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Bases da Educação Médica e Farmacologia Clínica

Função das instituições de ensino e pesquisa. Caráter da formação profissional

Uma escola de medicina deve oferecer, ao estudante e ao professor, uma atmosfera científica, de avanço contínuo do conhecimento, de competência profissional, de inquestionável nível ético e de sensibilidade emocional, mercê de organização eficiente, de trabalho inter-relacionado e de uso racional do tempo e dos recursos materiais. Nesta variada gama de condições de trabalho, é que se deve desenvolver a formação profissional do médico. Como decorrência, exige-se das escolas de medicina que propiciem a seus alunos formação científica, combinada com excelente treinamento.

Neste tipo de educação médica, deve-se dar ênfase, também, às técnicas de organização e a administração, assim como aos modernos métodos pedagógicos.

As escolas médicas compreenderam que sua ordenação programática tem sido restrita em suas concepções, demasiadamente confinadas em hospitais. Novos departamentos estão sendo constituídos para ampliar objetivos. A solução para necessidades tão prementes é, no entanto, um programa que preveja a plena integração, a fim de evitar-lhe o insucesso. Segue­se que a orientação a buscar é o preparo de estudantes para amplos problemas de saúde da comunidade, enfocando a saúde como um todo. Assim, serão abrangidos docentes de todos os departamentos e aqueles responsáveis pelo ensino de conhecimentos básicos. Estes devem fornecer aos estudantes conceitos essenciais à efetiva compreensão dos problemas integrados de saúde.

O médico deve dar à saúde um enfoque sistêmico: população, ameaças à saúde, prioridades e investimento. Um sistema que, uma vez aprendido, permita decisões integrais. Bioquímica, fisiologia, farmacologia etc. já não podem prescindir de análise de sistemas, relações custo/benefício, ou métodos de experimentação e avaliação de dados.

Num sistema assim conhecido, um dado departamento de medicina, simplesmente acrescido, terá dificuldade em transmitir conhecimentos, por várias razões, entre as quais, a atitude transmitida aos estudantes. A situação intramural da universidade, ou do hospital, guarda uma evidente discrepância com a realidade externa, onde os mais variados e complexos problemas se multiplicam cotidianamente. Os estudantes não entenderão a diferença entre estas duas realidades, a menos que o corpo docente também as entenda. A realidade externa não poderá ser entendida apenas através de conhecimentos ministrados por um departamento, se os demais não estiverem integrados no mesmo programa. A noção de saúde, como um fato global, deve ser transmitida ao estudante de forma clara e contínua.

O isolamento em que as universidades se mantêm, ignorando a realidade de seus países, é uma das duras verdades de nosso tempo.

Aceitas que forem tais premissas, importantes contribuições poderão ser prestadas na realização de serviços a parcelas definidas da população.

As universidades têm obtido amplo sucesso ao ensinar jovens a cuidar de pacientes no cenário do hospital. Uma razão para explicá-lo reside no seu profundo envolvimento com este.

Os cuidados modernos para com o paciente requerem a intervenção de pessoal médico, para-médico e auxiliar, funcionando como uma equipe coordenada. Infelizmente, com raras exceções o futuro médico não é preparado para cooperar adequadamente com os demais colaboradores desse conjunto. Líder natural desta equipe, dada a tradição histórica e a longa formação científica que preparou, ou pretendeu preparar, muitas vezes induz ao trabalho desordenado da mesma, porque encerrado numa atitude aristocrática, o médico, via de regra, é incapaz de delegar tarefas que prescindam de sua intervenção e dedicar-se àquelas em que sua presença é indelegável. Admita-se, porém, que ele não foi preparado para pensar, e muito menos trabalhar, dentro deste princípio racional de organização.

Para que tal situação seja modificada, a responsabilidade por um programa de ensino integrado deve recair em todo o corpo docente e não somente em um departamento, que poderia ter apenas um papel catalítico, coordenador de esforços, bem como poderia criar e desenvolver habilidades específicas, como as referentes à análise de sistemas, à heurística e à bio-matemática. Teria a liderança primária no desenvolvimento do programa letivo, mas a responsabilidade pelo total desenvolvimento deste, deverá caber a um sistema interdepartamental, ou inter-institucional, incluindo os vários departamentos da escola médica e outras instituições empenhadas em educar elementos da equipe de saúde.

Aspecto importante, cumpre salientar, é que o programa não seja cingido num único departamento e que os mecanismos administrativos assegurem seus objetivos mais amplos. Cabe fixar a missão, bem definida e escalonada em seus objetivos, para após estabelecer as estruturas que hão de levar ao seu cumprimento.

O aumento e a adequação de programas de farmacologia experimental, farmacologia clínica e terapêutica exige número e qualificações tanto de índole específica, como de capacitação pedagógica. Acrescente-se a necessidade de freqüente revisão dos conteúdos programáticos, dada a rapidez surpreendente com que novas e mais complexas informações se têm acumulado nos últimos anos. O ônus de resolver este problema repousa amplamente no planejamento educacional. Um exemplo disso é o planejamento esboçado pela Comissão de Carreira do Curso de Medicina da UFRGS.

Existe hoje maior densidade e maior complexidade de informações em uma única especialidade médica do que existia, há poucas décadas, em relação a toda a Medicina. Além disso, tem havido aumento exponencial do conhecimento das disciplinas não-biológicas, que contribuem substancialmente para a ciência e prática médicas. Aos programas tradicionais, dominantemente orientados para a biologia, estão se aditando programas e/ ou disciplinas que oferecem ao futuro médico um denso “background” científico, incluindo: ciências sociais e humanidades; matemática, física e química; engenharia; bio-eletrônica; teoria das comunicações; análises de sistemas; técnicas computacionais; e bio-matemática (teoria dos conjuntos e a expressão diagramática de Venn, lógica simbólica, álgebra de Boole e bio-estatística).

De suma importância são os conhecimentos básicos sobre comportamento humano, de tal forma que o médico valorize a reação do paciente à sua doença.

A interação de todas as facetas da explosão das informações criou para os educadores problemas de comunicação de tal magnitude, que se estendem muito além dos relacionados com a educação de estudantes de medicina, dos programas de internato e residência, atingindo mesmo aqueles que exercem a prática médica. Há, indubitavelmente - ao nível da comunidade - um sério hiato ou um atraso temporal entre o que se sabe em medicina e aquilo que é aplicado na prática, visando a tratar pacientes, salvar vidas, ou atenuar sofrimentos. Devem ser encontrados caminhos para remediar a logística deficiente e imperfeita das comunicações, na área das ciências da saúde, para motivar mais ativamente os profissionais da saúde a subordinarem-se ao dever de apreender por todo o período de suas vidas.

Há necessidade - em nível nacional - de facilidades coordenadoras de informação, para interligar os novos conhecimentos das ciências relacionadas com a saúde e reduzi-las e/ou incluí-las em disciplinas. Parece, também, haver necessidade de uma organização ou comissão ou grupo, capaz de coordenar os programas educacionais de organizações regionais e, simultaneamente, servir como centro que estabeleça os critérios para as oportunidades de pesquisa e treinamento, bem como para as necessidades de material de tecnologia educacional.

Pesquisa

Na amplitude deste problema estão compreendidos vários aspectos e seria, até certo ponto, justificado abordar cada um deles separadamente:

  1. a aparente oposição entre a explanação da realidade, também chamada ciência fundamental, desinteressada, teórica ou pura e a ação sobre a realidade - também chamada ciência aplicada, ciência subordinada ao interesse sócio-econômico ou uso racional de técnica;

  2. a interação profunda, contínua e múltipla entre a ciência fundamental e a ciência aplicada, que conduz à compreensão da realidade juntamente com a descoberta de novas verdades e que. em última instância, vai proporcionar sua utilização segura e rápida para o benefício material e espiritual do homem;

  3. a conexão entre a investigação científica e as sociedades humanas;

  4. a conexão entre universidades e sociedades humanas;

  5. a necessidade, a propriedade e a legitimidade da pesquisa em escolas de medicina, independentemente do estado só-cio-econômico da área onde estiverem localizadas;

  6. a necessidade, a propriedade e a legitimidade da pesquisa em escolas de medicina, localizadas em áreas menos desenvolvidas;

  7. a conveniência da pesquisa fundamental ou aplicada, ou de ambas, ou da pesquisa no ciclo pré-clínico ou no ciclo clínico, ou de ambas, ou da pesquisa departamental independente ou inter-relacionada, ou da pesquisa em nível pós-graduado, ou da pesquisa específica em deter­ minado assunto.

A ciência não é somente a procura de uma explicação para a realidade, mas, também, uma ação sobre a realidade, e tanto quanto a análise histórica da ciência revela a interação sucessiva, alternada ou concorrente, destas duas dimensões, a escolha do item (a) para discussão seria injustificada, enquanto o item (b) é evidente por si mesmo. Além disso, as universidades estão fundamentalmente relacionadas com o bem-estar da humanidade e suas contribuições - conseguidas através dos vários institutos que as constituem - são a real justificativa de sua existência. Daí, um que pesquisa em escolas de medicina implicitamente deve envolver a própria escola, a universidade, a comunidade e toda a gama de aplicação da ciência para benefício da sociedade.

Uma concessão deve aqui ser feita para o fato de que atenção especial seja dada ao estudo da pesquisa em áreas menos desenvolvidas, e pelo fato de que a economia de tempo não nos aconselha o tratamento detalhado da pesquisa nos vários estágios do curso médico. Isto estabelecido, a linha de abordagem do assunto fica tão precisamente definida quanto possível.

As escolas médicas, quer estejam localizadas em áreas menos desenvolvidas, quer não, necessitam lançar mão da pesquisa, não somente pelo seu valor intrínseco, mas também por ser instrumento didático para o qual não existe substituto.

O ensino da medicina, o ensino da ciência da biologia humana, exige, das escolas médicas, espírito, estrutura, métodos e propósitos que são comuns a todas as outras instituições que lidam com a ciência. Elas devem usar o método científico como seu instrumento mais eficiente de transmitir conhecimento.

É de afirmar-se, então, que somente aquele que tem conhecimento e atitude baseados sobre a experiência - espírito científico - deve ser professor de medicina. A menos que se possa provar que os médicos não necessitam de uma atitude científica na execução de sua tarefa diária, cabe às escolas de medicina ensinar tanto pelos preceitos como essencialmente pelo exemplo, e de tal maneira que as atividades laboratoriais e clínicas se tornem armas pedagógicas indispensáveis à formação profissional de seus estudantes.

A verificação e o entendimento da dinâmica dos fenômenos orgânicos, tanto na sua expressão fisiológica como nos seus desvios patológicos - produzidas por causas intrínsecas, extrínsecas, ou lantânicas - não podem ser apreendidos a partir de um delineamento puramente intelectual, ou através de especulações injustificadas. Tanto verificação como entendimento podem ser somente atingidos pela observação e pela experiência pessoal. Na verdade, é necessário observar, examinar o que foi observado, formular hipóteses de trabalho, decidir quanto às probabilidades, selecionar métodos de ação, planejar experimentação, analisar resultados, correlacioná-los, tirar conclusões e exercitar crítica severa e direta, de tal forma que a obtenção do conhecimento possa clarear o passado, iluminar o presente e antecipar o futuro. Na situação da relação professor-estudante, este processo pode ser de algum benefício para a própria experimentação, com vantagem para o professor e, ao mesmo tempo, com possibilidade de habilitar o estudante para estudos ulteriores e para sua ação profissional. Se o seu progresso for assim atingido, em virtude de ter sido treinado tecnicamente, médico, professor e estudante formularão hipóteses de trabalho e elegerão sua linha futura de ação. Se o último aprender a usar criticamente sua inteligência e sua experiência, estará apto a estimar as suas possibilidades e a entender as limitações de seu conhecimento. Tal consciência de limitações forçará o reconhecimento da inevitabilidade e a conveniência de uma perquirição contínua.

Se a escola de medicina lida com ciência, se o meio de atingir seus objetivos é comum a todas as outras ciências, se os homens que se dedicam a seu estudo, em qualquer nível de formação, devem, por força, usar um método comum, a única questão que permanece, a esta altura, diz respeito à natureza do problema que se apresenta ao médico, ou seja, o quanto ele é diferente daquele que se apresenta ao investigador, ou o quanto é semelhante ou idêntico.

O investigador se defronta com uma situação definida, que é desconhecida para ele. O médico também encontra uma situação igualmente desconhecida. Ambos, investigador e médico, no curso de seu trabalho, desde a identificação pela observação até a retirada de conclusões, seguirão caminhos paralelos, passo a passo, e adotarão processos intelectuais comuns, embora tecnologicamente distintos. Assim o resumiu Aristóteles, ao dizer que os métodos de uma experiência devem ser adaptados ao respectivo material; materiais diferentes para estruturas e funções diversas: para diferentes estruturas e funções, diversos métodos de observação.

Portanto, levantada a questão, sua resposta é óbvia e se pronuncia no sentido de que os fenômenos encontrados pelo médico e a atitude esperada dele, em sua totalidade, são similares à situação também encontrada pelo investigador. Entretanto, existem fatos adicionais a serem considerados: enquanto o investigador tem, até certo ponto, tempo ilimitado à sua disposição, o médico deve enfrentar a situação, isto é, doença do ser humano, com todos seus corolários de pressões ambientais, dentro de limite de tempo crucial. Ainda mais: enquanto o investigador se sente seguro e pode partilhar sua responsabilidade emocional e intelectual, o médico encontra-se isolado e tem que agir sozinho, particularmente nas áreas menos desenvolvidas, em países onde o ensino continuado é raro ou inexistente, e onde a possibilidade de receber orientação é, geograficamente, quase impossível.

Será lícito, inclusive, perguntar até quando as atividades do médico, sob circunstâncias usuais, importariam em forte argumento adicional para a educação científica, considerando que seu destino é executar suas atribuições, só e exclusivamente, na base da experiência adquirida na escola e acumulada através dos anos de sua formação.

Segue-se, necessariamente, que ciência e educação médica racional usam técnicas iguais e são identificadas por uma meta comum: lógica, isto é, pensamento crítico, e métodos experimentais. Nem a lógica sem a observação, nem a observação sem a lógica, podem dar um passo na estruturação da ciência. Esta é a razão pela qual, o professor tem que depender tanto do pensamento lógico como dos métodos experimentais para fornecer informação, descrevendo fatos e acumulando observações, com vista ao treinamento da inteligência do estudante e com finalidade de equipá-lo com um instrumento de análise crítica contínua. O estudante, como o professor, não pode ser mero espectador de fatos, mas deve, necessariamente, participar deles. “O poder intelectual disciplinado é muito mais valioso do que o conhecimento.” Além disso, nenhuma escola, qualquer que seja sua natureza ou duração de seu currículo, pode fornecer ao estudante mais do que uma fração do pensamento médico contemporâneo. O problema sendo proposto desta forma, torna-se claro que a escola é um ponto de partida antes de ser a complementação da formação do estudante; se a ela faltam professores cientificamente treinados que ignorem ou meramente menosprezem a observação e a experiência, ela se torna uma instituição marcada por atmosfera morta, que cedo veiculará um dogmatismo obscurantista.

Em vista do que acima foi dito é de concluir-se:

  1. a educação médica não pode ser baseada em técnica verbalística;

  2. os métodos experimentais têm a mais alta importância para o médico, quer pretenda dedicar-se à prática geral ou especializada;

  3. a aquisição de informação necessariamente requer treinamento em observação e técnicas experimentais, porque esta é a única maneira de dar ao professor e ao estudante atitude lógica e crítica;

  4. não existe melhor instrumento de incorporação de conhecimento do que a experiência pessoal; a formação do estudante, em instituições que adotam sistema educacional que os provê com a oportunidade de participar de esquemas de pesquisa, constitui a maneira apropriada para a avaliação objetiva das múltiplas variáveis de uma situação em estudo, do valor dos controles e do risco das coincidências.

Segundo Feinstein, a freqüência dos erros diagnósticos e prognósticos baseados em índices, ou achados patognomônicos de uma determinada doença, deve-se ao fato de que tais índices são, na maioria das vezes, evidências de anormalidade e não, necessariamente, características de doenças específicas. Em conseqüência, não é possível um conceito estabelecido, baseado em índices clínicos, que seja capaz de avaliar os efeitos terapêuticos, desde que esses índices ou não existem, ou são inapropriados, mal definidos ou inconsistentes.

A ausência de índices fidedignos, ou de uma classificação “terapognomônica” para dados clínicos e laboratoriais tornam, freqüentemente, impossível a avaliação de um tratamento.

Mesmo assim, o clínico, na pesquisa médica contemporânea, ainda encontra uma excitante oportunidade para usar suas habilidades e talentos, em benefício de uma investigação científica de importância. Ele pode apreender as respostas a muitas velhas interrogações de taxonomia clínica, estabelecendo ele próprio índices e critérios clínicos e de avaliação terapêutica. Ele pode adquirir a base· necessária de informações essenciais que o levem a uma abordagem científica válida de muitos novos problemas terapêuticos. Ele, por fim, é o único cientista que tem o treinamento necessário para esse trabalho e, para isso, não precisa viajar grandes distâncias, adquirir equipamentos elaborados, ou apreender novas e complexas metodologias. Com o equipamento intelectual já a seu dispor, o clínico pode extrair o ouro científico, que existe nos veios a descoberto das jazidas representadas pelos registros médicos dos pacientes.

A taxonomia clínica, para ser bem sucedida, deve, portanto, ser capaz de demonstrar a superposição de combinações ou sínteses de muitas peculiaridades diversas que tornam os fenômenos clínicos tão intrincados e difíceis de classificar. O valor principal da teoria dos conjuntos, a álgebra de Boole e dos diagramas de Venn, na medicina moderna - sua contribuição ímpar à tecnologia mental do clínico contemporâneo - é justamente o fato de que os mesmos fornecem os meios de construir uma tal taxonomia. Obtêm-se, assim, métodos para realizar, simultaneamente, análise e síntese.

Se as razões da orientação aqui exposta, bem como suas conseqüências, devam ser aceitas, várias medidas podem ser sugeridas para tornar possível sua aplicação efetiva. Os meios pelos quais se hão de atingir tal finalidade levarão a resultados imediatos e remotos, e os seguintes passos devem ser dados:

  1. os conceitos sobre metodologia do ensino médico, assim como foram discutidos, devem ser sistematicamente expostos, a fim de criar naqueles que lidam com a educação médica uma consciência universal da importância da pesquisa como instrumento pedagógico;

  2. desde que as escolas que têm seguido esta orientação, durante as últimas décadas, atingiram um nível de primeira linha, os resultados por eles obtidos devem ser consistentemente divulgados entre aqueles diretamente responsáveis pela conduta das universidades;

  3. aceitando-se que o progresso das sociedades humanas depende largamente da ciência e da tecnologia, é fundamental demonstrar que a não utilização de um instrumento tão efetivo, como a investigação na escola de medicina, resultará na formação ineficiente de profissionais e ausência de emulação para o desenvolvimento de novos pesquisadores: as desvantagens daí advindas para a solução de problemas urgentes e as conseqüências sócio-econômicas decorrentes não necessitam ser encarecidas;

  4. é necessário estimular a criação de organizações nacionais para congregar escolas de medicina, pois os esforços conjuntos possibilitarão e aumentarão a qualidade de sua produtividade e conduzirão as instituições governamentais a provê-las adequadamente de recursos, para que suas atividades possam ser orientadas de acordo com as linhas propostas;

  5. é necessário criar, ou fortalecer os centros de pesquisa nacionais que suplementarão as atividades das escolas médicas, quer através da orientação na seleção de problemas de pesquisa específicos - desde que a liberdade intelectual indispensável para a obra criadora seja respeitada - ou pelo aumento de facilidades para a sua execução;

  6. as escolas de medicina devem criar condições de pesquisa, às quais todos os estudantes devem ser expostos. Isto expandirá o número de investigadores potenciais, aumentará os pesquisadores verdadeiros e descobrirá homens com reais possibilidades criadoras. Desde que recebem oportunidades especiais para um desenvolvimento futuro, as conseqüências sociais daí provenientes, para os países que adotam tal conduta, tornam-se evidentes. Ao defender uma tal orientação, não esperamos que cada professor, ou estudante se torne um investigador, mas pensamos que todos eles devem agir logicamente, em espírito e método. A mais freqüente objeção a esse tipo de ensino é de que ele é dispendioso, bem como requer facilidades materiais e humanas incompatíveis com os recursos limitados de países menos desenvolvidos. A isto podemos replicar que qualquer outra orientação é incompatível com a medicina científica. Uma escola de medicina não se deve limitar a ser um lugar de distribuição de conhecimento, mas deve preocupar-se em ser também um lugar onde o conhecimento se origina e se expande.

  7. associar escolas de medicina a centros de pesquisas independentes, com o propósito de efetuar pesquisa combinada, estimulando a investigação na escola médica e conferindo aos institutos função pedagógica;

  8. organizar, nas áreas menos desenvolvidas, cursos, programas de treinamento, seminários, de que participem elementos locais e estranhos, com a finalidade de dar, àqueles que já têm atribuições técnicas, oportunidades para estudo teórico e atividades de treinamento relacionadas com a pesquisa biológica, através de verdadeira e efetiva participação nas mesmas;

  9. promover, através de organizações nacionais e internacionais, a visita de professores e de equipes de pesquisa de centros altamente desenvolvidos a instituições localizadas em áreas menos desenvolvidas.

O conhecimento das limitações, quer no que se refere aos fatores primários, secundários, lantânicos, ou sobrepostos, ou ao conjunto global das interações causais, e a forma de ajuizá-los no que se refere à biopatologia, aplica-se de forma inteiramente pertinente à farmacoterapia. Estarão assim farmacólogos de qualquer índole aptos a introjetar atitudes que lhes permitem, posto que constitui fundamento nuclear à sua ação clínica, fazer face a:

  1. selecionar científica, ética e sócio-economicamente o melhor medicamento, para um determinado paciente, portador de uma dada afecção e em determinado momento;

  2. não prescrever substância com a qual não esteja inteiramente familiarizado, quer do ponto de vista farmacológico, quer terapêutico;

  3. haurir familiaridade com a estrutura química, com as contra-indicações, com os efeitos colaterais e com os meios de tratar as reações adversas que possam ocorrer;

  4. haurir familiaridade, pois, com os padrões de ação da droga, com a idiossincrasia, com a sede e a magnitude de absorção, com as barreiras anatômicas, com os processos intermediários, com os esquemas de dosagem, com a farmaco­ genética, com a farmacocinética e com a interação medicamentosa intra-orgânica, com a biotransformação e a bioequivalência;

  5. em resumo, a mais autorizada fonte de decisão do médico - cuja índole de formação delineamos - é a opinião crítica existente na literatura médica. Lamentavelmente, há um considerável lapso de tempo entre a introdução de novas drogas e a publicação dos artigos de revisão, para fins de informação comparativa. Sabe-se que entre a introdução de uma nova droga e a determinação possivelmente definitiva da relação risco-benefício existe um período de tempo não inferior a cinco anos. Considerará, assim, as normas científicas de sua profissão, bem como a responsabilidade social de atender ao paciente, quer em benefício dele próprio, quer da sociedade a que pertence.

Desejo salientar que essa constante flutuação que diz da luta entre o médico e a doença está a reclamar a construção de um modelo probabilístico quantitativo, capaz de servir de instrumento de simulação, para a adequada tomada de decisões.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1981
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