Acessibilidade / Reportar erro

Comparação da gravidade da doença hepática gordurosa não alcoólica de pacientes obesos diabéticos e não diabéticos

RESUMO

Introdução:

a doença hepática gordurosa não alcoólica apresenta um amplo espectro de alterações histopatológicas, desde a esteatose até a cirrose hepática. Pacientes com diabetes Mellitus (DMT2) têm risco aumentado para incidência e gravidade dessa doença.

Objetivo:

determinar a prevalência e a gravidade da DHGNA em pacientes obesos diabéticos e não diabéticos submetidos à cirurgia bariátrica.

Pacientes e Métodos:

avaliação das biópsias hepáticas através do NAFLD activity score (NAS) para avaliação quanto ao grau de esteatose hepática, à presença de balonização, à atividade da inflamação e ao grau de fibrose.

Resultados:

foram observados 154 pacientes submetidos à cirurgia bariátrica com biópsia transoperatória concomitante, divididos em duas faixas de IMC, de 35 a 44.9kg/m² e de 45 a 54.9kg/m². Dos 154 pacientes, 32 (20,8%) eram diabéticos e 122 (79,2%) eram não diabéticos. Os pacientes com DMT2 eram significativamente mais velhos, 41,29 ± 9,40 anos vs 36,71±10,13 anos, no grupo com IMC de 35 a 44.9kg/m² (p=0,049) e 45,13 ± 7,10 anos vs 37,00 ± 9,24 anos no grupo com IMC de 45 a 54.9kg/m² (p=0,024). Na avaliação histológica realizada, os pacientes com DMT2 do grupo com IMC de 35 a 44.9 apresentaram forte associação com maior prevalência e gravidade de estetose, balonização, inflamação, fibrose e esteato-hepatite.

Conclusão:

os dados deste estudo confirmam prevalência elevada de DHGNA em pacientes com obesidade mórbida. A prevalência e a gravidade aumentam proporcionalmente ao IMC e com a presença de DMT2.

Palavras chave:
Hepatopatia Gordurosa não Alcoólica; Cirrose Hepática; Diabetes Mellitus; Obesidade Mórbida; Cirurgia Bariátrica

ABSTRACT

Introduction:

nonalcoholic fatty liver disease presents a broad spectrum of histopathological alterations, from steatosis to liver cirrhosis. Patients with diabetes mellitus (DM) present increased incidence and severity of NAFLD.

Objective:

determine the prevalence and severity of NAFLD in diabetic and non-diabetic obese patients undergoing bariatric surgery.

Method:

the evaluation of liver biopsies was carried out through NAFLD activity score (NAS) in order to evaluate degree of hepatic steatosis, presence of ballooning, inflammatory activity and degree of fibrosis.

Results:

a total of 154 patients who have undergone bariatric surgery with intraoperative biopsy were observed and divided into two BMI ranges: from 35 to 44.9 and from 45 to 54.9. 32 (20.8%) from 154 patients were diabetic and 122 (79.2%) were non-diabetic. Patients with DM were significantly older than patients without the disease, presenting 41.29 ± 9.40 years vs 36.71 ± 10.13 years in the group with BMI of 35 to 44.9 (p=0.049); and 45.13 ± 7.10 years vs 37.00 ± 9.24 years in the group with BMI of 45 to 54.9 (p=0.024). In the histological evaluation, patients with DM from the BMI group of 35 to 44.9 had a strong association with higher prevalence and severity of steatosis, balloning, inflammation, fibrosis and steatohepatitis.

Conclusion:

the present study confirms the high prevalence of NAFLD in patients with Morbid Obesity. Prevalence and severity increase proportionally to BMI and who have DM as comorbidity.

Keywords:
Non-alcoholic Fatty Liver Disease; Liver Cirrhosis; Diabetes Mellitus; Obesity, Morbid; Bariatric Surgery

INTRODUÇÃO

A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é caracterizada pelo acúmulo de triglicerídeos nos hepatócitos, podendo levar a incremento da massa hepática em 5-10% do peso11 Festi D, Colecchia A, Sacco T, Bondi M, Roda E, Marchesini G. Hepatic steatosis in obese patients: clinical aspects and prognostic significance. Obes Rev. 2004;5(1):27-42. nos indivíduos com baixo consumo de álcool. Apresenta graus diferentes de alterações histológicas, dividindo-se em esteatose hepática simples (EH) e esteato-hepatite não alcoólica (EHNA), com presença de reação inflamatória, dano hepatocelular, balonização dos hepatócitos, com ou sem os variados graus de fibrose22 Chalasani N, Younossi Z, Lavine JE, Diehl AM, Brunt EM, Cusi K, et al. The diagnosis and management of non-alcoholic fatty liver disease: practice guideline by the American Association for the Study of Liver Diseases, American College of Gastroenterology, and the American Gastroenterological Association. Hepatology. 2012;55(6):2005-23., podendo evoluir para cirrose e carcinoma hepatocelular. A DHGNA é o transtorno hepático mais comum no mundo, com prevalência relatada de até 35%33 Younossi ZM, Stepanova M, Afendy M, Fang Y, Younossi Y, Mir H, et al. Changes in the prevalence of the most common causes of chronic liver diseases in the United States from 1988 to 2008. Clin Gastroenterol Hepatol. 2011;9(6):524-30..

Os principais fatores de risco para DHGNA são os mesmos que os componentes da síndrome metabólica (SM): obesidade central, dislipidemia e resistência à insulina44 Singh S, Allen AM, Wang Z, Prokop LJ, Murad MH, Loomba R. Fibrosis progression in nonalcoholic fatty liver vs nonalcoholic steatohepatitis: a systematic review and meta-analysis of paired-biopsy studies. Clin Gastroenterol Hepatol. 2015;13(4):643-54.. Dessa forma, a DHGNA é considerada o componente hepático da SM, caracterizando-se fator de risco independente para desenvolvimento de doença cardiovascular55 Adams LA, Lymp JF, St Sauver J, Sanderson SO, Lindor KD, Feldstein A, et al. The natural history of nonalcoholic fatty liver disease: a population-based cohort study. Gastroenterology. 2005;129(1):113-21..

A história natural da DHGNA é, em geral, reflexo da história natural da SM, principalmente pelo fato de que as duas moléstias têm fatores causais e fisiopatologia sobrepostos. Por conseguinte, é concebível entender que as principais complicações também sejam similares. Sendo assim, é a doença cardiovascular e não a hepática, a causa mais comum de morte entre os pacientes portadores dessa moléstia.

A dislipidemia e a Resistência Insulínica (RI) têm forte associação com a deposição exagerada de triglicerídeos nos hepatócitos66 Hafeez S, Ahmed MH. Bariatric surgery as potential treatment for nonalcoholic fatty liver disease: a future treatment by choice or by chance? J Obes. 2013;2013:839275.. Esse acúmulo de lipídeo está associado a aumento da gliconeogênese, diminuição da síntese de glicogênio, o que faz com que a RI fique mais exacerbada, ocorra aumento da inflamação de baixo grau levando a progressão da doença hepática para fibrose, cirrose e aumentando o risco de hepatocarcinoma77 Chitturi S, Abeygunasekera S, Farrell GC, Holmes-Walker J, Hui JM, Fung C, et al. NASH and insulin resistance: insulin hypersecretion and specific association with the insulin resistance syndrome. Hepatology. 2002;35(2):373-9..

A perda de peso é o fator mais importante no controle da DHGNA. A meta de emagrecimento, quando se inicia dieta com redução calórica de cerca de 25%, é de aproximadamente 10%, embora a necessidade da perda de peso varie quanto à gravidade da doença. Os efeitos da cirurgia bariátrica para o DHGNA estão relacionados à melhora da histologia, incluindo resolução do EHNA em 75% dos casos, redução da fibrose em 35% dos casos88 Lassailly G, Caiazzo R, Buob D, Pigeyre M, Verkindt H, Labreuche J, et al. Effects of bariatric surgery on severe liver injury in morbid obese patients with proven NASH: a prospective study. Hepatology. 2014;60(Suppl):305A. e reversão parcial de cirrose99 Kral JG, Thung SN, Biron S, Hould FS, Lebel S, Marceau S, et al. Effects of surgical treatment of the metabolic syndrome on liver fibrosis and cirrhosis. Surgery. 2004;135(1):48-58., efeitos não alcançados com nenhum outro tratamento, incluindo dieta e mudança de hábitos.

Em 2015, a International Diabetes Federation publicou dados estimando a prevalência de diabete tipo 2 (DMT2) em 415 milhões de pessoas e com perspectiva de crescimento para 642 milhões até o ano de 20401010 International Diabetes Federation. IDF Diabetes Atlas [Internet]. 7th ed. Brussels, Belgium: International Diabetes Federation; 2015 [revised 2017 Dec 12]. Available from: http://www.diabetesatlas.org. O controle glicêmico adequado do DMT2 é crucial na prevenção de complicações, melhora da qualidade de vida e redução da mortalidade1111 Mendes AB, Fittipaldi JA, Neves RC, Chacra AR, Moreira Jr ED. Prevalence and correlates of inadequate glycaemic control: results from a nationwide survey in 6,671 adults with diabetes in Brazil. Acta Diabetol. 2010;47(2):137-45.. Entretanto, mesmo com novos avanços do tratamento clínico, o controle medicamentoso tem sucesso em menos de 30% dos doentes1212 Casagrande SS, Fradkin JE, Saydah SH, Rust KF, Cowie CC. The prevalence of meeting A1C, blood pressure, and LDL goals among people with diabetes, 1988-2010. Diabetes Care. 2013;36(8):2271-9.,1313 Sumithran P, Prendergast LA, Delbridge E, Purcell K, Shulkes A, Kriketos A, et al. Long-term persistence of hormonal adaptations to weight loss. N Engl J Med. 2011;365(17):1597-604.. Nesse contexto, a cirurgia bariátrica e a cirurgia metabólica emergem como formas de controle que vão além da perda de peso, melhorando ainda o controle metabólico, com consequente redução do risco cardiovascular1414 Schauer PR, Burguera B, Ikramuddin S, Cottam D, Gourash W, Hamad G, et al. Effect of laparoscopic Roux-en Y gastric bypass on type2 diabetes mellitus. Ann Surg. 2003;238(4):467-84.. No Brasil, o tema foi abordado pioneiramente em 2006, utilizando-se biópsias hepáticas realizadas no transoperatório de cirurgia bariátrica, observando-se a prevalência de esteato-hepatite não alcoólica em 57,1%, com melhora após o bypass gástrico1515 Almeida SR, Savassi-Rocha PR, Sanches MD, Leite VHR, Silva RAP, Diniz MTC, et al. Roux-en-Y gastric bypass improves the nonalcoholic steatohepatitis (NASH) of morbid obesity. Obes Surg. 2006;16(3):270-8..

O objetivo deste estudo é correlacionar os achados histológicos da biópsia hepática realizada no transoperatório de cirurgia bariátrica de pacientes obesos diabéticos e não diabéticos, escalonados de acordo com o índice de massa corporal, descrever as características clínicas e avaliar e comparar a prevalência de EH, EHNA e estágio de fibrose.

PACIENTES E MÉTODOS

Foram avaliados neste estudo retrospectivo 228 pacientes obesos diabéticos e não diabéticos que foram submetidos à cirurgia bariátrica pela mesma equipe da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (ISCMPA), no período de 2016 a 2018, submetidos a biópsia hepática transoperatória. Foram excluídos 74 pacientes pelos seguintes critérios: consumo de álcool relatado foi maior do que 140g/semana para os homens e 70g/semana para mulheres1616 Cotrim HP, Daltro C. Liver: does bariatric surgery reduce the severity of NAFLD? Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2010;7(1):11-3., usuários de drogas ou medicações hepatotóxicas, portadores de outras hepatopatias, procedimentos para redução de peso prévios - cirurgia bariátrica prévia ou balão intra-gástrico. Os 154 pacientes restantes, foram avaliados por meio de dados antropométricos, índice de massa corporal (IMC), variáveis laboratoriais e variáveis histopatológicas. Consideraram-se pacientes com DMT2 aqueles pacientes que na avaliação pré-operatória já se encontravam em tratamento com insulina e antidiabéticos orais; os sem-tratamento foram considerados diabéticos quando a glicemia de jejum foi maior que 126mg/dL e os pacientes com hemoglobina glicosilada (HbA1c) >6,5 em análises consecutivas1717 International Expert Committee. International Expert Committee report on the role of the A1C assay in the diagnosis of diabetes. Diabetes Care. 2009;32(7):1327-34.. Foram considerados hipertensos os pacientes em uso de anti-hipertensivos ou com pressão arterial >130/85 mmHg1818 Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ. The metabolic syndrome. Lancet. 2005;365(9468):1415-28.. Os pacientes foram divididos em 2 grupos de acordo com o IMC de corte de 45kg/m2 e, subsequentemente divididos entre diabéticos e não diabéticos, com o objetivo de tentar quantificar os efeitos da obesidade conforme a evolução e associação com o DMT2. A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética da ISCMPA (parecer 04887018.1.0000.5335).

A biópsia hepática foi realizada com tesoura fria de videolaparoscopia no segmento III por meio de duas incisões confluentes formando uma cunha e posterior cauterização com cautério monopolar, rotina do intra-operatório da equipe. Embora a escolha da biópsia por agulha seja a mais comum, as biópsias cirúrgicas em cunha têm boa acurácia e são custo-efetivas se realizadas de forma adequada, com coleta de amostras satisfatórias (>10mm)1919 Padoin AV, Mottin CC, Moretto M, Berleze D, Kupski C, Glock L, et al. A comparison of wedge and needle hepatic biopsy in open bariatric surgery. Obes Surg. 2006;16(2):178-82..

Figura 1
Método da biópsia hepática e aspecto transoperatório.

As biópsias hepáticas foram analisadas no serviço de patologia da ISCMPA, por diferentes patologistas. A técnica histopatológica padrão utilizada para análise do espécime foi Perls e Tricrômico de Masson. Foi empregado o sistema NAFLD activity score (NAS), proposto por Kleiner2020 Kleiner DE, Brunt EM, Van Natta M, Behling C, Contos MJ, Cummings OW, Ferrell LD, Liu YC, Torbenson MS, Unalp-Arida A, Yeh M, McCullough AJ, Sanyal AJ; Nonalcoholic Steatohepatitis Clinical Research Network. Design and validation of a histological scoring system for nonalcoholic fatty liver disease. Hepatology. 2005;41(6):1313-21. e colaboradores, para avaliação quanto ao grau de EH, presença de balonização, atividade da inflamação e grau de fibrose.

A avaliação do sistema NAS é realizada pontuando-se a análise histológica de 0 a 8, o grau de esteatose (0 - 3), inflamação lobular (0 - 3) e balonização (0 - 2). O grau de fibrose é avaliado da mesma forma semiquantitativamente. A presença percentual de menos de 5% de esteatose recebe 0; de 5 a 33%, recebe 1; de 34 a 66%, recebe 2; e maior que 66%, recebe 3. Para o diagnóstico de EHNA, é considerada necessária a presença de esteatose associada à balonização hepatocitária e/ou ao infiltrado inflamatório. A atividade da EHNA foi classificada pela presença de balonização em nenhuma (0), pouca (1) ou muita (2) e inflamação lobular em nenhuma (0), 1-2 focos em 20 campos (1), 3-4 focos em 20 campos (2), >4 focos em 20 campos (3).

O grau de fibrose foi classificado como estágio 0, quando sem fibrose; grau 1ª quando identificada fibrose leve em zona 3; grau 1b quando identificada fibrose moderada em zona 3; grau 1c quando identificada apenas fibrose periportal/portal; grau 2 quando identificada fibrose periportal/portal e zona 3; grau 3 quando identificada fibrose em ponte; grau 4 quando identificado cirrose.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Nas análises descritivas, as variáveis quantitativas foram expressas em média ± desvio-padrão (DP) e mediana, e as variáveis qualitativas em frequência e percentual. Para comparação entre os pacientes com ou sem diabetes utilizou-se teste t de Student ou teste de Mann-Whitney, conforme a distribuição das variáveis quantitativas avaliadas pelo teste de normalidade Shapiro-Wilk, e para as demais variáveis qualitativas, teste qui-quadrado, estratificando-se pelo IMC (de 35 a 44.9 e de 45 a 54,9kg/m2). Adotou-se p<0,05 como estatisticamente significativo. Todas as análises foram feitas usando o software IMB® SPSS® versão 23.0.

RESULTADOS

A média de internação foi de 4,3 dias para todo o grupo. Não houve relato de nenhuma complicação cirúrgica (sangramento, fistula biliar) relacionados à bióspia hepática.

Dos 154 pacientes, 32 (20,8%) eram diabéticos e 122 (79,2%) não diabéticos. Os pacientes com DMT2 foram significativamente mais velhos que os pacientes sem a doença, 41,29 ± 9,40 anos vs 36,71 ± 10,13 anos, no grupo com IMC de 35 a 44,9kg/m2 (p=0,049) e 45,13 ± 7,10 anos vs 37,00 ± 9,24 anos no grupo com IMC de 45 a 54.9kg/m2 (p=0,024). Além disso, neste último grupo observou-se associação significativa dos pacientes diabéticos com a presença de hipertensão arterial sistêmica (HAS) (p=0,033), conforme os dados expressos na Tabela 1.

Tabela 1
Dados antropométricos e prevalência de HAS.

A principal técnica cirúrgica foi o bypass gástrico em Y de Roux. Nos pacientes com IMC entre 35-44,9kg/m2 sem DMT2, 75 pacientes (88,2%) foram submetidos a Bypass gástrico e 10 pacientes foram submetidos à gastrectomia vertical (11,2%). Nos pacientes com IMC entre 45-54,9kg/m2, sem DMT2, 34 (88,2%) foram submetidos a Bypass gástrico e 3 pacientes (8,1%) foram submetidos a gastrectomia vertical. Dos pacientes com DMT2, tanto com IMC entre 35-44,9kg/m2 quanto os com IMC entre 45-54,9kg/m2 foram submetidos a Bypass gástrico.

As análises das variáveis laboratoriais foram categorizadas da seguinte forma: normais ou alteradas. De acordo com a definição de síndrome metabólica, consideraram-se os seguintes valores anormais: colesterol total (CT) >200mg/dL; triglicerídeos (TG) ≥150mg/dL e colesterol HDL <40mg/dL para homens e <50mg/dL para mulheres. Pacientes com DMT2 têm maior tendência a apresentar alterações nesses exames laboratoriais, embora tal associação não tenha tido significância estatística. Os dados coletados nos exames laboratoriais estão expressos na Tabela 2.

Tabela 2
Exames laboratoriais.

A avaliação histológica apresentada na Tabela 3, indica que os pacientes com DMT2 do grupo com IMC de 35 a 44,9kg/m2 tiveram forte associação com maior prevalência e gravidade de EH, balonização, inflamação, fibrose e EHNA.

Tabela 3
Avaliação histológica dos pacientes com IMC 35-44,9kg/m 2 2 Chalasani N, Younossi Z, Lavine JE, Diehl AM, Brunt EM, Cusi K, et al. The diagnosis and management of non-alcoholic fatty liver disease: practice guideline by the American Association for the Study of Liver Diseases, American College of Gastroenterology, and the American Gastroenterological Association. Hepatology. 2012;55(6):2005-23. .

A tabela 4 tem registrada a avaliação histológica dos pacientes com IMC 45 a 54,9kg/m2, permitindo concluir que não foi observada significância estatística na associação da gravidade de EH, balonização, inflamação, fibrose e EHNA em pacientes com DMT2.

Tabela 4
Avaliação histológica dos pacientes com IMC 45-54,9kg/m 2 2 Chalasani N, Younossi Z, Lavine JE, Diehl AM, Brunt EM, Cusi K, et al. The diagnosis and management of non-alcoholic fatty liver disease: practice guideline by the American Association for the Study of Liver Diseases, American College of Gastroenterology, and the American Gastroenterological Association. Hepatology. 2012;55(6):2005-23. .

DISCUSSÃO

No presente estudo foram avaliados 154 pacientes obesos submetidos a tratamento cirúrgico da obesidade. Primeiramente, há de mencionar-se que desses pacientes, 109 foram submetidos ao Bypass gástrico, técnica clássica para o tratamento da obesidade. Muito embora seja a gastrectomia vertical a preferência crescente na técnica cirúrgica, a mesma ainda é motivo de discussão quanto à resolução da DHGNA2121 Angrisani L, Santonicola A, Iovino P, Vitiello A, Zundel N, Buchwald H, et al. Bariatric surgery and endoluminal procedures: IFSO worldwide survey 2014. Obes Surg. 2017;27(9):2279-89.. Com relação à perda de peso, as duas técnicas apresentam-se efetivas em curto, médio e longo prazo2222 Peterli R, Wölnerhanssen BK, Peters T, Vetter D, Kröll D, Borbély Y, et al. Effect of laparoscopic sleeve gastrectomy vs laparoscopic Roux-en-Y gastric bypass on weight loss in patients with morbid obesity: the SM-BOSS randomized clinical trial. JAMA. 2018;319(3):255-65..

Por certo que a DHGNA, por algum tempo, foi entendida como morbidade associada à obesidade mórbida e sem muita importância em longo prazo. Por outro lado, a obesidade mórbida e a síndrome metabólica tornaram-se epidemia, fazendo com que a cirurgia da obesidade assumisse o papel de tratamento efetivo. Atualmente, a DHGNA tem sido avaliada como mais um componente da SM e não simplesmente um componente da obesidade2323 Marchesini G, Brizi M, Bianchi G, Tomassetti S, Bugianesi E, Lenzi M, et al. Nonalcoholic fatty liver disease: a feature of the metabolic syndrome. Diabetes. 2001; 50(8):1844-50..

A fisiopatologia da lesão hepática em pacientes obesos é controversa. Ainda que haja positiva relação entre obesidade e DHGNA, o excesso de peso não é condição necessária para a gênese. Os pacientes que apresentam lipodistrofia, por exemplo, têm alta prevalência de RI, DMT2 e esteatose hepática, fortalecendo a hipótese de que não somente a quantidade de tecido adiposo mas a disfunção, seja o grande vilão da DHGNA2424 Marchesini G, Bugianesi E, Forlani G, Cerrelli F, Lenzi M, Manini R, et al. Nonalcoholic fatty liver, steatohepatitis, and the metabolic syndrome. Hepatology. 2003;37(4):917-23.. Dessa forma, mesmo que a relação positiva entre obesidade e a DHGNA, o IMC e o peso absoluto do paciente não estão diretamente relacionados. Esses pacientes apresentam, na maioria, perfil clínico similar aos pacientes com SM2525 Younossi ZM, Stepanova M, Negro F, Hallaji S, Younossi Y, Lam B, et al. Nonalcoholic fatty liver disease in lean individuals in the United States. Medicine (Baltimore). 2012;91(6):319-27..

Em pacientes sedentários magros, alto consumo de ácidos graxos livres (AGL) aumenta a disponibilidade de ácidos graxos de cadeia longa no fígado, e esse acúmulo é capaz de promover a inflamação hepática. Ainda que com forte associação à obesidade e à RI, nem todos os pacientes com DHGNA apresentam esses fatores de risco, mostrando a heterogeneidade da síndrome e sugerindo a policausalidade2626 Chitturi S, Abeygunasekera S, Farrell GC, Holmes-Walker J, Hui JM, Fung C, et al. NASH and insulin resistance: insulin hypersecretion and specific association with the insulin resistance syndrome. Hepatology. 2002;35(2):373-9..

No presente estudo, avaliando-se as características demográficas do grupo de pacientes com IMC entre 35-44,9kg/m2 e no grupo de 45-54,9kg/m2, os pacientes diabéticos apresentaram média de idade maior que os pacientes não diabéticos. A relação positiva entre pacientes diabéticos e hipertensos também foi observada. Possivelmente, os pacientes mais jovens, obesos e ainda não diabéticos possam ter tendência de desenvolvimento de diabetes e hipertensão, como sequência fisiopatológica da síndrome metabólica2727 Bellentani S. The epidemiology of non-alcoholic fatty liver disease. Liver Int. 2017;37 Suppl 1:81-4..

Os pacientes com DMT2 têm maior tendência a apresentar alterações dos marcadores laboratoriais para a SM. Embora tal associação não tenha tido significância estatística, está em consonância com a literatura.

A DHGNA abrange amplo espectro de lesões, como esteatose, esteato-hepatite e fibrose e, frequentemente, essas três entidades patológicas são encontradas no mesmo paciente. Na presença de fibrose, a evolução para cirrose ocorre em 20% dos casos. Já em pacientes cirróticos, 10% evoluem para hepatocarcinoma2828 Adams LA, Lymp JF, St Sauver J, Sandeson SO, Lindor KD, Feldsteinn A, et al. The natural history of nonalcoholic fatty liver disease: a population-based cohort study. Gastroenterology. 2005;129(1):113-21..

A prevalência geral da DHGNA, no presente estudo, foi de 86,36%, dado que é compatível com a literatura2929 Clark JM. The epidemiology of nonalcoholic fatty liver disease in adults. J Clin Gastroenterol. 2006;40 Suppl 1:S5-10., que relata prevalência entre 84 e 96% de DHGNA, em pacientes com obesidade mórbida. No grupo de pacientes com IMC 35-44,9kg/m2, os não diabéticos tiveram prevalência de 78% e os diabéticos prevalência de 95,8%. No grupo de pacientes com IMC 45-54,9kg/m2, os não diabéticos tiveram prevalência de 94,6% e os diabéticos prevalência de 100%. Dessa forma, percebe-se que a prevalência da DHGNA, aumenta conforme o IMC e a associação positiva com o DMT2.

No que tange especificamente à inflamação, no grupo dos pacientes com IMC 35-44,9kg/m2, a prevalência de inflamação diagnosticada pela biópsia foi de 95,83% nos pacientes diabéticos em comparação com 38,82% entre os não diabéticos. Ou seja, mesmo que a obesidade possa ser o fator desencadeante na fisiopatologia da DHGNA3030 Zangar RC, Novak RF. Effects of fatty acids and ketone bodies on cytochromes P450 2B, 4A, and 2E1 expression in primary cultured rat hepatocytes. Arch Biochem Biophys. 1997;337(2):217-24., a inflamação de baixo grau desencadeada pela associação da obesidade com a resistência insulínica será mais prejudicial do que a obesidade isolada.

Para a realização de análise quantitativa da DHGNA, foi utilizado o NAFLD activity score (NAS) e o grau de Fibrose, o que permitiu avaliar e comparar de maneira mais prática e objetiva os estágios da doença hepática entre os grupos. No grupo dos pacientes com IMC entre 35-44,9kg/m2, os pacientes diabéticos obtiveram um NAS médio de 5,6 ± 1,5 e os não-diabéticos 3,6 ± 2,3, conforme Gráfico 1. No grupo dos pacientes com IMC entre 45-54,9kg/m2, os pacientes diabéticos tiveram NAS médio de 4,6 ± 1,9, e os não-diabéticos 4,6 ± 1,7, conforme registrado no Gráfico 2. Houve significância estatística somente no grupo dos pacientes com IMC 35-44,9kg/m2, fato que pode ser explicado de duas formas: 1- O grupo de pacientes 45-54,9kg/m2 apresenta número de pacientes reduzidos; 2- O efeito deletério da obesidade mórbida nesses pacientes com IMC 45-54,9kg/m2 é muito maior. Esses resultados corroboram com o caráter pró-inflamatório do DMT2 como componente da SM.

Gráfico 1
Avaliação histológica no grupo com IMC de 35-44,9kg/m 2 2 Chalasani N, Younossi Z, Lavine JE, Diehl AM, Brunt EM, Cusi K, et al. The diagnosis and management of non-alcoholic fatty liver disease: practice guideline by the American Association for the Study of Liver Diseases, American College of Gastroenterology, and the American Gastroenterological Association. Hepatology. 2012;55(6):2005-23. .

Gráfico 2
Avaliação histológica no grupo com IMC de 45-54,9kg/m 2 2 Chalasani N, Younossi Z, Lavine JE, Diehl AM, Brunt EM, Cusi K, et al. The diagnosis and management of non-alcoholic fatty liver disease: practice guideline by the American Association for the Study of Liver Diseases, American College of Gastroenterology, and the American Gastroenterological Association. Hepatology. 2012;55(6):2005-23. .

A natureza retrospectiva do estudo e o pequeno número de pacientes diabéticos no grupo com IMC entre 45-54,9kg/m2, são possíveis limitações quando se analisam os resultados.

Em conclusão, os dados do presente trabalho confirmam prevalência elevada de DHGNA em pacientes com obesidade mórbida. A prevalência e a gravidade da doença aumentam proporcionalmente ao IMC. Pacientes da mesma faixa de IMC que possuem DMT2 como comorbidade apresentam maior prevalência e gravidade da doença, demonstrando forte associação com a SM, ainda que sem significância estatística para o grupo de pacientes com IMC 45-54,9kg/m2.

REFERENCES

  • 1
    Festi D, Colecchia A, Sacco T, Bondi M, Roda E, Marchesini G. Hepatic steatosis in obese patients: clinical aspects and prognostic significance. Obes Rev. 2004;5(1):27-42.
  • 2
    Chalasani N, Younossi Z, Lavine JE, Diehl AM, Brunt EM, Cusi K, et al. The diagnosis and management of non-alcoholic fatty liver disease: practice guideline by the American Association for the Study of Liver Diseases, American College of Gastroenterology, and the American Gastroenterological Association. Hepatology. 2012;55(6):2005-23.
  • 3
    Younossi ZM, Stepanova M, Afendy M, Fang Y, Younossi Y, Mir H, et al. Changes in the prevalence of the most common causes of chronic liver diseases in the United States from 1988 to 2008. Clin Gastroenterol Hepatol. 2011;9(6):524-30.
  • 4
    Singh S, Allen AM, Wang Z, Prokop LJ, Murad MH, Loomba R. Fibrosis progression in nonalcoholic fatty liver vs nonalcoholic steatohepatitis: a systematic review and meta-analysis of paired-biopsy studies. Clin Gastroenterol Hepatol. 2015;13(4):643-54.
  • 5
    Adams LA, Lymp JF, St Sauver J, Sanderson SO, Lindor KD, Feldstein A, et al. The natural history of nonalcoholic fatty liver disease: a population-based cohort study. Gastroenterology. 2005;129(1):113-21.
  • 6
    Hafeez S, Ahmed MH. Bariatric surgery as potential treatment for nonalcoholic fatty liver disease: a future treatment by choice or by chance? J Obes. 2013;2013:839275.
  • 7
    Chitturi S, Abeygunasekera S, Farrell GC, Holmes-Walker J, Hui JM, Fung C, et al. NASH and insulin resistance: insulin hypersecretion and specific association with the insulin resistance syndrome. Hepatology. 2002;35(2):373-9.
  • 8
    Lassailly G, Caiazzo R, Buob D, Pigeyre M, Verkindt H, Labreuche J, et al. Effects of bariatric surgery on severe liver injury in morbid obese patients with proven NASH: a prospective study. Hepatology. 2014;60(Suppl):305A.
  • 9
    Kral JG, Thung SN, Biron S, Hould FS, Lebel S, Marceau S, et al. Effects of surgical treatment of the metabolic syndrome on liver fibrosis and cirrhosis. Surgery. 2004;135(1):48-58.
  • 10
    International Diabetes Federation. IDF Diabetes Atlas [Internet]. 7th ed. Brussels, Belgium: International Diabetes Federation; 2015 [revised 2017 Dec 12]. Available from: http://www.diabetesatlas.org
  • 11
    Mendes AB, Fittipaldi JA, Neves RC, Chacra AR, Moreira Jr ED. Prevalence and correlates of inadequate glycaemic control: results from a nationwide survey in 6,671 adults with diabetes in Brazil. Acta Diabetol. 2010;47(2):137-45.
  • 12
    Casagrande SS, Fradkin JE, Saydah SH, Rust KF, Cowie CC. The prevalence of meeting A1C, blood pressure, and LDL goals among people with diabetes, 1988-2010. Diabetes Care. 2013;36(8):2271-9.
  • 13
    Sumithran P, Prendergast LA, Delbridge E, Purcell K, Shulkes A, Kriketos A, et al. Long-term persistence of hormonal adaptations to weight loss. N Engl J Med. 2011;365(17):1597-604.
  • 14
    Schauer PR, Burguera B, Ikramuddin S, Cottam D, Gourash W, Hamad G, et al. Effect of laparoscopic Roux-en Y gastric bypass on type2 diabetes mellitus. Ann Surg. 2003;238(4):467-84.
  • 15
    Almeida SR, Savassi-Rocha PR, Sanches MD, Leite VHR, Silva RAP, Diniz MTC, et al. Roux-en-Y gastric bypass improves the nonalcoholic steatohepatitis (NASH) of morbid obesity. Obes Surg. 2006;16(3):270-8.
  • 16
    Cotrim HP, Daltro C. Liver: does bariatric surgery reduce the severity of NAFLD? Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2010;7(1):11-3.
  • 17
    International Expert Committee. International Expert Committee report on the role of the A1C assay in the diagnosis of diabetes. Diabetes Care. 2009;32(7):1327-34.
  • 18
    Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ. The metabolic syndrome. Lancet. 2005;365(9468):1415-28.
  • 19
    Padoin AV, Mottin CC, Moretto M, Berleze D, Kupski C, Glock L, et al. A comparison of wedge and needle hepatic biopsy in open bariatric surgery. Obes Surg. 2006;16(2):178-82.
  • 20
    Kleiner DE, Brunt EM, Van Natta M, Behling C, Contos MJ, Cummings OW, Ferrell LD, Liu YC, Torbenson MS, Unalp-Arida A, Yeh M, McCullough AJ, Sanyal AJ; Nonalcoholic Steatohepatitis Clinical Research Network. Design and validation of a histological scoring system for nonalcoholic fatty liver disease. Hepatology. 2005;41(6):1313-21.
  • 21
    Angrisani L, Santonicola A, Iovino P, Vitiello A, Zundel N, Buchwald H, et al. Bariatric surgery and endoluminal procedures: IFSO worldwide survey 2014. Obes Surg. 2017;27(9):2279-89.
  • 22
    Peterli R, Wölnerhanssen BK, Peters T, Vetter D, Kröll D, Borbély Y, et al. Effect of laparoscopic sleeve gastrectomy vs laparoscopic Roux-en-Y gastric bypass on weight loss in patients with morbid obesity: the SM-BOSS randomized clinical trial. JAMA. 2018;319(3):255-65.
  • 23
    Marchesini G, Brizi M, Bianchi G, Tomassetti S, Bugianesi E, Lenzi M, et al. Nonalcoholic fatty liver disease: a feature of the metabolic syndrome. Diabetes. 2001; 50(8):1844-50.
  • 24
    Marchesini G, Bugianesi E, Forlani G, Cerrelli F, Lenzi M, Manini R, et al. Nonalcoholic fatty liver, steatohepatitis, and the metabolic syndrome. Hepatology. 2003;37(4):917-23.
  • 25
    Younossi ZM, Stepanova M, Negro F, Hallaji S, Younossi Y, Lam B, et al. Nonalcoholic fatty liver disease in lean individuals in the United States. Medicine (Baltimore). 2012;91(6):319-27.
  • 26
    Chitturi S, Abeygunasekera S, Farrell GC, Holmes-Walker J, Hui JM, Fung C, et al. NASH and insulin resistance: insulin hypersecretion and specific association with the insulin resistance syndrome. Hepatology. 2002;35(2):373-9.
  • 27
    Bellentani S. The epidemiology of non-alcoholic fatty liver disease. Liver Int. 2017;37 Suppl 1:81-4.
  • 28
    Adams LA, Lymp JF, St Sauver J, Sandeson SO, Lindor KD, Feldsteinn A, et al. The natural history of nonalcoholic fatty liver disease: a population-based cohort study. Gastroenterology. 2005;129(1):113-21.
  • 29
    Clark JM. The epidemiology of nonalcoholic fatty liver disease in adults. J Clin Gastroenterol. 2006;40 Suppl 1:S5-10.
  • 30
    Zangar RC, Novak RF. Effects of fatty acids and ketone bodies on cytochromes P450 2B, 4A, and 2E1 expression in primary cultured rat hepatocytes. Arch Biochem Biophys. 1997;337(2):217-24.
  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    09 Fev 2019
  • Aceito
    19 Mar 2020
Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@cbc.org.br