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AVALIAÇÃO DO APRENDIZADO ACADÊMICO (UM ESTUDO COMPARATIVO DO DESEMPENHO CURRICULAR COM OS RESULTADOS DE UM CONCURSO)

Resumo:

Faz-se estudo comparativo entre o comportamento de alunos frente a um concurso para treinamento no CTI e o seu desempenho ao longo dos primeiros quatro anos do curso médico. A análise matemática da correlação demonstra que os alunos que alcançaram as notas mais elevadas no concurso correspondem aos que melhor desempenho tiveram no curso médico e vice-versa. Demonstrou-se, por outro lado, uma “complacência” na avaliação curricular mais evidente entre alunos que obtiveram as notas mais insuficientes no concurso.

Abstract

The authors report a comparative study between a test for admission for an Intensive Care Center and the academic performance of students during the first four years of the medical undergraduate course. Mathematical analysis demonstrated that best students performances on the admission tests had a significant correlation with performance during the medical course and vice-versa.

In addition, the authors suggest that “compliant” evaluation procedures at medical school were more significant among students with insufficient under-graduate academic performance.

INTRODUÇÃO

A avaliação do aprendizado acadêmico é uma das dificuldades mais constantes em qualquer planejamento pedagógico e na prática docente.11. BÖHM, G.M. - Avaliação do rendimento educacional. São Paulo, Ed. Pedagógica e Universitária, 1980.),(55. ROITMAN, R. - Reflexões sobre o processo ensino-aprendizagem, Educação, Brasília, 5 (20): 62-4, abr./jun. 1976.),(6) . Muito se discute a respeito das diversas formas de avaliação22. MEDEIROS, E.B. - Nossas práticas de avaliação: um anacronismo na escola. Rev. Bras. Educ. Méd. Rio de Janeiro, 6 (2):89-100,1982. e, em geral, a crítica é capaz de encontrar aspectos negativos em todas elas.

A principal preocupação é a de assegurar a compatibilidade entre nota e aprendizado. Ora, se aprendizado diz respeito a domínio de conhecimento e habilidades, ele poderia ser avaliado pelo desempenho de quem foi submetido ao processo educacional frente a situações da vida prática.33. MILLER, G. - Ensino e aprendizagem nas escolas médicas. São Paulo, Ed. Nacional, 1967.),(44. ROITMAN, R. - Psicologia de aprendizagem e prática docente. R. Bras. Educ. Méd. Rio de Janeiro, 7 (1):24-29, 1983.. A conduta do médico (ou estudante) em casos clínicos é uma dessas situações. Poderíamos considerar que o desempenho em concursos, através dos quais se visa a alcançar postos de trabalho, também representa uma forma de enfrentamento de situações práticas, necessárias ao progresso na profissão; sua avaliação é, portanto, uma forma de aferir o aprendizado.

O presente estudo tem como objetivo analisar o desempenho acadêmico de alunos da FCM-UERJ em comparação com os resultados de um concurso a que se submeteram.

Em maio de 1983, a direção da FCM tomou a iniciativa de oferecer treinamento no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do HC-UERJ, também para alunos do quinto ano de seu curso de graduação. Uma vez que não era possível absorver todos os alunos, em virtude das características do setor e visando a garantir um treinamento que pudesse ser eficaz, foram abertas 14 vagas a serem disputadas por concurso interno. O requisito básico era, simplesmente, o de estar regularmente matriculado no quinto ano. A prova constou de 50 perguntas de escolha múltipla, elaboradas de acordo com programa previam ente conhecido pelos alunos e foram aprovados os 14 que obtiveram as notas mais elevadas.

MATERIAL E MÉTODOS

Da população total de alunos matrícula dos no quinto ano (135), 39 submeteram-se espontaneamente, ao concurso.

De posse dos nomes e das notas do concurso dos 39 inscritos, procedemos ao levantamento do desempenho de cada um frente a todas as disciplinas que compõem o curso de graduação do primeiro ao quarto ano. Na análise do desempenho foram destacadas: a nota final de aprovação em cada disciplina, a existência de segunda época, dependência ou repetência por disciplina e, finalmente, a média geral de cada aluno. Esta última foi obtida calculando a média aritmética das notas de cada disciplina (incluídas aqui as notas obtidas nos exames de segunda época, de dependência ou de repetência de disciplina).

No tratamento dos dados, nos interessava saber:

  1. a distribuição das notas do concurso para o CTI;

  2. a correlação entre as médias gerais do curso e as médias do concurso;

  3. a comparação entre os grupos de aprovados e de não aprovados no concurso.

RESULTADOS

As notas do concurso para o CTI dos 39 candidatos, as respectivas médias gerais de todas as matérias do 1o ao 4o anos e as anotações de segunda época, dependência e repetência estão relacionadas na tabela 1.

Em relação ao desempenho dos alunos na prova do CTI, as notas variaram de 9,0 a 3,4, com média geral de 6,45 ± 1,26, enquanto o desempenho ao longo dos quatro primeiros anos (média aritmética das notas obtidas em cada uma das disciplinas) mostrou variação de 8,7 a 5,7 com média geral de 7,34 ± 0,64.

As notas da prova do CTI mostraram distribuição gaussiana, com efetivo de 14 na faixa das notas de 6 a 7 (figura 1).

Fig. 1
Distribuição gaussiana das notas do concurso para o CTI.

Dos 39 alunos que fizeram o concurso, 11 tinham observações de segunda época, dependência ou repetência. Destes 11 alunos, dois estavam incluídos na lista dos 14 classificados (cada um deles com uma única segunda época) e obtiveram respectivamente a 10a e a 13a classificações. Dos nove restantes desse grupo, a classificação foi a seguinte: 16o, 17o, 30o, 33o, 34o, 36o, 37o, 38o e 39o lugares.

As médias do grupo dos 9 alunos que tinham segunda época, reprovação ou dependência e que não foram classificados no concurso, foram as seguintes:

  1. média das notas do concurso do CTI - 5,0;

  2. média das disciplinas do curso de graduação - 6,6.

Em relação a esse grupo de 9 alunos, observou-se que cinco tinham apenas uma segunda época, um tinha uma segunda época e uma dependência, um tinha duas dependências, um tinha quatro segundas épocas e cinco dependências e um tinha quatro segundas épocas, duas dependências e uma repetência. Este último foi o que obteve nota mais baixa no concurso do CTI, além de ser o que possuia menor média no curso de graduação.

As médias dos 14 primeiros classificados foram as seguintes:

  1. média das notas do concurso do CTI - 7,6.

  1. média das notas das disciplinas do curso de graduação - 7,7.

Na comparação entre as notas do concurso e as médias do curso, houve um coeficiente de correlação de 0,75, com t de 6,80 e com nível de significância de p < 0,001.

O diagrama das notas do CTI em função das médias do curso é apresentado na figura 2, com a respectiva linha de regressão, com a equação y = 1,47x - 4,35.

Relação das notas do concurso e das médias curriculares, juntamente com anotações referentes a segunda época, dependência e reprovação, por ordem de classificação no concurso. A linha dupla, abaixo do aluno número 14 separa o grupo de aprovados no concurso dos que não foram aproveitados.

DISCUSSÃO

A prova do CTI constituiu um evento extracurricular, onde a inscrição foi voluntária, a matéria da prova foi independente do conteúdo curricular e os examinadores não tinham conhecimento da identidade dos candidatos. Esses fatos são dignos de ser assinalados, pois como o concurso foi realizado na mesma Faculdade em que os alunos faziam o seu curso médico e como os examinadores do concurso foram eventualmente professores no curso médico, poderíamos estar diante de um fator a prejudicar a validade da comparação. No entanto, com os cuidados tomados quanto à isenção dos examinadores e à diferenciação dos programas, julgamos que esse fator tendencioso foi evitado. Além do mais, nas avaliações curriculares, os alunos eram submetidos a provas de diversas naturezas - discursivas, múltipla escolha, práticas, orais, elaboração de trabalhos em grupo, seminários, etc enquanto no concurso do CTI a prova de seleção constou apenas de questões de múltipla escolha.

A distribuição normal das notas do concurso (figura 1) mostra o comportamento habitual em avaliações desse tipo e serve para validar o conjunto de notas e a prova aplicada.

O coeficiente de corre lação entre as médias curriculares e a nota do CTI foi bastante apreciável (0,75). Nota-se, com marcada significância, o fato de que os alunos que obtiveram boas notas ao longo do curso alcançaram também as notas mais elevadas na disputa extracurricular.

Por outro lado, os alunos que tiveram o maior número de insucessos no curso de graduação como segunda época, dependência e repetência são os que obtiveram as notas mais baixas no concurso para o CTI (tabela 1).

Tabela 1

Sendo assim, parece conveniente uma reflexão mais atenta sobre o que freqüentemente é assinalado em relação à avaliação educacional, ou seja, de que a mesma é inócua e ineficaz.

Essa “compatibilidade” entre as notas do curso e da avaliação extracurso diz respeito, provavelmente, às “condições internas” de cada aluno, ou seja, ao interesse, dedicação, habilidades mentais e capacidade de lidar com determinado tipo de raciocínio. Assim, devido a esses fatores, o enfrentamento de avaliações diferentes tende a ser semelhante.

Na figura 3, podemos observar que a linha de regressão aproxima-se da linha de identidade na região das notas mais altas e está bastante abaixo dessa mesma linha de identidade, na parte correspondente às notas baixas. Tal fato parece delinear uma certa benevolênvia dos procedimentos de avaliação levados a cabo no âmbito curricular.

A comparação das notas, tanto no gráfico de dispersão (figuras 2 e 3) quanto na tabela 1, nos dá a visão individual dessa conclusão.

Fig. 2
Gráfico de dispersão das notas do concurso em função das médias curriculares e respectiva linha de regressão.

Fig. 3
Comparação entre a linha de regressão e a linha de identidade. Vide explicação no texto.

Na figura 4, ao lado da linha de identidade, foi delineada uma área de ± 10% de afastamento, através das linhas pontilhadas. Essa área propicia o estabelecimento de uma faixa de concordância arbitrária, mas bastante razoável. Entre os alunos aprovados no concurso (em número de 14, com nota igual ou acima de 7), três (21%) estão fora dessa faixa, mas muito próximos dela. Do grupo de 25 alunos que não obteve aprovação e com nota abaixo de sete, 20 (80%) encontram-se fora da faixa e apenas cinco mostram concordância entre as duas notas; observe-se ainda que quanto mais baixa a nota do concurso mais afastado está o aluno da faixa de concordância. Esses dados parecem corroborar a assertiva feita acima e acrescentar que a “complacência” observada na avaliação curricular é mais aguda nos alunos que tiveram pior desempenho no concurso do CTI.

Fig. 4
Estudo comparativo entre as notas do concurso e as médias curriculares. As linhas pontilhadas delimitam uma área de ± 10% em torno da linha de identidade e definem uma faixa de compatibilidade entre as duas variáveis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    BÖHM, G.M. - Avaliação do rendimento educacional São Paulo, Ed. Pedagógica e Universitária, 1980.
  • 2
    MEDEIROS, E.B. - Nossas práticas de avaliação: um anacronismo na escola. Rev Bras. Educ. Méd Rio de Janeiro, 6 (2):89-100,1982.
  • 3
    MILLER, G. - Ensino e aprendizagem nas escolas médicas São Paulo, Ed. Nacional, 1967.
  • 4
    ROITMAN, R. - Psicologia de aprendizagem e prática docente. R. Bras. Educ. Méd Rio de Janeiro, 7 (1):24-29, 1983.
  • 5
    ROITMAN, R. - Reflexões sobre o processo ensino-aprendizagem, Educação, Brasília, 5 (20): 62-4, abr./jun. 1976.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1984
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