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Anastomose bílio-digestiva sem descompressão gástrica

Bilio-enteric anastomosis without gastric decompression

Resumos

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi avaliar a ausência da descompressão gástrica como método seguro em pacientes submetidos a papilotomia transduodenal, anastomose colédoco-duodenal ou a hepático-jejunostomia em Y de Roux. MÉTODO: Trinta e quatro pacientes foram submetidos à anastomose bíliodigestiva transduodenal, anastomose colédoco-duodenal ou a hepático- jejunostomia em Y de Roux sem descompressão gástrica com sonda. RESULTADOS: Vinte e quatro (70%) pacientes não apresentaram nenhum episódio de vômito. Não houve casos de distensão abdominal ou vômitos incoercíveis que obrigasse o uso da sonda no pós-operatório. Nenhum paciente apresentou deiscência da duodenotomia, das anastomoses ou da parede abdominal. Não houve casos de complicações pulmonares. CONCLUSÕES: O resultado do presente estudo sugere que a papilotomia transduodenal, a coledocoduodenostomia e a hepático-jejunostomia em y de Roux sem SNG não têm incidência aumentada de complicações. Além disso, os pacientes não são expostos ao risco da utilização da sonda.

Intubação gastrointestinal; Descompressão cirúrgica; Anastomose cirúrgica


BACKGROUND: Nasogastric intubation (NGI) has been used after abdominal surgery to prevent complications. However, the classic concept that gastric decompression prevents complications is being questioned. The aim of this study was to evaluate the lack of gastric decompression as a safe method in patients undergoing transduodenal papilotomy, choledocal-duodenal anastomosis or hepatic-jejunostomy Roux-en-Y. METHODS: Twenty-four patients were submitted to transduodenal papilotomy (10), choledocal-duodenal anastomosis (10) or hepatic-jejunostomy Roux-en-Y (4) without gastric decompression using tube. RESULTS: Sixteen (66%) patients didn’t present vomiting. There was no postoperative abdominal distension or vomiting. There was no case of dehiscence of duodenostomy, anastomosis or abdominal wall. None presented pulmonary complications. CONCLUSION: Our study suggests that transduodenal papilotomy and choledocal-duodenal anastomosis without NGI are not associated to postoperative complications. Futhermore, this approach avoids the risk of using NGI, reducing hospital costs.

Intubation, gastrointestinal; Decompression, surgical; Anastomosis, surgical


ARTIGO ORIGINAL

Anastomose bílio-digestiva sem descompressão gástrica

Bilio-enteric anastomosis without gastric decompression

Aderivaldo Coelho de Andrade, TCBC-PII; Marina Bucar BarjudII; Juliana Magalhães CavalcanteII; Leonardo Afonso Nogueira MatosII

ICirurgião-assistente do Hospital Getúlio Vargas

IIAcadêmicos do sexto ano de Medicina da Universidade Federal do Piauí

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Recebido em 20-02-06 Aceito para publicação em 20-03-06 Conflito de interesses: nenhum Fonte de financiamento: nenhum

RESUMO

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi avaliar a ausência da descompressão gástrica como método seguro em pacientes submetidos a papilotomia transduodenal, anastomose colédoco-duodenal ou a hepático-jejunostomia em Y de Roux.

MÉTODO: Trinta e quatro pacientes foram submetidos à anastomose bíliodigestiva transduodenal, anastomose colédoco-duodenal ou a hepático- jejunostomia em Y de Roux sem descompressão gástrica com sonda.

RESULTADOS: Vinte e quatro (70%) pacientes não apresentaram nenhum episódio de vômito. Não houve casos de distensão abdominal ou vômitos incoercíveis que obrigasse o uso da sonda no pós-operatório. Nenhum paciente apresentou deiscência da duodenotomia, das anastomoses ou da parede abdominal. Não houve casos de complicações pulmonares.

CONCLUSÕES: O resultado do presente estudo sugere que a papilotomia transduodenal, a coledocoduodenostomia e a hepático-jejunostomia em y de Roux sem SNG não têm incidência aumentada de complicações. Além disso, os pacientes não são expostos ao risco da utilização da sonda.

Descritores: Intubação gastrointestinal; Descompressão cirúrgica; Anastomose cirúrgica.

ABSTRACT

BACKGROUND: Nasogastric intubation (NGI) has been used after abdominal surgery to prevent complications. However, the classic concept that gastric decompression prevents complications is being questioned. The aim of this study was to evaluate the lack of gastric decompression as a safe method in patients undergoing transduodenal papilotomy, choledocal-duodenal anastomosis or hepatic-jejunostomy Roux-en-Y.

METHODS: Twenty-four patients were submitted to transduodenal papilotomy (10), choledocal-duodenal anastomosis (10) or hepatic-jejunostomy Roux-en-Y (4) without gastric decompression using tube.

RESULTS: Sixteen (66%) patients didn’t present vomiting. There was no postoperative abdominal distension or vomiting. There was no case of dehiscence of duodenostomy, anastomosis or abdominal wall. None presented pulmonary complications.

CONCLUSION: Our study suggests that transduodenal papilotomy and choledocal-duodenal anastomosis without NGI are not associated to postoperative complications. Futhermore, this approach avoids the risk of using NGI, reducing hospital costs.

Key words: Intubation, gastrointestinal; Decompression, surgical; Anastomosis, surgical.

INTRODUÇÃO

O uso da SNG após operações abdominais foi uma rotina durante muitos anos pela impressão de que a descompressão gástrica levaria a uma menor taxa de complicações. No entanto, esta teoria vem sendo desmistificada após vários estudos mostrando que a retirada precoce ou mesmo a ausência de SNG após operações abdominais não está associada a uma maior incidência de complicações 1-7.

Apesar desses estudos, muitos cirurgiões continuam com a prática da descompressão gástrica de rotina, acreditando que diminui significativamente os índices de complicações. Este "mito" foi justificável durante muitos anos, no entanto, com a melhoria do suporte anestésico, compreensão maior do controle da dor no pós-operatório e do equilíbrio hidroeletrolítico, uso de drogas antieméticas, além de maior entendimento da fisiopatologia do íleo paralítico pós-operatório e surgimento de material cirúrgico cada vez melhor, a incidência de muitas complicações reduziu bastante, sendo que essa redução não foi devido ao uso da sonda8. Além disso, a SNG pode ocasionar a muitos problemas, tanto durante a sua colocação, quanto pela sua permanência sendo que quanto maior o tempo de permanência, mais freqüentes e graves são os problemas.

Com base na literatura e como resultado de observações clínicas ao longo dos anos, passamos a não mais utilizar SNG após cirurgia sobre vias biliares e duodeno. Este estudo tem o objetivo de mostrar que a ausência da descompressão gástrica no pós-operatório de anastomoses bíliodigestivas não é acompanhada de uma maior taxa de complicações.

MÉTODO

Foram operados consecutivamente 34 pacientes, no período entre março de 2005 e abril de 2006, submetidos a anastomose colédoco-duodenal (16 casos), papilotomia transduodenal (14 casos) e hepático-jejunostomia em Y de Roux (quatro casos). Todos os procedimentos foram eletivos.

Em todos os casos a incisão foi transversa no hipocôndrio direito, sendo utilizada antibioticoprofilaxia com cefazolina, e a analgesia pós-operatória foi feita com dipirona e nalbufina. A medicação antiemética usada em todos os pacientes foi a metoclopramida. Em todos os casos foi deixado dreno de Penrose na cavidade abdominal.

Nenhum dos pacientes foi submetido à sondagem nasogástrica. Na enfermaria todos os pacientes ficaram com a cabeceira do leito elevada 15 graus.

No pós-operatório foi considerada a presença de vômitos, distensão abdominal, sinais de irritação peritoneal além da deiscência da sutura da parede abdominal e evisceração, assim como a ocorrência de complicações respiratórias. Avaliou-se também a necessidade de utilização da sonda nasogástrica no pós-operatório devido a vômitos incoercíveis ou distensão abdominal.

RESULTADOS

Foram estudados 34 pacientes, trinta com coledocolitíase, três com estenose iatrogênica de colédoco e um portador de cisto de colédoco. Dos pacientes com coledocolitíase, 28 casos tiveram diagnóstico firmado no pré-operatório e dois por meio de colangiografia transoperatória, dois pacientes tinham passado por coledocolitotomia prévia, os outros não tinham cirurgia prévia sobre o colédoco. Em todos os casos a indicação cirúrgica se deu por insucesso de papilotomia endoscópica ou por impossibilidade de se indicar o procedimento endoscópico.

No pós-operatório, a complicação registrada foi a ocorrência de vômitos, com a eliminação de pequena quantidade de conteúdo digestivo em 10 pacientes, o restante não teve queixas. O início da dieta oral líquida seguiu-se como mostra a Tabela 1.

Nenhum dos pacientes teve distensão abdominal ou vômitos intensos que indicassem a utilização de sonda nasogástrica no pós-operatório. Não houve complicações do tipo evisceração pós-operatória, nem deiscência da duodenorrafia ou das anastomoses realizadas. Nenhum dos pacientes apresentou complicações respiratórias no pós-operatório.

Os 34 pacientes foram submetidos à cirurgia no trato bílio-digestivo, nenhum usou sonda nasogástrica no pós-operatório e todos tiveram alta hospitalar em um período relativamente curto. Os tipos de cirurgia e a permanência hospitalar estão mostrados na Tabela 2.

DISCUSSÃO

A sonda nasogástrica tem sido considerada um dos pilares da cirurgia abdominal desde a sua introdução por Levin em 1921 e popularização por Wangesteen em 1933. Embora sem bases fisiológicas claras, seu uso se disseminou, e em todas as escolas médicas ensinava-se que a SNG era obrigatória após praticamente todas as cirurgias abdominais, uma vez que descomprimia o trato gastrointestinal, reduzia a incidência de náuseas, vômitos e distensão abdominal, conseqüentemente diminuía a incidência de deiscência de anastomoses, fístulas, deiscência de parede abdominal e evisceração, além de reduzir a broncoaspiração e complicações pulmonares. A confiança na SNG era tão grande que Mayo, um dos mais eminentes cirurgiões do seu tempo, mesmo sem estar baseado em nenhum trabalho prospectivo, disse que era mais importante para um cirurgião ter uma sonda nasogástrica no seu bolso do que um estestoscópio9.

Gerber, foi o primeiro a questionar essa tradição, demonstrando o abuso do uso da sonda nasogástrica e as complicações relacionadas a ela. Ele concluiu que a sonda não acelerava o retorno da atividade intestinal, além de causar várias complicações10.

A descompressão nasogástrica é usada para tratar íleo paralítico pós-operatório que se desenvolve após cirurgias abdominais. Após laparotomias, a motilidade do intestino delgado retorna dentro de 12 horas, seguido pela atividade gástrica após 24 horas e depois pela colônica, após um a três dias. Esta resposta fisiológica normal não pode ser tratada pela descompressão nasogástrica. Alguns estudos clínicos apóiam esta hipótese e mostram que a sonda não diminui o íleo paralítico pós-operatório, podendo mesmo prolongar o tempo de retorno da atividade intestinal e início da eliminação de flatos5. Outros relatos confirmaram que a descompressão nasogástrica pode ser omitida sem aumento significativo da mortalidade e morbidade6,11,12. Esses resultados têm sido reproduzidos em estudos controlados, randomizados, prospectivos que sempre falharam em demonstrar benefício da descompressão de rotina ao paciente.

A sonda nasogástrica também não é por si só inocente, e ela pode ser a causa de grande número de complicações10,12,13. Alguns estudos têm encontrado que a descompressão nasogástrica está associada com o aumento da incidência de complicações pulmonares3,14,15. Uma recente metanálise sobre seletiva ou rotineira descompressão nasogástrica revelou significante diminuição da febre, atelectasias e pneumonia em pacientes não sondados14. Elas seriam devido à diminuição do reflexo da tosse e subseqüente diminuição da ventilação causada pelo acúmulo de secreções e eventuais rolhas de muco. Complicações otorrinolaringológicas e esofágicas também são freqüentes no paciente com sonda.

Em meta-análise utilizando 26 trabalhos e 2915 pacientes submetidos a laparotomia eletiva foi verificado que a febre, atelectasias e pneumonia foram significativamente menos comuns e a alimentação foi introduzida mais precocemente em pacientes não sondados. Foi significativamente maior a quantidade de distensão abdominal e vômitos nos pacientes sem sonda. No entanto, apenas 5-7% dos pacientes necessitaram ser sondados no pós-operatório. Não houve diferença significativa quanto às complicações da ferida operatória como deiscência e infecção, nem menor incidência de deiscência de anastomose e fístulas no grupo sondado. Os autores concluíram então que a sonda não deve ser usada de rotina, no entanto o cirurgião deve usar do discernimento para utilizá-la na pequena porcentagem de pacientes que a requererão 14.

Os 34 pacientes em questão foram submetidos à operação sobre o trato bílio-digestivo, sendo todos considerados como um único grupo. Foi observado um índice relativamente baixo de vômitos e não houve casos de distensão abdominal que obrigasse a sondagem no pós-operatório. Não houve complicações pulmonares, nem deiscência de aponeurose, ou deiscência das anastomoses digestivas utilizadas.

Esses dados são compatíveis com a literatura atual, servindo de material adicional para confirmar a evidência de que o uso profilático de sonda nasogástrica para descompressão não oferece benefícios ao paciente que superem o desconforto e potenciais morbidades associadas ao seu uso, bem como os custos da sua utilização. Portanto ela pode seguramente ser omitida da rotina das cirurgias bílio-digestivas, sendo, porém necessário ao cirurgião ter discernimento sobre aqueles pacientes que possam vir a ter necessidade de utilizá-la.

Atualmente, muitos cirurgiões já evitam o uso rotineiro da sonda nasogástrica no pós-operatório da maioria das cirurgias digestivas, aqueles que não o fazem deveriam fazê-lo15.

Aderivaldo Coelho de Andrade

Rua Pedro Vasconcelos, 1790, apto. 501 - Bairro Noivos

64045-050 - Teresina -Piauí

E-mail: domderi@hotmail.com

Trabalho realizado na Clínica Cirúrgica do Hospital Getúlio Vargas-Universidade Federal do Piauí.

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  • Endereço para correspondência

    Recebido em 20-02-06
    Aceito para publicação em 20-03-06
    Conflito de interesses: nenhum
    Fonte de financiamento: nenhum
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Out 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Recebido
      20 Fev 2006
    • Aceito
      20 Mar 2006
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