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Medicina baseada em evidências

Evidence-based medicine

EDITORIAL

TCBC-RJ Carlos Alberto Guimarães

Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina (UFRJ). Grupo de Estudos de Revisão Sistemática do Rio de Janeiro

Define-se Medicina Baseada em Evidências (MBE) como o emprego consciencioso, explícito e judicioso da melhor evidência disponível na tomada de decisões sobre os cuidados de saúde de um paciente. A MBE requer a integração da melhor evidência com a competência clínica e os valores e as circunstâncias do paciente (1).

O interesse pela MBE cresceu muito desde que o termo foi empregado pela primeira vez, em 1992, na Universidade McMaster, no Canadá. A rápida disseminação da MBE se deveu a: 1. nossa necessidade diária por informação válida sobre prevenção, diagnóstico, terapia, prognóstico, etc; 2. inadequação das fontes tradicionais de informação, porque estão desatualizadas (livros-texto), frequentemente erradas (especialistas), inefetivas (educação médica continuada) ou muito extensas para utilização prática (revistas); 3. disparidade entre nossas habilidades de diagnóstico e tratamento e o declínio da nossa performance clínica; 4. nossa incapacidade de dedicar meia hora por semana para leitura e estudo.

A MBE se tornou factível pois houve a) o desenvolvimento das estratégias para uma busca e avaliação das evidências; b) a criação das revisões sistemáticas das intervenções em saúde; c) o surgimento dos periódicos secundários baseados em evidências; d) a criação dos sistemas de informação que trazem até nós as melhores evidências; e) a identificação e aplicação das estratégias efetivas para um aprendizado a longo prazo e para a melhora da nossa performance clínica.

A prática da MBE compreende cinco passos: 1. converter a necessidade da informação em uma pergunta estruturada; 2. buscar a melhor evidência para responder a essa pergunta; 3. avaliar criticamente essa evidência com relação a sua validade, importância e aplicabilidade; 4. integrar a avaliação crítica com nossa competência clínica e com os valores e as circunstâncias do paciente; 5. avaliar nossa efetividade e eficiência em executar os passos de um a quatro (1).

Há limitações inerentes à prática da MBE. Primeiro, a necessidade de desenvolver novas habilidades na pesquisa bibliográfica e na avaliação crítica da literatura. Segundo, os médicos têm pouco tempo para ensinar e aplicar essas novas habilidades e, além disso, as fontes para um acesso rápido às evidências não estão disponíveis nos hospitais. Terceiro, as evidências de que a MBE realmente "funciona", ainda não foram demonstradas. Por último, a MBE não é uma ferramenta efetiva para cortar custos.

Quando bem formulada, uma pergunta estruturada tem geralmente quatro componentes (PICD): 1. Paciente ou problema (P): descrição do paciente ou do problema a ser resolvido; 2. Intervenção (I): pode incluir um teste diagnóstico, um fator de prognóstico, um tratamento etc. 3. Comparação (C): pode ser com uma intervenção ou com uma exposição; 4. Desfecho (D): o(s) desfecho(s) de interesse para o paciente, relacionado(s) ou não ao tempo. Uma pergunta estruturada em Cirurgia: P: homem com dor abdominal e tomografia computadorizada compatível com o diagnóstico de apendicite; I: apendicectomia videolaparoscópica; C: apendicectomia por laparotomia; D: complicações pós-operatórias. Pergunta estruturada: Em um paciente com apendicite, qual a eficácia e segurança da apendicectomia videolaparoscópica, quando comparada com a apendicectomia por laparotomia, tendo como desfecho as complicações pós-operatórias (2)?

As fontes de busca da melhor evidência para os cuidados de saúde estão em constante aprimoramento. Atualmente, fazemos a abordagem "6 S" quando desejamos acessar informações baseadas em evidências (3).

O primeiro S é o de Sistemas Computadorizados de Apoio à Decisão (SCAD), os quais integram e sumarizam todas as evidências relevantes sobre um problema clínico. Nesses Sistemas, os dados individuais dos pacientes são pareados com programas ou algoritmos em uma base computadorizada, gerando recomendações específicas para os médicos (4).

Quando não existe um SCAD para resolver um problema clínico, utilizamos os Summaries (Resumos) (segundo S), que são guias clínicos, resumos de livros-texto ou diretrizes clínicas que integram a informação baseada em evidências, com atualizações constantes. São exemplos de Summaries: a) Clinical Evidence; b) Dynamed; c) Physicians' Information and Education Resource (PIER); d) UpToDate; e) Registered Nurses' Association of Ontario; f) Canadian Diabetes Association e g) National Guidelines Clearinghouse.

O terceiro S é a Sinopse de Sínteses (terceiro S), encontrada nos periódicos ou bases de dados baseados em evidências, p.ex.: ACP Journal Club; Evidence-Based Medicine; Evidence-Based Mental Health; Evidence-Based Nursing; e Database of Abstracts of Reviews of Effects (DARE).

As Sínteses (quarto S) ou revisões sistemáticas são um resumo de todas as evidências relacionadas a uma questão clínica específica. Podem ser encontradas em: a) ACPJC PLUS (plus.mcmaster.ca/acpjc); b) EvidenceUpdates; c) Nursing+; d) Cochrane Library e e) Campbell Library.

As Sinopses de Estudos Isolados (quinto S) fornecem um resumo detalhado de um artigo de boa qualidade. Também são encontradas nos periódicos baseados em evidências, tais como ACP JC PLUS, EvidenceUpdates e Nursing+.

Por fim, temos os Single Original Studies (Estudos Originais) - sexto S - que podem ser acessados nas bases PubMed, EMBASE, PsycINFO, CINAHL, etc.

Tendo encontrado um artigo potencialmente útil sobre um teste diagnóstico, como podemos avaliá-lo? Por meio de três perguntas: a evidência sobre o teste diagnóstico é válida? A evidência válida demonstra que o teste pode distinguir adequadamente os pacientes que têm daqueles que não têm uma alteração específica? Como posso aplicar esse teste em um determinado paciente (5,6)?

A fim de responder a questões sobre prognóstico, precisamos avaliar a evidência sobre o prognóstico com relação a sua validade, importância e relevância para nossos pacientes: os resultados desse estudo de prognóstico são válidos? Essa evidência válida sobre o prognóstico é importante? Podemos aplicar essa evidência válida e importante sobre prognóstico ao nosso paciente (6)?

Para avaliar um artigo sobre terapia (ensaio clínico randomizado), lançamos mão de três perguntas principais: A evidência sobre terapia é válida? Os resultados válidos desse estudo individual são importantes? Esses resultados válidos e importantes desse estudo são aplicáveis ao nosso paciente (6)?

Vamos rever, a seguir, as técnicas de análise crítica dos vários tipos de literatura que podem gerar recomendações.

A revisão sistemática (RS) é um tipo de estudo secundário que responde a uma pergunta claramente formulada, reunindo os resultados dos estudos primários. A metánalise (método estatístico) pode ou não ser usada para sumarizar os resultados. Na análise de uma RS, fazemos as seguintes perguntas: os resultados dessa RS são válidos? A evidência válida dessa RS é importante? Os resultados válidos e importantes dessa RS são aplicáveis ao nosso paciente (6)?

Uma análise de decisão clínica tem uma estrutura formal - árvore de decisão - que integra a evidência sobre os efeito benéficos e danosos das opções terapêuticas com os valores ou preferências dos pacientes. Na análise crítica, perguntamos: Os resultados dessa análise de decisão clínica são válidos? Os resultados válidos e importantes dessa análise são aplicáveis ao nosso paciente (6)?

As diretrizes clínicas são sugestões elaboradas sistematicamente para auxiliar o médico e o paciente nas decisões sobre os cuidados específicos de saúde, em situações clínicas específicas. São elaboradas mediante técnicas de consenso entre os especialistas e pacientes, que consideram atentamente as evidências. Podemos avaliar as diretrizes com as perguntas: os resultados dessa diretriz clínica são válidos? Essa diretriz válida é aplicável ao meu paciente/à minha prática/ao meu hospital/à minha comunidade (6)?

O último passo para a prática da MBE é a auto-avaliação que pode ser feita em alguns domínios: performance em fazer perguntas estruturadas; performance em fazer busca bibliográfica e performance em fazer análise crítica da literatura.

  • 1. Straus SE, Richardson WS, Glasziou P, Haynes RB. Evidence-Base Medicine: How to Practice and Teach EBM. 3rd ed. Edinburgh: Elsevier; 2005. 299 p.
  • 2. Santos Júnior B, Guimarães CA; Grupo de Estudos de Revisão Sistemática do Rio de Janeiro. Práticas Cirúrgicas Baseadas em Evidências: Apendicectomia Laparoscópica Versus a Céu Aberto. Rev Col Bras Cir. 2008;35(1):56-60.
  • 3. DiCenso A, Bayley L, Haynes Rb. Accessing preappraised evidence: fine-tuning the 5S model into a 6S model [editorial]. ACP J Club. 2009 Sep 15;151(3):JC3-2-3.
  • 4. Garg AX, Adhikari NK, McDonald H, Rosas-Arellano MP, Devereaux PJ, Beyene J, Sam J, Haynes RB. Effects of Computerized Clinical Decision Support System on Practitioner Performance and Patient Outcome. JAMA. 2005;293:1223-38.
  • 5. Guyatt G, Rennie D, Meade MO, Cook DJ. Users´Guides to the Medical Literature. 2nd ed. Chicago: American Medical Association; 2008. 836 p.
  • 6. Guimarães CA, Santos Júnior B; Grupo de Estudos de Revisão Sistemática do Rio de Janeiro. Práticas Cirúrgicas Baseadas em Evidências: Tomografia Computadorizada Helicoidal no Diagnóstico da Apendicite Aguda. Rev Col Bras Cir. 2008;35(4):269-73.
  • Medicina baseada em evidências

    Evidence-based medicine
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2009
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