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MEDITAÇÕES SOBRE O ENSINO MÉDICO

O ensino médico continua sendo uma das grandes preocupações de todos os que a ele se encontram vinculados. Ouvem-se descontentamentos de discentes, docentes e órgãos envolvidos na política da educação e da assistência à saúde. Muito tem sido feito no sentido de minimizá-los, de vez que sua total extinção se torna inteiramente irrealizável, por circunstâncias que lhe são peculiares.

Através de conclaves os mais variados, realizados pela ABEM, os problemas têm sido analisados, alcançando-se recomendações e possíveis soluções. Entretanto, eles continuam presentes, em escalas variáveis.

Um retrospecto dos anos 50 demonstra que, já naquela época, os alunos do Curso de Graduação em Medicina viviam inquietos quanto ao futuro profissional; e assim, desde o 2.o ou 3.o anos do Curso, procuravam ligar-se a um determinado serviço hospitalar, onde eram treinados como clínicos, cirurgiões, ou em várias especialidades, constituindo o que, posteriormente, foi denominado Internato espontâneo ou informal, pois, entre outras particularidades, carecia-lhes a supervisão contínua de docentes.

Esta situação se manteve até o surgimento da ABEM, que, interessada em atenuar os problemas daí decorrentes, após estudos e definições, conseguiu que fosse incorporado aos currículos o Internato, correspondente ao 6.o ano médico. Tivemos, assim, o início de uma nova era no ensino da Medicina, e que culminou com a Resolução n.o 8, de 1969, do Conselho Federal de Educação, que definiu o “estágio obrigatório em Hospitais e Centros de Saúde (...) facultando-se o aluno iniciar-se em determinada especialidade”, obrigando o discente, antes de receber seu diploma, a exercer atividades sob a supervisão de pessoal docente. Este fato levo u algumas escolas a uma reformulação curricular de caráter especializante na graduação.

Em 1974, no XII Congresso Brasileiro· de Educação Médica, realizado em São Paulo, foram debatidos os temas Ensino Médico e Previdência Social, com objetivo de uma aproximação entre os sistemas formador e utilizador, e Internato, que foi considerado como indispensável à formação básica do médico. Recomendou-se, também, “rodízio nas áreas de Clínica Médica, Cirurgia, Tocoginecologia e Pediatria, e que este Internato se realizasse, também, em programas de extensão comunitária, áreas rurais, campus avançados etc., desde que houvesse infra-estrutura adequada para o trabalho do Interno, garantida, ainda, a supervisão direta, ou delegada”.

Em 1978, o Seminário sobre a Formação do Médico Generalista, realizado em Campinas, sublinhou a importância “da formação do médico geral no Curso de Graduação” e a do “médico especialista na pós-graduação”.

Em 1979, no XVII Congresso Brasileiro de Educação Médica, em Poços de Caldas, uma das tônicas foi a integração docente-assistencial, conceituada como “o estabelecimento de uma relação de trabalho entre uma instituição de ensino e uma instituição prestadora de serviço de saúde, relação essa de caráter contínuo e prolongado, que possibilite aos alunos e professores, da primeira, trabalhar em conjunto com o pessoal da segunda, em uma área de comum acordo e que, daí por diante, passa a ser chamada área docente-assistencial”.

A seguir, vem o Plano do CONASP, tentando uma integração entre o sistema formador de recursos humanos para a saúde e o sistema de utilização do mesmo, e o Programa de Apoio Pedagógico aos Profissionais da Saúde (PAPPS), de natureza interprofissional e interinstitucional, com objetivo de treinar docentes e profissionais da área de saúde, fomentando a melhoria de seu desempenho nas atividades docente-assistenciais.

Finalmente, surge a Resolução no 9/83, do Conselho Federal de Educação, que determina seja o Internato feito sempre em rodízio pelas grandes áreas de Medicina: Clínica Médica, Cirurgia, Tocoginecologia e Pediatria, proibindo o estágio em Especialidades.

Todos estes estudos e providências têm objetivos salutares e orientados para a melhoria do ensino. Entretanto, numerosas são as resistências em aceitá-los. Professor Cícero Adolpho da Silva, assim referiu: “O tema que nos cabe discutir diz respeito aos problemas da integração docente-assistencial. Entendemos que problemas, aqui, são os obstáculos e as dificuldades a solucionar e a vencer para implementar esta estratégia de transformação e mudança da educação médica e da prestação de serviços à saúde. São múltiplos os problemas, mas, ao que me parece, nenhum é maior, nem mais pertinaz, nem mais difícil de vencer do que aquele, todavia, mais simples de identificar - o da resistência à mudança (...) A resistência à mudança é uma espécie de fênix: decepada a cabeça, logo outra surge. Transfigura-se para assumir formas, modelos múltiplos e variados”.** SILVA, Cícero Adolpho da et alii - Problemas da integração docente-assistencial. In: Reunião do Programa de Análise da Integração Docente-Assistencial. São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, USP. 16-17 dez. 1982. Rio de Janeiro, ABEM, 1983 (Série Documentos da Associação Brasileira de Educação Médica, 6)

Internato e integração docente-assistencial constituem um binômio de extraordinária importância para a formação médica. Têm sido, entretanto, diversos as resistências e obstáculos à sua execução, muitos deles já apontados no documento n.o 4 da Série Documentos ABEM, e dentre os quais incluiremos mais alguns:

  • inadequação dos currículos quanto a compatibilizar as exigências do Internato e do programa de IDA, no que diz respeito ao horário e locais de trabalho;

  • oposição dos alunos ao internato rotativo, considerando que, nas etapas prévias do Curso de Graduação, foram submetidos a um currículo especializante;

  • falta de regionalização dos Serviços;

  • mercado de trabalho aberto de preferência aos especialistas;

  • falta de hospital-escola ou de ensino, onde possam contar os alunos com enfermarias, ambulatórios, unidades de emergência, equipamentos, exames complementares, medicamentos etc.;

  • desinteresse dos docentes pelo cumprimento das atribuições didáticas e/ou assistenciais. Considerando-se admitidos na qualidade de Professor de Medicina, recusam-se a exercer atividades assistenciais, mesmo ligadas ao ensino, por acharem que esta tarefa pertence ao profissional médico;

  • dificuldades no relacionamento entre o docente e o profissional médico nas medidas que possam facilitar o desenvolvimento de projetos de integração docente-assistencial;

  • dificuldades relativas a uma melhor política de entendimento entre os órgãos prestadores de serviços de saúde e os formadores de recursos humanos.

Se todas estas resistências e fatos apontados forem demovidos através da meditação e do trabalho dos que participam deste complexo educação-assistência-saúde, muito se beneficiará, com uma melhor qualificação, o nosso ensino médio.

Ernesto Gondim Leitão
Diretor, Centro de Ciências da Saúde Universidade Federal do Pará

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    SILVA, Cícero Adolpho da et alii - Problemas da integração docente-assistencial In: Reunião do Programa de Análise da Integração Docente-Assistencial. São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, USP. 16-17 dez. 1982. Rio de Janeiro, ABEM, 1983 (Série Documentos da Associação Brasileira de Educação Médica, 6)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1983
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