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INTERNATO: ATUALIDADE E PERSPECTIVAS

Resumo:

O autor narra a origem da Resolução do Conselho Federal de Educação; de 1983, relativa ao estágio curricular no Curso Médico, e analisa as críticas, de professores e alunos, a esse ato normativo. Cita as medidas oficiais que se seguiram à Resolução, acrescentando outras que, em reuniões recentes com Diretores de escolas médicas, se mostraram necessárias. Conclui com breve exame de passiveis repercussões da integração ensino-serviço na organização curricular e, conseqüentemente, no Internato.

Summary:

This article describes the foundations of The Federal Council for Education's Decision, dated 1983 and concerning the medical internship, and analysis the opinions of teachers and students on this policy. Official measures following the Decision are mentioned, as well as those brought up in recent meetings of Heads of medical schools. Comments are made on the possible effects of the teaching-practice model on the undergraduate course and, consequently, on the internship itself.

Introdução

Em 1981, estudos acerca da organização curricular dos Cursos de Medicina do Estado do Rio de Janeiro e da Região Sul do País, realizados pela ABEM, revelaram imprecisão, e mesmo omissão, de dados relativos ao estágio curricular, tornado obrigatório pela Resolução no 8, de 8 de outubro de 1969, do Conselho Federal de Educação (CFE).

O achado fez supor a persistência das dificuldades encontradas pela Comissão de Ensino Médico do MEC, em 1976, quando analisou o Internato e a Residência Médica. Foi tal achado que motivou a Diretoria da ABEM a apresentar projeto com o objetivo de diagnosticar as características do Internato e sondar as razões que as justificavam. Com o patrocínio da Secretaria da Educação Superior (SESu) do MEC, o levantamento se realizou em 1982 e, em fins desse ano, o Presidente da ABEM entregou ao Secretário da Educação Superior o documento O Internato nas escolas médicas brasileiras.22. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. O internato nas escolas médicas brasileiras. Rio de Janeiro, ABEM, 1982. 72p. (Série documentos da Associação Brasileira de Educação Médica, n.4, 1982).

Em março do ano seguinte, o CFE aprovou o Parecer n.o 116/83, relativo à regulamentação do estágio do Curso de Medicina, o qual, através da ABEM, foi encaminhado aos Diretores das escolas médicas. Dois meses após, homologado o Parecer pelo Ministro da Educação, teve origem a Resolução n.o 9, de 24 de maio de 1983, desse Conselho.

Críticas à resolução do CFE

O ato normativo despertou críticas de professores e alunos, distinguindo-se as seguintes: intempestividade e falta de fundamento da decisão; imposição de um modelo único de estágio ao universo das escolas médicas brasileiras; inexeqüibilidade do modelo proposto; ineficácia do regulamento, por sua restrição à etapa final do Curso Médico.

Viva expressão dessas críticas se contém na carta de uma estudante de Medicina, publicada no JORNAL DO BRASIL.

“Deixa-me perplexa a forma como as decisões sobre o destino de muitos jovens e futuros profissionais são tomadas de súbito e deixando transparecer uma total desinformação do que ocorre na realidade. É o caso da Resolução n.o 9, de 24/5/83, do Conselho Federal de Educação. (...) Durante todo o Curso de Medicina diversas especialidades são ministradas em períodos que têm a duração de dois a quatro meses; nestes, nossos mestres sempre informam que o tempo é curto e que as aulas práticas, mesmo em grupos pequenos, não são suficientes para o adequado aprendizado. O sexto ano de Medicina, para nós, estudantes, é o sonho dourado, onde receberemos a parte prática em contato mais prolongado com os pacientes e orientação de médicos e professores experientes. Mas, o sonho acabou (...) não se forma cirurgião em 4 meses. Um ano já é pouco. É utopia achar que formarão generalistas com uma alteração apenas no Internato. (...) O que mais me angustia é ouvir todas as opiniões contrárias a essa Resolução e não entender como ela foi tomada”.1616. MOTA N. O. Internato médico. J. Brasil, Rio de Janeiro, 30 set. 1983. (Publicado na seção de cartas).

A decisão do CFE baseou-se no citado estudo feito pela ABEM através da visita de professores às escolas e entrevista de seus diretores e/ou Coordenadores do Internato. Os dados mostraram, por vezes, marcada distorção de antigas recomendações oficiais e da própria ABEM, alusivas ao estágio curricular. Tais recomendações foram o fundamento da Resolução.

A exigência de treinamento do Internato nas quatro áreas básicas data de 1962. Neste ano, realizou-se em Vinã del Mar, no Chile, a III Conferência de Faculdades de Medicina da América Latina, e nela se especificaram as características essenciais ao Internato: tempo integral; duração mínima de 12 meses; participação ativa do Interno na assistência médica, como responsabilidades progressivamente crescentes e supervisão obrigatória, além da obrigatoriedade do rodízio.11. ANDRADE, J. Marco conceptual de la educación médica en la América Latina. Washington, OPAS/OMS, 1979. 93p. (Série desarrollo de recursos humanos, n.28).

Ao tempo dessas recomendações, há mais de 20 anos, o Internato nos Cursos Médicos em nosso País decorria de iniciativas isoladas, de escolas, ou, apenas, de cátedras. Tornou-se obrigatório o estágio pela Resolução do CFE, já referida, que fixou “os mínimos de conteúdo e duração a serem observados na organização do Curso de Medicina”. Assim, as diretrizes para o estágio pré-profissional na carreira médica, no Brasil, precederam sua implantação oficial, não havendo, portanto, novidade no que propõe a Resolução de 1983.

Acresce que, há 10 anos, as escolas médicas representadas na XII Reunião da ABEM, em São Paulo, aprovaram recomendações quanto ao estágio curricular, todas em consonância com os preceitos fixados no aludido Seminário de Vinã del Mar. Mais ainda, em 1976, a Comissão de Ensino Médico do MEC, em seu Documento n.° 3 - Internato e Residência - estabeleceu normas para o estágio consoante com as referidas recomendações da ABEM. Acrescente-se, ainda, que, em 1981, a Comissão Nacional de Residência Médica, através de sua Resolução n° 6, obrigou a inclusão de “prova de caráter eliminatório em Medicina Geral, com igual número de questões para cada área básica (Clínica Médica, Cirurgia Geral, Pediatria, Tocoginecologia e Medicina Preventiva e Social) nos concursos para Residência Médica. Desse modo, a Resolução de 1983 não é, nem inoportuna, nem carente de fundamentação.

Quanto à imposição de um modelo único a escolas tão diversas em suas características, é também improcedente a observação. Essencialmente, a Resolução extingue a modalidade eletiva de estágio, obrigando sua execução nas áreas básicas da Medicina, mas não estabelece qualquer restrição no que respeita ao plano geral do Internato. Ficam, assim, preservadas a autonomia e a flexibilidade que devem ter as escolas para organizar seus currículos plenos, conforme seu projeto educacional, seus recursos e restrições, sua localização.

No que se refere à inexeqüibilidade de execução, tal crítica tem origem, de regra, em instituições que não conseguem conciliar o total de alunos com as disponibilidades, próprias, ou convenentes, de que dispõem. Vale lembrar que as diretrizes para o estágio são do início da década de 60, e, portanto, anterior à criação de quase 60% das atuais escolas.

Outro motivo alegado, quanto à impossibilidade de execução, é a duração do estágio em 11 ou 12 meses, considerado insuficiente para o treinamento satisfatório nas várias áreas. Tal justificativa, que traz implícito o modelo tradicional de Internato rotativo - estágios sucessivos nas diferentes áreas - tem servido de estímulo à reflexão quanto à conveniência de ampliar-se o tempo de estágio. Este para-efeito da Resolução presta-se ao esclarecimento da última das críticas referidas. Na introdução de estudo da ABEM acerca do tema, lê-se: “a revisão criteriosa do Internato pode levar, como resultado, ao reestudo do processo ensino-aprendizagem relativo às matérias básicas e profissionais, tais as repercussões de sua organização e de suas eventuais deficiências na última fase do Curso”.

Procedem, assim, as críticas dos estudantes à extinção do estágio eletivo quando as matérias do ciclo profissional são ensinadas em disciplinas correspondentes a especial idades, ou subespecialidades, clínicas, ou cirúrgicas. Desejavam alguns maior abrangência da Resolução, de forma a impedir esse tipo de organização das matérias, conforme manifestação no XXI Congresso Brasileiro de Educação Médica, em Fortaleza, em outubro de 1983. Há 10 anos, quando se iniciou o processo de reforma curricular na Faculdade de Medicina da UFRJ, pela extinção progressiva do Internato eletivo, os alunos também apontaram a incoerência: “o estágio na especialidade é válido, porque todo o Curso Médico é orientado para especialidades, não havendo preocupação com a formação geral.”1717. ROSA, A. R. Sobre as disciplinas do departamento de clínica médica. Rio de Janeiro, UFRJ, 1975. 7p. mimeo. O teor das críticas prestou-se à aceleração das mudanças curriculares nessa instituição.

Nesse sentido, a obrigatoriedade de reformulação do Internato - interface entre o estudo das bases doutrinárias da Medicina e a prática profissional - pode ser a estratégia para mudanças nos ciclos precedentes do Curso Médico, com vistas à ampliação do tempo de estágio e à unidade desse Curso. De acordo com CHAVES33. _________. Preparação do médico geral. Rio de Janeiro, ABEM, 1983. 46p. (Série documentos da Associação Brasileira de Educação Médica, n.5, 1983)., “um redesenho do Internato (...) e uma avaliação do tipo formativo de cada Interno proporcionaria utilíssima retroalimentação para os anos anteriores do currículo de graduação tanto os do ciclo clínico, como os do básico (...) e poderia servir de mecanismo inovador de grande potencial para o ensino e a assistência”.

De natureza distinta das críticas analisadas até aqui, é a que se refere ao rodízio pelas áreas. Tal como tradicionalmente organizado, o modelo rotativo configura a soma de vários programas de responsabilidade de cada área, em geral marcados pela desigualdade na metodologia do treinamento e da avaliação. Traduz uma concepção acadêmica, vinculada, de regra, à estrutura departamental, à qual faltam integração e ajustamento à realidade assistencial. Nesse sentido, o Internato rotativo nos moldes atuais, nem sempre evita os inconvenientes do treinamento em especialidades, porque resulta, com freqüência, numa sucessão de estágios em serviços especializados, contrariando a idéia de formação geral que o modelo traz implícita. A permanecer tal configuração, “o ato do CFE deixará de ser estratégia de intervenção para mudança significativa do Curso Médico”.1818. SILVA, L. A. S. R. da. Internato; é preciso retomar à discussão. R. bras. Educ. Méd ., Rio de Janeiro, 7 (2):123-4, maio/ago., 1983. Mais ainda, esse ato contraria, ou desconhece, novos modelos, implantados em escolas médicas pioneiras no processo de integração docente-assistencial, que permitiram a inserção efetiva dos Internos em serviços de saúde.

Em 8 de setembro de 1983, a Diretoria Executiva da ABEM enviou carta ao Secretário da Educação Superior do MEC, relativa ao assunto, na qual se pode ler:

“O estudo que a ABEM realizou, com o apoio dessa Secretaria, acerca das características do Internato nas escolas médicas brasileiras, mostrou que o estágio rotativo, por sugestão do próprio nome, se tem organizado corno uma sucessão de estágios em diferentes áreas. O aludido estudo identificou, também, críticas a esse modelo. A primeira delas refere-se à exigüidade da duração do treinamento em cada área, o que acarreta preparo insuficiente e falta de consolidação do relacionamento entre professores e internos. Por sua vez, os Serviços que recebem os estagiários se queixam de que os rodízios sucessivos levam à substituição dos internos quando estes começam a se revelar familiarizados com seu funcionamento. Outra crítica assinala a falta de unidade do programa de Internato, pela desigualdade da metodologia do treinamento e da avaliação nas diversas áreas. A tais importantes críticas, acrescenta-se outra, de relevância ainda maior: a obrigatoriedade do rodízio contraria a execução de um programa de Internato com base na organização dos serviços de saúde por níveis de assistência. (...) Desde que se divulgou a nova regulamentação, vem a Diretoria Executiva da ABEM captando críticas desse teor. Daí porque considerou oportuno dirigir-lhe esta carta, para consultar V. Sa. acerca da possibilidade de emenda, que considera de redação apenas, na Resolução citada. Tal emenda consistiria na supressão da palavra rodízio no parágrafo 1.o do artigo 1.o, que passaria a ter a seguinte redação: O Internato deverá ser feito sempre nas quatro grandes áreas da Medicina: Clínica Médica, Cirurgia, Tocoginecologia e Pediatria. Essa nova redação, além de preservar as razões da adoção do modelo - terminalidade do Curso de Graduação e formação do médico geral -, permitirá corrigir inconvenientes do treinamento com escassa duração em cada área e conferirá a flexibilidade indispensável ao redesenho do Internato, com programas mais integrados do que a simples idéia de rodízio deixa entrever, conforme sublinhou Mario Chaves no prefácio da publicação Preparação do Médico Geral, número 5 da Série Documentos da ABEM. Desvinculado da noção de rodízio, o planejamento do Internato deverá ter por base modelos de prática, de integração ensino-serviço, com características de coordenação e continuidade, comportando esquemas variáveis de treinamento, com vistas à formação geral, de acordo com as disponibilidades de cada escola médica. O Internato rotativo surgiu em oposição ao Internato linear ou eletivo. Em consonância com as diretrizes atuais da educação médica na América Latina, seria oportuno abandonar tais denominações, em prol de Internato, simplesmente”.44. BOLETIM DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA, Rio de Janeiro, v.15, n.5, set./out. 1983.

Cumpre registrar que o autor do Parecer que deu origem à nova Resolução, ao tomar ciência do teor dessa carta, expressou sua concordância com a omissão do termo rodízio, para que se eliminasse a obrigatoriedade de estágios sucessivos:

“(...) Se no meu Parecer e, depois, na Resolução, saiu uma frase que dá a impressão de rigidez e de obrigatoriedade de o estudante estagiar três meses em cada área, creio que é conseqüência de nosso vício de sempre referir que as quatro áreas devam ser percorridas em rodízio. É o uso do cachimbo. Relendo, agora, o Parecer e a Resolução, verifico que, realmente, há uma imposição enfática do rodízio, o que, evidentemente, não era minha idéia. Portanto, estou de pleno acordo que o termo seja abolido”.1515. MELLO, H. K. de. Internato. R. bras. Educ. Méd ., Rio de Janeiro, 7 (3):195-6, set./ dez., 1983.

Medidas complementares da Resolução

Divulgada a Resolução, além das críticas, chegaram à SESu, assim como ao CFE e à ASEM, pedidos de esclarecimento quanto a sua aplicação. Deliberou, então, a SESu adotar as medidas que se seguem, para facilitar o entendimento do assunto e auxiliar na implantação, reformulação e execução dos estágios, conforme a nova Resolução.

Ofício-Circular n.o 28/83 da SESu/MEC

Neste ofício, dirigido aos Diretores das escolas médicas o Secretário da Educação Superior solicitou fosse dado conhecimento aos colegiados direta, ou indiretamente, relacionados ao estágio curricular, da seguinte interpretação:

“Como rodízio deve ser entendido o conjunto das oportunidades de participação dos Internos, sempre sob supervisão, na assistência a pacientes cujos problemas são passíveis de solução nos Serviços de Clínica Médica, Cirurgia Geral (sobretudo Cirurgia de Ambulatório), Pediatria e Tocoginecologia. O treinameto nestas áreas não deverá ser necessariamente em sucessão, consideradas as vantagens de ordem pedagógica e operacional da concomitância de estágios em Serviços vinculados a áreas diferentes. Para que as referidas oportunidades sejam facilmente asseguradas, sugere-se que o planejamento do Internato tenha por base a organização dos serviços, e não a estrutura departamental.”55. BOLETIM DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA, Rio de Janeiro, V. 15, n. 6, nov./dez. 1983.

Manual do Internato

Publicado como o no 7 da Série Cadernos de Ciências da Saúde, em 1984, este Manual, enviado às escolas médicas, para distribuição a professores e alunos, foi redigido tomando por base o Documento n.o 3 da Comissão de Ensino Médico do MEC recomendações da ABEM e a própria Resolução. Trata, de forma clara e simples, dos elementos básicos para a organização do Internato assim como de seu plano geral e dos aspectos relativos à administração escolar e ao estágio fora da instituição de ensino.88. _________. Secretaria de Educação Superior. Manual do internato. Brasília, MEC/SESu, 1984. 13p. (Série cadernos de ciências da saúde, n.7).

Reunião com os Diretores das escolas médicas

Com recursos da SESu e da Organização Pan­Americana da Saúde, realizaram-se tais encontros no segundo semestre de 1984, sob a coordenação de Assessor daquela Secretaria, em Porto Alegre, Curitiba, São José do Rio Preto, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Maceió, sendo que, neste último local, estiveram presentes os Diretores das escolas das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Objetivaram as reuniões, essencialmente esclarecer dúvidas, identificar dificuldades e distorções e levantar pontos que ainda requeiram ação normativa.

Quanto a este último aspecto, ficam evidentes ainda os obstáculos inerentes à administração acadêmica. Registrado como disciplina, permanece o estágio curricular sujeito ao regime habitual de férias e faltas escolares e a outros condicionamentos incompatíveis com sua execução.

Confirmaram-se, também, nítidas distorções, quer por desinformação, ou equívocos de ordem conceituai, quer por dificuldades operacionais próprias da escola, distinguindo-se o número excessivo de alunos e/ou a falta, ou insuficiência, de hospitais próprios, ou convenentes.

Como flagrante distorção, algumas escolas, de forma a atender à Resolução, permitiram aos alunos optar por uma determinada área, na qual se concentra, ostensivamente, o treinamento, complementando-o, no restante da carga horária, pequenos estágios nas outras três áreas.

Resolução n.o 5, de 16 de março de 1984, do CFE

Este ato firmou a obrigatoriedade de adaptação dos estágios às presentes normas até janeiro de 1985.

Perspectivas

Medidas necessárias

A primeira diz respeito, ainda, à necessidade de aprimoramento da regulamentação. Ressentiam-se as escolas, conforme verificação no levantamento da ABEM, da falta de legislação específica para o Internato. A Resolução atual, entretanto, não resolveu aspectos relativos à administração escolar, porque algumas escolas têm encontrado obstáculos a alterações, geralmente em órgãos superiores da Universidade. Para exemplificar, impede-se a ampliação do tempo do Internato, porque a Resolução que estabeleceu o currículo mínimo fixou em 4.500 horas a carga horária anterior ao estágio; impede-se a exigência de freqüência integral, porque o Regimentada instituição permite aos alunos 25 ou 30% de faltas às atividades escolares.

Nesse sentido, o empenho quanto à emenda de redação, deve-se complementar da solicitação de acréscimos à Resolução, de modo a sanar as dificuldades apontadas. A tarefa poderá caber à ASEM, junto à SESu e ao CFE.

A segunda refere-se aos modelos de estágio a serem implantados. As dificuldades encontradas pela Comissão de Ensino Médico do MEC, em 1976, confirmadas no estudo da ABEM, em 1982 e nas reuniões com os Diretores das escolas médicas, em 1984, recomendam um programa de acompanhamento, de assessoria, aos programas de Internato, com vistas ao aprimoramento dessa etapa da formação médica.

Conforme interpretação da SESu, a programação deve ter por base os serviços. De suas práticas assistenciais é que resulta a configuração do estágio por áreas (Fig. 1).1 1 Apresentado por Cícero Adolpho da Silva, Assessor Especial, SESu/MEC, no XXI Congresso Brasileiro de Educação Médica, 1983. Num mesmo local (Pronto Socorro, Ambulatório Geral etc), os Internos podem exercer, em graus variáveis, ações inerentes a distintas áreas. Traduz claramente esta idéia, por exemplo, o modelo de estágio em execução num hospital geral, o qual se denominou, a título de reforço, de Internato rotativo integrado.1414. LISBOA, A. M. J. Internato rotativo integrado. R. bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro 7 (3):162-6, set./dez., 1983 Mais aperfeiçoados serão os estágios nas escolas cujas disponibilidades permitam observar, na concepção de seu programa; o critério de cuidados médicos progressivos (Fig. 2).2 2 Apresentado por Clementino Fraga Filho, à época, Presidente da ABEM, em reunião comemorativa do sesquicentenário da Faculdade de Medicina da UFRJ, 1982.

Fig.1
A estrutura de serviços como base do programa de estágio.

Fig.2
Cuidados progressivos como base do programa de estágio.

Outro aspecto de ordem conceituai diz respeito à possibilidade criada pela Resolução da escolha de uma das áreas para treinamento eletivo no último período, quando o Internato tiver duração maior que dois períodos. Isto permite à escola analisar a melhor estratégia: manter todos os Internos num mesmo programa por todo o tempo do Internato, conferindo-lhes a mesma formação geral, ou permitir a escolha por uma das áreas ao final de um período comum de treinamento, permitindo-lhes a iniciação numa especialidade básica.

Uma e outra estratégia se justificam. “Não seria desvirtuar a idéia fundamental da Medicina Geral admitir-se uma gama de habilidades que vá desde um conceito ampliado de Medicina Interna”, englobando até mesmo especialidades, por tradição, separadas, como a Dermatologia, Neurologia e Doenças Infecciosas e Parasitárias, até a concepção de um médico geral que tem as funções comuns aos internistas, acrescidas de conhecimentos e habilidades em Pediatria, Tocoginecologia e pequena cirurgia.1111. CHAVES, M. M. Saúde; uma estragégia de mudança. Rio de Janeiro, Guanabara Dois, 1982. 92p.),(1212. FRAGA FILHO, C. & ROSA, A. R. Temas de educação médica. Brasília, MEC/ SESu, 1980, 182p. (Série de monografias de ensino superior, v.1).

Nessa escolha, poderá vir a ajudar o programa Perfil profissional dos especialistas nas áreas básicas, um dos projetos da ABEM, o qual objetiva definir as competências e a estratégia de formação dos especialistas em Clínica Médica, Cirurgia, Pediatria e Tocoginecologia.

São tais aspectos que recomendam um esforço sistematizado de divulgação, não só de conceitos e idéias, mas de modelos inovadores, para que se percebam suas vantagens, quer de ordem pedagógica, quer de ordem operacional. Um projeto com tal objetivo está incluído, também, no programa de ação da atual Diretoria da ABEM.

Visão prospectiva

GARCIA,1313. GARCIA, J.C. La educación médica en la América Latina. Washington, OPS/OMS, 1972. 413p. (Publicación científica n.255). em 1972, definiu Internato de duas mane ir as: período no qual o estudante exerce, sob supervisão, atividades de um médico; ou período de transição entre a condição de aluno e a de médico. Acrescentou que o Internato é expressão da estrutura curricular, porque, durante os ciclos que o precedem, os alunos não têm responsabilidade no trabalho assistencial, ou a têm de forma limitada. Daí a mudança brusca entre o estudo das bases doutrinárias da Medicina e o Internato, “que aparece, então, como um remédio para a falta de experiência prática do aluno durante o curso”.

Decorridos mais de 10 anos dessas observações, que continuam a se ajustar à maioria dos Cursos Médicos brasileiros, há novas diretrizes, quanto à organização dos serviços de saúde e à formação médica, que permitem vislumbrar mudanças. Restrinjo-me, apenas, a três documentos oficiais recentes.

Em 1981 documento da SESu/MEC, acerca da integração docente-assistencial, assinalou que o currículo “deve proporcionar a aquisição de conhecimentos habilidades e atitudes adquiridos na vivência do mundo real da prestação de serviços em seus diferentes níveis, aos quais os alunos deverão ser expostos precoce, contínua e sucessivamenre”.99. _________. Programa de integração docente-assistencial-IDA. Brasília, MEC/SESu, 1981. 32p. (Série cadernos de ciências da saúde, n.3).

Em fins de 1984 documento da Comissão de Coordenação do Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos para a Saúde no Brasil estabeleceu que um dos campos que devem merecer maior atenção no “desenvolvimento de recursos humanos para as ações integradas de saúde é a integração docente-assistencial ao nível de graduação”.77. _________. Ministério da Saúde. Recursos humanos para a estratégia das ações integradas de saúde. Brasília, 1984. 17p. mimeo (Documento aprovado pela Comissão de Coordenação do Programa em sua reunião de 09/11/84).

Em fevereiro de 1985, documento relativo ao programa de trabalho integrado entre o MEC e os hospitais de ensino reiterou a importância, do ponto de vista educacional, da integração desses hospitais à rede de serviços:

“A formação de profissionais adequados à situação médico-assistencial deve ser processada em estabelecimentos de saúde variados, nos quais o aluno e o docente possam participar na atenção dos níveis primário, secundário e terciário, na mesma proporção em que os problemas de saúde geram demandas a cada um destes níveis. Só assim, ficarão assegurados conteúdos curriculares compatíveis com a realidade médico-sanitária do País e da região”66. BRASIL. Centro de Desenvolvimento e Apoio Técnico à Educação. Proposta de programa de trabalho integrado entre o MEC e os hospitais de ensino. Brasília, MEC/SG/CEDATE, 1985 s.p. mimeo..

Assim a reorientação e o reordenamento do atual modelo de prestação de serviços de saúde no País através da estratégia das ações integradas de saúde promoverá, também, a reorganização do campo de treinamento das escolas médicas. A ampliação e a diversificação dos locais de treinamento dos estudantes, associadas à aceitação do imperativo de sua inserção na prática de serviços de diferentes níveis de assistência e, ainda ao entendimento do compromisso social da escola médica, permitirão o desenho de um novo currículo, no qual a fixação precoce e contínua do aluno nos serviços, com atribuições definidas, poderá vir a dispensar o “remédio para a falta de experiência prática do aluno durante o “curso”.

Por esta razão, em recente encontro realizado na sede da Diretoria Executiva da ABEM, para analisar a necessidade de avaliação das escolas médicas, o Coordenador do Programa de Pessoal da Saúde da OPS considerou excludentes os esforços quanto ao aperfeiçoamento do Internato e ao processo de integração docente-assistencial: ou se faz um, ou se faz outro.

Se a escola médica entender que a formação de médicos deve ter corno referência a vinculação do processo ensino-aprendizagem ao sistema de assistência médica, “tomando a nosologia prevalente, as necessidades de saúde da população e a própria estrutura dos Serviços de Saúde como objeto de estudo”, a estrutura curricular poderá ser significativamente modificada.1010. MELO, V. H. de. Internato rural; antecedentes históricos. Cad. Internato Rural, Belo Horizonte, 1 (1):13-22, mar. 1982. Isto poderá levar, futuramente, à extinção do estágio final, criado para assegurar um período de prática pré-profissional e corrigir insuficiências inerentes ao próprio Curso Médico.

Referências bibliográficas

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    _________. Secretaria de Educação Superior. Manual do internato Brasília, MEC/SESu, 1984. 13p. (Série cadernos de ciências da saúde, n.7).
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    _________. Programa de integração docente-assistencial-IDA Brasília, MEC/SESu, 1981. 32p. (Série cadernos de ciências da saúde, n.3).
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    MELO, V. H. de. Internato rural; antecedentes históricos. Cad. Internato Rural, Belo Horizonte, 1 (1):13-22, mar. 1982.
  • 11
    CHAVES, M. M. Saúde; uma estragégia de mudança. Rio de Janeiro, Guanabara Dois, 1982. 92p.
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    FRAGA FILHO, C. & ROSA, A. R. Temas de educação médica Brasília, MEC/ SESu, 1980, 182p. (Série de monografias de ensino superior, v.1).
  • 13
    GARCIA, J.C. La educación médica en la América Latina Washington, OPS/OMS, 1972. 413p. (Publicación científica n.255).
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    LISBOA, A. M. J. Internato rotativo integrado. R. bras. Educ. Méd, Rio de Janeiro 7 (3):162-6, set./dez., 1983
  • 15
    MELLO, H. K. de. Internato. R. bras. Educ. Méd ., Rio de Janeiro, 7 (3):195-6, set./ dez., 1983.
  • 16
    MOTA N. O. Internato médico. J. Brasil, Rio de Janeiro, 30 set. 1983. (Publicado na seção de cartas).
  • 17
    ROSA, A. R. Sobre as disciplinas do departamento de clínica médica Rio de Janeiro, UFRJ, 1975. 7p. mimeo.
  • 18
    SILVA, L. A. S. R. da. Internato; é preciso retomar à discussão. R. bras. Educ. Méd ., Rio de Janeiro, 7 (2):123-4, maio/ago., 1983.
  • 1
    Apresentado por Cícero Adolpho da Silva, Assessor Especial, SESu/MEC, no XXI Congresso Brasileiro de Educação Médica, 1983.
  • 2
    Apresentado por Clementino Fraga Filho, à época, Presidente da ABEM, em reunião comemorativa do sesquicentenário da Faculdade de Medicina da UFRJ, 1982.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1985
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