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Diagnóstico pré-natal de um gêmeo hemiacárdico: relato de caso

Prenatal diagnosis of hemiacardiac twin: a case report

Resumos

A síndrome de acardia fetal é uma rara complicação de gestações gemelares monozigóticas, ocorrendo uma vez em cada 35.000 partos. O prognóstico é fatal para todos gêmeos acárdicos e para 50-75% dos gêmeos normais. Neste trabalho é apresentado um caso de hemiacardia fetal (acardia parcial) em gravidez gemelar. O diagnóstico foi feito utilizando-se ultra-sonografia, ecocardiografia fetal e foi confirmado após o parto.

Gêmeo acárdico; Malformações fetais; Ultra-sonografia; Óbito fetal


The acardius syndrome is a rare complication of monozygotic twin pregnancies, occurring once in 35.000 births. The outcome is invariably fatal for the acardiac twin and for 50-75% of the normal twins. We report a case of partial (pseudo)acardia in twin pregnancy. The diagnosis was made using ultrasonography, fetal echocardiography and confirmed after delivery.

Acardiac twin; Fetal malformations; Ultrasonography; Fetal death


Relatos de Casos

Diagnóstico pré-natal de um gêmeo hemiacárdico Relato de caso.

Prenatal diagnosis of hemiacardiac twin: A case report.

Júlio A. G. Alves, José M. F. Brasileiro, Afonsina P. de Aquino Campos Márcia Valéria Pitombeira Ferreira

RESUMO

A síndrome de acardia fetal é uma rara complicação de gestações gemelares monozigóticas, ocorrendo uma vez em cada 35.000 partos. O prognóstico é fatal para todos gêmeos acárdicos e para 50-75% dos gêmeos normais. Neste trabalho é apresentado um caso de hemiacardia fetal (acardia parcial) em gravidez gemelar. O diagnóstico foi feito utilizando-se ultra-sonografia, ecocardiografia fetal e foi confirmado após o parto.

PALAVRAS-CHAVE: Gêmeo acárdico. Malformações fetais. Ultra-sonografia. Óbito fetal.

Introdução

As malformações fetais são encontradas freqüentemente em gestações gemelares, principalmente em gêmeos monozigóticos. Quando em um dos gêmeos monozigóticos, o coração está ausente, desenvolve-se a síndrome de acardia fetal. O feto acometido pode ser um holoacárdico, quando há uma ausência completa de tecido cardíaco, ou pode ser um pseudoacárdico (ou hemiacárdico) quando existem vestígios de tecido cardíaco ou um coração rudimentar3,6.

Esta síndrome foi descrita em 1533 por Benedetti e a sua incidência vem sendo calculada em um caso em cada 35.000 gravidezes e afetando 1% das gestações gemelares monozigóticas7,10,12. Em 1960, Napolitani e Schreiber somaram 151 casos descritos até então8. Healey, em estudo retrospectivo de 1960 a 1991, coletou e analisou mais 184 casos5.

A taxa de mortalidade do feto normal varia de 50 a 75% dos casos11. Os principais distúrbios causadores de óbito do feto normal foram a insuficiência cardíaca congestiva, polidramnia e trabalho de parto prematuro4 .

A etiopatogenia não está esclarecida. Uma das hipóteses, defendida por Benirschke e Harper é que as anastomoses artério-arteriais e veno-venosas entre as circulações dos fetos na placenta monozigótica, causa atrofia do coração e órgãos dependentes no feto receptor1. Autores como Napolitani e Schreiber8 e Gewolb3 preferem acreditar que a síndrome é consequência de um defeito primário do desenvolvimento cardíaco e secundariamente ocorre uma anastomose vascular, o que manterá o feto acárdico intra-útero. Healey5 enumerou 3 fatores que podem estar implicados na etiologia: a) anormalidade cromossomial pós-fertilização; b) hipóxia associada a artéria umbilical única; e c) síndrome da banda amniótica comprimindo o coração do feto acometido2,5,8.

Em razão de constante ocorrência de anastomoses placentárias associadas a esta anomalia, Van Allen definiu a síndrome como consequente a uma perfusão arterial invertida no gêmeo mal-formado -TRAP- "Twin Reversed Arterial Perfusion"13.

Relato do caso

F.D.S.M., 27 anos, G2P0, com gravidez gemelar complicada por malformação em um dos fetos, diagnosticada na 21ª semana de gestação durante exame ultra-sonográfico realizado em um aparelho do modelo Ultramark Plus (Figura 1). Um dos gêmeos era estruturalmente normal e o outro uma massa amorfa com circulação interna visibilizada pela ultra-sonografia como pulsações, documentadas no ecodoppler colorido. Pelo fato de não desenvolver polidramnia e por ser o gêmeo anômalo pequeno em relação ao feto normal, foi adotada a conduta conservadora. Exames semanais de ultra-sonografia e dopplerfluxometria não revelaram alterações hemodinâmicas no feto hígido. As cardiotocografias foram reativas. A primeira ecocardiografia realizada no curso da 26ª semana de gestação não encontrou anormalidades no coração do feto normal e no mal-formado não foram encontradas estruturas cardíacas. Em outra ecocardiografia realizada na 32ª semana de gravidez observou-se no feto amorfo uma câmara ventricular de morfologia indefinida e valva átrio-ventricular única, sugerindo um coração rudimentar com freqüência de 77 batimentos/min (a metade da freqüência do feto normal), além disso, havia uma onfalocele e uma artéria umbilical única. O parto transcorreu com 36 semanas e três dias, quando iniciou o trabalho de parto e foi realizada uma cesárea devido à apresentação pélvica do 1° feto, que nasceu eutrófico, com valores de 8 e 9 para os índices de Apgar de 1º e 5º minuto, respectivamente, pesando 2.800g, com genitália feminina. O segundo feto era amorfo, sem sinais vitais, com peso de 1.488g e com genitália indeterminada. Foi encaminhado à autópsia que confirmou a presença de um coração rudimentar e os demais achados ultra-sonográficos (onfalocele contendo alças intestinais e artéria umbilical única no cordão umbilical do gêmeo malformado). Havia esboço de membros superiores e inferiores, porém mãos e pés ausentes, região torácica preenchida por cistos serosos e ausência de vísceras na cavidade abdominal. A placenta pesou 750 g, monocoriônica e monoamniótica com anastomoses evidentes antre os cordões umbilicais.


Discussão

A síndrome de acardia fetal é uma denominação inadequada já que cerca de 20 % dos fetos acometidos pela síndome possuem vestígios de tecido cardíaco ou um coração rudimentar3,10. Assim sendo a raridade deste caso torna-se maior por se tratar de um feto pseudo-acárdico.

A classificação proposta&nbps;baseia-se na descrição morfológica do feto e nada acrescenta ao entendimento etiopatogênico desta anomalia congênita:

a) anceps - quando o corpo e as extremidades estão bem formados e há uma deformidade parcial do crânio e da face;

b) acéfalo - quando o pólo cefálico está ausente e a parte restante do corpo desenvolve-se normalmente;

c) amorfo - quando desenvolve-se apenas uma massa disforme;

d) acórmico- a mais rara, só a cabeça se desenvolve. O feto anômalo deste caso enquadra-se na descrição de um feto amorfo2,5,12.

O fato de existir em duas freqüências cardíacas independentes e assíncronas prova que a síndrome pode ocorrer sem a presença de uma circulação parasitária com fluxo invertido no feto malformado, como sugeriu Van Allen13. Portanto, não seria a presença de um gradiente de pressão arterial proveniente do coração do gêmeo sadio que impediria o desenvolvimento do coração do feto acárdico. As anastomoses vasculares placentárias são importantes na manutenção do feto acárdico intra-útero, mas não são primariamente responsáveis pelos defeitos observados13.

O diagnóstico pré-natal desta condição clínica passou a ser possível com a ultra-sonografia, que foi utilizada pela primeira vez com esta finalidade em 1978. A partir de então condutas terapêuticas puderam ser tentadas como: a obstrução do fluxo sangüíneo para o feto acárdico; o parto seletivo do feto anômalo e a conduta conservadora quando a razão entre os pesos do acárdico e do normal for menor ou igual a 25% (vinte e cinco por cento) e não houver polidramnia nem sinais de insuficiência cardíaca congestiva para o feto normal4. Além destes parâmetros clínicos e ultra-sonográficos, utilizamos para seguirmos uma conduta conservadora, o fato de existir uma autonomia circulatória na massa fetal anômala, o que melhora o prognóstico da gravidez9.

SUMMARY

The acardius syndrome is a rare complication of monozygotic twin pregnancies, occurring once in 35.000 births. The outcome is invariably fatal for the acardiac twin and for 50-75% of the normal twins. We report a case of partial (pseudo)acardia in twin pregnancy. The diagnosis was made using ultrasonography, fetal echocardiography and confirmed after delivery.

KEY WORDS: Acardiac twin. Fetal malformations. Ultrasonography. Fetal death.

Clínica Madre Tereza

Departamento de Patologia e Medicina Legal da Universidade

Federal do Ceará.

Correspondência:

Júlio Augusto Gurgel Alves R Martinho Rodrigues, nº 1201, apto 101 bl C, Bairro de Fátima

Fortaleza //CE - CEP 60411-280

  • 1. Benirschke K, Harper VDR. The acardiac anomaly. Teratology 1977; 15: 311-6.
  • 2. Draeger A, Nerlich A Syndrome des bandes amniotiques associé à une malformation acardiaque observé dans une grossesse gemellaire. Ann Pathol, 1988; 8 :317-20.
  • 3. Gewolb I H, Freedman RM, Kleinman S, Hobbins JC. Prenatal diagnosis of a human pseudoacardiac anomaly. Obstet Gynecol 1983; 61: 657-62.
  • 4. Ginsberg NA, Applebaum M, Rabin, SA, Cafarelli M A, Kuuspalu M, et al. Term birth after midtrimester hysterotomy and seletive delivery of an acardiac twin. Am J Obstet Gynecol 1992; 167:33-7.
  • 5. Healey MG. Acardia: predictive risk factors for the cotwin's survival. Teratology1994; 50: 205-13.
  • 6. Martinelli P, Paladini D, Nicotra A, D'Armiento MR. Holoacardius - antenatal diagnosis and pathogenetic evaluation: a case report. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 1990, 36: 153-9.
  • 7. Moore TR, Gale S, Benirschke K Perinatal outcome of forty-nine pregnancies complicated by acardiac twinning. AmJ Obstet Gynecol1990 : 907-12.
  • 8. Napolitani FD, Schreiber I. The acardiac monster. AmJ Obstet Gynecol1960, 80: 582-7.
  • 9. Pavlova M, Fouron JC, Proulx F, Lessard M: Importance de l'observation intra-utérine d'une circulation autonome rudimentaire chez un jumeau acardiaque. Arch MalCoeur Vaisseaux1996, 5:629-32.
  • 10. Sepulveda WB, Quiroz VH, Giuliano A, Henriquez R. Prenatal ultrasonographic diagnosis of acardiac twin. J Perinat Med 1993; 21: 241-6.
  • 11. Sepulveda W, Bower S, Hassan J, Fisk NM. Ablation of acardiac twin by alcohol injection into the intra-abdominal umbilical artery. Obstet Gynecol1995; 86 : 680-1.
  • 12. Severn CB, Holyoke EA. Human acardiac anomalies. AmJ Obstet Gynecol1973; 116 : 358-65.
  • 13. Van Allen MI, Smith DW, Shepard H. twin reversed arterial perfusion (TRAP) sequence: a study of 14 twin pregnancies with acardius. Semin Perinatol 1983; 7 : 285-293.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Abr 2007
  • Data do Fascículo
    Mar 1998
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