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Análise epidemiológica e emprego do teste rápido da urease em pacientes com úlcera péptica perfurada

Resumos

OBJETIVO: Analisar o perfil epidemiológico de pacientes com úlcera péptica gastroduodenal perfurada e verificar se a presença do H. pylori nas secreções peritoneais e intraluminais desses pacientes pode ser avaliada pelo teste rápido da urease. MÉTODOS: Realizou-se estudo prospectivo, transversal, descritivo, com dados de pacientes atendidos em um hospital de abrangência regional, em portadores de úlcera péptica perfurada. Coletou-se, no transoperatório, amostras de líquido peritoneal (na proximidade da perfuração) e da secreção intraluminal, sendo encaminhadas para cultura e teste rápido de urease. RESULTADOS: Quatorze pacientes foram analisados. A média etária foi 41,06 anos, todos homens, brancos (71,4%), tabagistas (57,2%), IMC < 30 (85,7%), com história prévia de dispepsia (78,6%). Sorologia para H. pylori foi positiva em 84,6% dos casos. O teste rápido da urease foi positivo em 78,6% das amostras do tubo digestivo e em 42,8% das amostras da cavidade peritoneal; 41,6% foram positivos em ambos os locais, 50% somente na cavidade digestiva e 8,4% exclusivamente na cavidade peritoneal. Dos 11 pacientes com sorologia positiva para H. pylori 100% apresentaram positividade em pelo menos um dos sítios pesquisados. CONCLUSÃO: Verificou-se que a incidência foi menor que a esperada. Há associação significativa entre a infecção pelo H. pylori e a ocorrência de perfuração. A presença deste patógeno pode ser avaliada tanto pela sorologia quanto pela realização do teste rápido da urease do fluido coletado na cavidade peritoneal e na luz gástrica/duodenal.

Úlcera péptica; Úlcera péptica perfurada; Epidemiologia; Urease; Helicobacter pylori


OBJECTIVE: To analyze the epidemiological profile of patients with gastroduodenal ulcer perforation and verify if the presence of H. pylori in the peritoneal and intraluminal secretions of these patients can be assessed by rapid urease test. METHODS: We conducted a prospective, descriptive, cross-sectional study with data from patients in a hospital at a regional level, in patients with peptic ulcer. During surgery, we collected peritoneal fluid samples (in the vicinity of the perforation) and intraluminal secretion, sending them for culture and rapid urease test. RESULTS: Fourteen patients were analyzed. The average age was 41.06 years, all men, Whites (71.4%), smokers (57.2%), BMI <30 (85.7%), with a history of dyspepsia (78.6%). Serology for H. pylori was positive in 84.6% of cases. The rapid urease test was positive in 78.6% of the samples of the digestive tract and 42.8% of samples from the peritoneal cavity; 41.6% were positive at both sites, 50% only in the digestive cavity and 8.4% only in the peritoneal cavity. Of the 11 patients with positive serology for H. pylori, 100% were positive in at least one of the sites surveyed. CONCLUSION: It was found that the incidence was lower than expected. There is significant association between infection with H. pylori and the occurrence of perforation. The presence of this pathogen can be assessed both by serology and by the realization of the rapid urease test from fluid collected in the peritoneal cavity and the gastric / duodenal lumen.

Peptic ulcer; Peptic ulcer perforation; Epidemiology; Urease; Helicobacter pylori


ARTIGO ORIGINAL

Análise epidemiológica e emprego do teste rápido da urease em pacientes com úlcera péptica perfurada

Jairo Júnior Casali, ACBC-SCI; Orli Franzon, TCBC-SCII; Nicolau Fernandes Kruel ECBC-SCIII; Bruno Duarte NevesI

ICirurgião Geral. Ex- Residente do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Regional Homero de Miranda Gomes, São José, SC-BR

IIProfessor da Faculdade de Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL- SC -BR

IIIChefe do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Regional Homero de Miranda Gomes, São José, SC -BR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Jairo Júnior Casali E-mail: jairo.junior@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar o perfil epidemiológico de pacientes com úlcera péptica gastroduodenal perfurada e verificar se a presença do H. pylori nas secreções peritoneais e intraluminais desses pacientes pode ser avaliada pelo teste rápido da urease.

MÉTODOS: Realizou-se estudo prospectivo, transversal, descritivo, com dados de pacientes atendidos em um hospital de abrangência regional, em portadores de úlcera péptica perfurada. Coletou-se, no transoperatório, amostras de líquido peritoneal (na proximidade da perfuração) e da secreção intraluminal, sendo encaminhadas para cultura e teste rápido de urease.

RESULTADOS: Quatorze pacientes foram analisados. A média etária foi 41,06 anos, todos homens, brancos (71,4%), tabagistas (57,2%), IMC < 30 (85,7%), com história prévia de dispepsia (78,6%). Sorologia para H. pylori foi positiva em 84,6% dos casos. O teste rápido da urease foi positivo em 78,6% das amostras do tubo digestivo e em 42,8% das amostras da cavidade peritoneal; 41,6% foram positivos em ambos os locais, 50% somente na cavidade digestiva e 8,4% exclusivamente na cavidade peritoneal. Dos 11 pacientes com sorologia positiva para H. pylori 100% apresentaram positividade em pelo menos um dos sítios pesquisados.

CONCLUSÃO: Verificou-se que a incidência foi menor que a esperada. Há associação significativa entre a infecção pelo H. pylori e a ocorrência de perfuração. A presença deste patógeno pode ser avaliada tanto pela sorologia quanto pela realização do teste rápido da urease do fluido coletado na cavidade peritoneal e na luz gástrica/duodenal.

Descritores: Úlcera péptica. Úlcera péptica perfurada. Epidemiologia. Urease. Helicobacter pylori.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas a incidência da doença ulcerosa péptica declinou no mundo ocidental. Entretanto, com incidência variando de 2 a 10/100.000, permanece como problema de saúde pública na sociedade moderna. A faixa de idade predominante na qual a úlcera duodenal ocorre é entre 20 e 50 anos, enquanto que a gástrica é mais comum em paciente com mais de 50 anos1.

As complicações mais importantes relacionadas à doença ulcerosa péptica são: hemorragia, observada clinicamente em 15-20% dos casos, e perfuração, em 7%, com incidência de 7 a 10/100.000 pessoas por ano - variável entre os países e mesmo entre regiões de um mesmo país2. A mortalidade anual relacionada à doença ulcerosa é baixa, sendo ela consequente à complicações em pacientes com comorbidades ou do tratamento cirúrgico. Por outro lado, a morbidade dessa afecção tem sido reportada como entre 25% e 89%, com custos elevados3. Entre os pacientes com úlcera duodenal, 6% a 11% apresentam perfuração e, entre aqueles com úlcera gástrica, 2% a 5% perfuram.

O tratamento clínico da doença ulcerosa péptica mudou muito desde 1970. Os avanços incluem a introdução de antagonistas de receptores H2, inibidores de bomba de próton, terapias de erradicação do Helicobacter pylori e abordagens endoscópicas para o tratamento de úlcera hemorrágica4. Nesse contexto, a incidência de operações eletivas para o tratamento da doença ulcerosa péptica declinou. Estudo realizado em um hospital-escola de Tóquio mostrou que 80% das operações por úlceras pépticas foram indicadas no tratamento de emergência da perfuração duodenal, sem notar declínio na indicação deste tipo de operação.

Assim, o objetivo deste estudo foi analisar o perfil epidemiológico dos pacientes com úlcera péptica perfurada atendidos no serviço de Cirurgia Geral em um hospital de nível terciário, avaliando-se se o H. pylori nas secreções peritoneais e intraluminais pode ser reconhecido por meio do teste rápido da urease e influenciar no manejo terapêutico pós-operatório.

MÉTODOS

Realizou-se estudo prospectivo, transversal, descritivo, avaliando-se os dados de pacientes atendidos no Setor de Emergência Cirúrgica do Hospital Regional Homero de Miranda Gomes de São José (HRHMG), no período de fevereiro de 2009 a julho de 2010, com quadro de abdome agudo perfurativo. Este estudo teve a avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa do hospital e foi aprovado sob o protocolo 017-09. Todos os pacientes foram informados sobre os objetivos e métodos da análise e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ainda no período pré-operatório.

Foram incluídos no estudo todos os pacientes com diagnóstico pré ou transoperatório de úlcera gástrica e/ou duodenal perfurada. Pacientes com outras causas de abdome agudo ou de pneumoperitônio foram excluídos.

A padronização da coleta de dados se deu da seguinte forma: no transoperatório, após o inventário da cavidade, foram coletadas duas amostras de líquido peritoneal (na proximidade da perfuração da úlcera) e outras duas amostras de líquido intraluminal, desde que tecnicamente viável, através do orifício ulceroso. Uma amostra de cada região (cavidade peritoneal e cavidade gástrica/duodenal) foi encaminhada para cultura e bacterioscopia e as outras duas imediatamente injetadas em frascos com solução de urease pré-formada (Uretest®, Laborclin Laboratório Farmacêutico Ltda, Pinhais/PR), devidamente identificados e encaminhados para refrigeração entre 2-8º Celsius. Outros dados avaliados no transoperatório foram a localização da úlcera, a técnica cirúrgica empregada para o tratamento e a realização ou não de biópsia do sítio ulceroso.

No pós-operatório, antes da alta hospitalar, foram coletados outras informações, preenchendo uma base de dados, a respeito de idade, sexo, cor, tabagismo, etilismo, uso prévio de anti-inflamatórios não-esteroides (AINE), índice de massa corporal, história prévia de dispepsia, tempo de duração da peritonite pré-operatória (considerando o momento de início da dor como marco inicial), método de diagnóstico que indicou a laparotomia, resultados do teste rápido da urease (TRU) para as duas amostras, resultados da cultura das duas amostras e sorologia para Helicobacter pylori (por método de quimioluminescência).

Utilizou-se o número total de consultas e lapatoromias daquele período para o cálculo das proporções da doença em questão em relação às demais. Centro de Estudos Sidnei Jorge Sandin do HRHMG.

RESULTADOS

Quatorze pacientes foram incluídos no estudo. A média de idade dos pacientes foi de 41,0 ± 13,1 anos. A faixa etária dos 20 aos 40 anos foi a de maior incidência de úlceras cloridopépticas perfuradas, correspondendo a 50% dos casos (Tabela 1). Pacientes que se denominavam brancos predominaram sobre os não-brancos. Houve equilíbrio entre os três fatores de risco avaliados: história de tabagismo, de etilismo e uso crônico de AINE. A prevalência de tabagismo entre os pacientes foi 57,2%, com distribuição igual relacionada ao sítio da perfuração e de etilismo de 35,7%. Dos pacientes analisados, 42,8% referiram o uso crônico de AINE nos 12 meses anteriores ao desfecho.

Predominaram pacientes com IMC < 30 com queixas dispépticas prévias, especialmente naqueles com sorologia para H. pylori positiva. Neste grupo de pacientes, 54,6% se declararam tabagistas, 45,4% etilistas e 45,4% referiram uso crônico de AINE. O tempo de peritonite pré-operatória, definido como período entre o início da dor e o ato cirúrgico, foi menor que 24 horas em 85,6% dos casos, distribuindo-se igualmente em tempo inferior à 12 horas e tempo entre 12 e 24 horas (Tabela 2).

Em 78,6% das vezes a laparotomia foi indicada baseada em dados clínicos associados à radiografia convencional. A tomografia computadorizada e o exame clínico isolado foram definitivos nesta indicação em 7,1% e 14,3% dos casos, respectivamente.

A sorologia para H. pylori foi positiva em 84,6% das vezes, considerando-se que um paciente não teve a coleta feita. O TRU foi positivo em 78,6% das amostras do tubo digestivo, e, em somente 42,8% das amostras da cavidade peritoneal (Tabela 3). Já, com relação à cultura, não houve crescimento bacteriano em nenhuma das amostras gastroduodenais e em somente uma do peritônio. Dos pacientes com anticorpos presentes contra H. pylori, 81,8% apresentaram também positividade para TRU na cavidade gastroduodenal e 54,5% no peritônio livre.

A comparação dentro grupo de pacientes positivos para o TRU em pelo menos um dos locais (n=12) pesquisados mostrou o seguinte aspecto: 41,6% apresentaram positividade em ambos os sítios, 50% exclusivamente na amostra da cavidade digestiva e 8,4% exclusivamente na cavidade peritoneal. Considerando-se os 11 pacientes que apresentaram sorologia positiva para H. pylori, 100% também tiveram o TRU positivo em pelo menos um dos sítios pesquisados (45,5% exclusivamente no estômago/duodeno, 9% exclusivamente na cavidade peritoneal e 45,5% em ambos).

Os locais mais frequentes de perfuração foram a região pré-pilórica (28,6%) e duodenal (57,2%). A média etária dos pacientes com úlceras gástricas foi 41,6 anos e daqueles com úlcera duodenal 43,6 anos. Notou-se, ainda, sorologia positiva para H. pylori em 66,6% dos pacientes com localização gástrica e em 100% dos com localização duodenal da perfuração (Tabela 4).

DISCUSSÃO

A incidência anual de úlceras pépticas perfuradas varia entre 7 e 10 casos/100.000 habitantes1. Considerando a perspectiva do IBGE para a população da região metropolitana de Florianópolis para 2009-2010 - que aponta montante de aproximadamente 1 milhão de habitantes -, este estudo apresenta a incidência levemente abaixo da esperada para a doença (14 casos em 18 meses). Entretanto, é importante ressaltar que os pacientes com o quadro dispõem de outros quatro serviços de emergência na Grande Florianópolis, o que distribui os indivíduos de acordo com sua territorialidade. Soma-se a isso a análise de alguns autores da necessidade de reavaliar-se esta estimativa já consagrada, visto que a incidência da doença ulcerosa péptica como um todo está em franco declínio1-6.

A média de idade dos pacientes foi 41 anos, com maior pico de incidência em indivíduos acima de 401. Entretanto, a média etária dos pacientes com perfuração gástrica foi 41,6 anos e com perfuração duodenal de 43,6 anos, o que apresenta um dado novo, visto que sabidamente as úlceras duodenais incidem em pacientes mais jovens, em comparação às outras, porém, são estatisticamente significativos.

A incidência exclusiva em indivíduos do sexo masculino nesta série, é fato que não encontrou paralelo em outros estudos ou séries relacionadas, embora haja largo predomínio de casos em homens1-3,6,7. Isso pode ser explicado pelo curto período de coleta de dados, associado à maior exposição aos fatores de risco, como o fumo e o alcoolismo. Some-se a isso o fato que homens com doença ulcerosa péptica apresentam complicações em faixas etárias mais precoces, ao passo que mulheres as apresentam comumente na sexta e sétima décadas de vida3.

A associação da ocorrência de doença ulcerosa péptica com a cor da pele é um fator ainda pouco estudado. Nesta casuística, houve prevalência de indivíduos leucodérmicos (71,4%). Indivíduos brancos e negros, de diferentes regiões de um mesmo país, apresentam incidências diferentes6. Vale ressaltar que o Brasil é um país de população miscigenada, com mais de um terço da população composta por mistura de raças, o que frustra considerações étnicas.

O tabagismo, o etilismo, a história de úlcera péptica e especialmente o uso de drogas anti-inflamatórias são considerados fatores de risco independentes para complicações da doença ulcerosa8. Uma forte correlação entre o uso de tabaco e a ocorrência de úlcera péptica e suas complicações foi mostrada em outros estudos2,3,7. O seu consumo aumenta em dez vezes o risco de perfuração e em três a mortalidade, quando perfura3,9. O mecanismo dessa influência provavelmente ocorre pela redução dos fatores protetores da mucosa gástrica e retardo da cicatrização de úlceras já instaladas. As drogas AINE e corticosteroides atuam a favor da doença ulcerosa e da perfuração, e este risco é independente e diretamente proporcional à dose diária ingerida.

Embora não se tenha encontrado ligação direta entre o consumo de álcool e úlceras pépticas, evidencia-se, no entanto, frequência maior em pessoas que têm cirrose hepática, doença associada ao consumo excessivo de álcool2,5. Entre os nossos pacientes 35,7% se declararam etilistas, especialmente aqueles com úlceras duodenais. A úlcera péptica perfurada geralmente apresenta como um abdome agudo perfurativo e o tempo de peritonite tem relação com a gravidade do quadro2,4. O risco de morte pós-operatória e de complicações está relacionado à duração da perfuração3. Um retardo de mais de 24 horas na intervenção cirúrgica aumenta em 6,5 vezes a letalidade e em 3,4 vezes a morbidade 3. Não houve nenhum caso de óbito nos nossos pacientes .

Embora o papel do H. pylori na patogênese da doença ulcerosa péptica não complicada tenha sido definitivamente estabelecido, a relação precisa entre o organismo e as complicações da úlcera ainda não foram suficientemente estudadas8,10. Em extensa revisão da literatura sobre o assunto, Gisbert afirma que a média de prevalência da infecção pelo bacilo em pacientes com úlcera péptica perfurada foi 68,1%, considerando 19 séries de todo o mundo, em total de 1169 pacientes. Este estudo encontrou prevalência acima desta média (84,6%)8.

Dois genes da bactéria que têm sido associados à úlcera péptica perfurada são o gene associado à citotoxina (cagA) e o gene da citotoxina vacuolizante (vacA)1. O primeiro está relacionado ao aumento da virulência e o segundo pelo desenvolvimento de uma citotoxina que causa injúria à célula epitelial e ao sistema imune.

O método usado pelos autores para identificação da bactéria variou entre sorologia, pesquisa de anticorpos por ELISA, PCR para pesquisa de DNA e endoscopia digestiva no pós-operatório com biópsia da mucosa e realização de TRU. A tentativa de identificar a presença de H. pylori no ato cirúrgico por meio de biópsia duodenal ou antral foi frustrada em razão das dificuldades técnicas encontradas para se obter amostra5. Cogitou-se que a coleta de fluidos, tecnicamente mais exequível, poderia suplantar essa dificuldade. A hipótese também se sustenta em estudos, como o de Osbek, entre outros, que mostrou claramente que a H. pylori é uma bactéria extracelular, presente no muco gástrico10.

O TRU é um dos testes mais utilizados na prática clínica ambulatorial dada sua praticidade, rapidez (média de 30 minutos para análise) e baixo custo8,9. Apresenta sensibilidade de até 98% e especificidade de 93% a 98%, Brandi et al. mostraram em estudo italiano que outras bactérias, como o Staphylococcus capitis urealiticum em pacientes hipoclorídricos apresentam atividade de urease similar ao H. pylori, falseando a positividade do teste, o que leva a questionar a sua confiabilidade9.

No presente estudo, a sorologia se prestou como teste padrão para identificar a infecção e parâmetro de comparação com o TRU dos fluidos coletados no transoperatório. Todos os pacientes que apresentaram sorologia positiva tiveram, pelo menos, uma das amostras positivas. Isso leva a crer que o uso do teste rápido no transoperatório pode ser útil em definir qual paciente está infectado e deverá receber terapia de erradicação a fim de evitar recidiva, desde que coletado em, pelo menos, dois sítios diferentes. Porém o TRU, em sítios isolados (peritoneal ou intragástrico), não se mostrou igualmente significativo em confirmar a infecção, embora 78% das amostras gástricas/duodenais tenham positivado. Talvez a causa para menor ocorrência de TRU positiva no peritônio seja a menor densidade da bactéria neste local ou algum outro fator como o bloqueio pelo omento, que, dada a sua capacidade imunológica, afetaria a amostragem11,12.

O fechamento primário com interposição de um patch de omento sobre a perfuração tem sido o procedimento mais executado, desde sua popularização por Graham, em 19373,13,14. No intuito de reduzir o alto índice de recidiva ulcerosa pós-omentoplastia, estabeleceu-se a erradicação do Helicobacter pylori no pós-operatório desses pacientes. O ensaio clínico de Enders et al., com 104 pacientes com úlcera péptica perfurada, tratados pela técnica de Graham, mostrou que após um ano de seguimento, 95% dos pacientes tratados com erradicação de H. pylori e livres de drogas anti-inflamatórias estavam livres de recorrência da doença7,15.

Este estudo tem importantes limitações que merecem ser avaliadas. Devido ao curto período de coleta de dados e em razão da reduzida incidência da doença nos últimos tempos na população da amostra, o número de casos avaliados é considerado pequeno o que prejudica análises com maior significância estatística. Entretanto, a distribuição das frequências e a sua correlação com estudos de fonte confiável fornece-nos importante parâmetro para inferir hipóteses e conhecer o perfil dos pacientes. Outro fator que se mostrou importante ao longo do estudo, embora não esteja no delineamento, é a necessidade de se correlacionarem dados epidemiológicos com mais desfechos no pós-operatório, dando um maior poder de análise.

Em conclusão, pode-se afirmar que a presença de H. pylori deve ser avaliada em todo paciente com úlcera péptica perfurada e que a bactéria deve ser erradicada naqueles infectados.

Recebido em 10/06/2011

Aceito para publicação em 10/08/2011

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhum

Trabalho realizado no Programa de Residência Médica em Cirurgia Geral, no Hospital Regional Homero de Miranda Gomes, em São José, SC, Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Jairo Júnior Casali
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Jun 2011
    • Aceito
      10 Ago 2011
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