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A Aprendizagem Baseada em Problemas na Pós-Graduação - A Experiência do Curso de Gestores de Sistemas Locais de Saúde no Ceará

Problem-Based Learning in Graduate Studies - An Experience with a Course for Local Health System managers in Ceará, Brazil

Resumo:

Os avanços verificados, ao longo dos últimos anos, no campo da educação dos profissionais de saúde indicam a necessidade de que estes programas utilizem abordagens e metodologias de aprendizagem efetivas. Neste sentido, a Aprendizagem Baseada em Problemas (Problem-Based Learning PBL) tem sido apontada como uma das mais promissoras inovações no campo da educação dos profissionais de saúde, ganhando reconhecimento não só pelos resultados que propicia, mas pela coerência entre seus fundamentos e as principais teorias de aprendizagem do adulto. Descreve-se o planejamento e o desenvolvimento do programa de especialização em gestão de sistemas locais de saúde, implementado no período de 1995-1999 na Escola de Saúde Pública do Ceará, enfocando, particularmente, a utilização do PBL como eixo central do processo de ensino-aprendizagem.

Descritores:
Aprendizado baseado em problemas; Educação médica

Abstract:

The results achieved in education for health professionals in recent years require a more effective approach and learning strategies. Problem-Based Learning (PBL) has been considered one of the most important innovations in the education of health professionals. Both the results and the coherence with principal theory of adult education demonstrate this methods impact. This article describes the planning and development of a specialization course in local health management. Over the last 4 year (1995-99), the Ceará School of Public Health has focused on PBL as a central method in the educational process.

Keywords:
Problem based learning; Medical education

INTRODUÇÃO

Os avanços verificados, ao longo dos últimos anos, no campo da educação dos profissionais de saúde indicam a necessidade de que estes programas utilizem abordagens e metodologias de aprendizagem efetivas33. Arango Y. EI subsistema de personal en los sistemas locales de salud. Em Paganini M J, Capote Mir R ed. Los Sistemas Locales de Salud Publicación cicntífica. Washington: Organización Panamericana de Salud, n.519, 1990.. Neste sentido, a Aprendizagem Baseada em Problemas (Problem-Based Learning PBL) tem sido apontada corno uma das mais promissoras invasões no campo da educação dos profissionais de saúde, ganhando reconhecimento não só pelos resultados que propicia, mas pela coerência entre seus fundamentos e as principais teorias de aprendizagem do adulto1212. Schmidt HG. Educational aspects of problem-based learning. In W.M.G. Jochems, ed. Aktiverend onderwijs. Delft: Delftse Universitaire Pers, 1990.),(33. Arango Y. EI subsistema de personal en los sistemas locales de salud. Em Paganini M J, Capote Mir R ed. Los Sistemas Locales de Salud Publicación cicntífica. Washington: Organización Panamericana de Salud, n.519, 1990.

Estas constatações levaram, em 1994, a equipe da Escola Pública do Ceara (ESP/CE) a buscar um enfoque educacional que, além de assegurar um processo de aprendizagem que possibilitasse ao gestor do Silos a estruturação de conhecimentos necessários ao seu trabalho, desenvolvesse paralelamente o conjunto de outras competências por ele requeridas. Os profissionais responsáveis pela gestão dos Sistemas Locais de Saúde precisam associar, aos conhecimentos necessários ao exercido de suas funções, a capacidade de trabalhar em equipe, comunicando-se de forma satisfatória, e, particularmente, a capacidade de conduzir, com elevado grau de autonomia, um processo de aprendizagem permanente. Este último elemento é especialmente importante, considerando-se a necessidade vivenciada continuamente por estes profissionais.de identificar, analisar e munir-se dos conhecimentos requeridos para solucionar novos problemas e intervir sobre situações em permanente mudança. Diversos estudos têm demonstrado a efetividade do PBL no que se refere ao desenvolvimento da motivação e da capacidade para condução de uma aprendizagem autodirecionada11. Albanese MA, Mitchell S. Problem-based learning: a review of literature on its outcome and implementation issues. Academic Medicine. 1993; 68: 52-81.. O componente de auto-aprendizagem, desenvolvido no PBL através da análise de problemas e da identificação de objetivos de aprendizagem, da seleção de recursos de aprendizagem relevantes e do estudo individual, possibilita, além disso, a realização de muitas das atividades curriculares no próprio local de trabalho do participante, facilitando sua adesão ao curso.

Há, ainda, características adicionais que tornam o PBL especialmente indicado no caso do Curso de Espacialização em Gestão de Sistemas Locais de Saúde. Uma delas é a possibilidade de adequação dos objetivos de aprendizagem às realidades distintas dos municípios, já que os participantes podem adequá-los, dentro de alguns limites, às suas necessidades. Aspecto ainda importante favorecido pelo PBL é o desenvolvimento da capacidade de trabalhar em equipe, incluindo lidar com dinâmica de grupos, a compatibilização de interesses e a organização e coordenação de reuniões, elementos fundamentais para a atuação dos gestores e o desenvolvimento das habilidades de comunicação. Assim sendo, o PBL foi selecionado como metodologia de aprendizagem do Curso de Espacialização em Gestão de Sistemas Locais de Saúde, constituindo atualmente o pilar básico das atividades educacionais da ESP/CE.

Este artigo descreve o desenvolvimento do programa de especialização em gestão de sistemas locais de saúde, implementado no período de 1995-1999 na Escola de Saúde Pública do Ceará, enfocando, particularmente, a utilização do PBL como eixo central do processo de ensino-aprendizagem. A primeira parte apresenta alguns elementos teóricos que fundamentam esta metodologia. Sucessivamente, serão descritos os elementos de inovação trazidos ao programa de especialização em gestão do Silos com a utilização dessa metodologia educativa. Enfim, serão analisadas as vantagens, os problemas advindos dessa abordagem educacional e os novos desafios a serem enfrentados

ELEMENTOS TEÓRICOS QUE FUNDAMENTAM A METODOLOGIA DE APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS

O PBL consiste num enfoque educacional desenvolvido, inicialmente, na faculdade de Ciência, da Saúde da Universidade McMaster, no Canadá44. Barrows HS, Tamblyn RM. Problem-based learning. New York: Springer,1980., como uma tentativa de superar dificuldades identificadas no ensino de graduação dos estudantes de medicina. Dentre estas, destacavam-se a dificuldade de retenção e aplicação dos conhecimentos adquiridos no período de estudo das ciências básicas e sua aplicação na prática clínica (Barrows, 1984).

No PBL, os estudantes, organizados em pequenos grupos com o apoio de um facilitador, defrontam-se com um problema uma breve descrição de fenômenos ou eventos, que usualmente podem ser observados na vida real, que requerem uma explicação, em termos de seus mecanismos ou processos subjacentes, ou uma ação (ou conjunto de ações) para serem solucionados1313. Schmidt HG. Foundations of Problem-Based Learning: some explanatory notes. Medical Education. 1993; 27: 422-432.. O problema constitui o ponto de partida do processo de aprendizado.

O problema, o trabalho em grupos tutoriais e o estudo individual são componentes fundamentais do PBL. Um elemento também crucial é o papel desempenhado pelo facilitador. Considerando-se que um dos pressupostos básicos do PBL o desenvolvimento da capacidade de o estudante conduzir de forma autônoma seu próprio processo de aprendizagem, não se espera que os professores detenham total controle sobre as definições acerca de objetivos, recursos e métodos de aprendizagem. Cabe ao facilitador, no PBL dar suporte ao trabalho do grupo tutorial, zelando para que o grupo conduza de forma apropriada seu processo de aprendizagem. O facilitador desempenha seu papel fundamentalmente através da apresentação de questões, de interrogações que ajudem o grupo a refletir de forma mais aprofundada sobre suas proposições, auxiliem a percepção de aspectos a serem mais bem esclarecidos, de contradições que requerem maior aprofundamento. É também papel do facilitador favorecer uma dinâmica de trabalho do grupo que possibilite o processo de aprendizagem, a partir da contribuição de todos. Cabe-lhe, assim, ajudar o grupo a identificar métodos de trabalho adequados, promover a participação de todos os membros do grupo, particularmente daqueles estudantes que têm maiores dificuldades neste campo, e favorecer o desenvolvimento da capacidade de trabalhar em equipe1212. Schmidt HG. Educational aspects of problem-based learning. In W.M.G. Jochems, ed. Aktiverend onderwijs. Delft: Delftse Universitaire Pers, 1990..

O PBL fundamenta-se em princípios do processo de aprendizagem que vêm sendo validados, nas últimas décadas, através das investigações conduzidas por diversos grupos de pesquisadores88. Hilgard ER, Bower GH. Theories of learning. New Jersey: Prentice Hall/Englewood Cliffs, 1975.),(1313. Schmidt HG. Foundations of Problem-Based Learning: some explanatory notes. Medical Education. 1993; 27: 422-432.. O primeiro destes princípios enfatiza a importância do conhecimento prévio no processo educacional, afirmando que o conhecimento que o indivíduo possuía respeito de um tema é o mais importante fator determinante da natureza e da quantidade de novas informações sobre o tema que ele é capaz de processar. Um segundo princípio do processo de aprendizagem, no qual também se fundamenta o PBL, aponta a necessidade de favorecer a ativação do conhecimento prévio, através de “pistas” no contexto em que as novas informações estejam sendo estudadas, de modo a possibilitar que o estudante as relacione aos conhecimentos de que ele já dispõe. Um terceiro fundamento do processo de aprendizagem diz respeito à forma como o conhecimento se estrutura na memória, em redes semânticas constituídas por assertivas sobre conceitos e suas inter-relações, e afirma que o modo de organização e a complexidade destas “estruturas cognitivas” influenciam a possibilidade de utilização do conhecimento existente. É considerado ainda que o processo de reestruturação desta base de conhecimentos dá-se em resposta às necessidades determinadas pelas tarefas postas para o estudante. Um quarto princípio orientador do PBL, demonstrado inicialmente por Anderson & Reder22. Anderson JR, Reder LM. An elaborative processing explanation of depth of processing. In: Levels of Processing in Human Memory (L.S. Cermak & F.I.M. Craik, Ed.) New Jersey: Lawrence Erlbaum/ Hillsdale, 1979. p. 524-86., aponta que o armazenamento de informações na memória e sua recuperação posterior são favorecidos quando o estudante, durante o processo de aprendizagem, tem, de alguma forma, a possibilidade de fazer uma elaboração sobre as novas informações. A dependência contextual da aprendizagem é também um princípio importante que propõe que a ativação de conhecimentos para utilização em momentos posteriores à sua aprendizagem é facilitada quando há similaridade entre o contexto em que os conhecimentos foram aprendidos e aquele onde deverão ser utilizados. Finalmente, é reconhecido o papel, no processo de aprendizagem, da motivação do estudante, especialmente a intitulada “motivação intrínseca”, como fator que favorece o aumento do tempo dedicado ao estudo e, consequentemente, a obtenção de melhores resultados1313. Schmidt HG. Foundations of Problem-Based Learning: some explanatory notes. Medical Education. 1993; 27: 422-432.. É demonstrado ainda que o trabalho em grupos orientado para o esclarecimento e o confronto de diferentes perspectivas e pontos de vista individuais tende a estimulara curiosidade e a motivação intrínseca dos estudantes a respeito do tema abordado99. Lowry N, Johnson DW. Effects of controversy on epistemic curiosity, achievement and attitudes. Journal of Social Psychology. 1981; 115: 31-43..

O PBL possibilita pôr em prática estes princípios. No momento em que se defrontam com o problema, durante o Encontro de Análise do Problema, os estudantes têm a possibilidade de reativar os conhecimentos adquiridos previamente e são estimulados a conduzir uma reestruturação inicial de suas bases de conhecimentos. A elaboração das novas informações e a reestruturação de estruturas cognitivas são favorecidas pelo estudo individual e pelas discussões e sistematizações dadas no Encontro de Resolução do Problema. A aprendizagem é sempre contextual, e a abordagem de problemas semelhantes àqueles que ele encontra em sua vida prática possibilita ao estudante uma compreensão da relevância dos temas estudados e contribui para estimular a motivação intrínseca1212. Schmidt HG. Educational aspects of problem-based learning. In W.M.G. Jochems, ed. Aktiverend onderwijs. Delft: Delftse Universitaire Pers, 1990..

O PROGRAMA DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE SILOS

Estrutura e Organização do Curso

O currículo do Curso de Especialização em Gestão de Sistemas Locais de Saúde foi definido a partir de uma análise das competências do secretário municipal de Saúde, conduzida no ano de 1993. A partir dos resultados desta atividade, o corpo técnico da ESP/CE desenvolveu uma análise acercados conhecimentos e habilidades requeridos para o bom desempenho das competências que haviam sido apontadas pelos secretários. Adotou-se a estratégia de distribuir a carga horária total do curso em períodos de concentração presenciais e atividades desenvolvidas no próprio local de trabalho dos participantes. Durante o planejamento do currículo, avaliou-se, com a participação de representantes d s secretários municipais, que a referida estrutura seria fundamental para possibilitar a participação dos gestores municipais, que não podem se ausentar de seus municípios durante períodos prolongados.

Assim, o Curso de Especialização em Gestão de Sistemas Locais de Saúde possuí hoje uma carga horária lotai de atividades presenciais de 450 horas, organizadas através de uma estrutura modular mensal, que corresponde a períodos de concentração de 45 horas de duração. Os períodos não presenciais são intercalados entre dois períodos presenciais. Durante os períodos não presenciais, os participantes realizam, em seus próprios locais de trabalho, atividades individuais de estudo e preparação de tarefas estabelecidas. Ao término de cada curso, a equipe técnica da ESP/CE efetua uma revisão do currículo, envolvendo os ex-alunos e facilitadores no processo de análise da relevância, factibilidade e aplicabilidade dos objetivos de aprendizagem.

Principais Conteúdos Curriculares

O curso está direcionado para o desenvolvimento das competências necessárias a uma condução efetiva da gestão do sistema de saúde em nível local. Os conteúdos do currículo estão organizados em função destas competências, propondo-se desenvolver nos participantes os conhecimentos, as habilidades e as atitudes necessários para atingir os objetivos apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Objetivo do Curso

Os três últimos Objetivos de Aprendizagem, ao trabalhados ao longo de todo o curso. Quanto aos demais, embora os conteúdos a eles relacionados sejam retomados sucessivamente em diversas ocasiões, foram agrupados em quatro módulos, que estabelecem a estrutura básica, como mostrado na Tabela 2.

Tabela 2
Os Módulos

Aplicação do PBL no Curso Silos

O PBL inicia-se quando os estudante, reunidos em grupos de 8-10 participantes e com a ajuda de um facilitador, são apresentados a um problema, como o que se segue na Figura 1. A tarefa dos estudantes, neste caso, é explicar a situação encontrada pelo secretário municipal, no sentido de identificar mecanismos determinantes e fatores envolvidos na determinação do problema. Há, no entanto, problemas que apresentam, como tarefa para o grupo, a elaboração de propostas de como agir em determinada situação.

Os grupos, intitulados grupos tutoriais, trabalham com o problema, utilizando uma seqüência sistemática de procedimentos, definidos como os “Sete passos da Aprendizagem Baseada em Problemas”1313. Schmidt HG. Foundations of Problem-Based Learning: some explanatory notes. Medical Education. 1993; 27: 422-432.. No primeiro momento, os estudantes, reunidos no Encontro de Análise do Problema, esclarecem termos não compreendidos durante a leitura do problema, a partir do conhecimento de algum dos membros do grupo, ou obtêm um consenso quanto à interpretação que o grupo faz de determinadas expressões contidas no texto. O segundo passo tem por objetivo possibilitar que o grupo defina, de forma clara, o problema, estabelecendo quais os fenômenos a serem explicados ou a situação a ser resolvida. O grupo, no terceiro momento, analisa o problema, buscando reativar os conhecimentos que os participantes já possuem acerca do tema. Os estudante são, então, estimulados a expor leituras anteriores, a relatar experiências já vivenciadas em relação ao problema, ou, simplesmente, a debater, de forma livre, passiveis explicações (ou propostas de solução) para o problema. Concluída esta “chuva de idéias” preliminar, o grupo procura, num quarto passo, sistematizar os diversos elementos discutidos, no sentido de obter um relato mais estruturado que sumarize as passiveis explicações para o problema (ou propostas de ações a serem desencadeadas). No quinto passo, o grupo identifica objetivos de aprendizagem, questionando o que os participantes precisariam conhecer melhor para aprofundar sua análise do problema e tornarem-se capazes de explicá-lo (ou resolvê-lo) de forma mais satisfatória. Os objetivos de aprendizagem usualmente surgem naturalmente a partir dos questionamentos feitos pelos participantes na fase de análise do problema. Finalizando o Encontro de Análise do Problema, os participantes distribuem entre si as tarefas no sentido de identificar recursos de aprendizagem necessários para possibilitar o estudo individual subsequente e o alcance dos objetivos de aprendizagem.

Individualmente, os estudantes passam, então, a selecionar, na biblioteca da ESP/CE ou junto a outras instituições, material bibliográfico relevante para o estudo individual. Para minorar as dificuldades oriundas das condições ainda limitadas da biblioteca da ESP/CE, foi instituído um Encontro de Monitorização, não previsto na formulação dos “Sete passos da Aprendizagem Baseada em Problemas”1313. Schmidt HG. Foundations of Problem-Based Learning: some explanatory notes. Medical Education. 1993; 27: 422-432.. Nesse encontro, ocorrido após a fase de levantamento dos recursos de aprendizagem, o grupo avalia, com a ajuda do facilitador, se o material bibliográfico identificado é relevante e suficiente para o alcance dos objetivos de aprendizagem e, caso contrário, busca medidas para sanar as limitações. O material selecionado ao término desse encontro é, então, fotocopiado para todos os participantes do grupo, que retornam subsequentemente a seus municípios de origem.

Verifica-se, a seguir, uma fase de estudo individual, ocorrida no próprio local de moradia do participante, que, a partir da leitura do material previamente selecionado, procura construir uma explicação (ou uma proposta de ações a serem desencadeadas) para o problema.

O grupo volta a se reunir com o facilitador num Encontro de Resolução do Problema, para o sétimo passo, na sede da ESP/CE, cerca de 15 dias após terem retornado a seus municípios. Nesse encontro, os participantes apresentam, de forma sistematizada, os resultados de seu trabalho individual, procurando justificar as proposições feitas, a partir das evidências encontradas quando do estudo do material bibliográfico, A discussão em grupo, a partir do relato dos diversos participantes, sistematiza uma proposição final de uma explicação (ou proposta de ação) para o problema, explicitada, pelo relator do grupo, num relatório da sessão.

A Figura 2 apresenta, de forma esquematizada, os passos desse processo, indicando os momentos desenvolvidos na sede da ESP/CE e aqueles realizados nos próprios locais de trabalho dos participantes. Seminários e oficinas de trabalho são utilizados, quando necessário, de forma complementar, para facilitar o alcance de alguns objetivos específicos de aprendizagem.

Figura 2
A organização dos Sete Passos da Aprendizagem Baseada em Problemas na ESP/CE

Aspectos Ligados ao Processo de Avaliação

O acompanhamento e a avaliação das atividades de aprendizagem são desenhados de forma a permitir aos participantes e membros do corpo docente a mensuração de seu desempenho e a identificação de passiveis deficiências e de mecanismos para sua superação. Consideram-se dois tipos de avaliação: a avaliação “formativa” visa oferecer ao participante a oportunidade de identificar os aspectos de seu desempenho que necessitam ser aprimorados, sem que os resultados obtidos venham a ser considerados para fins de pontuação; na avaliação dita “certificativa”, os escores alcançados são contabilizados para fins de obtenção dos índices necessários a aprovação. A avaliação é direcionada para o desempenho tanto individual como de equipe e procura investigar não somente a aquisição de conhecimentos, mas também o desenvolvimento de habilidades. Ao longo do curso, são utilizados os seguintes instrumentos de acompanhamento e avaliação: avaliação do facilitador, trabalho escrito (individual e em grupo), apresentação oral e teste escrito. A partir do segundo módulo, os participantes devem apresentar um plano preliminar para a elaboração da monografia, que deverá ser submetida, na fase final do curso, à banca examinadora, que inclui a participação de docentes externos.

Vantagens, Problemas e Novos Desafios

O PBL é utilizado como principal abordagem educacional no curso de gestão em Silos, adotando-se um formato que articula atividades presenciais e à distância num contexto de pós-graduação. Estas duas principais características imprimem um caráter inovador ao PBL neste curso, incrementado ainda pelos aspectos comentados a seguir.

A aprendizagem desenvolve-se na sede da Escola apenas durante três dias a cada duas semanas, sendo as demais atividades de estudo conduzidas no próprio local de trabalho do participante. Isso torna o controle do processo de aprendizagem por parte da Escola uma tarefa mais difícil em relação aos formatos tradicionais, nos quais o aprendizado é conduzido exclusivamente nos ambientes localizados nas instituições de ensino.

Outra característica peculiar da forma como o PBL é conduzido na Escola é a introdução de uma sessão de monitoramento adicionada aos Sete Passos do PBL. A finalidade dessa sessão é assegurar que todos os estudantes selecionaram os materiais de estudo necessários, tendo em vista a impossibilidade de corrigir eventuais deficiências neste sentido após seu retorno aos locais de origem. O tempo para o estudo individual, além disso, é ampliado para dez dias úteis, no intuito de assegurar a cobertura dos objetivos de aprendizagem, tendo em vista a agenda profissional usualmente sobrecarregada dos estudantes em seus locais de trabalho. Em outras instituições que utilizam o PBL, o tempo para o estudo individual é comparativamente menor, variando usualmente de três a cinco dias.

A avaliação externa realizada em 1998 mostrou que o PBL é muito bem aceito entre estudantes, ex-alunos, estafe e funcionários das secretarias de saúde10. Os estudantes e os ex-alunos, além disso, mencionaram que o PBL os ajudou em muito também em sua atuação diária. Isso pode ser devido ao fato de os problemas serem construídos de modo a assemelhar-se a situações da vida real. Ainda, eles referem que o PBL proporcionou oportunidades excepcionais para compartilhar experiências e para o aprendizado mútuo entre os colegas. Através desse processo, eles concluíram que o PBL contribuiu para a melhoria de seu desempenho, levando-os, a partir do aprendizado adquirido através de outras experiências, a responder melhor aos problemas cotidianos enfrentados em seus serviços de saúde.

PRINCIPAIS PROBLEMAS E NOVOS DESAFIOS

A mesmo avaliação mostrou que o estafe não está satisfeito com a qualidade dos problemas elaborados, que requerem revisão e atualização contínuas, de acordo com as modificações nos problemas prioritários de saúde e as mudanças decorrentes do processo de reforma do sistema de saúde10. Nesse sentido, a experiência de outras instituições que utilizam o PBL em estabelecer um “banco de problemas” poderia ser útil. Outra dificuldade, evidenciada através da aplicação do questionário semi-estruturado e da discussão com o estafe, é o desempenho do facilitador. Este é um problema possivelmente advindo do processo de turn-over do facilitador, da heterogeneidade das situações vivenciadas pelo facilitador e das variações verificadas, entre os facilitadores, na avaliação dos estudantes. Isso sugere que seria necessário associar, à capacitação dos facilitadores, um sistema mais efetivo para sua coordenação. Foi ainda evidenciado que se faz necessário assegurar um processo de follow-up do desempenho do facilitador, possivelmente adaptando instrumentos de avaliação que têm sido validados em outras instituições, tais como a Universidade de Maasatricht (Dolmans et al., 1994) e a Universidade de Sherbrooke (Des Marchais et al.,1995).

Os estudantes do curso de gestão de Silos atuam na comunidade, estando ai fisicamente presentes durante mais de 80% do tempo. Essa é uma proporção bastante elevada de tempo efetivamente utilizado, ao longo de um curso, em ambientes comunitários. Entretanto, a utilização dessa oportunidade excepcional, criada pela presença dos estudantes na comunidade, para o propósito do ensino-aprendizagem, é ainda mínima. Mesmo unidades como aquela relativa à participação comunitária constituem-se majoritariamente como um conjunto de conhecimentos teóricos acerca de estratégias e abordagens de participação comunitária, com limitadas experiências práticas de exposição às comunidades. Os estudantes estão usualmente, como parte de suas atividades profissionais, envolvidos em muitas atividades baseadas na comunidade, tais como a capacitação de agentes comunitários de saúde e os contatos com lideranças comunitárias e políticas. Essas atividades, no entanto, não são reconhecidas pela Escola como alcance de objetivos de aprendizagem quando da avaliação de estudantes, e a sistemática de avaliação não incorpora essas atividades como parte do currículo. Essa foi considerada uma das debilidades importantes da Escola, como verificado a partir das entrevistas com os membros do estafe e, possivelmente, se deve à “juventude” da Escola e às abordagens utilizadas para priorizar atividades de aprendizagem1010. Mohi. External Evaluation of the Public Health School of Fortaleza. Final Report, unpublished, 1998..

A educação baseada na comunidade traria para a Escola muitas vantagens: fortalecimento das parcerias entre a comunidade e a Escola, particularmente em nível de municípios; enriquecimento do processo de aprendizagem a partir da abertura de oportunidades para interação com a comunidade e desenvolvimento de liderança.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todos os técnicos do Projeto de Apoio ao Desenvolvimento do Sistema Local de Saúde, que, com sua valiosa participação, favoreceram os avanços alcançados. Agradecemos também aos técnicos do Centro de Documentação e Biblioteca, pela importante colaboração no trabalho de revisão bibliográfica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2001
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