Acessibilidade / Reportar erro

Espero Nunca mais Encontrar Resposta

I Hope to Never Find an Answer Again

Espero Nunca mais Encontrar Resposta. Buchabqui, JA. . (org.) Porto Alegre: UFRGS, 2001, 79 p.

Sempre defendi a idéia de que, desde que tenha oportunidades e um certo grau de liberdade, o estudante de medicina é capaz de utilizar os espaços oferecidos de maneira criativa e enriquecedora. E isto é pedagógico na sua essência, no sentido da incorporação destas experiências no seu processo de formação como médico e cidadão.

Esse é precisamente o exemplo do singelo “Espero nunca mais encontrar resposta”. Singelo porque não é um livro técnico como aqueles que estamos acostumados a ler sobre medicina ou sobre educação médica. Diferentemente, é um livro que reúne as reflexões de alunos do primeiro semestre da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sobre a sua participação em um projeto de extensão junto a Unidades do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição (GHQ), em Porto Alegre, RS. Não poderia ter sido melhor a escolha do local para esta atividade: o GHC é um complexo público de saúde, mantido com investimentos do Ministério da Saúde e conta com um bem estruturado Serviço de Saúde Comunitária que é, há pelo menos 20 anos, referência nacional em formação de recursos humanos na área de atenção primária à saúde e, mais recentemente, ao Programa de Saúde da Família.

O livro é composto por narrativas de 14 alunos deste projeto de extensão promovido pela UFRGS, cujo objetivo principal é oferecer um espaço para os calouros conviverem com os serviços de saúde fora do âmbito de um hospital universitário.

Confesso que, à primeira vista, achei o título inadequado. Porém, ao ler a introdução e os deponentes que se seguem, especialmente o que dá nome ao livro, fica clara a escolha.

A leitura do livro sugere fortemente que os objetivos do projeto foram plenamente atingidos. E a ideia expressa no título refere-se a uma saudável inquietação e uma postura de dúvida permanente, de sempre continuar perseguindo novos desafios.

Espero nunca mias encontrar resposta é um livro que se lê em uma sentada, de maneira prazerosa. É bem verdade que tem um tom quase ingênuo. Devemos lembrar, entretanto, que é um livro organizado por um professor, mas escrito por alunos que recém iniciaram o curso de medicina. E este fato não o torna menos contundente.

As atividades dos alunos no projeto são realizadas, em caráter voluntário, em uma tarde por semana durante um semestre. Eles foram acolhidos por várias destas Unidades de Saúde Comunitária, fazendo com que sentissem-se, mesmo que de forma temporária, parte de suas equipes de trabalho, observando consultas médicas e de enfermagem, visitas domiciliares, pequenos procedimentos cirúrgicos, grupos e de outras atividades desenvolvidas. É comovente ler os relatos de situações marcantes para os alunos, como a primeira vez que auscultaram um sopro cardíaco ou que examinaram uma garganta inflamada que não fosse a sua!

Apesar desta visão às vezes ingênua e algumas pequenas confusões quanto a definições e terminologia - compreensíveis nesta etapa do curso - esta experiência revela a sua importância por vários motivos. Em primeiro lugar, por oferecer aos alunos contato precoce com a rede de serviços públicos de saúde. Além disso, auxilia a mudar o foco da sua educação médica, direcionando-a também para o universo dos postos de saúde, e não exclusivamente para o hospital universitário, como tradicionalmente tem sido feito.

Em segundo lugar, reafirma a humanização da prática médica no início do curso, enquanto ela ainda não corre o risco de ser perdida. Os depoimentos estão repletos de referências ao carinho e a preocupação que os médicos dedicam aos seus pacientes nestas unidades de atenção primária. Como corretamente afirmo um dos autores, “para ser um bom médico, é neccssário estar inserido na vida do paciente, conhecer a sua realidade” (p.77).

Outro elemento que acredito ser fundamental é que esta experiência também oferece o contato com outros modelos médicos e permite mostrar como é possível não segmentar o ser humano em partes, cada uma sob responsabilidade de um especialista diferente. Por fim, mas não menos importante, permite também diminuir o preconceito dos alunos com relação à prática da atenção primária e ao Sistema Único de Saúde (SUS), que muitas vezes são confundidos com uma medicina de segunda categoria, praticada por profissionais despreparados, ou seja, sinônimos de mau atendimento à população. A experiência do GHC evidencia justamente o contrário.

No momento em que muito, professores ainda não sabem o que é o SUS, este grupo de alunos o está vivenciando, já em seu primeiro semestre do curso de medicina, com repercussões importantes na sua educação médica. Como relata um dos autores, “este projeto ousado tira os alunos dos livros e mostra que o que se lê só pode ser fixado através das pessoas” (p.44 ). Ou seja, o aprendizado teórico, desde que seja feito através do contato com indivíduos - sadios ou que apresentem problemas de saúde - “flui de maneira mais agradável e duradoura”.

Concluindo, é um livro oportuno que deve ser lido à luz das novas diretrizes curriculares e, sobretudo, deveria servir de inspiração para professores e alunos que buscam uma melhor educação médica em nosso pais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2002

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2002
  • Aceito
    30 Jul 2002
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com