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Residência médica em cirurgia geral no Brasil - muito distante da realidade profissional

Resumos

O autor apresenta a organização atual da Residência Médica em Cirurgia Geral no Brasil desde sua implantação, suas várias modificações até chegar ao modelo atual. Discute suas dúvidas e idéias sobre questões tais como o melhor modelo para a residência em cirurgia geral, a diminuição da procura da Cirurgia Geral como especialidade e suas causas.

Residência Médica em Cirurgia Geral; Educação; Ensino


The author presents the Residency in General Surgery in Brazil from its inception, outlining its changes up to the present day. She discusses her doubts and thoughts about the best model for General Surgery residency programs and the declining demand for General Surgery as a career and the causes for such decline.

Residency in General Surgery; Education; Teaching


SEÇÃO DE ENSINO

Residência médica em cirurgia geral no Brasil - muito distante da realidade profissional

Elizabeth Gomes dos Santos, TCBC-RJ

Coordenadora do Programa de Residencia em Cirurgia Geral HUCFF-UFRJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Elizabeth G. Santos E-mail: eligsant54@gmail.com

RESUMO

O autor apresenta a organização atual da Residência Médica em Cirurgia Geral no Brasil desde sua implantação, suas várias modificações até chegar ao modelo atual. Discute suas dúvidas e idéias sobre questões tais como o melhor modelo para a residência em cirurgia geral, a diminuição da procura da Cirurgia Geral como especialidade e suas causas.

Descritores: Residência Médica em Cirurgia Geral. Educação. Ensino.

"Given one well-trained physician

of the highest type he will do better

work for a thousand people

than 10 specialists"

William J. Mayo - 1920

INTRODUÇÃO

Após seis anos Coordenando um Programa de Residência Médica em Cirurgia Geral, constatei que os alunos do curso de graduação em Medicina em seus vários níveis, e mesmo os residentes desconhecem o assunto quase totalmente. Eles sabem que é preciso "fazer residência" e que a relação candidato/vaga aumenta a cada ano. Na opinião da maioria se não fizerem um curso preparatório, as possibilidades de conseguirem a tão sonhada vaga se torna mínima. Entretanto, eles desconhecem como a residência médica começou, quais suas origens, suas leis e suas regulamentações.

O primeiro grande nome da cirurgia, na era da moderna Medicina é William Stewart Halsted. Considerado até hoje um dos maiores cirurgiões dos Estados Unidos da América do Norte, Halsted nasceu em Nova York em 1852 e até morrer em 7 de setembro de 1922 viveu totalmente dedicado à prática e ao ensino da cirúrgia. Halsted percebeu que o ensino da cirurgia após a graduação, feito através da exposição direta à prática médica (prática clássica: aprendiz-mestre) era falho e ineficiente. A partir dessa observacão estabeleceu novos métodos para um treinamento especializado e supervisionado e mais eficaz o qual denominou "Residência" porque os médicos realmente moravam no hospital. Foi dele a ideia pioneira em 1889 da implantação do primeiro programa de treinamento profissional em serviço hospitalar, no Johns Hopkins Hospital, onde se tornou o Chefe do Serviço no ano seguinte1.

A história da Medicina e da Cirurgia no Brasil começa efetivamente com a vinda da família real para o Brasil, em 1808. Até então quem quisesse ser médico precisava ir para a Europa. Com a comitiva de D. João VI veio o Dr. José Correia Picanço, pernambucano, cirurgião-mor do Reino, formado pela Escola Médica de Montpelier. Foi ele quem ajudou D. João VI a inaugurar em 18 de fevereiro de 1808, em Salvador, a primeira escola médica do Brasil, a Escola Anatômico-Cirúrgica e Médica da Bahia, hoje, Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Em novembro do mesmo ano, logo após sua chegada ao Rio de Janeiro foi implantada a Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro que posteriormente passou a ser a Universidade do Brasil e atualmente é a Escola de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, iniciando-se dessa forma o ensino Universitário no Brasil 2.

Por volta de 1948, assim como acontecera nos Estados Unidos na época de Halsted, havia no Brasil, no Rio de Janeiro e em São Paulo, por parte de proeminentes cirurgiões, a preocupação com a formalização do treinamento da cirurgia após a graduação. Assim, o Prof. Mariano de Andrade no Hospital dos Servidores do Estado, no Rio de Janeiro e o Prof. Alípio Correa Neto no Hospital de Clínicas em São Paulo idealizaram os primeiros programas de residência médica em cirurgia no Brasil, porém ainda sem a metodização e regulamentação que só aconteceram posteriormente.

Em 5 de setembro de 1977 ao assinar o decreto 80.281 o então Presidente da República General Ernesto Geisel sancionou a criação da Residência Médica que foi definida como "modalidade de ensino de pós-graduação destinada a médicos sob forma de curso de especialização caracterizada por treinamento em serviço funcionando em instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional" 3.

A Residência Médica (RM) obedece a leis e regulamentações próprias e só pode receber essa designação o programa de treinamento credenciado pelo Ministério da Educação (MEC). Está diretamente subordinada à Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) que obedece à Secretaria de Educação Superior (SESu). Essa, por sua vez, está ligada ao Departamento de Assuntos Universitários do Ministério da Educação3.

A RM confere ao médico, após seu término, o Certificado de Especialista na área cursada.

Em 1987 foram criadas as Comissões Estaduais, formadas pelos coordenadores gerais dos diversos programas de residência de todos os hospitais e cada unidade hospitalar passou a ter sua Comissão de Residência Médica (COREME) constituída pelos coordenadores de cada programa oferecido pela unidade.

Os programas de residência têm aspectos comuns, entre eles: início no primeiro dia de fevereiro, carga horária anual mínima de 2280 horas distribuídas em sessenta horas semanais, incluídas 24 horas de plantão e 24 horas de folga, vinte e oito dias consecutivos de férias, licença maternidade de quatro meses, (a residente deve completar posteriormente a carga horária e tem sua bolsa mantida). Os residentes devem ser avaliados anualmente através de prova escrita/oral e trimestralmente pela "escala de atitudes" idealizada pela CNRM. Para ser credenciado, um programa deve preencher requisitos mínimos como possuir regimento interno, oferecer alojamento e alimentação, possuir biblioteca com assinatura de periódicos nacionais e estrangeiros, oferecer remuneração sob forma de bolsa de estudos. Na cirurgia um dos requisitos é que haja um residente para cada cinco leitos na unidade de internação e um preceptor com carga horária de 40 horas para cada seis residentes ou um de 20 horas para cada três3.

O credenciamento dos programas também obedece a uma sistematização. Primeiramente a unidade o solicita, e quando concedido, inicialmente o é pelo tempo de duração do programa, após o que é realizada uma avaliação e, se aprovado, o programa é credenciado em caráter definitivo e a cada cinco anos é reavaliado por representantes da CNRM3.

Até chegar à formatação atual, a Residência Médica em Cirurgia Geral (RMCG) passou por várias transformações. Em maio de 2002, a CNRM após discussão em plenário, decidiu que haveria programas de acesso direto e programas com pré-requisitos. Os programas de acesso direto são os das grandes áreas básicas da medicina: Cirurgia Geral (CG),Clínica Médica (CM), Pediatria, Ginecologia/Obstetrícia (GO) e Medicina Preventiva (MP). Com pré-requisito em Cirurgia Geral temos as especialidades cirúrgicas: C. Plástica, C. Torácica, C. Vascular, C. Pediátrica, Urologia, Proctologia e Cancerologia Cirúrgica.

A duração do programa C.G. é dois anos. Após esse período, a CNRM autoriza um ano complementar para aprofundamento de conhecimentos nas áreas de atuação: Videolaparoscopia e Trauma, ambos com duração de um ano.

As áreas de atuação, assim como as especialidades, foram definidas e publicadas através da resolução nº. 1666 de 2003 pela Comissão Mista de Especialidades, em convênio firmado entre a CNRM , Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina3.

O acesso aos programas é feito através de concurso público e consta de duas ou três etapas (Tabela 1), a critério da instituição.

Se a instituição optar por realizar entrevista e/ou análise de currículo, essa etapa deverá ser registrada em mídia para, se necessário, dirimir qualquer dúvida que possa surgir quanto à lisura da entrevista.

O acesso ao R3, opcional em áreas de atuação, também é feito através de concurso público com as mesmas etapas, mas o conteúdo exigido é somente em Cirurgia Geral.

Toda a estruturação da RM em Cirurgia Geral foi definida pela CNRM. Assim, dentro das 2280 horas anuais foi estabelecido que 25% devem ser cumpridos no Centro Cirúrgico, 25% na unidade de internação e 15% em Emergência/Urgência. Quinze por cento para ambulatório e 10% para parte teórica. Os 10% restantes do tempo pode ser destinado ao que o Coordenador do Programa julgar mais conveniente. O conteúdo programático da parte teórica também é definido pela CNRM e distribuído em aulas teóricas, apresentações de seminários, de discussão de casos e de artigos publicados. Foi também a CNRM quem determinou que o R1 deverá auxiliar 48 operações de médio porte e realizar 24. O R2 deverá realizar 48 operações de grande porte e auxiliar 24. Os estágios obrigatórios, cada um deles com duração de 30 dias são em C. Toracica, C. Vascular, C. Plástica, C. De Cabeça e Pescoço, C. Pediátrica, Proctologia, Urologia, Técnica Operatória e Emergência e podem ser realizados a critério do Coordenador do Programa no R1 ou no R2. Os rodízios em CG, do Aparelho Digestivo, Coloproctologia e Emergência devem ser distribuídos igualmente no R1 e no R2.

Para as áreas de atuação, o conteúdo do programa é o especifico da área3.

O Brasil tem atualmente (até o envio deste trabalho) 176 escolas médicas em atividade, e sessenta e uma aguardando reconhecimento pelo MEC para funcionamento, divididas em federais, estaduais, municipais e privadas, estas em maior número (101)4. Em 2008, foi oferecido um total de 17.294 vagas para o primeiro ano do curso médico. (Tabela 2).

Pela análise da tabela 2, percebe-se que, se todas as vagas do primeiro ano médico forem preenchidas, 32,14% dos formandos não farão residência médica. Há, porém, um percentual de vagas ociosas, tanto nas escolas de medicina como nos programas de residência.

Em relação à CG, em 2008 foram oferecidas 1148 vagas para R1. Observando-se a tabela 3, conclui-se que a região sudeste detém o maior número de vagas para residência em CG. O mesmo acontecendo em relação às vagas para as áreas de atuação.

Vimos observando ao longo dos anos um declínio no interesse dos recém-formados pela Cirurgia Geral. Esse não é um problema exclusivamente brasileiro. Nos Estados Unidos, Canadá e na Europa observa-se o mesmo fenômeno. A cada ano, menos recém-formados escolhem como carreira, a Cirurgia Geral, que deixou de ser vista como especialidade5,6.

O aparecimento de novas tecnologias, como a videocirurgia e a robótica, que demandam treinamento especializado e demorado para ganho e habilidades contribuiu para mostrar que havia uma deficiência no treinamento, o tempo de formação do cirurgião tornou-se insuficiente7.

Na definição do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), "o Cirurgião Geral é o médico com o conhecimento da doença, do diagnóstico e do tratamento das enfermidades tratáveis por procedimento cirúrgico, principalmente no que concerne às urgências. Sua formação deve prepará-lo para a execução das intervenções básicas de todas as especialidades"8. Baseado nessa premissa e, preocupado com as graves falhas do sistema vigente de formação de cirurgiões e por desejar para o Cirurgião Geral o mesmo tratamento dado às demais especialidades cirúrgicas, o CBC apresentou à CNRM uma proposta de mudança para o programa. Após muita discussão, em 14 de Outubro de 2004, o MEC anunciou a decisão de aumentar a duração da Residência em Cirurgia Geral. Foi criada então a Cirurgia Geral - Programa Avançado (PA), com duração de dois anos e com pré-requisito a Cirurgia Geral. A intenção na criação desse programa, com conteúdo programático mais profundo, é a formação de profissionais altamente qualificados. Mas surpreendentemente a CG – Programa Avançado não foi considerada uma nova especialidade3,7.

Poucos hospitais foram credenciados para oferecer esse programa e somente alguns da Região Sudeste foram contemplados com o credenciamento. (Tabela 4).

O resultado dessa oferta em relação aos dois programas é a migração de recém-formados de todo o país para a Região Sudeste, os quais na maioria das vezes não retornam aos seus estados de origem após o término da residência. Embora não haja dados estatísticos que possam comprovar, observa-se um número grande desses profissionais na Região Sudeste muitas vezes em empregos de baixa remuneração, acarretando um esvaziamento de profissionais treinados em outras regiões do país.

Tomando-se o HUCFF-UFRJ

Segundo Maker9 a carreira de todo cirurgião começa com a Residência em Cirurgia Geral, ou deveria. Dados publicadas pelo MEC revelam que nem todas as vagas são preenchidas. Como já salientado anteriormente, esse fato tem sido verificado nos últimos anos e não é exclusivo do Brasil. Entre as razões encontradas para esse êxodo está em primeiro lugar a procura de melhor qualidade de vida. A CG, no período de formação e mesmo depois de completada a residência, tem uma carga horária que dificulta a conciliação com a vida privada e implica em altos níveis de tensão quase permanentes o que leva o indivíduo ao desgaste. Isso, somados ao parco retorno pessoal, e ao tipo de prática atual dependente em grande maioria, de seguradoras de saúde, faz da C.G. uma especialidade pouco ou quase nada atrativa atualmente10. O fator econômico (leia-se remuneracao aviltante) também tem sido um importante obstáculo na escolha da especialidade. A transformação da C.G. em pré-requisito para outras especialidades cirúrgicas acabou por desvalorizar o Cirurgião Geral uma vez que o indivíduo que opta por fazer uma espcialidade cirúrgica, ao final, acaba com dois títulos de especialista. A Cirurgia Geral é a base de toda a área cirúrgica e deve ser ensinada a todos aqueles que optam por especialidades cirúrgicas. No entanto parece injusto que aquele cirurgião que se dedica à Cirurgia Geral como especialidade tenha o mesmo título de qualificação que os especialistas de outraa áreas cirúrgicas. A queda da qualidade dos programas e o declínio progressivo do sistema público de saúde que não oferece ao profissional condições mínimas para exercer sua especialidade e compromete o treinamento em cirurgia são fatores coadjuvantes no desinterresse pela especialidade. A falta de modelos profissionais competentes, proficientes, éticos a serem seguidos também é fator de grande relevância.Todos esses fatores em conjunto têm desestimulado os recém-formados na escolha da Cirurgia Geral como carreira por criar dúvidas, gerar desrespeito e perda da credibilidade profissional11. Segundo Rasslan12, 45% dos residentes que terminam o Programa de Cirurgia Geral (dois anos) não têm acesso a uma complementação do seu treinamento, seja no R3 opcional em área de atuação, seja no Programa Avançado, muitas vezes por total falta de interesse e estímulo do candidato, fato esse preocupante por favorecer a inserção no mercado de trabalho de jovens profissionais ainda despreparados, mas com título de especialista fornecido pelo MEC.

Diante desses dados surgem algumas questões:

1. o conteúdo programático (rodízios em especialidades) da Residência em Cirurgia Geral instituído pela CNRM deve ser mudado?

Essa questão tem sido discutida no Brasil e em outros países também existe essa preocupação. A discussão envolve quais especialidades devem ser parte do treinamento. Além disso, questiona-se, trinta dias é tempo suficiente para que o egresso da faculdade adquira um mínimo de habilidades nas Especialidades Cirúrgicas para sua vida prática futura?

2. quatorze meses de treinamento (24 meses menos dois meses de férias menos oito meses de rodízios) em Cirurgia Geral é suficiente para a formação adequada?

Como reconhecer o Cirurgião Geral? Na opinião de Férnadez-Cruz13 o conteúdo essencial para a formação do Cirurgião Geral dever ser profundo e abrangente. Ele mesmo porém tem dúvidas se é possível um residente adquirir as habilidades necessárias para ser qualificado como Cirurgião Geral, mesmo em um Programa de Residência em cinco anos, como nos Estados Unidos e Europa. Em relação ao Brasil, ao se constatar que um jovem cirurgião será possivelmente o único de plantão em alguma unidade de saúde no interior do estado ou em pontos mais afastados dos grandes centros, percebe-se claramente que o tempo atual de formação é insuficiente e não permite o desenvolvimento das habilidades necessárias para que esse médico assuma tal responsabilidade.

3. Os residentes de especialidades cirúrgicas devem ter o mesmo tipo de treinamento que aqueles que exercerão a Cirurgia Geral como especialidade?

Muito tem sido discutido sobre o assunto. Parece haver uma concordância por parte dos especialistas em áreas cirúrgicas e os cirurgiões gerais que todos que exercem a cirurgia em qualquer especialidade precisam e devem ser treinados nas bases da cirurgia. Mas concordam também que tal treinamento deve ser diferenciado daquele oferecido ao Cirurgião Geral. Muito ainda será discutido antes que se chegue à fórmula ideal de treinamento.

E a mais importante de todas:

4. Deve o Título de Especialista concedido pelo MEC ser o mesmo para quem faz 2, 3 e 4 anos de residência?

Em convênio celebrado entre o Conselho Federal de Medicina, a Associação Brasileira de Medicina e a Comissão Nacional de Residência Médica foi criada a Comissão Mista de Especialidades, com poderes de determinar quais áreas de interesse da medicina serão reconhecidas como especialidades e quais serão consideradas apenas aprofundamento de conhecimentos, chamadas então Áreas de Atuação.

Ao criar a Cirurgia Geral – Programa Avançado o MEC reconhece que dois anos de treinamento em Cirurgia Geral não são suficiente para qualificar o Cirurgião, embora conceda a ele ao término do programa um Certificado de Especialista. Ao criar a CG-PA mas não reconhecê-la como Especialidade, a CNRM ao invés de estimular o treinamento do cirurgião, de valorizar o Cirurgião Geral, transformou o programa em algo desnecessário e sem valor. Se o Título é igual para quem faz os dois programas – Especialista em Cirurgia Geral- quais as vantagens de se fazer os dois?

E dúvidas:

1. Em tempos de subespecializações ainda há lugar para o Cirurgião Geral?

2. A Cirurgia Geral ainda é uma especialidade?

3. O Cirurgião Geral é aquele que faz o primeiro atendimento do paciente para em seguida chamar o especialista? Ou aquele que o transfere para uma unidade mais bem equipada onde haja especialistas?

4. Será o destino do Cirurgião Geral apenas as Emergências e o Trauma?

5. O século XX foi o Século dos Cirurgiões. Ficará o século XXI conhecido pelo declínio e desaparecimento desse especialista?

Muitos acreditam, Cirurgiões Gerais inclusive, que o exercício desse tipo de medicina não mais se admite nos dias atuais ou se existe, deve ser reservado para a população distante dos grandes centros onde a falta de infra-estrutura hospitalar associada ao conhecimento pouco profundo do cirurgião de plantão ofereceria ao paciente "o máximo possível dentro de tais condições". Acreditam ainda que não mais haverá o Cirurgião Geral como temos sido até os dias de hoje, mas gradualmente as gerações futuras trabalharão fragmentadas em várias subespecialidades. Há ainda aqueles que acreditam que no futuro haverá o "Cirurgião de Hérnias" , o "Cirurgião do Intestino Delgado", o "Cirurgião da Parede Abdominal" e assim por diante. À medida que a cirurgia torna-se cada vez mais compartimentalizada, o conhecimento amplo e geral do cirurgião, que o torna capaz de efetivamente atender e tratar pacientes com doenças de várias áreas da cirúrgia e principalmente os da urgência, não mais será adquirido e desenvolvido durante a residência médica, tornando- o então nessas situações, incapacitado para as decisões quanto às prioridades do atendimento do paciente13.

O futuro da Cirurgia Geral, como especialidade, e por que não dizer, do Cirurgião Geral, está seriamente ameaçado. Profissionais envolvidos com a formação de futuras gerações de cirurgiões afirmam, com unanimidade, haver uma grande necessidade de mudança na formatação do programa de residência, embora não haja unanimidade quanto ao tipo de mudança. As decisões que serão tomadas no sentido de modificar para melhor a Residência em Cirurgia Geral determinarão o futuro da especialidade. Os modelos de aprendizado da era pré Halsted, quando o interessado simplesmente "observava" seu mestre e aprendia passivamente em horas sem fim de trabalho árduo, são ultrapassados e já não mais podem ser utilizados. O programa de residência tem quer sólido para que possa tornar o residente suficientemente capacitado. Uma formação ampla e profunda como requer a Cirurgia Geral demanda tempo e que o residente realize determinado número de procedimentos. Todo paciente, dos grandes centros urbanos e mesmo os das regiões mais distantes do país, merece e tem o direito de ser tratado por um cirurgião amplamente treinado14.

O objetivo final da Residência Médica em Cirurgia Geral é oferecer ao Residente, treinamento em Hospital com condições adequadas para que o futuro Cirurgião possa oferecer à sociedade o padrão máximo de excelência : um profissional bem treinado e capaz de pôr em prática, nos grandes centros e fora deles, de forma humanizada, as habilidades adquiridas nas mais avançadas tecnologias7.

Ser um cirurgião requer capacidade de liderança e de tomar decisões em tempo muito curto, além de grande controle emocional, muita auto-conficança, tenacidade e paciência, e mais do que tudo, total dedicação ao paciente. Para que ele possa exercer a Cirurgia Geral da melhor forma, é preciso resgatar alguns valores tais como uma remuneração adequada, respeito social, segurança no trabalho em conjunto com uma carga horária compatível com seu constante aprimoramento e sua vida privada.

A cirurgia é uma ciência dinâmica em constante evolução. O Cirurgião Geral não é meramente um técnico, não é só aquele que realiza operações, não é aquele que transfere os cuidados de um paciente para um especialista. Ainda que a Cirurgia Geral seja a base para o exercício das diversas especialidades cirúrgicas precisa ser vista como disciplina durante a graduação, e como Especialidade após14. Segundo Ritchie15, com quem concordamos "O Cirurgião Geral amplamente treinado possui grande valor.....treinado dessa forma ele pode prestar cuidados totais ao paciente na grande maioria das doenças que requerem tratamento cirúrgico..." Como responsáveis e partes integrantes da formação de futuros cirurgiões, é nosso dever incentivá-los a desenvolver e cultivar o exercício da ciência e a arte da cirurgia com competência, qualidade e dignidade.

Recebido em 15/09/2008

Aceito para publicação em 15/11/2008

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - UFRJ - BR.

  • 1
    William Stewart Halsted – Biografia. Disponível em http://www.medbiography.blogspot.com acesso em 13 de Julho de 2008.
  • 2. História da Medicina no Brasil Disponível em http://www.brazil.ru/pt/medicina e http://www.hpcs.bvsalud.org acesso em 13 de julho de 2008.
  • 3
    MEC – Ministério da Educação - Disponível em http://www.mec.gov.br acesso em 13 de Julho de 2008.
    » link
  • 4
    INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas - Disponível em http://www.inep.gov.br acesso em 13 de Julho de 2008.
    » link
  • 5. Marshall JG, Karimuddin AA. Decline in Popularity of General Surgery as a career choice in North America: Review of Postgraduate Residency Training Selection in Canada, 1996-2001. World J Surg. 2003; 27(3):249-53.
  • 6. Jesus LE. Ensinar Cirurgia: como e para quem? Rev Col Bras Cir. 2008; 35(2):136-40.
  • 7. Santos EG. Cirurgia Geral: Essa Nova Velha Especialidade . Editorial-Boletim do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. 2004;123:1
  • 8
    Boletim Informativo do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Jul-Agost-1974;68
  • 9. Marker VK, Curtis KD, Donnelly MB. Surgical Rotations: The good, the bad and the ugly. Current Surg, 2005; 62(1); 122-6
  • 10. Lewis FR. Surgical Fellowships and specialization.Surgery, 2002; 32(3):120-30
  • 11. Craven JE. The Generation Gap in Modern Surgery.Arch. Surg.2002; 137:257-8.
  • 12. Rasslan S, Birolini D,. Programa Avançado de Cirurgia Geral na Residência Médica. Boletim do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Jan.Fev.Março 2008;137:6-7
  • 13. Ritchie WP Basic certification in surgery by the American Board of Surgery (ABS): what does it mean? Does it have value? Is it relevant? A personal opinion. Ann Surg. 2004;139:133-9
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  • *
    como exemplo (
    Tabela 5 ) verifica-se que houve um declínio na procura pela residência em Cirurgia Geral, comparando-se 2007 e 2008. Por outro lado, em relação ao Programa Avançado houve um discreto aumento na procura, o que deve ser interpretado com cautela, visto ser o HUCFF-UFRJ o único hospital no Rio de Janeiro credenciado para o PA.
  • Endereço para correspondência:

    Dra. Elizabeth G. Santos
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jul 2009

    Histórico

    • Recebido
      15 Set 2008
    • Aceito
      15 Nov 2008
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