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Produtividade do feijão-de-corda e acúmulo de sais no solo em função da fração de lixiviação e da salinidade da água de irrigação

Cowpea yield and soil salt accumulation as a function of leaching fraction and irrigation water salinity

Resumos

Neste trabalho, avaliaram-se o acúmulo de sais no solo e a produtividade do feijão-de-corda, em função da fração de lixiviação (FL) e da salinidade da água de irrigação. Utilizou-se de delineamento em blocos ao acaso, com quatro tratamentos e cinco repetições. Foram estudados os seguintes tratamentos: 1 - água do poço com condutividade elétrica (CEa) de 0,8 dS m-1 (sem FL); 2 - água salina com CEa de 5,0 dS m-1 sem FL; 3 - água salina com CEa de 5,0 dS m-1 com FL de 0,14; 4 - água salina com CEa de 5,0 dS m-1 com FL de 0,28. Foram avaliadas as seguintes variáveis: acúmulo de sais no solo, crescimento vegetativo, produtividade, trocas gasosas e teores de Na+, Ca+2, K+ e Cl- nas folhas. A aplicação de água salina provocou acúmulo de sais no solo, porém esses efeitos foram parcialmente revertidos pelo aumento da FL; a salinidade reduziu a produtividade de grãos, porém não afetou sua qualidade; a redução na produtividade ocasionada pela salinidade deveu-se, em parte, à redução na assimilação líquida de carbono durante as fases de floração e frutificação, associada aos efeitos osmóticos e ao acúmulo de Na+ e Cl- nas folhas; as frações de lixiviação não tiveram muita influência na superação dos danos provocados pela salinidade sobre o desenvolvimento das plantas.

água salina; Vigna unguiculata L. Walp.; estresse salino


The study had the objective to evaluate the effect of water salinity and the leaching fraction (LF) on soil salt accumulation and on the yield of grains of cowpea plants. A completely randomized block design, with four treatments and five repetitions, was adopted. The treatments studied were: 1 - well water with ECw of 0.8 dS m-1 (without LF); 2 - saline water with ECw of 5.0 dS m-1 (without LF); 3 - saline water with ECw of 5.0 dS m-1 with LF of 0.14, and 4 - saline water with ECw of 5.0 dS m-1 with LF of 0.28. The following parameters were evaluated: soil salt accumulation, vegetative plant growth, yield, gas exchange and leaf ion contents (Na+, Ca+2, K+, and Cl-). The saline water application provoked salt accumulation in the soil profile, but this effect was partially reverted by the increase of the leaching fraction. Salinity reduced plant yield, but it did not affect its quality. The reduction in plant yield was related, at least in part, to decrease in net assimilation of carbon during flowering and fruit development due to osmotic effects and to accumulation of potentially toxic ions (Na+ and Cl-). In general, the increase in leaching fraction did not reduce the effect of the salinity on plant development.

saline water; Vigna unguiculata L. Walp.; salt stress


ARTIGOS CIENTÍFICOS

ENGENHARIA DE ÁGUA E SOLO

Produtividade do feijão-de-corda e acúmulo de sais no solo em função da fração de lixiviação e da salinidade da água de irrigação1 1 Extraído da Dissertação de Mestrado do primeiro autor.

Cowpea yield and soil salt accumulation as a function of leaching fraction and irrigation water salinity

José O. de Assis JúniorI; Claudivan F. de LacerdaII; Flávio B. da SilvaIII; Francisco L. B. da SilvaIII; Marlos A. BezerraIV; Hans R. GheyiV

IEngº Agrônomo, INCRA, Porto Velho - RO

IIEngº Agrônomo, Prof. Adjunto, Departamento de Engenharia Agrícola, Campus do Pici, Bloco 804, Caixa Postal 12.168, UFC, Fortaleza - CE

IIIEstudantes de Agronomia, Bolsistas IC, UFC, Fortaleza - CE

IVEngº Agrônomo, Pesquisador, Embrapa Agroindústria Tropical, Fortaleza - CE

VEngº Agrônomo, Prof. Titular, Departamento de Engenharia Agrícola, UFCG, Campina Grande - PB

RESUMO

Neste trabalho, avaliaram-se o acúmulo de sais no solo e a produtividade do feijão-de-corda, em função da fração de lixiviação (FL) e da salinidade da água de irrigação. Utilizou-se de delineamento em blocos ao acaso, com quatro tratamentos e cinco repetições. Foram estudados os seguintes tratamentos: 1 - água do poço com condutividade elétrica (CEa) de 0,8 dS m-1 (sem FL); 2 - água salina com CEa de 5,0 dS m-1 sem FL; 3 - água salina com CEa de 5,0 dS m-1 com FL de 0,14; 4 - água salina com CEa de 5,0 dS m-1 com FL de 0,28. Foram avaliadas as seguintes variáveis: acúmulo de sais no solo, crescimento vegetativo, produtividade, trocas gasosas e teores de Na+, Ca+2, K+ e Cl- nas folhas. A aplicação de água salina provocou acúmulo de sais no solo, porém esses efeitos foram parcialmente revertidos pelo aumento da FL; a salinidade reduziu a produtividade de grãos, porém não afetou sua qualidade; a redução na produtividade ocasionada pela salinidade deveu-se, em parte, à redução na assimilação líquida de carbono durante as fases de floração e frutificação, associada aos efeitos osmóticos e ao acúmulo de Na+ e Cl- nas folhas; as frações de lixiviação não tiveram muita influência na superação dos danos provocados pela salinidade sobre o desenvolvimento das plantas.

Palavras-chave: água salina, Vigna unguiculata L. Walp., estresse salino.

ABSTRACT

The study had the objective to evaluate the effect of water salinity and the leaching fraction (LF) on soil salt accumulation and on the yield of grains of cowpea plants. A completely randomized block design, with four treatments and five repetitions, was adopted. The treatments studied were: 1 - well water with ECw of 0.8 dS m-1 (without LF); 2 - saline water with ECw of 5.0 dS m-1 (without LF); 3 - saline water with ECw of 5.0 dS m-1 with LF of 0.14, and 4 - saline water with ECw of 5.0 dS m-1 with LF of 0.28. The following parameters were evaluated: soil salt accumulation, vegetative plant growth, yield, gas exchange and leaf ion contents (Na+, Ca+2, K+, and Cl-). The saline water application provoked salt accumulation in the soil profile, but this effect was partially reverted by the increase of the leaching fraction. Salinity reduced plant yield, but it did not affect its quality. The reduction in plant yield was related, at least in part, to decrease in net assimilation of carbon during flowering and fruit development due to osmotic effects and to accumulation of potentially toxic ions (Na+ and Cl-). In general, the increase in leaching fraction did not reduce the effect of the salinity on plant development.

Keywords: saline water, Vigna unguiculata L. Walp., salt stress.

INTRODUÇÃO

O feijão-de-corda, também conhecido como feijão-caupi ou feijão-macássar, é uma leguminosa comestível dotada de alto conteúdo protéico, boa capacidade de fixar nitrogênio, sendo ainda pouco exigente em fertilidade do solo. Tendo como habitat as regiões de clima quente (úmida ou semi-árida), é cultivado, predominantemente, nas regiões Norte e Nordeste do Brasil (ARAÚJO & WATT, 1988; MOUSINHO, 2005). Porém, apesar de todas as características favoráveis para bom desenvolvimento e produtividade dessa cultura, a produtividade média nacional, que no início da década de 1960 era de 649 kg ha-1, reduziu-se para 597 kg ha-1 na década de 1990. Por se tratar de cultura de ciclo curto e relativamente exigente em água, a irrigação constitui-se como alternativa viável para a melhoria substancial da produtividade da cultura no semi-árido brasileiro, em face da irregularidade das precipitações pluviométricas nessa região (SOUZA, 2000).

Em geral, a agricultura irrigada depende tanto da quantidade como da qualidade da água. Embora a importância da qualidade só tenha sido reconhecida a partir do início do século passado, isso está mudando devido à reduzida disponibilidade de água de baixa salinidade e de fácil utilização, em função da maior demanda de água potável, restando como alternativa para irrigação o uso de águas de qualidade inferior (GLENN et al., 1998; AYERS & WESTCOT, 1999). Dentre as características que determinam a qualidade da água para a irrigação, a concentração de sais solúveis, ou salinidade, é fator limitante para algumas culturas.

O problema da salinidade ocorre com mais freqüência em regiões áridas e semi-áridas, como é o caso do Nordeste brasileiro, pois a lixiviação e o transporte de sais solúveis são restritos devido às baixas precipitações e às altas taxas de evaporação, sendo esse processo acelerado usualmente pelas irrigações irracionais e pela drenagem deficiente (GHEYI, 2000). A salinização de um solo ocorre mediante processo ao longo do tempo, pois, de acordo com RHOADES et al. (1992), a água salina raramente contém quantidades de sais suficientes para causar injúrias imediatas às plantas, a menos que ocorra contato foliar. No entanto, a concentração de sais nos solos aumenta com a irrigação, e a salinidade pode ser incrementada com o tempo se as técnicas de manejo adequadas não forem adotadas. As possíveis soluções para o problema da salinidade incluem a utilização de práticas de manejo de solo/água, o cultivo de espécies/cultivares adaptadas à salinidade e a correção do solo, relacionadas, respectivamente, à prevenção, à convivência e à recuperação (GHEYI, 2000). No caso de uso de águas salinas na irrigação, o uso de frações de lixiviação pode também contribuir para reduzir o acúmulo de sais no solo (SHARMA & RAO, 1998; AYERS & WESTCOT, 1999).

Neste trabalho, foram avaliados o acúmulo de sais no perfil do solo, o crescimento vegetativo, a produtividade, as trocas gasosas e o acúmulo de íons em folhas de feijão-de-corda, em função da fração de lixiviação e da salinidade da água de irrigação.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi instalado na área experimental do Laboratório de Hidráulica e Irrigação, da Universidade Federal do Ceará (UFC), Câmpus do Pici, em Fortaleza - CE (3º45’sul; 38º33’oeste e altitude de 19 m), utilizando-se de sementes de feijão-de-corda (Vigna unguiculata (L.) Walp.), cultivar EPACE 10. Segundo a classificação de Köeppen, essa área está localizada numa região de clima do tipo Aw. Durante o período experimental, a temperatura média foi de 28 ºC, a umidade relativa do ar de 73% e o total precipitado de 20 mm. O solo é do tipo Argissolo Vermelho-Amarelo, e suas principais características físicas e químicas estão apresentadas na Tabela 1. As análises de solo foram realizadas seguindo metodologias descritas por SILVA (1999), sendo a condutividade elétrica determinada em extratos 1:1 (solo: água).

O delineamento experimental utilizado foi em blocos ao acaso, com quatro tratamentos e cinco repetições, tendo assim área com 20 parcelas distribuídas em cinco blocos. Cada parcela teve comprimento de 5,0 m, com quatro linhas de plantio, sendo o espaçamento de 0,6 x 0,3 m com duas plantas por cova.

Foram estudados os seguintes tratamentos: 1 - água do poço (Tabela 2) com condutividade elétrica (CEa) de 0,8 dS m-1 (sem fração de lixiviação); 2 - água salina com CEa de 5,0 dS m-1 sem fração de lixiviação; 3 - água salina com CEa de 5,0 dS m-1 com fração de lixiviação de 0,14; 4 - água salina com CEa de 5,0 dS m-1 com fração de lixiviação de 0,28. Para o preparo das soluções salinas, foi utilizado o sal (NaCl), obedecendo-se à relação entre CEa e concentração (mmolc L-1 = CEa x 10), extraída de RHOADES et al. (1992). A lâmina de irrigação foi determinada utilizando-se da ETo (obtida pelo método do Tanque Classe A) e os coeficientes da cultura (Kc). Os valores de Kc foram 0,70; 1,05 e 0,90 para as fases de crescimento, floração e frutificação e maturação, respectivamente (DOORENBOS & KASSAM, 1994).

Aproximadamente 80 dias antes do plantio, foi feita uma aplicação de 100 kg de calcário em área de 450 m2, correspondendo à dose de 2,2 Mg por hectare, sendo incorporados com uma aração seguida de duas gradagens cruzadas. Foi feita a semeadura com quatro sementes por cova e sete dias após semeadas foram realizados o desbaste e o replantio, deixando-se apenas duas plantas por cova. Dias antes da semeadura, foi feita uma adubação, utilizando-se de uréia, superfosfato simples e cloreto de potássio, correspondendo às doses de 20 kg ha-1 de N, 60 kg ha-1 de P2O5 e 20 kg ha-1 de K2O, respectivamente (FERNANDES, 1993). Aos 30 dias após o plantio, foi realizada a adubação de cobertura com 10 kg ha-1 de K2O, utilizando-se de cloreto de potássio.

O turno de rega adotado foi de três dias, e a lâmina aplicada durante todo o ciclo foi de 353 mm para os tratamentos 1 e 2; 402 mm para o tratamento 3, e 450 mm para o tratamento 4. Em cada irrigação, a água era armazenada em caixas com capacidade para 1.000 L, e o volume necessário era aplicado em cada sulco por meio de um hidrômetro de medição.

Nas fases de floração e frutificação, foram feitas medições das trocas gasosas (taxa de fotossíntese líquida, taxa de transpiração e condutância estomática) e dos teores de íons (Na+, Ca+2, K+ e Cl-) em folhas completamente maduras. As trocas gasosas foram medidas aos 43; 50; 57 e 64 dias após o plantio (DAP), utilizando-se de analisador de gás no infravermelho IRGA (ADC System, Hoddesdon, UK), em sistema aberto, com fluxo de ar de 300 mL min-1. As medições ocorreram sempre entre 10 e 12 h, utilizando-se da umidade relativa do ar, da temperatura e da radiação do ambiente.

Aos 43; 57 e 64DAP foram coletadas duas folhas maduras de duas plantas diferentes situadas no centro de cada parcela. Depois de colhidas, as folhas foram acondicionadas em sacos de papel e colocadas para secagem em estufa de circulação forçada a 60 ºC, para posterior determinação dos teores de íons. Nas amostras foliares secas em estufa e finamente trituradas em moinho tipo Wiley, foram determinados os teores de Na+, Ca+2, K+ (MIYAZAWA et al., 1984; MALAVOLTA et al., 1989) e de Cl- (GAINES et al., 1984).

A colheita dos grãos deu-se diariamente, após a maturação das primeiras vagens, e se estendeu até aos 69 DAP. O material colhido foi acondicionado em sacos de papel previamente identificados e levado para secagem ao sol. Com o material colhido, foram feitas medições dos seguintes parâmetros agronômicos: número de vagens, tamanho médio de vagens, peso das vagens, peso total dos grãos secos e peso de 1.000 grãos.

Aos 69 DAP, foram coletadas dez plantas de cada parcela, sendo logo após feita a separação entre folhas e ramos e determinadas suas matérias frescas. Amostras homogêneas de folhas e ramos, de aproximadamente 500 g, de cada parcela, foram acondicionadas em sacos de papel e, após secas em estufa a 60 ºC, foram pesadas para a obtenção do teor de matéria seca da parte aérea. A produção de matéria seca foi obtida multiplicando a matéria fresca pelo teor de matéria seca das diferentes partes da planta. Com os dados de produção de matéria seca das sementes e matéria seca total, calculou-se o índice de colheita, conforme descrito na eq.(1):

Ao final do cultivo (dezembro de 2005) e após o período chuvoso subseqüente (junho de 2006), foram coletadas subamostras de solo nas camadas de 0 a 0,30; 0,30 a 0,60 e 0,60 a 0,90 m nas cinco parcelas de cada tratamento, que depois foram homogeneizadas, formando uma amostra composta apenas por tratamento, e utilizadas nas determinações da condutividade elétrica em extratos 1:1 (solo: água) e da percentagem de sódio trocável (PST), segundo SILVA (1999).

Os resultados foram submetidos à análise de variância, tendo sido realizada a comparação entre médias, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade, por meio do programa SAEG/UFV.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Acúmulo de sais no solo

A salinidade da água de irrigação promoveu acúmulo de sais e de sódio trocável no perfil do solo (Tabela 3), sendo, em média, os valores de condutividade elétrica (CE1: 1) e de percentagem de sódio trocável (PST) maiores nas camadas de 0,3 a 0,6 e de 0 a 0,3 m, respectivamente. Os valores de PST alcançados foram bem superiores ao limite estabelecido para solos sódicos (RICHARDS, 1954). Esses resultados sugerem que a utilização de águas salinas ricas em sódio e cloreto deve ser bem planejada, pois existe grande risco de salinização e principalmente de sodificação do solo.

O aumento das frações de lixiviação reduziu o acúmulo de sódio na camada superficial e promoveu melhor distribuição de sais no perfil (Tabela 3), indicando ser uma alternativa para controlar o aumento gradativo de sais na zona radicular (AYERS & WESTCOT, 1999; SHARMA & RAO, 1998). Por outro lado, percebe-se que ocorreram decréscimos dos valores de CE1: 1 e PST na coleta de solo realizada após o período chuvoso, o que se deve à lixiviação ocasionada pelas chuvas, que superaram os 1.000 mm no período. Esses resultados mostram a viabilidade da utilização de águas salinas nos meses que antecedem o período chuvoso, sem riscos de salinização e sodificação, nas condições de solo e clima semelhantes às do presente estudo.

Crescimento e produtividade da cultura

Na Figura 1, tem-se a representação gráfica da matéria seca de hastes e folhas (A), de vagens (B), de sementes (C) e total (D). Para todas as variáveis, o tratamento que recebeu irrigação com água do poço obteve maiores valores com diferença estatística dos demais tratamentos, pelo teste de Tukey (P > 0, 05), enquanto os tratamentos que utilizaram água de irrigação com CEa de 5,0 dS m-1 não diferiram estatisticamente entre si. As reduções no crescimento e na produtividade promovidas pela salinidade já foram observadas nesse e em outras cultivares dessa espécie, em estudos em casa de vegetação (DANTAS et al., 2002; COSTA et al., 2003). Esses efeitos estão associados aos efeitos osmóticos, tóxicos e nutricionais do estresse salino, que afetam a assimilação líquida de CO2, inibem a expansão foliar e aceleram a senescência de folhas maduras, reduzindo, conseqüentemente, a área destinada ao processo fotossintético e a produção total de fotoassimilados (MUNNS, 2002; LACERDA et al., 2003).


Comparando-se as médias dos tratamentos salinos com as médias do tratamento com água do poço, verificou-se que os efeitos da salinidade no crescimento vegetativo (hastes e folhas) foram maiores do que os observados para o crescimento reprodutivo (vagens e sementes), sendo as reduções médias de 48 e 36%, respectivamente. Essa alteração na partição de fotoassimilados resultou em aumento de cerca de 10% no índice de colheita, passando de 43% nas plantas irrigadas com água do poço para 47,2% nas plantas irrigadas com água salina.

A produtividade dos grãos do feijão-de-corda resulta do número de vagens (NV) por unidade de área, do número de grãos por vagens (NGV) e do peso de 1.000 grãos (P1000G em g) (CARDOSO et al., 2005). Os valores médios encontrados para o peso de 1.000 sementes (200 g) e para o tamanho da vagem (20 cm) estão de acordo com os observados na cultivar EPACE 10 e em outras cultivares dessa espécie (FREIRE FILHO et al., 2005). No entanto, não houve diferença entre os tratamentos no que diz respeito a essas duas variáveis, ou seja, elas não foram responsáveis pela redução na produtividade das plantas irrigadas com águas salinas. Por outro lado, o número de vagens por planta (Figura 2) foi de aproximadamente 15 para o tratamento com água do poço, enquanto nos demais tratamentos o valor ficou por volta de 10 vagens por plantas, demonstrando que essa variável influenciou na redução da produtividade das plantas sob estresse salino. Esse resultado também demonstra que a salinidade afetou a emissão de ramos reprodutivos, sendo esse componente determinante para a redução da produtividade.


Trocas gasosas

A análise dos resultados de determinação de condutância estomática, da taxa de transpiração e da taxa de fotossíntese líquida para os quatro tratamentos, em quatro épocas distintas, durante as fases de floração e frutificação (Figura 3) permite afirmar que a água salina influencia em todas as variáveis e que a fração de lixiviação não foi capaz de amenizar os efeitos deletérios do acúmulo de sais no solo, no que diz respeito às trocas gasosas.




Dentre os três parâmetros fisiológicos em estudo, a condutância estomática (Figura 3A) foi o que apresentou maior diferença do tratamento que utilizou a água do poço para os tratamentos em que a irrigação foi efetuada com água salina, com ou sem fração de lixiviação, demonstrando assim que a fração de lixiviação não teve influência positiva nesse fator. O fechamento parcial dos estômatos provocado pela salinidade reduziu as taxas de transpiração (Figura 3B), sendo resultados semelhantes encontrados em estudos realizados sob condições de casa de vegetação com essa espécie (GUIMARÃES, 2005; SOUSA, 2006). O aumento da salinidade também ocasionou redução na taxa de fotossíntese líquida (Figura 3C), sendo as reduções mais significativas encontradas no tratamento sem fração de lixiviação. A redução na taxa fotossintética pode ser decorrente do fechamento parcial dos estômatos, associado aos efeitos osmóticos da salinidade e da toxidez iônica sobre o metabolismo (BEZERRA et al., 2005). Conforme SULTANA et al. (1999), a redução na condutância estomática pode provocar declínio na fotossíntese líquida, devido à redução na pressão parcial do CO2 nos espaços intercelulares ou na câmara subestomática.

Os resultados indicam que a redução na produtividade das plantas (Figura 1) deveu-se, em parte, à limitação na assimilação líquida de carbono pelos tecidos foliares durante as fases de floração e frutificação (Figura 3A), conforme tem sido sugerido por outros autores (CHARTZOULAKIS & LOUPASSAKI, 1997; MUNNS, 2002). Deve-se ressaltar, ainda, que as plantas irrigadas com águas salinas apresentaram crescimento foliar em torno de 48% menor que as plantas irrigadas com água do poço (Figura 1), o que certamente limitou a área destinada à produção de fotoassimilados e contribuiu decisivamente para a queda na produtividade da cultura (LARCHER, 2000; MUNNS, 2002). O aumento da fração de lixiviação reduziu os efeitos da salinidade sobre a assimilação líquida de carbono, porém isso não foi suficiente para favorecer a produtividade da cultura, em relação ao tratamento salino sem fração de lixiviação.

Teores de íons nas folhas

Plantas expostas a altos níveis de salinidade, usualmente, respondem por osmorregulação dentro da célula, devido, em parte, ao aumento na absorção de íons. O grau de sensibilidade das plantas à salinidade é controlado, em parte, pela absorção, translocação e exclusão dos íons Na+ e Cl- (LACERDA et al., 2003).

Analisando a influência da salinidade da água de irrigação no acúmulo do íon sódio nas folhas (Figura 4A), percebe-se que houve influência ao longo do tempo. Nota-se que, na época de medição 1 (43 DAP), o valor do íon sódio não apresentou diferença entre os tratamentos e que, a partir da medição 2 (55 DAP), os tratamentos em que foram utilizadas águas salinas na irrigação aumentaram significativamente o teor do Na+ nas folhas, enquanto, no tratamento em que a irrigação foi efetuada com a água do poço, o teor do íon Na+ praticamente não foi alterado ao longo do tempo. Apesar do aumento nos teores de Na, os valores foram baixos, comparados com os obtidos em outros estudos (COSTA et al., 2003; SILVA et al., 2003). Esses autores, no entanto, trabalharam em meio hidropônico, em que a disponibilidade dos minerais é constante e muito elevada, o que pode justificar as discrepâncias observadas.



Diferentemente do que foi observado para o Na+, o uso da fração de lixiviação de 28% reduziu o acúmulo de cloreto nos limbos foliares, sendo os seus valores iguais ao do tratamento irrigado com água do poço nas duas primeiras coletas (Figura 4B). Já os tratamentos 2 (água salina sem fração de lixiviação) e 3 (água salina com fração de lixiviação de 0,14) apresentaram diferença significativa desde a primeira coleta no que diz respeito ao acúmulo do cloreto nas folhas, comparado com o tratamento 1 (água do poço sem fração de lixiviação). Comparando os valores encontrados para o sódio e o cloreto nas folhas (Figura 4), nota-se que os valores do íon Cl- foram muito superiores aos do íon Na+, resultado semelhante a esse também foi encontrado por GUIMARÃES (2005) e SOUSA (2006), o que pode ser explicado pela maior capacidade dessa espécie em limitar a absorção e o transporte de Na+ da zona radicular para a parte aérea, em relação ao cloreto (TRINDADE et al., 2006). Vale salientar que tanto o acúmulo de Na+ como o de Cl- podem ter contribuído para a inibição do crescimento e do rendimento da cultura, visto que as plantas cultivadas, de modo geral, têm baixa capacidade de compartimentalizar esses íons nos vacúolos, ocorrendo acúmulo no citoplasma e causando toxidez às estruturas e processos celulares, tal como a fotossíntese.

A salinidade praticamente não influenciou no acúmulo do íon K+ (Figura 5A), resultado semelhante ao encontrado por SOUSA (2006) em plantas de feijão-de-corda da cultivar Pitiúba. Todavia, outros pesquisadores observaram que o estresse salino reduziu o teor de potássio nas folhas, nessa e em outras espécies (COSTA et al., 2003; LACERDA et al., 2003), visto que altas concentrações do íon sódio podem inibir a absorção de K+ pelas plantas por meio do antagonismo entre estes dois íons (MARSCHNER, 1995). Esses resultados conflitantes podem estar relacionados com diversos fatores, incluindo manejo da cultura, variedade, tipo de salinidade, além da temperatura e da umidade relativa do ar (FLOWERS, 2004). De acordo com LACERDA (2005), a duração do estresse e a idade da folha amostrada podem, também, produzir diferentes resultados e interpretações, que podem estar relacionadas às diferenças nas taxas de retranslocação de K+ entre os tratamentos.



O teor de Ca2+ não diferiu entre os tratamentos nas coletas realizadas aos 43 e 64 dias após o plantio (Figura 5B). Já na coleta realizada aos 57 dias após o plantio, houve diferença entre os tratamentos e apenas aqueles irrigados com água salina e com fração de lixiviação de 0,14 e 0,28 apresentaram valores inferiores aos demais tratamentos. Estudos em solos com problema de salinidade têm mostrado que o aumento na concentração de Na+ é acompanhado pelo decréscimo na concentração de Ca2+ trocável, resultando em desequilíbrio iônico que pode afetar o crescimento das plantas. No entanto, o feijão-de-corda parece manter a absorção de Ca2+ (Figura 5B), mesmo quando a concentração de Na+ aumenta no ambiente radicular, conforme tem sido observado também por outros autores (SILVA et al., 2003).

CONCLUSÕES

A aplicação de água salina provocou aumento da salinidade e da sodicidade do solo, porém esses efeitos foram revertidos parcialmente pelo aumento da fração de lixiviação e totalmente pelas chuvas.

A salinidade reduziu o crescimento vegetativo e a produtividade do feijão-de-corda, porém não influenciou nos aspectos qualitativos dos frutos e sementes, provocando ligeiro incremento no índice de colheita.

A redução na produtividade ocasionada pela salinidade deveu-se, em parte, às reduções no crescimento vegetativo e na assimilação líquida de carbono, durante as fases de floração e frutificação, associadas aos efeitos osmóticos e ao acúmulo de íons potencialmente tóxicos (Na+ e Cl-) nos tecidos foliares.

As frações de lixiviação não tiveram influência na superação dos danos provocados pela salinidade sobre a produtividade das plantas.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão de bolsas de estudo e de recursos financeiros indispensáveis para a realização deste trabalho de pesquisa.

Recebido pelo Conselho Editorial em: 12-4-2007

Aprovado pelo Conselho Editorial em: 10-10-2007

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  • 1
    Extraído da Dissertação de Mestrado do primeiro autor.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      12 Abr 2007
    • Aceito
      10 Out 2007
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