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Transposicão da veia gástrica esquerda ou da veia mesentérica inferior como alternativas de revascularizacão portal no transplante ortotópico de fígado

Transposition of the left gastric vein or the inferior mesenteric vein as alternatives to portal reconstruction in orthotopic liver transplantation

Resumos

OBJETIVO: Apresentar e discutir indicações e resultados iniciais de duas alternativas técnicas para reconstrução portal em receptores de transplante hepático com veia porta trombosada ou hipoplásica. MÉTODO: São apresentados três casos de transplante hepático em portadores de veia porta imprestável para revascularização do enxerto. Constatada essa inadequação, por ausência de calibre e fluxo mínimos para uma anastomose segura com a veia porta do doador, a veia gástrica esquerda (duas vezes) ou a veia mesentérica inferior do receptor foi dissecada, ligada distalmente, transposta e anastomosada com a veia porta do doador. RESULTADOS: Nos três casos, as anastomoses resultaram isodiamétricas, sem torsões ou acotovelamentos, permitindo uma revascularização do enxerto homogênea, adequada do ponto de vista macroscópico e funcional, comprovada pela evolução favorável e por fluxometria Doppler pós-operatória. CONCLUSÕES: Os autores concluem que a veia gástrica esquerda e a veia mesentérica inferior podem se constituir em boas alternativas para a reconstrução portal de receptores de transplante hepático com veia porta inadequada.

Transplante de fígado; Veia gástrica esquerda; Veia mesentérica inferior


BACKGROUND: Thrombosis or hypoplasia of the portal vein remains an obstacle in orthotopic liver transplantation. The authors present the technique and initial results of two alternatives to portal vein reconstruction in these cases. METHODS: Three patients who suffered end stage liver disease underwent orthotopic liver transplantation. As the portal vein was inadequate in each case, the left gastric vein (two cases) or the inferior mesenteric vein was isolated, tied distally, transposed and anastomosed to the donor portal vein. RESULTS: In all three cases the reperfusion was apparently satisfactory and the postoperative course was uneventful. Doppler ultrasonography and liver function tests confirmed the sufficiency of the portal flow. CONCLUSION: The left gastric vein or the inferior mesenteric vein may be a good alternative to portal reconstruction in liver transplant.

Liver transplantation; Left gastric vein; Inferior mesenteric vein


ARTIGO ORIGINAL

Transposicão da veia gástrica esquerda ou da veia mesentérica inferior como alternativas de revascularizacão portal no transplante ortotópico de fígado

Transposition of the left gastric vein or the inferior mesenteric vein as alternatives to portal reconstruction in orthotopic liver transplantation

Cláudio Moura Lacerda, TCBC-PEI; Paulo Sergio Vieira de Melo,TCBC-PEII; Américo AmorimIII; Olival Lucena, TCBC-PEII; Romero GlasnerIII; Maiena E. C. TenórioIV

IProfessor Titular de Cirurgia Abdominal e Chefe do Serviço de Cirurgia Geral e Transplante Hepático do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco (HUOC-UPE)

IICirurgião do Serviço de Cirurgia Geral e Transplante Hepático do HUOC – UPE

IIIProfessor Adjunto de Cirurgia da UPE e Cirurgião do Serviço de Cirurgia Geral e Transplante Hepático do HUOC – UPE

IVAcadêmica de Medicina da UPE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Recebido em 01/12/2003 Aceito para publicação em 08/06/2004

RESUMO

OBJETIVO: Apresentar e discutir indicações e resultados iniciais de duas alternativas técnicas para reconstrução portal em receptores de transplante hepático com veia porta trombosada ou hipoplásica.

MÉTODO: São apresentados três casos de transplante hepático em portadores de veia porta imprestável para revascularização do enxerto. Constatada essa inadequação, por ausência de calibre e fluxo mínimos para uma anastomose segura com a veia porta do doador, a veia gástrica esquerda (duas vezes) ou a veia mesentérica inferior do receptor foi dissecada, ligada distalmente, transposta e anastomosada com a veia porta do doador.

RESULTADOS: Nos três casos, as anastomoses resultaram isodiamétricas, sem torsões ou acotovelamentos, permitindo uma revascularização do enxerto homogênea, adequada do ponto de vista macroscópico e funcional, comprovada pela evolução favorável e por fluxometria Doppler pós-operatória.

CONCLUSÕES: Os autores concluem que a veia gástrica esquerda e a veia mesentérica inferior podem se constituir em boas alternativas para a reconstrução portal de receptores de transplante hepático com veia porta inadequada.

Descritores: Transplante de fígado; Veia gástrica esquerda; Veia mesentérica inferior.

ABSTRACT

BACKGROUND: Thrombosis or hypoplasia of the portal vein remains an obstacle in orthotopic liver transplantation. The authors present the technique and initial results of two alternatives to portal vein reconstruction in these cases.

METHODS: Three patients who suffered end stage liver disease underwent orthotopic liver transplantation. As the portal vein was inadequate in each case, the left gastric vein (two cases) or the inferior mesenteric vein was isolated, tied distally, transposed and anastomosed to the donor portal vein.

RESULTS: In all three cases the reperfusion was apparently satisfactory and the postoperative course was uneventful. Doppler ultrasonography and liver function tests confirmed the sufficiency of the portal flow.

CONCLUSION: The left gastric vein or the inferior mesenteric vein may be a good alternative to portal reconstruction in liver transplant.

Key words: Liver transplantation; Left gastric vein; Inferior mesenteric vein.

INTRODUÇÃO

É possível realizar transplante ortotópico de fígado em pacientes com trombose portal ou hipoplasia severa da veia porta. Para isso, desenvolveram-se técnicas para garantir um adequado fluxo venoso para o fígado implantado. Quando não se consegue o restabelecimento desse fluxo através de trombectomia, utiliza-se um enxerto de veia ilíaca do mesmo doador, anastomosado inicialmente na veia mesentérica superior do receptor e, em seguida, na veia porta do fígado transplantado1,2. Nos casos em que a veia mesentérica superior também está trombosada, pode se realizar a heme-transposição cavo-portal, ou seja, a revascularização portal do enxerto através da veia cava infra-hepática do receptor, ligando- se a veia cava infra-hepática do doador3. Ambas as técnicas apresentam sérios inconvenientes. A primeira exige uma dissecção retro ou infrapancreática da veia mesentérica superior, além de mais uma anastomose venosa. A segunda deixa o receptor com hipertensão portal e tendência à atrofia progressiva do enxerto, decorrente da ausência dos fatores hepatotróficos no sangue da veia cava desviado para o fígado transplantado.

Em publicação anterior, os autores do presente artigo descreveram um caso de revascularização portal com a veia gástrica esquerda4. Na atual, apresentam três casos de doença hepática avançada em que havia severa hipoplasia (dois casos) ou trombose da veia porta, nas quais se empregou a veia gástrica esquerda (dois casos) ou a veia mesentérica inferior na revascularização portal do fígado transplantado.

MÉTODO

O primeiro caso foi de uma criança do sexo feminino, com quatro anos de idade, portadora de atresia de vias biliares, submetida a portoenterostomia à Kasai aos dois meses de vida. Evoluiu com cirrose biliar secundária, manifestada por icterícia progressiva, hiperesplenismo e freqüentes episódios de hemorragia digestiva alta. Foi submetida a transplante ortotópico de fígado com doador cadáver, fígado inteiro. Sua veia porta apresentava-se com severa hipoplasia, com calibre inferior a 3mm, insuficiente para uma revascularização efetiva do enxerto (Figura 1). Optou-se por dissecar a veia gástrica esquerda, que se apresentava com diâmetro de cerca de 8mm. Foi então ligada à altura da pequena curvatura gástrica e liberada até a sua emergência na veia esplênica (Figura 2). A portalização do enxerto hepático foi realizada através de uma anastomose entre essa veia dissecada, transposta e retificada, com a veia porta do doador, de forma término-terminal, com fio prolene 6-0, empregando-se fator de crescimento (Figura 3). Em seguida foi realizada a anastomose arterial e a revascularização simultânea do fígado transplantado.




O segundo caso foi de um paciente do sexo masculino, 57 anos, portador de cirrose pelo vírus C e álcool, Child- Pugh B, submetido a transplante ortotópico de fígado com doador cadáver. Durante a intervenção, constatou-se veia porta totalmente trombosada, não sendo possível a retirada do trombo. Por meio de técnica semelhante à descrita no caso 1, a veia gástrica esquerda, com diâmetro de aproximadamente 9mm, foi utilizada para a reconstrução portal através de anastomose com a veia porta do doador.

O terceiro caso foi de uma criança com três anos de idade, sexo feminino, portadora de cirrose biliar secundária a atresia de vias biliares, com prévia operação de Kasai. Evoluía com icterícia progressiva , prurido intenso e hemorragia digestiva por rotura de varizes de esôfago. Foi submetida a transplante com fígado inteiro. Durante a intervenção, percebeuse que a sua veia porta estava extremamente hipoplásica, imprestável para ser utilizada na revascularização do enxerto. Procurou-se uma tributária portal adequada, encontrando-se a veia mesentérica inferior, com calibre de aproximadamente 7mm. Essa veia foi dissecada, ligada distalmente, transposta e anastomosada com a veia porta do doador (Figuras 4 e 5).



RESULTADOS

No primeiro caso, a reperfusão ocorreu de forma homogênea, o fígado retomando seu aspecto normal quanto à coloração e consistência. A anastomose entre as veias gástrica esquerda e porta ficou isodiamétrica, com fluxo aparentemente normal (Figura 3). A paciente evoluiu bem no pós-operatório imediato, com queda das enzimas hepáticas e da bilirrubina, obtendo alta da UTI no 3º DPO. No 21º DPO apresentou episódio de rejeição celular aguda, tratada com pulsos de corticóide e elevação do nível sérico de FK 506. Na ocasião a paciente foi submetida a Dopplerfluxometria, que revelou fluxos portal e arterial do enxerto normais. Obteve alta hospitalar no 30º DPO, com função hepática totalmente restabelecida.

No segundo caso, a reperfusão hepática ocorreu de maneira satisfatória e o enxerto funcionou normalmente, do ponto de vista clínico e laboratorial, no período pós-operatório. Uma ultra-sonografia Doppler, realizada no 15º PO, demonstrou fluxo portal hepatopetal normal.

No terceiro caso, a revascularização do fígado ocorreu normalmente, assim como o pós-operatório, constatandose função hepática e fluxo portal normais, pelos testes laboratoriais e pela ultra-sonografia Doppler.

DISCUSSÃO

Os candidatos a transplante de fígado apresentam incidência de trombose ou hipoplasia da veia porta de cerca de 8%. A freqüência parece maior no sexo masculino, na cirrose avançada, na doença hepática alcoólica e nos pacientes previamente submetidos à operação para tratamento da hipertensão portal. Não são consideradas contra-indicação ao transplante, mas são reconhecidas como fator agravante, dificultando a realização da intervenção, aumentando o sangramento e a incidência de complicações pós-operatórias, como não funcionamento primário do enxerto e trombose da veia porta5.

Para minimizar esses riscos e aumentar a sobrevida tardia, alguns princípios devem ser seguidos: 1) a revascularização venosa do fígado transplantado deve ser realizada com sangue do sistema porta; 2) o fluxo deve ser livre, evitando-se torções e estreitamentos e 3) se possível, devem ser evitados os enxertos, que implicam em mais de uma linha de sutura venosa.

Todos esses princípios foram contemplados nos casos relatados neste trabalho. Assim, tanto a veia gástrica esquerda quanto a mesentérica inferior apresentavam-se com calibre e comprimento adequados. A dissecção e a mobilização, nos três casos, foram realizadas com facilidade, resultando anastomoses retificadas, isodiamétricas e com excelente fluxo, confirmado por Dopplerfluxometria pós-operatória.

Procedimento semelhante foi descrito utilizando-se a veia cólica média6. Todavia, diferentemente da gástrica esquerda ou da mesentérica inferior, essa veia raramente apresenta- se adequada para uma anastomose tecnicamente perfeita.

Conclui-se que a veia gástrica esquerda e a veia mesentérica inferior podem ser boas alternativas de revascularização portal em receptores de transplante hepático que apresentam trombose ou hipoplasia da veia porta. São justamente esses pacientes, com fluxo portal hepatopetal empobrecido, que tendem a aumentar o calibre dessas importantes tributárias do sistema porta , tornando-as adequadas para ser anastomosadas com a veia porta do enxerto hepático.

Cláudio Moura Lacerda

Rua Profa Anunciada Rocha Melo, 97/501

Madalena – Recife-PE

50710-390

E-mail:cmlacerda1@hotmail.com

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral e Transplante Hepático do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco.

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  • Endereço para correspondência:

    Recebido em 01/12/2003
    Aceito para publicação em 08/06/2004
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jun 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Recebido
      01 Dez 2003
    • Aceito
      08 Jun 2004
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