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A cirurgia robótica. Uma realidade entre nós

Em 1979, no recém inaugurado Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HU-UFRJ), o Professor Ugo Pinheiro Guimarães, já aposentado, foi convidado pelo Professor Levão Bogossian para uma palestra no Departamento de Cirurgia. Durante seu discurso, proferiu estas palavras: "- Ainda menino fui levado pelo meu pai ao Derby Clube (hoje, região onde está o Maracanã) para assistir ao primeiro vôo do 14-Bis. Santos Dumont voou 500 metros pouco acima do chão e foi o grande acontecimento da época. Sinto-me privilegiado, porque, nesta mesma vida, assisti ao homem chegar à lua.". Neste editorial quero parodiar o Professor Ugo. Em 1990, assisti e participei do início da cirurgia laparoscópica no Brasil. Sinto-me privilegiado, porque, nesta mesma vida, somente alguns anos depois, participei de outro grande acontecimento da cirurgia moderna, o surgimento da Cirurgia Robótica.

A primeira vez que vi um robô cirúrgico foi no setor de exposições do congresso do Colégio Americano de Cirurgiões (ACS), em 1998. Lá estava o console do Da Vinci e, ao seu lado, os braços do robô sobre um manequim. Fiquei empolgado e tive a certeza de que um dia poderia utilizar um no Brasil. Na época, disponível em apenas poucos centros médicos nos EUA e Europa. Nos congressos seguintes do ACS e daSociety of American Gastrointestinal and Endoscopic Surgeons(SAGES) frequentei todas as sessões onde o assunto cirurgia robótica era abordado. Nasceu o sonho!

Em 2006, uma empresa que comercializa equipamentos médicos trouxe ao Rio de Janeiro o robô Zeus e o braço robótico Aesop. Eram modelos que faziam concorrência ao Da Vinci. Imediatamente fizemos contato com esta empresa e realizamos um evento no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), em associação com a Sociedade de Cirurgia Vídeo Endoscópica do Rio de Janeiro (SOCIVERJ), abordando os Fundamentos Teóricos da Cirurgia Robótica e realizando algumas cirurgias em animais (suínos). O Aesop consistia de um braço robótico que podia ser usado acoplado ao Zeus ou isoladamente. Quando usado fora do Zeus servia para fazer a câmera se movimentar sob comando de voz. Conseguimos autorização para realizar a operação em alguns pacientes. Foi usado por nossa equipe, no HUCFF, e pela equipe do Dr. Ricardo Zorron, no Hospital Lourenço Jorge. Estava sendo plantada a semente de entusiasmo entre os jovens cirurgiões sobre a cirurgia robótica. O Zeus e o Asoep foram comprados pela Intuitive, empresa que fabrica o Da Vinci e retirados de circulação. Hoje, somente existe no mercado o robô Da Vinci.

Em 2008, durante um encontro das Academias Nacional de Medicina, do Brasil, e a Nacional de Medicina de Portugal, em Lisboa, para festejar os 200 anos da presença de D. João IV no Brasil, tivemos um encontro com o, então, Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro, que participava do evento, e conseguimos sensibilizá-lo a ajudar a conseguir a compra do Da Vinci para o Rio de Janeiro. Realizamos um projeto na UFRJ para a implantação de um Núcleo Multidisplinar para Pesquisas em Robótica Cirúrgica, onde participariam médicos, engenheiros da área biomédica e técnicos do Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ (NCE). A finalidade seria a formação de conhecimentos na área, envolvendo a Faculdade de Medicina, a COPPE e o NCE. Várias reuniões foram realizadas, mas, infelizmente, não foi possível, por motivos variados, conseguir o Da Vinci naquela época.

O grande sonho começou a se realizar no Rio de Janeiro quando o Hospital do Instituto Nacional do Câncer (INCA) começou a negociar a compra do robô Da Vinci. Na época, em um congresso realizado no Hotel Windsor, em 2011, foram apresentados vários temas sobre cirurgia robótica e foi colocado no salão de exposições o simulador do Da Vinci (Mimic). Na semana seguinte, foi possível organizar um evento de um dia no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, com temas teóricos sobre robótica cirúrgica e treinamento no simulador Mimic. Em 2012, o Hospital Samaritano comprou o Da Vinci. Formou grupos de Cirurgia Geral, Urologia, Ginecologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Proporcionou um período de treinamento longo e muito responsável para estes médicos, trazendo ao Brasil cirurgiões estrangeiros para orientar as suas primeiras cirurgias. Hoje, já foram realizadas por eles, mais de 700 cirurgias robóticas, com sucesso. Recentemente, o Hospital da Marinha Marcílio Dias adquiriu o Da Vinci, e o Rio de Janeiro dispõe de três hospitais realizando a cirurgia robótica.

A cirurgia robótica é um procedimento mini-invasivo que segue a mesma linha da cirurgia laparoscópica. São utilizados instrumentos longos que trabalham dentro de trocartes introduzidos na parede abdominal e/ou torácica. A diferença é que, na laparoscopia, as pinças são manipuladas pela mão do cirurgião. Na robótica, pelos braços do robô comandados por um cirurgião à distância, sentado em um console com os dedos polegar, indicador e médio introduzidos em um dispositivo que aciona e dirige os movimentos do robô (cirurgia robótica assistida).

As primeiras pesquisas sobre a cirurgia robótica foram realizadas em instituições militares. Imaginava-se que a principal vantagem seria a realização de operações em locais distantes do paciente, como por exemplo, em hospitais de campanha durante conflitos armados ou em estações espaciais. Embora tenha sido realizada uma operação com o cirurgião em Nova York (professor Jacques Marescoux) e o paciente em Estraburgo, na França, - "Cirurgia de Lindbergh" - nome do primeiro homem a atravessar o Atlântico de avião, esta operação não foi mais repetida devido ao alto custo, a comunicação foi feita através de fibra óptica atravessando oceano do Atlântico.

A verdadeira vantagem da cirurgia robótica é a sua precisão. Hoje é realizada com o cirurgião no console na mesma sala de cirurgia em que está o paciente e os braços do robô. A visão do cirurgião é tridimensional, muito boa, e superior à da laparoscopia. Os instrumentos são precisos e realizam movimentos semelhantes à mão humana (Endowrist). Não há tremor nem cansaço. Estes fatos possibilitam vantagem em relação à cirurgia laparoscópica, sendo, por isto, indicada para a realização de operações complexas e difíceis de serem realizadas por laparoscopia. Para o cirurgião existe grande vantagem na ergonomia. Trabalha sentado, relaxado, com a fronte apoiada no visor do console. Se ele afastar a cabeça do console, os braços do robô param de funcionar imediatamente, permitindo ao médico uma pequena pausa para olhar um exame, discutir o caso com outro colega, ou mesmo, fazer um pequeno lanche.

O custo de cada operação ainda é elevado. Uma única empresa mantém a patente e fabrica o Da Vinci. Porém, como tudo em tecnologia, com o tempo o custo deverá diminuir. Creio que em pouco tempo o robô cirúrgico estará disponível na maioria dos bons hospitais. Mais cirurgiões terão acesso ao seu uso e procedimentos simples também poderão ser realizados por robótica.

Atualmente, agosto de 2015, no Brasil, somente são realizadas essas operações por robô em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Barretos e, em breve, em Fortaleza. Tenho a certeza de que se alguém ler este editorial daqui a dez anos vai verificar a grande mudança ocorrida no período, ou seja, a cirurgia robótica presente na maioria das cidades brasileiras, com vários tipos de robôs cirúrgicos diferentes, robôs específicos para tipos específicos de operações e cirurgiões os utilizando de rotina, como hoje o fazem na cirurgia laparoscópica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2015
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