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E o diafragma?

What about the diaphragm?

EDITORIAL

E o diafragma?

What about the diaphragm?

Roberto Saad Junior

Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Torácica. Livre Docente do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Ex-Presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (gestões 2000-01; 2004-05). Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica

É bem conhecido que os ferimentos na região de transição tóraco-abdominal são potencialmente causadores de ferimentos diafragmáticos. Segundo a nossa experiência, 30% destes ferimentos atingem o diafragma. Na literatura encontramos uma incidência entre 20 e 48%1,2.

Das lesões diafragmaticas, 70% delas apresentam sintomatologia abundante, de modo que o cirurgião no serviço de emergência não terá nenhuma dificuldade em estabelecer o este diagnóstico tratá-las convenientemente. Porém, 30% delas são oligossintomáticas ou mesmo assintomáticas. São as lesões diafragmáticas isoladas ou as acompanhadas de lesões viscerais intra-abdominais que, em um primeiro momento, ainda não apresentaram sintomas. Estas, com o exame clínico realizado durante a evolução e observação do doente, aparecem e daí indicamos a laparotomia e, portanto, o diagnóstico da lesão diafragmática. Em 8 a 10% destes doentes as lesões diafragmáticas são isoladas3 e, nestes casos, não há como fazer o diagnóstico de modo convencional. Para tanto, é necessária a realização da toracoscopia ou laparoscopia de rotina para a confirmação diagnóstica4.

Vem a primeira pergunta: vale a pena a realização deste exame invasivo para surpreender 10% de ferimentos diafragmáticos isolados para em seguida promover a sua sutura? Claro que sim, pois deixar uma ferida no diafragma é dar uma chance ao doente de desenvolver precocemente ou em um futuro distante uma hérnia diafragmática com todas as suas conhecidas consequências. Insistir no diagnóstico mesmo com exames invasivos é até o momento, em nossa opinião, a orientação ideal.

Segunda pergunta: se a lesão diafragmática não for diagnosticada, existe alguma possibilidade deste músculo cicatrizar espontaneamente?

Para responder a tal pergunta realizamos uma séria de trabalhos experimentais, desde o ano de 2001, quando pudemos verificar que: 91,1% das lesões de 5% da superfície do diafragma cicatrizaram sendo 100% à direita e 83% à esquerda5; lesões de 30% da superfície do diafragma do lado esquerdo cicatrizaram espontaneamente em 12,5%6; a análise da evolução natural de ferimentos penetrantes, com extensão de 30%, no diafragma, no lado direito, durante 21 dias em 28 ratos, evidenciou a ocorrência de cicatrização espontânea em 54% das lesões7.

De modo que, após a realização destes estudos, confirmando a possibilidade de cicatrização espontânea do diafragma, surgiu a terceira pergunta: podemos realizar um tratamento não operatório em ferimentos da zona de transição tóraco-abdominal em doentes assintomáticos mesmo que possivelmente sejam portadores de lesões diafragmáticas?

Vamos analisar este aspecto comparando com o que realizamos hoje em tratamento não operatório de lesões de vísceras parenquimatosas: rim, baço e fígado.

Nestes casos existem postulados que devem ser seguidos. Nestas situações, optando-se por este tratamento, faz-se mister: realizar o diagnóstico da lesão; ter condições de caracterizar estas lesões: gravidade, tamanho, etc.; ter condições de acompanhar a evolução destas lesões; estabelecer o tempo de acompanhamento; alta definitiva.

Isto se consegue por meio de exames de imagens disponíveis. Sabemos que, caso o hospital não ofereça infraestrutura suficiente, não será possível a realização de um tratamento não operatório para estes doentes portadores de lesões das vísceras citadas.

Voltemos aos ferimentos diafragmáticos. Para estes casos ainda não existem métodos que possam nos fornecer o diagnóstico com segurança, portanto o primeiro postulado não pode ser cumprido. Se não temos o diagnóstico, não temos como caracterizar a possível lesão. Não temos também meios de acompanhar o ferimento, isto é, se está ocorrendo melhora ou não, muito menos estabelecer o tempo de acompanhamento.

Pois bem, quarta pergunta: como podemos indicar um tratamento não operatório em doentes com suspeita de ferimentos diafragmáticos à direita se não temos certeza, nem mesmo se existe, este ferimento e, se existe, qual seria a sua evolução?

Para esta pergunta acredito que caibam duas respostas: a) apesar da existência de hérnia diafragmática à direita ser um evento raro e, ainda mais, considerando que a possibilidade de cicatrização espontânea do músculo existe, mesmo assim, nós recomendamos que se realize o diagnóstico e o seu tratamento pelo menos até encontrarmos exames menos invasivos (imagem) que possibilitem o tratamento clínico; b) outra possibilidade é a de promover o tratamento não operatório para estes doentes, mesmo sem o diagnóstico da lesão. Neste caso, é imperioso assumir a responsabilidade de acompanhar este doente e alertá-lo de que, para qualquer sintoma que apareça, são necessários cuidados médicos, isto é, o cirurgião deve ter em mente que uma hérnia poderá aparecer no futuro e, por isso mesmo, jamais "dar alta" definitiva para este doente8.

  • 1. Zantut LF, Ivatury RR, Smith RS, Kawahara NT, Porter JM, Fry WR, et al. Diagnostic and therapeutic laparoscopy and penetrating abdominal trauma: a multicenter experience. J Trauma. 1997;42(5):825-9; discussion 829-31.
  • 2. Ivatury RR, Simon RJ, Sthal WM. A critical evaluation of laparoscopy in penetrating abdominal trauma. J Trauma. 1993;34(6):822-7; discussion 827-8.
  • 3. Gianini JA. Ferimentos penetrantes tóraco-abdominais e de tórax e abdome. Análise da morbilidade e mortalidade pós-operatórias [dissertação]. São Paulo: Santa Casa de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas; 1996.
  • 4. Von Bathen LC, Smaniotto B, Kondo W, Vasconcelos CN, Rangel M, Laux GL. Papel da laparoscopia no trauma abdominal penetrante. Rev Col Bras Cir. 2005;32(3):127-31.
  • 5. Perlingeiro JA, Saad R Jr, Lancelotti CL, Rasslam S, Candelária PC, Soldá SC. Natural course of penetrating diaphragmatic injury: an experimental study in rats. Int Surg. 2007;92(1):1-9.
  • 6. Gonçalves R. Análise da evolução natural das feridas perfurocortantes equivalentes a 30% do diafragma esquerdo. Estudo experimental em ratos [dissertação]. São Paulo: Santa Casa de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas; 2008.
  • 7. Rivaben JH. História natural do ferimento diafragmático extenso à direita: estudo experimental em ratos [dissertação]. São Paulo: Santa Casa de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas; 2011.
  • 8. Renz BM, Feliciano DV. Gunshot wounds to the right thoracoabdomen: a prospective study of nonoperatiive management. J Trauma. 1994;37(5):737-44.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2012
  • Data do Fascículo
    Out 2012
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