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A MUTUALIDADE ENTRE O DEMORAR-SE E O SER-MOVIDO: ARTE E RETÓRICA NA HERMENÊUTICA TARDIA DE GADAMER

THE MUTUALITY BETWEEN STAYING AND BEING MOVED: ART AND RHETORICS IN GADAMER’S LATE HERMENEUTICS

RESUMO

O artigo discute a importância do termo demorar-se (Verweilen) na hermenêutica tardia de Hans-Georg Gadamer. A hipótese é a de que a sua relevância pode ser mais bem compreendida se relacionada ao conceito de ductus, tal apresentado por teóricos da retórica, como Mary Carruthers e Paul Crossley. O texto inicia com uma apresentação breve centrada em quatro conceitos fundamentais para a concepção de arte em Verdade e Método, a saber, acontecimento, conformação, contemporaneidade e festa. Após, discutese a importância da relação entre o demorar-se e a conformação para a temporalidade da arte. Em seguida, relaciona-se o demorar-se com o sermovido pelo viés da retórica. Por fim, o texto finaliza com a apresentação do conceito retórico de ductus, e indica a proximidade deste com a concepção gadameriana do demorar-se.

Palavras-chave
Conformação; demorar-se; ductus

ABSTRACT

The article discusses the importance of the concept of tarrying (Verweilen) in Hans-Georg Gadamer later hermeneutics. The hypothesis consists in that one can understand it better when relating it with the concept of ductus, as elaborated by rhetoricians such as Mary Carruthers and Paul Crossley. The paper begins with a short introduction focused on four major concepts of art in Truth and Method, namely, event, structure, contemporaneity, and festival. Afterwards, it discusses the importance of the relationship between tarrying and structure regarding the temporality of art. Later, it relates tarrying and being moved from the perspective of rhetoric. Finally, the paper ends with a presentation of the rhetorical concept of ductus and suggests its affinity with the Gadamerian conception of tarrying.

Keywords
Structure; tarrying; ductus

Introdução

Este artigo examina a hipótese de que o conceito de demorar-se (Verweilen)1 1 O prefixo ver- indica ênfase no verbo “weilen” (encontrar-se, demorar-se, permanecer), de modo que optamos por traduzir Verweilen por “demorar-se” e “perdurar”, conforme o caso. Veja a explicação do próprio Gadamer acentuando o “Weile” (enquanto, durante, algum tempo, momento) na seção 3 deste artigo. O filósofo alemão utiliza explicitamente o termo Verweilen no contexto de seu prefácio em “A origem da obra de arte” de Heidegger: “uma obra de arte não ‘significa’ [meint] algo ou funciona como um signo [Zeichen] que se refere a um significado [Bedeutung]; antes, ela se apresenta em seu próprio ser, de tal modo que o espectador deve demorar-se [Verweilen] nela” (Gadamer, 1987, p. 256). Esta passagem está na base da investigação de Ross (2003; 2004) sobre o Verweilen em Gadamer, com a qual nos identificamos apenas parcialmente, pois, ao contrário dela, não desenvolvemos a investigação em direção à teoria narrativa de P. Ricoeur, e sim na aproximação com a retórica. exprime a maturidade da análise de Hans-Georg Gadamer sobre a arte, ao passo que indica progressões e abandonos de teses defendidas em Verdade e Método. Em vista disso, o texto será dividido da seguinte forma: a) retomada de traços básicos da apresentação do problema da arte em Verdade e Método, sob a perspectiva das noções de acontecimento, conformação, contemporaneidade e festa; b) o entrelaçamento temporal entre o demorar-se e a conformação; c) a produtividade da retórica na relação entre o ser-movido e o demorar-se; e d) indicação da similitude do demorar-se com a estrutura retórica do ductus, na proposta retórica de Mary Carruthers e Paul Crossley.

1. Alguns conceitos sobre a experiência da arte em Verdade e Método

Deixando de lado as passagens reconstitutivas da tradição estética e dos motivos de sua insuficiência para o projeto hermenêutico, é certo que as contribuições mais próprias de Gadamer para a questão da arte germinam de forma assistemática em Verdade e Método2 2 Doravante WM. , ficando o seu enlaçamento conceitual a cargo do leitor. Iniciamos a nossa discussão, destacando a ambiguidade entre obra e acontecimento, como cerne para a compreensão da questão temporal da arte.

Toda a relação com a arte é um ser-jogado (Gespielt-werden) instigado pela apresentação (Darstellung) de seu elemento concreto - a obra. Esta, por sua vez, não é algo da ordem do subsistente (vorhanden), visto que é em sua apresentação que “vem à luz a unidade e identidade de uma conformação” (Gebilde3 3 Traduziremos Gebilde por conformação, salientando a particularidade do verbo “bilden”, formar, com o prefixo Ge-, que indica conjunto. Algumas opções de tradução são forma (Gianni Vattimo), construto (Marco Antonio Casanova), construcción (Ana Agud Aparicio, Rafael de Agapito), structure (Joel Weinsheimer, Donald G. Marshall) e configuração (Flávio Paulo Meurer). Entendemos a nossa opção próxima do exemplo que o próprio Gadamer oferece para ilustrar o seu sentido: a formação de uma cadeia de montanhas. “Esta palavra indica, por exemplo, que o processo transitório do fluxo discursivo no poema, um fluxo que passa de modo vertiginoso, conquista de uma maneira enigmática uma posição estável, transformando-se em uma [conformação], tal como falamos da formação de uma cadeia de montanhas [der Formation eines Gebirges]” (Gadamer, 2010, pp. 174-175, trad. mod.). Trata-se de uma unidade ideal que está relacionada à totalidade de um arranjo e que guia a compreensão deste, estabelecendo seus limites e possibilidades. Sempre que necessário, modificaremos as traduções consultadas com o termo conformação. ) (Gadamer, 1990________. “Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik”. GW1. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1990. [WM], p. 127). Gadamer chega a declarar que “deveríamos substituir a palavra ‘obra’ por uma outra palavra, a saber, pela palavra ‘conformação’” (Gadamer, 2010______. “A hermenêutica da obra de arte”. Seleção e tradução de Marco Antonio Casanova. Editora WMF/Martins Fontes: São Paulo, 2010., p. 174, trad. mod.), muito embora ele mesmo recue nessa proposta e empregue predominantemente o vocábulo ‘obra’. Apesar disso, entendemos que Gadamer oferece uma teoria mais condizente ao acontecimento da arte - motivo pelo qual se introduz o conceito de Gebilde - do que uma discussão centrada na obra.

O deslocamento conceitual de obra para conformação indica uma motivação antissubjetivista, reforçada pelo protagonismo da noção de festa, que salienta uma espécie de experiência comunitária, vinculada ao jogo dos efeitos históricos da tradição, e contemporânea aos seus partícipes de épocas e locais diversos. A festa assinala um contraponto ao tipo de experiência de arte resultante de uma filosofia da subjetividade e da vivência (segundo a leitura gadameriana de Kant e Dilthey, respectivamente). Nessa perspectiva, o caráter simbólico da obra de arte, que aponta para a incompletude da experiência da obra em sua remissão a algo outro, acentua o caráter antissubjetivista de sua realização. Se o locus da arte não é o sujeito, mas a própria experiência, é na noção de acontecimento4 4 Além da oscilação entre a análise da “arte” e da “obra de arte”, sem contar o elemento do “belo”, que aparece ora associado aos termos anteriores, ora dissociado, o próprio conceito de “acontecimento” (Geschehen) (como em “acontecimento da arte”, Kunstgeschehen, cf. Gadamer, 1990, p. 148) aparece ora atribuído a algo do qual a linguagem da arte toma parte, ora designa o próprio modo de ser da arte. Ao final de WM, como consequência da tese de que “ser é linguagem”, Gadamer dispõe lado a lado, o caráter de acontecimento (Ereignis) do belo e a estrutura do acontecimento (Geschehen) de toda a compreensão (der Ereignischarakter des Schönen und die Geschehensstruktur alles Verstehens) (1990, p. 490). Embora as discussões sobre a obra de arte e o belo se entrecruzem na análise hermenêutica da arte, esses elementos não se seguem progressivamente e não estão interligados no sentido da estética tradicional. A obra de arte é um momento ontológico da experiência da arte, mas esta não pode ser reduzida a uma relação com algo supostamente contido naquela. Existe a bela obra de arte, mas nem toda obra de arte, especialmente aquela resultante das criações modernas e contemporâneas, almeja ao belo. Apesar disso, a “metafísica do belo” (Gadamer, 1990, p. 484) pode ser aplicada analogamente ao acontecimento da verdade na compreensão, na medida em que o belo tem o modo do aparecer (Art des Scheinens) e o modo de ser da luz (Seinsweise des Lichtes), elementos que compõem e estão relacionados ao desvelamento do ente (alētheia). Assim sendo, evidencia-se o fato de que, se Gadamer lança mão do termo obra de arte, isso só é adequadamente interpretado se remetido à noção de acontecimento. , tanto no sentido de Geschehen quanto Ereignis5 5 Ambos os termos podem ser vertidos para o termo acontecimento. Contudo, visto que Ereignis acaba assumindo um sentido técnico na terminologia de Heidegger, em geral traduzido como “acontecimento-apropriador” ou “acontecimento-apropriação”, optamos por utilizar apenas “acontecimento” tanto para traduzir Geschehen e Ereignis. Em contextos específicos em que Gadamer faz referência ou se aproxima do uso heideggeriano, isto é, como o acontecimento que apropria de si mesmo, seria o caso de manter a opção de “acontecimentoapropriador”. , que a análise deve ser situada. Dessa forma, eventos que apresentam dificuldades ao serem compreendidos como obra são contemplados como possibilidades legítimas de arte, a despeito de sua impermanência. A perspectiva do acontecimento é irradiada para todas as manifestações artísticas, de maneira que não apenas as artes performativas são reconhecidas em sua temporalidade, mas também aquelas que tradicionalmente são reconhecidas em sua resiliência. Apresentamos, a seguir, uma breve introdução aos temas da festa e da celebração em WM com o fito de indicar o seu significado para o caráter temporal da arte.

Após uma breve revisão de algumas teses sobre a temporalidade da estética (Cf. Gadamer, 1990________. “Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik”. GW1. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1990. [WM], p. 126), Gadamer desenvolve os fundamentos temporais para a apreensão do ser da obra de arte, sendo esta não mais apreendida em termos de um mero subsistente (vorhanden), e sim como jogo e conformação. É sobre esse pano de fundo, qual seja, o da investigação sobre uma temporalidade da repetição (Wiederholung) que se adéque ao caráter ocasional da arte, que surgem, de um modo um tanto abrupto, os conceitos de festa e celebração. O objetivo é mostrar que a obra de arte implica contemporaneidade (Gleichzeitigkeit), isto é, que ela está sempre aí (cf. Gadamer, 1990________. “Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik”. GW1. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1990. [WM], p. 126) em cada aspecto de si que se apresenta diferentemente em toda experiência. A arte convida o partícipe a experienciá-la novamente e, assim como em uma festa ou celebração, não se experiencia apenas um aspecto destes, mas o evento como um todo. É justamente a contemporaneidade da totalidade do evento que permite que o aspecto adquira o seu matiz singular na experiência do partícipe. Se, “a festa se modifica a cada vez, pois é sempre algo distinto o que lhe é contemporâneo (gleichzeitig)” (Gadamer, 1990________. “Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik”. GW1. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1990. [WM], p. 128), também a obra de arte acontece como repetição, não no sentido de um reenvio a um passado dado, e sim como uma conformação que está plenamente aí e de modo contemporâneo em cada apresentação distinta de si. Assim como a festa só existe enquanto for celebrada (cf. Gadamer, 1990________. “Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik”. GW1. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1990. [WM], p. 129), também a obra de arte só se realiza plenamente quando experienciada. A arte só acontece se houver participação (Teilhabe), no sentido de uma mediação total, ou seja, uma suspensão de si na realização da mediação (cf. Gadamer, 1990________. “Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik”. GW1. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1990. [WM], p. 125), em contraposição a uma intervenção subjetiva e arbitrária. Não se faz jus nem à festa, nem à obra de arte, se não se concebe que em ambos, a dinâmica da experiência implica uma temporalidade específica, congênita à compreensão humana e mais originária que a concepção vulgar do tempo baseada na mera sucessão.

Embora o recurso aos temas da festa e da celebração seja claro, Gadamer não parece preocupado em justificar o recurso analógico a elementos não imediatamente associados ao problema da obra de arte. Mesmo em “A atualidade do belo”, Gadamer não oferece mais do que menções à similitude entre a festa e a experiência da obra de arte (cf. 2010, p. 181) ou como a pergunta “sobre a estrutura temporal da festa” nos aproxima da “estrutura do caráter festivo da arte e da estrutura temporal da obra de arte” (2010, p. 182). Uma investigação mais profunda sobre esses problemas nos desviaria do objetivo deste artigo e, por esse motivo, ocupar-nos-emos com a importância do conceito de demorarse (Verweilen) no período pós-WM.

2. A temporalidade do acontecer: o demorar-se e a conformação

O elemento repetitivo da festa celebrada implica uma retomada periódica e comunitária de certos motivos. A participação nela não é da ordem de uma adesão exterior, visto que pressupõe uma relação significativa, condição que permite ao participante compartilhar algo com os outros participantes. A participação na festa, por meio da celebração, implica, portanto, uma unidade e uma plenitude: “no que celebramos uma festa, a festa está sempre aí e o tempo inteiro (immer und die ganze Zeit da)” (2010, p. 182, trad. mod.; 1993b: 131).

Contudo, diferentemente da análise da festa apresentada em WM, em “A atualidade do belo”, Gadamer explora o tema da temporalidade em um novo aspecto, a saber, a partir da distinção entre o tempo cheio (ou próprio) e o tempo vazio; uma diferenciação que é realizada, todavia, com certa imprecisão. Primeiro, lê-se que se trata de “duas experiências fundamentais do tempo (zwei Grunderfahrungen von Zeit)” (2010, p. 183; 1993b, p. 132), e que são, portanto, referidas ao modo como alguém experimenta o tempo. De teor distinto são as afirmações em que Gadamer aponta para um tempo próprio da obra de arte mesma, o que implica uma tensão entre o tempo próprio da obra de arte e a experiência deste tempo. As passagens que se referem ao “tempo próprio da obra de arte” (Eigenzeit des Kunstwerkes) ou ao fato de que “toda obra de arte tem algo assim como um tempo próprio” (Jedes Kunstwerk hat also so etwas wie eine Eigenzeit) contribuem para a tese de que esse tempo haurido pela obra de arte se nos impõe (auferlegt) (cf. 2010, p. 186-187; 1993b, p. 135). Detalhamos a seguir alguns aspectos dessas distinções.

A análise da festa e da celebração leva a uma investigação sobre a possibilidade, inerente a ambas, de um tempo próprio que está sempre aí enquanto a festa é celebrada. Porém, não se trata de algo que ocorre uma única vez na ordem do tempo cronológico, mas de um acontecimento que possui um tempo próprio a partir do qual ele se repete. Gadamer fala do “primado daquilo que chega no seu tempo [zu seiner Zeit kommt], daquilo que possui o seu tempo [seiner Zeit hat] e não está submetido a um cálculo abstrato ou ao preenchimento do tempo” (2010, p. 183; 1993b, p. 132). Embora o argumento leve mais adiante à discussão do tempo próprio da obra da arte, o que se segue, entretanto, é a diferenciação entre as formas de experiências fundamentais do tempo. O tempo vazio (leere Zeit) é a primeira dessas formas temporais, a mais próxima da experiência usual e pragmática do tempo, em que este é tomado como algo a ser preenchido (ausgefüllt). Por oposição a esse modo da experiência do tempo, Gadamer propõe uma “experiência” (Erfahrung) completamente diferente e “aparentada de modo mais profundo possível tanto com a experiência da festa quanto com a da arte”, a saber, a do tempo cheio ou próprio (die erfüllte Zeit oder auch die Eigenzeit) (2010, p. 183; 1993b, p. 132). Não se trata de um preenchimento de um tempo vazio, mas da irrupção de um acontecimento que possui e chega a seu tempo próprio, como a festa. O traço distintivo da festa consiste no “fato de ela se dar previamente tempo por meio de sua própria festividade, e, com isto, reter o tempo, levando-o a perdurar [zum Verweilen bringt]. É isso que significa festejar” (2010, p. 184; 1993b, p. 133).

Com a discussão do tempo próprio, chegamos ao reconhecimento daquilo que estabelece a medida de sua própria experiência. Assim, tanto a festa quanto a obra de arte exibem o fenômeno temporal da contemporaneidade, na medida em que traçam os contornos a partir do qual algo se reitera como o mesmo, ao mesmo tempo em que tornam-se algo outro. No âmbito da obra de arte, esse duplo caráter aparece numa referência ao belo, extraída de Aristóteles, em que se ressalta a plenitude e a unidade do fenômeno6 6 Apesar de Gadamer basear-se na definição aristotélica de belo, referindo-se ao belo como o que “não se pode nem acrescentar, nem retirar algo dele” (Gadamer, 2010, p. 184; cf. Aristóteles, 2009, The Nicomachean Ethics, B5, 1106b10), ele salienta que isso não pode ser aceito literalmente, e propõe o belo como uma estrutura ideal que admite “um âmbito de variabilidade de possíveis transformações, substituições, acréscimos, alijamentos” (2010, p. 184-185; 1993b, p. 133). . Em Gadamer, o aspecto que contempla certo entendimento da definição aristotélica do belo é a conformação (Gebilde), a “estrutura nuclear que não pode ser tocada” (2010, p. 185; 1993b, p. 133). A obra de arte, assim como a festa, possui unidade conformativa, ao apropriar-se de si mesma estabelecendo os limites de sua experiência. Todas as possibilidades de transformação da obra de arte são, nesse sentido, reiterações de aspectos em que esta se mostra. A temporalidade da obra de arte e da festa é haurida a partir daquilo que é próprio de si, fixando dessa maneira na medida em que o acontecimento (obra de arte ou festa) perdura. Em “Texto e interpretação”, Gadamer detalha o significado de Gebilde, como “algo que não é compreendido a partir da perspectiva de um planejamento prévio, um estado finalizado que já se conhece antecipadamente, mas antes como algo que se formou em um padrão [Gestalt] a partir de si e que talvez possa ser apreendida em uma formação [Bildung] ulterior” (2007, p. 189; 1993a, p. 358, trad. mod.). A conformação alcança uma estabilidade ideal que transcende as intenções de seu criador, bem como de quem a experiencia, apesar de ser dependente materialmente da atividade interpretativa deste.

Cumpre assinalar um paralelismo entre o modo como o interlocutor de um diálogo se comporta, acompanhando o movimento expressivo e argumentativo do outro, ao mesmo tempo em que se mantém na fidelidade de orientação pelo assunto discutido, e o modo como alguém experimenta a arte, ao manter-se atento e continuamente aberto ao que a conformação possibilita enquanto espaço de jogo. Nesse sentido, é bastante elucidativo que Gadamer apresente questões relativas à música e, consequentemente, à escuta, no contexto da argumentação sobre a experiência da obra de arte. Como a arte reivindica um tempo próprio, Gadamer salienta que acompanhar o tempo próprio da obra de arte é sempre algo realizado a cada caso e que deve estar submetido ao que a própria obra, enquanto uma “conformação ideal” (das ideale Gebilde), estabelece (2010, p. 185; 1993b, p. 135, trad. mod.). Esse tempo próprio, Gadamer chega a dizer “o tempo certo” (die richtige Tempo), não é algo “mensurável, calculável” (2010, p. 185; 1993b, p. 134), pois todas as indicações de tempo, dadas pelo compositor, por eruditos ou por músicos que frequentemente executam determinada composição, permanecem como dados exteriores se não apropriados por aquele que está na situação atual de performance. Isso prepara a tese de que a música, mas, no limite, todas as obras de arte, dependem do “ouvido interior” (inneren Ohr) (2010, p. 185; 1993b, p. 134) para que possam ser propriamente experienciadas como tal, na medida em que o ouvido interior acompanha o tempo próprio exigido pela obra, ou como ele dirá algumas linhas adiante, o “ritmo” da obra (2010, p. 185; 1993, p. 135). Entretanto, essa afinação entre o ouvido interior e a “interpelação” (Anrede, Ansprechen) da obra (cf. 2010, p. 194; 1993b, p. 142), não é certamente da ordem do mero subsistente, mas o resultado de uma recondução do sentido à idealidade7 7 Que a hermenêutica filosófica de Gadamer discuta a obra de arte a partir da idealidade é flagrante em diversas passagens de seus escritos, como na seguinte: “Toda reprodução, toda recitação ou apresentação de um poema em voz alta, todo espetáculo teatral no qual entram em cena grandes mestres da mímica ou da arte de falar ou do canto não intermedeiam uma experiência artística real da própria obra senão quando ouvimos com o nosso ouvido interior algo totalmente diverso daquilo que acontece realmente ante os nossos sentidos. Somente aquilo que é elevado à idealidade desta escuta interior [inneren Ohres] - não as reproduções, representações ou performances mímicas enquanto tais - fornece a pedra fundamental para a construção da obra” (Gadamer, 2010, pp. 185-6; 1993b, p. 134). . Na medida em que a conformação diferencia-se da soma bruta de seus componentes subsistentes, a experiência da obra de arte não se reduz à mera apreensão de propriedades supostamente dadas por si; trata-se, ao contrário, de uma relação possibilitada por uma escuta8 8 Por entender que nem sempre há uma correspondência rígida entre os empregos do termo alemão hören e os usos de escutar e ouvir na língua portuguesa, optamos por traduzi-lo, bem como seus termos conexos, por escutar, nos contextos em que isso se mostra possível, como acento no caráter intencional de uma abertura à alteridade que é, simultaneamente, linguageira e ritmadora. Nos casos mais próximos do sentido da audição, mantemos a opção por ouvir. , a qual implica sempre a transcendência da compreensão9 9 A transcendência da compreensão é o fundamento pelo qual o intérprete se relaciona com a obra de arte na forma da transcendência. A compreensão de ser implica o projeto e a pertença a um horizonte de sentido previamente sintetizado e em contínua modificação, o que significa que o intérprete sempre projeta o sentido para além do mero dado. “É só porque participamos ativamente da transcendência em relação aos momentos contingentes que ressurge a conformação ideal” (Gadamer, 2010, p. 186; 1993b, p. 134, trad. mod.). . A escuta permite a temporalização adequada para a experiência da obra de arte, ou antes, deixa que o tempo da obra possa irromper enquanto tal. Por outro lado, o escutar - na medida em que se temporaliza pela compreensão - significa ritmar a obra. A indissociabilidade entre a escuta e o ritmo identificada por Gadamer (cf. 2010, p. 186; 1993b, p. 135) exprime a copertença entre a obra e o intérprete, ou o fato de que a obra não alcança a sua idealidade se não a partir da atividade do intérprete, assentada, em última instância, na escuta ritmadora, não sendo isso, contudo, uma arbitrariedade subjetiva, mas algo orientado pela própria conformação ideal, que doa o horizonte dentro do qual a obra de arte retorna à sua propriedade10 10 A conformação não é algo da ordem de uma subsistência que se dá por si mesmo, pois requer a atividade do intérprete, e nem algo arbitrariamente constituído tão somente pelo intérprete, pois este constrói o que a conformação lhe permite construir: “A tarefa é desenvolver e estabelecer o que é uma conformação; construir algo que não é ‘construído’ ‒ e isso significa que todos os esforços em construção se retraem” (2007, p. 189; 1993a, pp. 358-9). .

Se a temporalização da obra de arte está diretamente relacionada à forma como a escuta a ritma, isso evidencia que o crucial para o intérprete é manter-se na proximidade da obra estando atento ao seu tempo próprio. Trata-se, enfim, de demorar-se no acontecimento da arte. É preciso, contudo, compreender que essa tese não se refere apenas à música ou às outras artes transitórias como “a dança e a língua”, mas também a outras expressões artísticas, como quadros, na medida em que, em certo sentido, os “construímos e lemos”, ou obras arquitetônicas, já que “passeamos” ou “andamos” ao experimentá-la (Gadamer, 2010______. “A hermenêutica da obra de arte”. Seleção e tradução de Marco Antonio Casanova. Editora WMF/Martins Fontes: São Paulo, 2010., p. 187; 1993b, p. 135). A partir dessas atividades percebe-se que a experiência da obra de arte é algo distinto de uma relação entre dois entes subsistentes. Ao contrário, a realização dessas atividades significa que já nos colocamos previamente na orientação dada pela obra ao percorrer o curso de sua materialização enquanto acontecimento e que, por conseguinte, estamos abertos à obra a partir da temporalidade própria que esta requer. Dessa forma, construir, ler, passear, andar, tocar, dançar e outras formas de interação, nada mais são do que meios de ritmar a obra de arte, projetando o seu ser temporalmente. Na medida em que contribuem, mas, ao mesmo tempo, fazem parte do acontecer da arte, essas atividades precisam se sustentar durante o tempo necessário para que a obra possa se mostrar suficientemente. Ao analisar a obra arquitetônica, Gadamer afirma que “é preciso ir até lá e se inserir na obra, é preciso sair dela, é preciso andar à sua volta, é preciso conhecê-la paulatinamente em meio a um passeio e conquistar aquilo que a conformação promete a alguém para o seu próprio sentimento de vida e para a elevação desse sentimento” (Gadamer, 2010______. “A hermenêutica da obra de arte”. Seleção e tradução de Marco Antonio Casanova. Editora WMF/Martins Fontes: São Paulo, 2010., p. 187; 1993b, p. 135, trad. mod.). Esse trecho está diretamente ligado ao que desenvolvemos na seção final deste artigo, a partir da retórica de Mary Carruthers e Paul Crossley, visto que, como explicado adiante, o passear e o caminhar não estão restritos à obra arquitetônica, mas são analogicamente emprestados para as relações com outras obras de arte; da mesma maneira, o ler não se confina a obras literárias, pois se leem quadros, ou a escuta não se restringe à música, já que é pressuposta no ritmar que projeta temporalmente qualquer obra de arte.

A importância do tempo do Verweilen é explicitamente atestada por Gadamer como sendo a questão fundamental da experiência da arte: “De fato, é assim que gostaria de resumir a consequência desta breve reflexão: o que está em questão na experiência da arte é aprender um tipo específico de demorarse [Verweilens lernen] junto à obra de arte” (Gadamer, 2010______. “A hermenêutica da obra de arte”. Seleção e tradução de Marco Antonio Casanova. Editora WMF/Martins Fontes: São Paulo, 2010., p. 187; 1993b, p. 135, trad. mod.). Demorar-se, contudo, diferencia-se da mera passividade contemplativa, pois envolve, assim como na interlocução de um diálogo, o esforço de manter-se na abertura de sentido, explorando as diversas sendas que a obra possibilita. É elucidativo como o conceito de escuta e, implicitamente, o de ritmo, discutidos anteriormente, estão na base da experiência da obra de arte e da temporalidade relativa ao demorar-se. Em um trecho de “Texto e Interpretação”, em que Gadamer discute a literatura, esses temas se articulam do seguinte modo: “A estrutura temporal desse movimento é algo que eu chamo “demorar-se”, um demorar que se ocupa dessa presentidade e para o interior do qual todo discurso interpretativo mediador deve entrar. Sem a disponibilidade da pessoa que está recebendo e assimilando o texto em ser ‘todo ouvidos’, nenhum texto falará” (2007, p. 189; 1993a, pp. 358-9).

Não seria demasiado chamar atenção para o fato de que o Verweilen não pode ser concebido a partir do entendimento vulgar do tempo, em que o demorar-se seria apenas um modo de constância na série de agoras. Antes, o demorar-se implica uma relação qualitativa em que a concepção vulgar do tempo se revela insuficiente para apreender, pois ela revela de modo originário como a temporalidade é modalizada pela compreensão apropriativa. É nesse sentido que Gadamer conclui: “Quanto mais nos demoramos [verweilend] e nos inserimos aí, tanto mais eloquente, tanto mais multifacetada, tanto mais rica se mostra o demorar-se. A essência da experiência do tempo da arte é que aprendemos a nos demorar (zu weilen lernen)” (Gadamer, 2010______. “A hermenêutica da obra de arte”. Seleção e tradução de Marco Antonio Casanova. Editora WMF/Martins Fontes: São Paulo, 2010., p. 187; 1993b, p. 135, trad. mod.).

Podemos retomar uma relação que traçamos acima e interrogar o quanto aprender a demorar-se é semelhante a aprender a dialogar. É certo que ambos apresentam uma proximidade quanto ao tipo de atividade, visto que é possível que o início dela tenha origem de maneira espontânea, mas não é possível que elas perdurem por muito tempo sem que sejam conduzidos por um certo saber - uma arte. Ademais, ambas são realizações próprias da compreensão humana, ou formas em que a esta se realiza, conquanto articulação própria do sentido temporalizada a partir da finitude. Em “Imagem e palavra - tão verdadeiro, tão ente”, Gadamer escreve que a experiência da arte “é mais como um demorar-se que espera e preserva de tal modo que a obra de arte pode se apresentar como algo que fizemos. Novamente, podemos escutar a linguagem: nós dizemos que aquilo que se mostra ‘nos interpela’ [spricht einen an], e de tal modo que a pessoa interpelada está, como se fosse num diálogo com o que se mostra” (2007, p. 211; 1993a, p. 387)11 11 Naturalmente, ser interpelado é uma expressão familiar ao leitor de WM: quando analisa os fundamentos da história dos efeitos e desenvolve o argumento da pertença à tradição e da consequente fusão de horizontes, Gadamer escreve que “seja qual for o caso, a compreensão nas ciências do espírito compartilha com a sobrevivência das tradições, uma premissa fundamental, a de sentir-se interpelada [angesprochen] pela própria tradição” (1990, p. 287). Como se lê mais adiante nesta obra, a relação com a tradição, no modo do ser interpelado e da pertença, nada mais é que um caso do diálogo que caracteriza o compreender humano, em que todo o dizer se dá a partir de um solo da história dos efeitos em que o discurso se põe, mas sempre de um outro modo, de forma que ele sempre combina elementos de diferenciação e adesão. . No caso da discussão da obra de arte, Gadamer argumenta que a experiência da obra de arte obedece à mesma estruturação dialógica, sendo o intérprete da obra interpelado de forma equivalente à interlocução no diálogo, na medida em que a obra de arte é pensada como uma declaração (Aussage)12 12 Gadamer explica o conceito de declaração nos seguintes termos: “A obra de arte é uma declaração, mas é uma que não forma uma sentença assertiva, embora ela diga em mais alto grau. É como um mito, uma saga, porque naquilo que diz ela está igualmente desenvolvendo coisas e ao mesmo tempo retraindo-os em sua disponibilidade. A declaração falará sempre novamente” (2007, p. 212; 1993a, p. 388). . Mais ainda, para que haja um diálogo autêntico, os interlocutores precisam se colocar à altura do tema debatido, ou, em outras palavras, na abertura requerida pelo tema, evitando, contudo, qualquer desvio ou aspecto irrelevante para o assunto. Nesse sentido, estar na abertura a partir do qual o diálogo ocorre implica uma espécie de “deixar-se absorver” pelo próprio diálogo, o que não deixa de ser uma reiteração da tese de que “todo jogar é um ser jogado” (Alles Spielen ist ein Gespielt-werden) (Gadamer, 1990________. “Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik”. GW1. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1990. [WM], p. 112). É a correlação entre o estar absorto pela experiência da arte e o estar absorto no diálogo que Gadamer realiza pelo tema da interpelação: “Ser no modo do demorar-se [Verweilendes Sein] é como um intenso diálogo que vai e vem e que não se interrompe, mas dura até que se finda. A totalidade disso é um diálogo no qual, por um tempo, se está totalmente ‘absorto no diálogo’, e isso significa que se está ‘totalmente aí nele’” (Gadamer, 2007_____________. “The Gadamer Reader: A Bouquet of the Later Writings”. Editado e traduzido para o inglês por Richard E. Palmer. Evanston: Northwestern University Press, 2007., p. 211; 1993a_____________. “Hermeneutik II: Wahrheit und Methode. GW2. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1993a., p. 387).

3. A relação entre o demorar-se e o ser-movido na chave retórica

Assumindo que a estrutura temporal do demorar-se e as suas implicações para a compreensão do acontecimento da arte estão minimamente expostas, será preciso ainda mais um passo para desenvolvê-lo plenamente. Em suas entrevistas concedidas a Carsten Dutt, Gadamer associa o termo Verweilung à mobilidade (Bewegtheit) ou ao ser-movido:

A dimensão temporal que está atrelada à arte é, de fato, fundamental. Nesse demorar-se o contraste com os âmbitos meramente pragmáticos da compreensão torna-se claro. O “enquanto” [Weile] tem essa estrutura temporal muito especial - uma estrutura de ser-movido [Bewegtheit]13 13 Bewegtheit é um termo que Heidegger contrapõe ao movimento (Bewegung), pois se refere à atividade ou à mobilidade tipicamente humana. Se o movimento é concebido por oposição ao repouso, a atividade/mobilidade designada pela Bewegtheit é mais originária que essa oposição e é o termo escolhido por Heidegger para traduzir a enērgeia aristotélica (Cf. Peraita, 2002, pp. 150-154). , que, no entanto, não se pode interpretar como duração, porque duração significa apenas movimento posterior em uma só direção. Isto não é o que é determinante na experiência da arte. Naquilo em que nos demoramos [verweilen], permanecemos com a conformação da arte, que, como uma totalidade, torna-se então cada vez mais rica e mais diversa. O volume aumenta infinitamente - e por esse motivo, nós aprendemos a nos demorarmos através da conformação da arte [Kunstgebilde]. (Gadamer, 2001_____________. “Gadamer in Conversation: Reflections and Commentary”. Traduzido para o inglês por Richard E. Palmer. New Haven: Yale University Press, 2001., pp. 76-77; 1995_____________. “Hermeneutik - Ästhetik - praktische Philosophie: Hans-Georg Gadamer im Gespräch”. Entrevista concedida a Carsten Dutt. Heidelberg: Universitätsverlag C. Winter, 1995., pp. 63-64, trad. mod.)

O desenvolvimento do tema do ser-movido não é trivial e o trecho acima citado, consciente ou inconscientemente, faz referência a motivos consagrados pela história da retórica14 14 Além do tema da mobilidade (Bewegtheit), Gadamer trata do demorar-se, cuja proximidade com motivos retóricos se verá adiante, e do volume, termo que nos parece próximo do conceito retórico de amplificação (auksēsis). Grosso modo, a amplificação refere-se a um conjunto de estratégias retóricas de aumento de força persuasiva e mostrativa, como o incremento desta por arranjo, por hipérbole ou por uso de lugares-comum. Cf. Verne R. Kennedy, “Concepts of Amplification in Rhetorical Theory”. (1968). Tese de doutorado. Louisiana State University, 1968, 278p. Disponível em https://digitalcommons.lsu.edu/gradschool_disstheses/1404 Quando Gadamer fala em aumento infinito do volume, ele remete a algo característico da compreensão retórica da linguagem, a saber, que a demora junto ao acontecimento da arte implica na amplificação de sua experiência. . Essa resposta demanda, entretanto, uma reconsideração daquilo que Gadamer expõe em “Retórica, hermenêutica e crítica da ideologia - comentários metacríticos a Verdade e Método I”, quando contrapõe certa concepção de retórica à hermenêutica, ao enfatizar as supostas desvantagens da oratória em relação a uma maior estabilidade e, portanto, menor suscetibilidade à arbitrariedade, na fixação do sentido na escrita (o correlato tradicional da hermenêutica clássica). Após criticar a oratória por estar “ligada à imediatidade de seus efeitos [an die Unmittlebarkeit ihrer Wirkung gebunden]” (1993a, p. 236), Gadamer responde à crítica realizada por Klaus Dockhorn, que, a despeito dos elogios deste à incorporação de elementos retóricos em WM em sua resenha sobre esta obra, acusa o hermeneuta de não conceder um lugar maior à teoria dos afetos (Affektenlehre), a partir da qual o tema da persuasão assumiria uma centralidade no âmbito da hermenêutica. Assim, Gadamer explica que:

Klaus Dockhorn mostrou com profunda erudição até que ponto o despertar dos afetos [die Erregung von Affekten] se impôs como o mais importante recurso persuasivo desde Cícero e Quintiliano até a retórica política inglesa do século XVIII. Mas o despertar dos afetos [die Erregung der Affekte], que é a tarefa essencial do orador, tem muito pouca influência quando se trata da expressão escrita, a qual se torna objeto do esforço hermenêutico; e esta é precisamente a diferença que importa: o orador arrasta [reiβt] o ouvinte. O brilho [Einleuchtende] de seus argumentos deslumbra o ouvinte. Sob a força persuasiva [Überzeugunskraft] do discurso o ouvinte não pode nem deve chegar à reflexão crítica. (1993a, p. 236).

A caracterização da oratória com ênfase na persuasão que pelo “brilho” (Einleuchtende) de seus argumentos “arrasta” (überschüttet) o ouvinte não condiz com muitos aspectos defendidos por teóricos da retórica15 15 Veja, por exemplo, Quintiliano que, referindo-se a Marcos Catão (Instituto Oratoria, 12, I, 1 e 12, I, 44), defende a figura do orador perfeito (nobis orator) como sendo um “homem bom, exímio na arte de falar” (virum bonum dicendi peritum) (2016, p. 385 e p. 411), estabelecendo, deste modo, a virtude como o limite da arte de falar. e trai certa interpretação da história da retórica norteada pela crítica de Platão aos sofistas. Se o simulacro da verdade pode apresentar um brilho, através da habilidade manipulativa de um determinado orador, esse mesmo brilho é ofuscado em intensidade pela evidência da verdade. Contra o próprio Gadamer, é possível recorrer ao final de WM em que o belo e o verossímil são aproximados, situando que o mostrar-se do ente a partir de seu próprio ser, ou seja, a verdade do ente, deve ser pensada a partir da noção de evidência (cf. Gadamer, 1990________. “Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik”. GW1. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1990. [WM], pp. 488-489). Por isso, não é possível concordar com a afirmação gadameriana que mutuamente exclui força persuasiva e reflexão crítica, já que: a) todo argumento, mas, no limite, toda expressão na linguagem, possui certo grau de força persuasiva; b) persuadir não significa retirar do interlocutor a possibilidade de sua reflexão crítica - antes, a pressupõe; c) ser movido - embora central na teoria dos afetos - não é exclusividade da atividade da oratória, mas também permeia a teoria hermenêutica, como argumenta Dockhorn, ao mostrar como, por exemplo, a estrutura prévia da compreensão proposta por Heidegger em Ser e tempo, a pressupõe (cf. Dockhorn, 1980DOCKHORN, K. “Hans-Georg Gadamer’s Truth and Method”. In: Philosophy and Rhetoric, Vol. 13, Nr. 3, 1980, pp. 160-180., p. 169)16 16 Ao contrário da hermenêutica gadameriana, a hermenêutica da facticidade proposta por Heidegger traz ao coração de seu argumento, a relação entre afetar e ser-afetado: “esses pathē, ‘afetos’, não são estados que pertencem a entes animados, mas dizem respeito à disposição de entes vivos em seu mundo, no modo de ser posicionado em direção a algo, deixando que um assunto que lhe diga respeito. Os afetos desempenham um papel fundamental na determinação do ser-no-mundo, do ser-com-e-para-os-outros” (Seins-mit-und-zuanderen) (Heidegger, 2009, p. 83; 2002, p. 122). .

Outras passagens da obra gadameriana tendem a suavizar essa firme delimitação entre retórica e hermenêutica. Gadamer não abordou a retórica de maneira unívoca, mas a descreveu ora como “tudo que podemos traduzir para a linguagem” (2006, p. 55), ora como aquilo que abrange “tudo o que tem a ver com o outro” (2005, p. 60), formulações que podem muito bem ser estendidas à hermenêutica. Não por acaso, Gadamer enuncia que “também a retórica denota a linguisticidade realmente universal que subjaz essencialmente ao hermenêutico em outro sentido” (1993a, p. 233), ou seja, ambas pertencem à linguisticidade, mas diferenciam-se quanto ao acesso e à realização desta. Qual é o limite entre um e outro, e se isso é relevante, são questões aparentemente sem resposta na arquitetônica conceitual legada por Gadamer. Ambas são descritas como “formas de realização da vida [Vollzugsformen des Lebens]” (1993a, p. 276), mas a sua diferença específica não é apontada, com exceção da passagem acima que contrapõe oralidade e expressão escrita. Caso se aceite as indicações que o próprio Gadamer oferece sobre a incorporação da retórica pela hermenêutica (cf. 1993a, p. 281), poder-se-ia pensá-las como modos essenciais de articulação da linguagem e da coexistência, diferenciando-se em suas ênfases: a retórica na oralidade, a hermenêutica na expressão escrita. No entanto, assim como não é correto circunscrever o âmbito da retórica à oralidade, a atividade da persuasão não pode ser reduzida à dinâmica que “arrasta o ouvinte”. Além disso, embora a hermenêutica tome o texto como modelo das relações de interpretação, sugerimos que é igualmente equivocado assumir que Gadamer reduza a hermenêutica ao texto escrito, vide que toda atividade interpretativa, mesmo apresentado sob a lógica da textualidade, acaba sendo reconduzida ao diálogo vivo e a elementos que são espelhados analogicamente na oralidade, como se percebe no primado da escuta como princípio hermenêutico.

Se é verdade que o próprio Gadamer reconheceu que as relações entre hermenêutica e retórica “podem ser ampliadas, como mostram as excelentes correções e contribuições de Klaus Dockhorn” (1993a, p. 234), faz-se necessário ler a sua obra como um indicativo destas, e não como estudo voltado a essa temática. É nesse sentido que sintetizamos alguns dos resultados alcançados até aqui. O tema do demorar-se aparece após a publicação de WM no contexto de um aprofundamento da estrutura temporal da compreensão, especialmente no que concerne à experiência da obra de arte. Ao detalhar a transformação em conformação, Gadamer mostra que o tempo próprio na experiência da obra não é pensado a partir do preenchimento do tempo vazio, e sim através do acontecer da arte que, assim como a festa e a celebração, doa a temporalidade própria de sua realização. O demorar-se sobre o acontecimento da arte é uma forma de temporalização em que aquele que a experiencia é movido. Vimos, por fim, que Gadamer rejeita determinada ideia de ser-movido, a qual ele identifica com certa concepção de oratória em que o orador persuade “arrastando o ouvinte”. Contudo, por meio da análise de outras passagens, indicamos que a retórica e a hermenêutica, longe de se apresentarem de modo unívoco na filosofia de Gadamer, aparecem fundidas em diversos momentos em seus escritos e o papel que desempenham é, muitas vezes, indistinto. No que se segue, apresentaremos de forma breve uma abordagem retórica sobre a experiência da arte para demonstrar que a teoria do Verweilen, proposta por Gadamer, bem como suas implicações, não são incompatíveis com ela.

4. Ductus: o perder-se na travessia

Através do conceito de ductus, Mary Carruthers compara o encontro com uma obra de arte como sendo similar à experiência de uma jornada ou travessia, recusando que estas se reduzam a uma mera percepção de objetos estáticos supostamente completos ou finalizados em si mesmos. A dinamicidade da experiência é dada desde o conceito retórico que a regula: “ductus é o modo por meio do qual uma obra guia alguém através de si mesma” (Carruthers, 2010_______. “The Concept of Ductus, or Journeying through a Work of Art”. In: Rhetoric Beyond Words: Delight and Persuasion in the Arts of the Middle Age. Ed. Mary Carruthers. New York: Cambridge University Press, 2010, pp. 190-213., p. 190). É preciso salientar que muitos compositores, escritores e artistas produzem suas obras visualizando e planejando rotas e itinerários necessários para a compreensão da obra, e que esse arranjo (dispositio) específico é que causaria certo efeito em quem a experienciava17 17 A retórica geralmente é dividida em cinco partes. A primeira é a invenção (heuresis, inventio), a segunda, o arranjo (taksis, dispositio), a terceira, o estilo (leksis, elocutio), a quarta, a memória (mnēmē, memoria), a quinta, a performance ou ação (hupokrisis, actio) (Cf. Kennedy, 1971, pp. 10-12). Para desenvolver o argumento deste artigo, trabalharemos principalmente o arranjo e a memória, embora todas essas partes sejam pressupostas e mutuamente dependentes. . De acordo com Carruthers:

por meio de sua disposição formal a obra em si e por si ‘direciona’ o movimento. [...] Seus arranjos formais são em si mesmos agentes, que causam movimentos, mentais e sensoriais - e como no caso da arquitetura - físicos. Isso [a intentio auctoris] não é a intenção do autor em nenhum sentido biográfico. É antes uma intenção dentro da obra mesma, considerada como um agente autoral e distinta do autor humano, histórico. (2010, p. 201).

Nesse sentido, encontramos tanto na tradição retórica a que Carruthers remonta, quanto na análise da obra de arte em Gadamer, uma certa estruturação que guia - o arranjo (dispositio) no pensamento retórico, a conformação ideal (Gebilde) na hermenêutica gadameriana. Em ambos, esse elemento-guia não se encontra na ordem da subsistência: pode-se dizer, inclusive, que, em Gadamer, retórica e hermenêutica confluem na exigência da escuta como forma de acesso à obra de arte18 18 Naturalmente a exigência da escuta como condição de apropriação na compreensão não está circunscrita apenas à relação como obra de arte. Em WM, Gadamer seguindo Aristóteles, destaca que o ouvir (Hören) é “um caminho rumo ao todo porque é capaz de escutar [zu hören] o logos”, possuindo portanto uma “primazia” sobre o ver (Gadamer, 1990, p. 466). Embora também presente na experiência da obra de arte, a escuta diz respeito à experiência hermenêutica como um todo: “a experiência hermenêutica também possui o seu rigor: o da escuta ininterrupta [die des unbeirrbaren Hörens]” (Gadamer, 1990, p. 469). A pluralidade dos termos acústicos empregados para designar formas de compreensibilidade é centrada no alemão no verbo hören, com variações de partículas como prefixos (zuhören) e preposições (hören auf) para designar o que costumamos situar na escuta. Além disso, utiliza-se para isso os termos horchen e lauschen, ou compreende-se o sentido de escuta pelo contexto. Outras variações importantes utilizadas por Gadamer, são o pertencer (gehören) e o obedecer (gehorchen). Na língua portuguesa, há dificuldade de manter essas associações, pois se trabalha principalmente a partir de duas raízes latinas (ouvir: audire; escutar: auscultare). Por fim, fenomenologicamente costuma-se diferenciar a apreensão auditiva de base que, apesar de ser um ouvir compreensivo e interpretante, é distinta da escuta como abertura própria à alteridade, à linguagem e ao ser. Embora esses níveis não sejam tão expressamente marcados em Gadamer, entende-se que podemos estar surdos para o que o texto nos diz, ou para o que outro nos fala num diálogo, como podemos estar atentos e abertos para essas formas de interpelações, ritmando-as na escuta para mantê-las na abertura do sentido. A originariedade da escuta atenta e recolhedora em relação ao ouvir é expressamente anunciada por Heidegger, em sua leitura de Heráclito: “Ouvir [Hören] é primordialmente uma escuta que reúne [das gesammelte Horchen]” (Heidegger, 2000, p. 219). Veja a nota 8 deste artigo. . Nesse caso, trata-se de corresponder adequadamente à obra, enquanto uma escuta atenta que respeita o princípio fenomenológico e deixa que a obra se mostre em seus momentos essenciais. Assim como para a hermenêutica, na tradição retórica também a ocasionalidade de quem experiencia a obra é fundamental para que esta se manifeste enquanto tal, pois se trata não apenas de um “quê” que pode aparecer enquanto tal, mas também da coloração19 19 O termo latino color indica inicialmente um “artifício literário que embeleza - literalmente, ‘dá cor’ - à linguagem ordinária. Seu uso nesse sentido é uma inovação medieval” (Murphy, 2001, p. 189). Como ocorre frequentemente na história da retórica, esse uso se amplia à totalidade das expressões humanas, não se restringindo à linguagem falada ou escrita. De acordo com Carruthers, “Color é uma palavra compartilhada por todas as artes a partir da antiguidade” (2010, p. 199). ou do modo em que este “quê” assume, algo dependente e entranhado nas experiências prévias deste que experiencia, assim como em sua capacidade imaginativa.

Carruthers mostra como o ductus é um princípio retórico que orientou uma série de produções artísticas e filosóficas no período medieval. Assim, Geoffrey de Vinsauf considerava a dispositio, isto é, a ordenação dos elementos que compõem uma determinada obra, como um mapeamento, o que levou intérpretes a conceber analogicamente o poeta como um master builder, que constrói sua composição. Não é de se estranhar, portanto, que termos que indicam caminho, como limes, iter, via, cursus, passem a povoar toda sorte de composições medievais, como metáfora da dinâmica diretriz da obra (cf. Carruthers, 2010_______. “The Concept of Ductus, or Journeying through a Work of Art”. In: Rhetoric Beyond Words: Delight and Persuasion in the Arts of the Middle Age. Ed. Mary Carruthers. New York: Cambridge University Press, 2010, pp. 190-213., pp. 190-191). Carruthers menciona como a palavra ductus aparece na descrição do compositor de salmos que guia ou conduz pela música como que por rotas e caminhos para a cidade celestial, sendo os diversos momentos da composição, etapas desse itinerário. Sintetizando esse tipo de experiência, Carruthers afirma que “embora o ductus seja na retórica um aspecto do arranjo ou da dispositio, ele sempre pertence a algum movimento guia no interior e através das várias partes da obra” (2010, p. 196). Um movimento, contudo, que não é mero reflexo automático à disposição da obra. Como bem assinala Paul Crossley, “ductus é essencialmente sobre performance”, e por isso ductus e memoria estão entrelaçados, sendo o primeiro concebido como “fluxo, movimento, direção, jornada ou ‘caminho’”, ao passo que a memoria é tomada na acepção de “pensamento cognitivo e composição” (2010, p. 215). Portanto, não se trata de forma alguma de um movimento indiferente e autômato; pelo contrário, só há movimento se houver significação, e só há significação se houver atividade criativa e interessada produzida pela memoria. Mais ainda, a memoria desempenha um duplo papel: ela é retomada de aspectos latentes ou camadas sedimentadas, mas apenas enquanto ela mesma abre e projeta sentido com atividade imaginativa (memoria rerum), possuindo, portanto, um aspecto intencional e não de mera reprodução do passado20 20 É oportuno mencionar a distinção entre a memoria verborum (verbaliter), que se ocupa da reprodução exata de algo passado, sendo, por isso, uma habilidade de menor valor cognitivo, e a memoria rerum (setentialiter), que visa à recordação da substância de algo, o que implica obrigatoriamente uma retomada criativa (Cf. Carruthers, 1998, pp. 29-30; 1990, p. 73, pp. 90-91). . Não há dúvida de que encontramos aqui outra intersecção possível entre hermenêutica e retórica, a saber, aquele entre os papéis simultaneamente projetivo e retentivo tanto da compreensão quanto da memoria.

Na medida em que ductus implica também jornada ou travessia, a ordem do percurso é crucial para a experiência da obra:

Em sua forma literária e clássica, o ductus delineia a condução da mente movendo-se em direção a um objetivo; é uma composição literária (dispositio - o arranjo racional e próprio de palavras) colocado em fluxo, e ele junta os elementos da dispositio numa rota ou num caminho que dá àquela composição um sentido ativo, tão dependente da sequência quanto dos elementos dispostos. (Crossley, 2010CROSSLEY, P. “Ductus and Memoria: Chartres Cathedral and the Workings of Rhetoric”. In: Rhetoric Beyond Words: Delight and Persuasion in the Arts of the Middle Age. Ed. Mary Carruthers. New York: Cambridge University Press, 2010, pp. 214-249., p. 230).

Nesse sentido, se o ductus remete a uma jornada conduzida, na medida em que se está atento tanto aos componentes da obra e para as sendas enviadas por estes, numa exploração significativa das partes da obra, quanto ao sentido da própria sequência, é a memoria que interage com a obra como o que acolhe o color, isto é, a variedade de detalhes que contribuem para a persuasão, ao relacioná-lo com lugares-comuns prévios - colorido que é amplificado pela memoria quando esta a explora imaginativamente. Em outras palavras, a obra guia não apenas pelos seus componentes formais, mas por todas as suas cores, isto é, pelos aspectos materiais e suas combinações pela memoria (em sentido ativo).

Na acepção retórica ora apresentada não há algo como um ser arrastado pelo orador ou pelo autor; antes, trata-se da obra mesma, dos efeitos de sua estruturação, e das motivações de quem realiza o percurso. O ser movido é tanto atividade quanto receptividade: ductus é uma espécie de direção que, contudo, só se realiza enquanto tal como caminho, na medida em que alguém perfaz a jornada que a obra lhe sugere. Dito de outro modo, a concepção retórica de ductus como chave interpretativa para a relação com a obra de arte, implica a experiência de cada um dos estágios em que a obra se apresenta, o que não é senão uma outra forma de descrever a experiência de demorar-se em cada um dos movimentos conduzidos pela obra, ou, em linguagem gadameriana, do demorar-se na obra enquanto esta se transforma em conformação. Com isso não se pretende afirmar que a tradição retórica acima diz ipsis literis o que Gadamer defende sobre a experiência da arte, mas tão somente indicar a proximidade entre ambas as concepções, no que diz respeito à mutualidade entre o ser movido e o demorar-se.

Considerações finais

A concepção gadameriana sobre a obra de arte sofre pequenas mas importantes inflexões no período posterior à WM. Um dos conceitos fundamentais para se compreender as análises de Gadamer sobre a arte nesse período é o demorar-se, que embasa o tema da temporalidade própria na experiência da obra de arte. Se em WM, a temporalidade da obra é discutida em termos de contemporaneidade, as obras posteriores exploram e ampliam o seu horizonte a partir do tempo próprio do acontecimento da arte. Nesse sentido, os conceitos de festa e celebração mostram como o acontecimento doa e confere a si o tempo que lhe é próprio. De modo análogo, a obra de arte apropria-se de si enquanto acontecimento, ao conferir a temporalidade de sua própria experiência. Por sua vez, essa experiência se dá na forma de um demorar-se, em que o intérprete interage com a obra de arte enquanto esta se transforma em conformação, no qual “o jogo joga” (Gadamer, 1990________. “Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik”. GW1. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1990. [WM], p. 117). Vimos, no entanto, como isso é dependente de uma afinação do intérprete com a obra, de uma escuta que permite acompanhar a obra em seus desdobramentos inerentes, ritmando-a no tempo próprio de seu acontecer.

O tema do demorar-se requer, contudo, a análise do ser movido, o que gera certa dificuldade interpretativa, se se considera a rejeição de determinada concepção de retórica apresentada por Gadamer. O próprio filósofo, entretanto, emprega frequentemente termos advindo da retórica e faz referência explícita a esta tradição em diversos momentos de sua obra, em geral enfatizando outros aspectos que não os afetos. A discussão final com a análise de estudiosos da retórica como Mary Carruthers e Paul Crossley procurou mostrar como a abordagem retórica da obra de arte persuade, não apenas pelo arranjo, mas também pela variedade de detalhes (color) dessa travessia (ductus) - esse é o sentido próprio da persuasão retórica, o ato de mover alguém ao mostrar um aspecto da coisa. Com isso, defende-se que a persuasão é um movimento inerente à qualquer obra de arte, podendo esta apresentá-la em maior ou menor grau, sem que esteja necessariamente atrelada à figura de um suposto orador que arrasta a audiência, embora mantendo a dinâmica dos afetos. Trata-se, como visto, de conceber a obra como o que apresenta determinado arranjo, exercendo efeitos em quem o experimenta, persuadindo-o, portanto, sem nenhuma referência essencial à intenção do autor, em sentido psicológico e biográfico. Essa concepção retórica, defendemos, é próxima da articulação gadameriana entre o demorar-se e o ser movido, ao apontar para uma conformação diretriz.

Por outro lado, assinala-se que, da mesma forma que a escuta desempenha um papel crucial para Gadamer, na medida em que não é pura passividade, mas um princípio hermenêutico e uma abertura originária à alteridade, também a retórica pressupõe a atividade do partícipe. A escuta implica receptividade e ritmo, elementos essenciais também para o diálogo, na medida em que se trata de um demorar-se ritmado pelas sucessivas interpelações. A dinâmica do diálogo não é incompatível com a persuasão; antes, a pressupõe. Todo aspecto da expressão humana mostra algo do ente e, portanto, persuade em algum grau, na medida em que move alguém pela sua capacidade mostrativa. Nesse sentido, conceber o diálogo sem persuasão, seria concebê-lo sem a mostração do ente em algum aspecto, o que seria inconsistente. Se, ao contrário, é adequado conceber o diálogo - em suas mais variadas formas - como interação persuasiva, então também a experiência da obra de arte deve ser vista como dialógica e, portanto, persuasiva em seus aspectos direcionais e variáveis, como os conceitos retóricos de ductus e color nos auxiliam a compreender.

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    O prefixo ver- indica ênfase no verbo “weilen” (encontrar-se, demorar-se, permanecer), de modo que optamos por traduzir Verweilen por “demorar-se” e “perdurar”, conforme o caso. Veja a explicação do próprio Gadamer acentuando o “Weile” (enquanto, durante, algum tempo, momento) na seção 3 deste artigo. O filósofo alemão utiliza explicitamente o termo Verweilen no contexto de seu prefácio em “A origem da obra de arte” de Heidegger: “uma obra de arte não ‘significa’ [meint] algo ou funciona como um signo [Zeichen] que se refere a um significado [Bedeutung]; antes, ela se apresenta em seu próprio ser, de tal modo que o espectador deve demorar-se [Verweilen] nela” (Gadamer, 1987_____________. “Neuere Philosophie: “Hegel-Husserl-Heidegger”. GW3. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1987., p. 256). Esta passagem está na base da investigação de Ross (2003ROSS, S. M. “Event Hermeneutics and Narrative: Tarrying in the Philosophy of HansGeorg Gadamer”. Simon Fraser University, 2003. Tese de doutorado. 189p.; 2004______. “Gadamer’s Late Thinking on Verweilen”. Minerva - An Internet Journal of Philosophy, Vol. 8, 2004, pp. 132-168.) sobre o Verweilen em Gadamer, com a qual nos identificamos apenas parcialmente, pois, ao contrário dela, não desenvolvemos a investigação em direção à teoria narrativa de P. Ricoeur, e sim na aproximação com a retórica.
  • 2
    Doravante WM.
  • 3
    Traduziremos Gebilde por conformação, salientando a particularidade do verbo “bilden”, formar, com o prefixo Ge-, que indica conjunto. Algumas opções de tradução são forma (Gianni Vattimo), construto (Marco Antonio Casanova), construcción (Ana Agud Aparicio, Rafael de Agapito), structure (Joel Weinsheimer, Donald G. Marshall) e configuração (Flávio Paulo Meurer). Entendemos a nossa opção próxima do exemplo que o próprio Gadamer oferece para ilustrar o seu sentido: a formação de uma cadeia de montanhas. “Esta palavra indica, por exemplo, que o processo transitório do fluxo discursivo no poema, um fluxo que passa de modo vertiginoso, conquista de uma maneira enigmática uma posição estável, transformando-se em uma [conformação], tal como falamos da formação de uma cadeia de montanhas [der Formation eines Gebirges]” (Gadamer, 2010______. “A hermenêutica da obra de arte”. Seleção e tradução de Marco Antonio Casanova. Editora WMF/Martins Fontes: São Paulo, 2010., pp. 174-175, trad. mod.). Trata-se de uma unidade ideal que está relacionada à totalidade de um arranjo e que guia a compreensão deste, estabelecendo seus limites e possibilidades. Sempre que necessário, modificaremos as traduções consultadas com o termo conformação.
  • 4
    Além da oscilação entre a análise da “arte” e da “obra de arte”, sem contar o elemento do “belo”, que aparece ora associado aos termos anteriores, ora dissociado, o próprio conceito de “acontecimento” (Geschehen) (como em “acontecimento da arte”, Kunstgeschehen, cf. Gadamer, 1990________. “Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik”. GW1. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1990. [WM], p. 148) aparece ora atribuído a algo do qual a linguagem da arte toma parte, ora designa o próprio modo de ser da arte. Ao final de WM, como consequência da tese de que “ser é linguagem”, Gadamer dispõe lado a lado, o caráter de acontecimento (Ereignis) do belo e a estrutura do acontecimento (Geschehen) de toda a compreensão (der Ereignischarakter des Schönen und die Geschehensstruktur alles Verstehens) (1990, p. 490). Embora as discussões sobre a obra de arte e o belo se entrecruzem na análise hermenêutica da arte, esses elementos não se seguem progressivamente e não estão interligados no sentido da estética tradicional. A obra de arte é um momento ontológico da experiência da arte, mas esta não pode ser reduzida a uma relação com algo supostamente contido naquela. Existe a bela obra de arte, mas nem toda obra de arte, especialmente aquela resultante das criações modernas e contemporâneas, almeja ao belo. Apesar disso, a “metafísica do belo” (Gadamer, 1990________. “Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik”. GW1. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1990. [WM], p. 484) pode ser aplicada analogamente ao acontecimento da verdade na compreensão, na medida em que o belo tem o modo do aparecer (Art des Scheinens) e o modo de ser da luz (Seinsweise des Lichtes), elementos que compõem e estão relacionados ao desvelamento do ente (alētheia). Assim sendo, evidencia-se o fato de que, se Gadamer lança mão do termo obra de arte, isso só é adequadamente interpretado se remetido à noção de acontecimento.
  • 5
    Ambos os termos podem ser vertidos para o termo acontecimento. Contudo, visto que Ereignis acaba assumindo um sentido técnico na terminologia de Heidegger, em geral traduzido como “acontecimento-apropriador” ou “acontecimento-apropriação”, optamos por utilizar apenas “acontecimento” tanto para traduzir Geschehen e Ereignis. Em contextos específicos em que Gadamer faz referência ou se aproxima do uso heideggeriano, isto é, como o acontecimento que apropria de si mesmo, seria o caso de manter a opção de “acontecimentoapropriador”.
  • 6
    Apesar de Gadamer basear-se na definição aristotélica de belo, referindo-se ao belo como o que “não se pode nem acrescentar, nem retirar algo dele” (Gadamer, 2010______. “A hermenêutica da obra de arte”. Seleção e tradução de Marco Antonio Casanova. Editora WMF/Martins Fontes: São Paulo, 2010., p. 184; cf. Aristóteles, 2009ARISTOTLE. “The Nicomachean Ethics”. Traduzido por David Ross e revisado por Lesley Brown. Oxford: Oxford University Press, 2009., The Nicomachean Ethics, B5, 1106b10), ele salienta que isso não pode ser aceito literalmente, e propõe o belo como uma estrutura ideal que admite “um âmbito de variabilidade de possíveis transformações, substituições, acréscimos, alijamentos” (2010, p. 184-185; 1993b, p. 133).
  • 7
    Que a hermenêutica filosófica de Gadamer discuta a obra de arte a partir da idealidade é flagrante em diversas passagens de seus escritos, como na seguinte: “Toda reprodução, toda recitação ou apresentação de um poema em voz alta, todo espetáculo teatral no qual entram em cena grandes mestres da mímica ou da arte de falar ou do canto não intermedeiam uma experiência artística real da própria obra senão quando ouvimos com o nosso ouvido interior algo totalmente diverso daquilo que acontece realmente ante os nossos sentidos. Somente aquilo que é elevado à idealidade desta escuta interior [inneren Ohres] - não as reproduções, representações ou performances mímicas enquanto tais - fornece a pedra fundamental para a construção da obra” (Gadamer, 2010______. “A hermenêutica da obra de arte”. Seleção e tradução de Marco Antonio Casanova. Editora WMF/Martins Fontes: São Paulo, 2010., pp. 185-6; 1993b, p. 134).
  • 8
    Por entender que nem sempre há uma correspondência rígida entre os empregos do termo alemão hören e os usos de escutar e ouvir na língua portuguesa, optamos por traduzi-lo, bem como seus termos conexos, por escutar, nos contextos em que isso se mostra possível, como acento no caráter intencional de uma abertura à alteridade que é, simultaneamente, linguageira e ritmadora. Nos casos mais próximos do sentido da audição, mantemos a opção por ouvir.
  • 9
    A transcendência da compreensão é o fundamento pelo qual o intérprete se relaciona com a obra de arte na forma da transcendência. A compreensão de ser implica o projeto e a pertença a um horizonte de sentido previamente sintetizado e em contínua modificação, o que significa que o intérprete sempre projeta o sentido para além do mero dado. “É só porque participamos ativamente da transcendência em relação aos momentos contingentes que ressurge a conformação ideal” (Gadamer, 2010______. “A hermenêutica da obra de arte”. Seleção e tradução de Marco Antonio Casanova. Editora WMF/Martins Fontes: São Paulo, 2010., p. 186; 1993b, p. 134, trad. mod.).
  • 10
    A conformação não é algo da ordem de uma subsistência que se dá por si mesmo, pois requer a atividade do intérprete, e nem algo arbitrariamente constituído tão somente pelo intérprete, pois este constrói o que a conformação lhe permite construir: “A tarefa é desenvolver e estabelecer o que é uma conformação; construir algo que não é ‘construído’ ‒ e isso significa que todos os esforços em construção se retraem” (2007, p. 189; 1993a, pp. 358-9).
  • 11
    Naturalmente, ser interpelado é uma expressão familiar ao leitor de WM: quando analisa os fundamentos da história dos efeitos e desenvolve o argumento da pertença à tradição e da consequente fusão de horizontes, Gadamer escreve que “seja qual for o caso, a compreensão nas ciências do espírito compartilha com a sobrevivência das tradições, uma premissa fundamental, a de sentir-se interpelada [angesprochen] pela própria tradição” (1990, p. 287). Como se lê mais adiante nesta obra, a relação com a tradição, no modo do ser interpelado e da pertença, nada mais é que um caso do diálogo que caracteriza o compreender humano, em que todo o dizer se dá a partir de um solo da história dos efeitos em que o discurso se põe, mas sempre de um outro modo, de forma que ele sempre combina elementos de diferenciação e adesão.
  • 12
    Gadamer explica o conceito de declaração nos seguintes termos: “A obra de arte é uma declaração, mas é uma que não forma uma sentença assertiva, embora ela diga em mais alto grau. É como um mito, uma saga, porque naquilo que diz ela está igualmente desenvolvendo coisas e ao mesmo tempo retraindo-os em sua disponibilidade. A declaração falará sempre novamente” (2007, p. 212; 1993a, p. 388).
  • 13
    Bewegtheit é um termo que Heidegger contrapõe ao movimento (Bewegung), pois se refere à atividade ou à mobilidade tipicamente humana. Se o movimento é concebido por oposição ao repouso, a atividade/mobilidade designada pela Bewegtheit é mais originária que essa oposição e é o termo escolhido por Heidegger para traduzir a enērgeia aristotélica (Cf. Peraita, 2002PERAITA, C. S. “Hermenéutica de la vida humana. En torno al Informe Natorp de Martin Heidegger”. Madrid: Trotta, 2002., pp. 150-154).
  • 14
    Além do tema da mobilidade (Bewegtheit), Gadamer trata do demorar-se, cuja proximidade com motivos retóricos se verá adiante, e do volume, termo que nos parece próximo do conceito retórico de amplificação (auksēsis). Grosso modo, a amplificação refere-se a um conjunto de estratégias retóricas de aumento de força persuasiva e mostrativa, como o incremento desta por arranjo, por hipérbole ou por uso de lugares-comum. Cf. Verne R. Kennedy, “Concepts of Amplification in Rhetorical Theory”. (1968KENNEDY, V. R. “Concepts of Amplification in Rhetorical Theory”. Tese de doutorado. Louisiana State University, 1968, 278p. Disponível em https://digitalcommons.lsu.edu/gradschool_disstheses/1404.
    https://digitalcommons.lsu.edu/gradschoo...
    ). Tese de doutorado. Louisiana State University, 1968, 278p. Disponível em https://digitalcommons.lsu.edu/gradschool_disstheses/1404 Quando Gadamer fala em aumento infinito do volume, ele remete a algo característico da compreensão retórica da linguagem, a saber, que a demora junto ao acontecimento da arte implica na amplificação de sua experiência.
  • 15
    Veja, por exemplo, Quintiliano que, referindo-se a Marcos Catão (Instituto Oratoria, 12, I, 1 e 12, I, 44), defende a figura do orador perfeito (nobis orator) como sendo um “homem bom, exímio na arte de falar” (virum bonum dicendi peritum) (2016QUINTILIANO. “Instituição Oratória - Tomo IV”. Tradução, apresentação e notas: Bruno Fregni Bassetto. Campinas: Ed. da Unicamp, 2016., p. 385 e p. 411), estabelecendo, deste modo, a virtude como o limite da arte de falar.
  • 16
    Ao contrário da hermenêutica gadameriana, a hermenêutica da facticidade proposta por Heidegger traz ao coração de seu argumento, a relação entre afetar e ser-afetado: “esses pathē, ‘afetos’, não são estados que pertencem a entes animados, mas dizem respeito à disposição de entes vivos em seu mundo, no modo de ser posicionado em direção a algo, deixando que um assunto que lhe diga respeito. Os afetos desempenham um papel fundamental na determinação do ser-no-mundo, do ser-com-e-para-os-outros” (Seins-mit-und-zuanderen) (Heidegger, 2009HEIDEGGER, M. “Basic Concepts of Aristotelian Philosophy”. Traduzido por Robert D. Metcalf e Mark B. Tanzer. Bloomington & Indianópolis: Indiana University Press, 2009., p. 83; 2002______. “Grundbegriffe der Aristotelischen Philosophie”. (GA 18). Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 2002., p. 122).
  • 17
    A retórica geralmente é dividida em cinco partes. A primeira é a invenção (heuresis, inventio), a segunda, o arranjo (taksis, dispositio), a terceira, o estilo (leksis, elocutio), a quarta, a memória (mnēmē, memoria), a quinta, a performance ou ação (hupokrisis, actio) (Cf. Kennedy, 1971KENNEDY, G. “The Art of Persuasion in Greece”. New Jersey: Princeton University Press, 1971., pp. 10-12). Para desenvolver o argumento deste artigo, trabalharemos principalmente o arranjo e a memória, embora todas essas partes sejam pressupostas e mutuamente dependentes.
  • 18
    Naturalmente a exigência da escuta como condição de apropriação na compreensão não está circunscrita apenas à relação como obra de arte. Em WM, Gadamer seguindo Aristóteles, destaca que o ouvir (Hören) é “um caminho rumo ao todo porque é capaz de escutar [zu hören] o logos”, possuindo portanto uma “primazia” sobre o ver (Gadamer, 1990________. “Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik”. GW1. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1990. [WM], p. 466). Embora também presente na experiência da obra de arte, a escuta diz respeito à experiência hermenêutica como um todo: “a experiência hermenêutica também possui o seu rigor: o da escuta ininterrupta [die des unbeirrbaren Hörens]” (Gadamer, 1990________. “Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik”. GW1. Tübingen: J.C.B Mohr (Paul Siebeck), 1990. [WM], p. 469). A pluralidade dos termos acústicos empregados para designar formas de compreensibilidade é centrada no alemão no verbo hören, com variações de partículas como prefixos (zuhören) e preposições (hören auf) para designar o que costumamos situar na escuta. Além disso, utiliza-se para isso os termos horchen e lauschen, ou compreende-se o sentido de escuta pelo contexto. Outras variações importantes utilizadas por Gadamer, são o pertencer (gehören) e o obedecer (gehorchen). Na língua portuguesa, há dificuldade de manter essas associações, pois se trabalha principalmente a partir de duas raízes latinas (ouvir: audire; escutar: auscultare). Por fim, fenomenologicamente costuma-se diferenciar a apreensão auditiva de base que, apesar de ser um ouvir compreensivo e interpretante, é distinta da escuta como abertura própria à alteridade, à linguagem e ao ser. Embora esses níveis não sejam tão expressamente marcados em Gadamer, entende-se que podemos estar surdos para o que o texto nos diz, ou para o que outro nos fala num diálogo, como podemos estar atentos e abertos para essas formas de interpelações, ritmando-as na escuta para mantê-las na abertura do sentido. A originariedade da escuta atenta e recolhedora em relação ao ouvir é expressamente anunciada por Heidegger, em sua leitura de Heráclito: “Ouvir [Hören] é primordialmente uma escuta que reúne [das gesammelte Horchen]” (Heidegger, 2000______. “Vorträge und Aufsätze”. (GA 07). Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 2000., p. 219). Veja a nota 8 deste artigo.
  • 19
    O termo latino color indica inicialmente um “artifício literário que embeleza - literalmente, ‘dá cor’ - à linguagem ordinária. Seu uso nesse sentido é uma inovação medieval” (Murphy, 2001MURPHY, J. J. “Rhetoric in the Middle Ages: A History of Rhetorical Theory from Saint Augustine to the Renaissance”. Berkeley: University of California Press, 2001., p. 189). Como ocorre frequentemente na história da retórica, esse uso se amplia à totalidade das expressões humanas, não se restringindo à linguagem falada ou escrita. De acordo com Carruthers, “Color é uma palavra compartilhada por todas as artes a partir da antiguidade” (2010, p. 199).
  • 20
    É oportuno mencionar a distinção entre a memoria verborum (verbaliter), que se ocupa da reprodução exata de algo passado, sendo, por isso, uma habilidade de menor valor cognitivo, e a memoria rerum (setentialiter), que visa à recordação da substância de algo, o que implica obrigatoriamente uma retomada criativa (Cf. Carruthers, 1998_______. “The Craft of Thought: Meditation, Rhetoric, and the Making of Images (400-1200)”. New York: Cambridge University Press, 1998., pp. 29-30; 1990, p. 73, pp. 90-91).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2020
  • Aceito
    17 Ago 2020
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