ou com papel de filtro. Fragmentos de maçãs doentes, previamente inoculadas com o isolado de B. dothidea BDCax da coleção da Estação Experimental de Vacaria, da Embrapa Uva e Vinho, foram transferidos para placas com os meios de cultura batata-dextroxe-ágar (BDA) e ágar-aveia, ambos com 2% de ágar, tendo as superfícies cobertas com papel filtro ou celofane. As culturas foram incubadas por dez dias a 24 ºC. O papel filtro e o celofane foram, então, cortados em pequenos segmentos, homogeneizados em água destilada, a suspensão filtrada através de gaze e a quantidade de conídios determinada com hemacitômetro. Cada tratamento teve cinco repetições representadas por uma placa.

Métodos de inoculação das maçãs com Botryosphaeria dothidea

Maçãs 'Fuji' foram lavadas com detergente, secas e inoculadas com suspensões de conídios de B. dothidea (1x106 conídios/ml). Foram comparados os métodos de aplicação do inoculo por aspersão e com o uso de papel toalha. O último, adaptado de Parker & Sutton (1993 a), consistiu na colocação de uma gota de 5 ml da suspensão na região equatorial de cada fruto e da cobertura com um segmento de papel toalha (0,5 x 0,5 cm) fixado com fita adesiva de celulose. Os frutos foram incubados a 26 ou 30 ºC. As testemunhas foram tratadas com água destilada esterilizada. O delineamento foi inteiramente casualizado com três repetições, cada uma constituída por seis frutos. O número de lesões por fruto foi registrado.

Adicionalmente, verificou-se o efeito de períodos de câmara úmida prévia no estabelecimento da infecção. Maçãs foram submetidas a períodos de câmara úmida de zero, dois e cinco dias a 26 ºC antes de serem inoculadas através do método de papel toalha e utilizando-se fita adesiva sintética. Os frutos foram mantidos em ambiente com igual temperatura e avaliados após 12 e 18 dias. Utilizou-se delineamento experimental inteiramente casualizado com quatro repetições, com três frutos cada. O numero de frutos com sintomas foi registrado.

Para determinar a germinação de conídios de B. dothidea em água destilada sem nutrientes adicionais, foram preparadas quatro suspensões de conídios produzidos em papel de filtro (1.106 con/ml) e estas foram incubadas por cinco dias a 24 ºC. Após este período foi determinada a quantidade de conídios germinados em três campos de cada suspensão.

Métodos de desinfestação de maçãs

Foram conduzidos dois experimentos para definir o método que melhor detectasse a presença de infecções latentes em maçãs 'Fuji' de calibre 165, inoculadas com B. dothidea usando o método de papel toalha e incubadas por 72 h a 30 ºC. No primeiro, os frutos foram imersos durante 3 min nas seguintes soluções: a) álcool etílico hidratado 67,2 ºGL e hipoclorito de sódio, 1,25% de cloro ativo, consecutivamente; b) paraquat 0,01%; c) uréia, 5%; d) ethrel, 0,01%.

No segundo experimento, maçãs com inoculação feita conforme descrita no ensaio anterior, foram imersas nas seguintes soluções: a) hipoclorito de sódio, 1,5% de cloro ativo, e álcool etílico hidratado 67,2 ºGL , consecutivamente, por 1, 2 e 3 min; b) hipoclorito de sódio, 1,25% de cloro ativo com álcool 9,6 ºGL por 1 min; c) hipoclorito de sódio, 2,5% de cloro ativo; d) álcool etílico hidratado 67,2 ºGL; e) ethrel, 0,01%; f) paraquat, 0,01%; g) uréia, 5%. Os experimentos foram conduzidos com delineamento inteiramente casualizado com três repetições, cada uma constituída por oito frutos. O número de lesões por fruto foi registrado. Os experimentos foram repetidos uma vez.

Determinação da incidência em macieiras com proteção química

Os experimentos foram instalados em um pomar da empresa Schio (Vacaria, RS), com histórico de alta incidência de podridão branca e conduzidos durante os ciclos de 1998-1999 e 2000-2001. Quatro caixas, com ramos oriundos da poda da macieira infetados com B. dothidea, foram distribuídas sobre o solo, no pomar, para assegurar a presença de inóculo no local e junto a cada uma delas foram colocados dois coletores de esporos na altura de 80 cm. Cada coletor era composto de uma lâmina de vidro vaselinada. Ao redor dos coletores, 40 plantas foram marcadas e avaliadas. De fevereiro a abril as plantas foram pulverizadas com o fungicida captan, na dose de 125 g.i.a/100 l de água, em intervalos de 15 dias ou quando acumulados 80 mm de chuva. Antes de cada pulverização, as lâminas foram avaliadas. No mesmo dia da avaliação das lâminas, coletaram-se cinco frutos do terço inferior, cinco do terço médio e cinco do terço superior de cada uma das 40 plantas localizadas ao redor das caixas. Os frutos foram desinfestados por imersão em solução de álcool 67,2 ºGL por 3 min e em hipoclorito de sódio 1,25%, também por 3 min. Em seguida, os frutos foram incubados por 12 dias a 26 ºC. Após esse período registrou-se o número de frutos com podridão branca. Foram realizadas cinco avaliações entre fevereiro e abril. Calculou-se a área sob a curva de progresso da incidência da doença (ASCPD) para cada um dos terços de cada planta e os valores foram comparados por meio de análise de variância.

Padrão espacial da podridão branca

Para a determinação do padrão espacial de distribuição da doença coletou-se, em uma área próxima deste pomar, cinco frutos do terço inferior, cinco do terço médio e cinco do superior de cada planta, de 17 grupos constituídos por seis plantas. Os frutos foram desinfestados, incubados e avaliados como citado anteriormente. Foram feitas duas coletas em abril. A partir destes dados foi calculado o índice de dispersão (D) para dados binários considerando duas unidades amostrais distintas: a planta doente no campo e os frutos doentes na planta. Na análise da distribuição das plantas doentes, em cada data de avaliação, D = s2/[p(1-p)/n ], onde s2 é a variância observada (Vobs) entre quadrats e p(1-p)/n é a variância da distribuição binomial (Vbin), na qual n representa o número de plantas por quadrat e p, a incidência de plantas doentes (Madden & Hughes, 1995). Aos valores de D para cada planta foi aplicado o teste do c2 (qui-quadrado) para verificar se o valor calculado foi maior ou igual a 1 ao nível de significância de 5%. Valores de D significativamente iguais a 1 indicam que as plantas com sintomas estão distribuídas aleatoriamente no campo. Valores de D significativamente maiores que 1 indicam que as plantas com sintomas estão agregadas (Madden & Hughes, 1995).

A mesma análise foi feita considerando-se como unidade amostral os frutos doentes de cada grupo de seis plantas. Nesse caso, calculou-se um índice de dispersão para cada um dos 17 grupos de plantas, nas duas avaliações. Em seguida calculou-se a forma binária da lei de Taylor (Hughes & Madden, 1992), que relaciona a variância observada (Vobs) e a variância binomial esperada (Vbin) para uma distribuição ao acaso de dados binários. Nesse caso, log (Vobs) = log(A) + b log (Vbin), onde A e b são parâmetros. Uma regressão linear, calculada pelo método de quadrados mínimos, foi aplicada conjuntamente aos dados obtidos nas duas datas de avaliação, considerando a variância binomial a variável independente e a variância observada, a variável dependente. A significância da regressão foi determinada pelo teste F e adequação do ajuste foi avaliada pelo coeficiente de determinação (R2) e pela análise da distribuição de resíduos. Se a distribuição dos frutos doentes for ao acaso, b=A=1. Quando b=1 e A>1, há um nível constante de agregação para todos os valores de incidência. Quando b>1 o nível de agregação aumenta com o aumento da incidência (Madden & Hughes, 1995). A igualdade dos parâmetros A e b a 1 foi testada pelo teste t (Campbell & Madden, 1990).

Sobrevivência e detecção de Botryosphaeria dothidea nos ramos de macieiras no pomar

No mês de julho, logo após a poda, três conjuntos de cinco segmentos de ramos de macieiras foram colocados no solo, na região da projeção da copa das plantas da cv Fuji em Vacaria, cada um com diâmetros de 0,5, 1,0 e 1,5 cm, dispostos em tela plástica com malha de 1,5 cm. Os ramos foram mantidos no campo durante os ciclos vegetativos de 1998 e 2000, e examinados quinzenalmente para detectar a presença de estruturas do patógeno.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Métodos para a produção de inóculo

Dos métodos comparados o mais eficaz para produção de inóculo do patógeno foi o BDA com papel de filtro, produzindo-se a média de 1,3 x 106 conídios por placa após dez dias de incubação e observando-se neste caso, menor quantidade de micélio e maior número de picnídios, sendo facilitada a separação dos conídios das outras estruturas do fungo e do meio de cultura. O BDA com celofane, o meio de aveia com papel e celofane produziram 4,5 x 105, 4,08 x 105 e 2,8 x 10 4 conídios por placa, respectivamente.

A produção de inóculo de B. dothidea tem sido feita em meios diversos entre os que se inclui o BDA (Fenner, 1925; Lewis, 1956; Hutton & Leigh,1958). O desenvolvimento dos picnídios ocorre nesta condição, no entanto, o processo pode demorar três semanas e a remoção dos conídios é dificultada pela necessidade de separar o meio de cultura das estruturas do fungo (Brown & Hendrix, 1981). Nenhuma citação prévia foi encontrada sobre a produção de inóculo deste fungo em meio de cultura coberto por papel ou membranas.

Métodos de inoculação das maçãs com Botryosphaeria dothidea

Na comparação de métodos de inoculação com incubação em duas condições de temperatura (Tabela 1), o método de papel toalha foi o mais eficaz para assegurar o desenvolvimento da doença nas duas temperaturas avaliadas. Porém, quando a fruta foi incubada a 30 ºC, observou-se maior incidência e severidade da doença, fato que coincidiu com as condições citadas previamente (Lewis & Shay, 1953; Lewis, 1956).

Na avaliação da influência de períodos de câmara úmida no tratamento de maçãs antes da infecção, constatou-se que nos dois períodos de avaliação a maior incidência da doença ocorreu quando foi utilizado um período de dois dias de câmara úmida (Tabela 2). Na avaliação das suspensões de conídios verificou-se a ausência de germinação em todas as amostras observadas. De acordo aos resultados obtidos deve-se supor que os conídios de B. dothidea são dependentes de nutrientes exógenos para germinar sendo provável que o estímulo do período de câmara úmida ocorra pela acumulação de exsudatos da fruta nessa condição. Este fato foi constatado em outros patógenos, como Botrytis cinerea e Glomerella cingulata (Stonem.) Spauld & Screnk. [Colletotrichum gloeosporioides (Penz.) Penz. & Sacc] (Bailey et al., 1992), mas ainda não foi relatado para B. dothidea. O menor efeito do período de cinco dias de câmara úmida poderá ser devido à exaustão de nutrientes que microrganismos epífitos podem causar em frutos nestas condições (Fokkema, 1988).

Verificou-se menor incidência e severidade da doença no segundo ensaio de comparação de métodos de inoculação e a diferença deve ser atribuída à qualidade da fita adesiva utilizada. É provável que a permeabilidade aos gases da fita de celulose seja maior e por isto, será recomendável utilizar este tipo de fita adesiva na inoculação de B. dothidea nas maçãs.

A inoculação de frutos tem sido feita com micélio (Brown & Britton,1986) ou conídios em frutos com ferimentos (Fenner, 1925; Fulkerson, 1960; Brown & Britton, 1986). Parker & Sutton (1993a), porém, utilizaram papel embebido em suspensão de conídios seguido da proteção individual das maçãs com papel alumínio. A incubação das maçãs inoculadas foi feita com temperaturas que variaram entre 24 e 30 ºC (Lewis, 1956; Kohn & Hendrix, 1983) quando utilizado o método de aspersão. Na inoculação por aspersão, os pesquisadores citados utilizaram conídios obtidos pela lavagem da superfície dos meios de cultura, método que deve ter suprido os nutrientes necessários para o inicio da infecção.

Métodos de desinfestação de maçãs

No primeiro ensaio as maçãs tratadas com paraquat e com ethrel escureceram e inviabilizaram a detecção do sintoma da doença. Nos frutos imersos em uréia 5% e naqueles com imersão consecutiva por 3 min em hipoclorito de sódio e álcool, constatou-se 38% de frutos com sintomas da doença na avaliação aos 12 dias. No segundo ensaio (Tabela 3), constataram-se, nos tratamentos com paraquat e, em menor grau, com a uréia, danos à epiderme dos frutos, fato que promoveu o surgimento de lesões que associaram a fitotoxicidade do produto à colonização dos tecidos pelo patógeno e conduziram posteriormente à decomposição total da maioria dos frutos, impedindo a determinação clara dos sintomas. O tratamento consecutivo dos frutos por 3 min com hipoclorito de sódio 1,25% e no álcool, 67,2 ºGL proporcionou a colonização das maçãs inoculadas com o patógeno dez dias após a inoculação. Este tratamento, considerado padrão para desinfestação de frutos, apresentou eficácia semelhante ao de imersão das maçãs por 2 min em hipoclorito de sódio 1,25% e álcool 9,6 ºGL e no de álcool 67,2 ºGL. A incidência da doença nos outros tratamentos avaliados não se diferenciou da testemunha sem tratamento. Dessa forma, sugere-se que para a detecção das infecções quiescentes da podridão branca das maçãs, no processo de desinfestação das maçãs, seja utilizada a mistura de hipoclorito de sódio com 1,25% de cloro ativo mais 9,6 ºGL de álcool por 2 min, pois, neste caso, é menor o tempo de preparo e da imersão dos frutos.

Os métodos comparados para a detecção de infecção latente foram baseados no relatado por Biggs (1995) que usou a estratégia de indução da morte das células da epiderme com o herbicida paraquat para favorecer a expressão da infecção e o descrito por Parker & Sutton (1993a) na desinfestação de maçãs para eliminar os propágulos presentes na superfície do fruto.

A proposta de avaliação do ethrel, por outro lado, visou estimular a produção de etileno nos frutos e, com isto, a ativação das lesões (Prusky et al., 1996) efeito citado em abacates (Persea americana Mill) com infecções latentes de C. gloeosporioides e, no caso da uréia, foi proposto avaliar um tratamento que causasse um dano celular na epiderme semelhante ao do paraquat e que não tivesse o risco toxicológico deste produto.

Determinação da incidência da podridão branca em macieiras com proteção química

No ciclo 1998-1999, a doença foi constatada somente em três frutos (0,001%) apesar de haver sido registrada a presença de esporos de B. dothidea durante o período (Figura 1A). É provável que isto tenha ocorrido pela ausência de condições meteorológicas favoráveis para o inicio da infecção visto que nos períodos de molhamento, a temperatura não atingiu 20 ºC (Figura 1B) e nos trabalhos desenvolvidos por Parker & Sutton, 1993a em condições controladas, a maior incidência foi constatada sob condições de temperaturas altas (Parker & Sutton, 1993a). No ciclo 2000-2001, porém, a doença se manifestou em intensidade alta. A presença de inóculo no pomar no início do ano (Figura 2A) e a temperatura média alta, superior a 20 ºC, na maior parte do período de avaliação, permitiu a infecção de B. dothidea, que cresceu mesmo com a proteção do pomar (Figura 2B). Após a primeira constatação(18/02/2001), a temperatura média se manteve no geral acima de 20 ºC, com maior freqüência ao redor de 22 ºC, com vários períodos de chuvas em dias consecutivos e/ou de chuvas maiores de 20 mm. Estas condições devem ter contribuído para a perda da proteção conferida pelo captan mais adesivo e para o aumento gradual da incidência da doença no período. De acordo com as curvas médias de progresso da doença para cada altura de amostragem na árvore (Figura 2B) não houve diferença significativa entre as incidências de cada terço da árvore. A análise de variância dos dados de ASCPD mostrou médias semelhantes (P<0,05) nas incidências observadas nas diferentes alturas da planta. Isso indica que os ascósporos são os principais responsáveis pela infecção, já que são dispersos pelo ar. Caso os conídios representassem papel importante no progresso da doença, haveria maior número de frutos infetados nos terços médio e inferior, uma vez que esses esporos são produzidos nos ramos e transportados pela água de chuva. Conídios dispersos por respingos de chuva tendem a acumular-se nas partes mais baixas das plantas.





Padrão espacial da doença

A análise do padrão de distribuição da doença neste pomar, feita a partir de dados coletados em 17 grupos com seis plantas, em duas datas, mostrou que as árvores doentes estavam agregadas. Os valores de D foram iguais a 2,28 e 2,05, respectivamente para a primeira e a segunda avaliações, ambos significativamente maiores que 1. A análise de distribuição de frutos doentes nas árvores, sumarizada pela regressão entre o logaritmo da variância binomial e o logaritmo da variância observada (Figura 3), mostra que os frutos estão ligeiramente agregados nas árvores. Apesar do valor da intersecção e do coeficiente angular da reta diferirem de 1, em muitos grupos de plantas havia frutos distribuídos ao acaso, representados pelos pontos localizados abaixo de linha x = y (Figura 3). A agregação foi tanto maior quanto maior a incidência. Esses dados sugerem que a origem do inóculo é localizada e, provavelmente, restrita ao inóculo gerado a partir dos ramos de poda caídos no solo, visto que não se constatou a presença de cancros nos ramos das plantas. A presença de inóculo conidial, disperso pela chuva, deveria refletir-se em padrão altamente agregado de frutos dentro da árvore. Assim, o principal inóculo da safra 2000-2001 deve ter sido composto de ascósporos, que apesar de necessitarem de água para liberação são transportados pelo vento (Sutton, 1981) e caracterizam-se por produzir padrões de doença ao acaso ou ligeiramente agregado.


Sobrevivência e detecção de Botryosphaeria dothidea nos ramos de macieiras no pomar

Os resultados apresentados na Tabela 4 mostraram que quando ramos sadios oriundos da poda das macieiras permanecem embaixo da copa das plantas, no inicio da primavera, ocorre o desenvolvimento neles do inóculo de B. dothidea. Na avaliação do material, a produção de inoculo constituído por conídios e ocasionalmente de ascósporos ocorreu somente nas semanas próximas da colheita e o diâmetro dos ramos não afetou a colonização pelo patógeno.

A principal fonte de inóculo de B. dothidea, de acordo com a literatura, são os ramos de poda da macieira que permanecem no pomar e onde picnídios e pseudotécios do patógeno se desenvolvem (Drake, 1971; Sutton & Boyne, 1983). A constatação deste fato, porém, não havia sido relatada no Brasil. Os produtores, por não disporem de informações sobre a ocorrência de condições para a infecção por B. dothidea, protegem a cultura durante todo o período. Sugere-se, portanto, a utilização de ramos de poda para monitorar a disponibilidade de inóculo. Esta prática poderá ser útil para apoiar recomendações de um sistema de alerta para a doença visando a racionalização dos tratamentos químicos da cv Fuji durante o verão.

Aceito para publicação em 20/12/2004

Autor para correspondência: Rosa M. Valdebenito-Sanhueza

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    Pesquisa desenvolvida com suporte parcial do CNPq, da FAPERGS, e da ABPM.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      20 Dez 2004
    • Recebido
      20 Dez 2004
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