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Influência da lubrificação do espéculo vaginal na interpretação da colpocitologia oncótica

The effect of vaginal speculum lubrication on cervical cytology findings

Resumos

OBJETIVO: avaliar a interferência de dois lubrificantes vaginais (vaselina e silicone) na interpretação da colpocitologia oncótica. MÉTODO: realizou-se estudo transversal, prospectivo, com 100 pacientes, entre agosto e outubro de 2003. As pacientes foram divididas em dois grupos de 50, de acordo com o tipo de lubrificante utilizado. Foram colhidas duas lâminas de cada paciente: a primeira após introdução de espéculo sem lubrificante e, em seguida, após troca por espéculo lubrificado com vaselina (Grupo V) ou silicone (Grupo S). As lâminas foram analisadas e comparadas por dois citotécnicos e classificadas em laudo próprio da instituição. Testou-se a igualdade de variáveis da idade nos dois grupos, utilizando-se o teste de Levene, e posteriormente realizou-se o teste t com variâncias iguais. RESULTADOS: comparando entre si os 100 pares de lâminas, oito laudos foram discordantes. As causas de discordância não foram relacionadas diretamente ao lubrificante e não comprometeram o diagnóstico e classificação colpocitológica. Não houve diferença significante quanto ao número de laudos discordantes, seis no Grupo V e dois no Grupo S (p=0,269), entre as lâminas colhidas sem e com lubrificante. Não houve lâminas insatisfatórias na amostra. O número de lâminas classificadas como satisfatórias e satisfatórias mas limitadas foi semelhante quando colhidas com e sem lubrificante: no Grupo S: 46 satisfatórias e quatro limitadas (p=0,001 e kappa=0,802) e no Grupo V: 48 satisfatórias e duas limitadas (p=0,001 e kappa=0,953). Nenhum artefato foi encontrado em todas as 100 lâminas colhidas com espéculo lubrificado. CONCLUSÃO: os resultados obtidos demonstram que o uso do espéculo lubrificado com vaselina ou silicone não interfere nos resultados da colpocitologia oncótica.

Técnicas citológicas; Neoplasias; Lubrificação


PURPOSE: to assess the interference of two vaginal lubricants (vaseline and silicone) in the interpretation of cervical oncotic cytology. METHODS: a prospective research on one hundred women from August to October 2003. The women were divided into two groups of 50 patients each, according to the type of lubricant used. Two smears were obtained from every patient: the first specimen soon after the introduction of non-lubricated speculum and the second after the use of lubricated speculum with vaseline (Group V) or silicone (Group S). The samples were analyzed by two cytotechnicians, who were unaware of the origin of the smears. RESULTS: among the 100 pairs of slides, 8 results were partially different. The reasons for the differences were not directly related to the use of lubricant and did not interfere with the cytologic findings. The number of discordant results was 6 in Group S and 2 in Group V, without a statistically significant difference (p=0.269). The number of satisfactory and satisfactory but limited results was statistically similar regarding the use or not of lubricant: Group S: 46 satisfactory slides and 4 satisfactory but limited slides (p=0.001 and kappa=0.802) and Group V: 48 satisfactory and 2 satisfactory but limited slides (p=0.001 and kappa=0.953). There were no unsatisfactory results. No artefacts were found in slides obtained with lubricated speculum. CONCLUSION: the use of lubricated speculum with vaseline or silicone does not affect cervical oncotic cytology outcome.

Cytological techniques; Neoplasms; Lubrification


ARTIGOS ORIGINAIS

Influência da lubrificação do espéculo vaginal na interpretação da colpocitologia oncótica

The effect of vaginal speculum lubrication on cervical cytology findings

Josie Bittencourt da SilvaI; Simone Denise DavidI; Julieta Massabni ZalcII; Umberto Gazzi LippiIII; Fausto Farah BaracatIV; Reginaldo Guedes Coelho LopesV

Seção de Ginecologia do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital do Servidor Público Estadual "Francisco Morato de Oliveira" - São Paulo-SP

IMédica Residente do 3º ano de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital do Servidor Público Estadual - HSPE - São Paulo (SP) - Brasil

IIMédica Encarregada do Departamento de Patologia do Trato Genital Inferior do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital do Servidor Público Estadual - HSPE - São Paulo (SP) - Brasil

IIIEx-diretor do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital do Servidor Público Estadual - HSPE - São Paulo (SP) - Brasil

IVDiretor do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital do Servidor Público Estadual - HSPE - São Paulo (SP) - Brasil

VMédico, Chefe da Seção de Ginecologia do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital do Servidor Público Estadual - HSPE - São Paulo (SP) - Brasil

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a interferência de dois lubrificantes vaginais (vaselina e silicone) na interpretação da colpocitologia oncótica.

MÉTODO: realizou-se estudo transversal, prospectivo, com 100 pacientes, entre agosto e outubro de 2003. As pacientes foram divididas em dois grupos de 50, de acordo com o tipo de lubrificante utilizado. Foram colhidas duas lâminas de cada paciente: a primeira após introdução de espéculo sem lubrificante e, em seguida, após troca por espéculo lubrificado com vaselina (Grupo V) ou silicone (Grupo S). As lâminas foram analisadas e comparadas por dois citotécnicos e classificadas em laudo próprio da instituição. Testou-se a igualdade de variáveis da idade nos dois grupos, utilizando-se o teste de Levene, e posteriormente realizou-se o teste t com variâncias iguais.

RESULTADOS: comparando entre si os 100 pares de lâminas, oito laudos foram discordantes. As causas de discordância não foram relacionadas diretamente ao lubrificante e não comprometeram o diagnóstico e classificação colpocitológica. Não houve diferença significante quanto ao número de laudos discordantes, seis no Grupo V e dois no Grupo S (p=0,269), entre as lâminas colhidas sem e com lubrificante. Não houve lâminas insatisfatórias na amostra. O número de lâminas classificadas como satisfatórias e satisfatórias mas limitadas foi semelhante quando colhidas com e sem lubrificante: no Grupo S: 46 satisfatórias e quatro limitadas (p=0,001 e kappa=0,802) e no Grupo V: 48 satisfatórias e duas limitadas (p=0,001 e kappa=0,953). Nenhum artefato foi encontrado em todas as 100 lâminas colhidas com espéculo lubrificado.

CONCLUSÃO: os resultados obtidos demonstram que o uso do espéculo lubrificado com vaselina ou silicone não interfere nos resultados da colpocitologia oncótica.

Palavras-chave: Técnicas citológicas; Neoplasias/diagnóstico; Lubrificação

ABSTRACT

PURPOSE: to assess the interference of two vaginal lubricants (vaseline and silicone) in the interpretation of cervical oncotic cytology.

METHODS: a prospective research on one hundred women from August to October 2003. The women were divided into two groups of 50 patients each, according to the type of lubricant used. Two smears were obtained from every patient: the first specimen soon after the introduction of non-lubricated speculum and the second after the use of lubricated speculum with vaseline (Group V) or silicone (Group S). The samples were analyzed by two cytotechnicians, who were unaware of the origin of the smears.

RESULTS: among the 100 pairs of slides, 8 results were partially different. The reasons for the differences were not directly related to the use of lubricant and did not interfere with the cytologic findings. The number of discordant results was 6 in Group S and 2 in Group V, without a statistically significant difference (p=0.269). The number of satisfactory and satisfactory but limited results was statistically similar regarding the use or not of lubricant: Group S: 46 satisfactory slides and 4 satisfactory but limited slides (p=0.001 and kappa=0.802) and Group V: 48 satisfactory and 2 satisfactory but limited slides (p=0.001 and kappa=0.953). There were no unsatisfactory results. No artefacts were found in slides obtained with lubricated speculum.

CONCLUSION: the use of lubricated speculum with vaseline or silicone does not affect cervical oncotic cytology outcome.

Keywords: Cytological techniques; Neoplasms/diagnosis; Lubrification

Introdução

O exame citopatológico, introduzido na prática médica por Papanicolaou, é reconhecido mundialmente como estratégia segura e eficiente de rastreamento do câncer de colo do útero1-3. No Brasil, o câncer de colo do útero ainda é a terceira neoplasia maligna mais freqüente no sexo feminino. Nas regiões Norte e Nordeste, ocupa o primeiro lugar em freqüência. A estimativa do Instituto Nacional do Câncer (INCA) para 2003 foi de 16.480 novos casos e 4.110 óbitos pela doença, o que corresponde a taxa de incidência de 18,32/100.000 mulheres e a taxa de mortalidade de 4,58/100.000 mulheres3. No Brasil, somente 30% das mulheres submetem-se à colheita de colpocitologia oncótica pelo menos três vezes na vida4.

Na pesquisa sobre as causas para a não aceitação do exame observa-se o que a maioria o considerou aceitável, embora 19% sentiam-se constrangidas e 20% referiram dor à colheita5. Em outro estudo, o medo da dor foi a razão para 87% das mulheres não se submeterem ao Papanicolaou ou à colposcopia6. Entre as tentativas de minimizar os incômodos e atrair as mulheres para a realização do exame, o uso da lubrificação do espéculo vaginal parece ser boa alternativa.

Em geral, contra-indica-se o uso de quaisquer lubrificantes no espéculo vaginal, com exceção de solução fisiológica, para colheita de citologia oncótica, por causarem artefatos na lâmina, como manchas, encontradas num plano diferente daquele das células7-9.

A introdução no mercado de espéculos lubrificados com silicone reacendeu a polêmica a este respeito e a necessidade de avaliar seu custo-benefício, sem abrir mão de resultado fidedigno, aliado ao maior conforto para a paciente. Por este motivo, este estudo visa avaliar a possível interferência de lubrificantes no espéculo vaginal na interpretação da colpocitologia oncótica.

Métodos

Desenvolvemos estudo transversal, prospectivo, envolvendo mulheres atendidas no Setor de Patologia do Trato Genital Inferior do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, no período de agosto a outubro de 2003.

As pacientes foram selecionadas aleatoriamente pelo número de registro no hospital entre as mulheres que se apresentavam espontaneamente para a realização do exame e que preenchiam os critérios de inclusão no estudo. Elas foram devidamente informadas sobre o estudo e técnicas envolvidas. As que concordavam em participar assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. Constituíram-se critérios de inclusão: mulheres no menacme que não apresentavam fluxo menstrual na ocasião do exame e que não haviam se submetido a exame intravaginal, usado creme vaginal ou tido relação sexual nos últimos três dias. Foram excluídas: mulheres com atraso menstrual, gravidez confirmada, himen íntegro ou ausência de colo do útero. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.

A amostra obtida foi constituída de 100 pacientes divididas em dois grupos de 50, conforme o tipo de lubrificante utilizado no espéculo vaginal para a colheita do material: no Grupo V, o lubrificante utilizado foi a vaselina, e no Grupo S, o lubrificante utilizado foi o silicone.

Para cada paciente, foi preenchida uma ficha clínico-epidemiológica contendo dados referentes à idade; estado civil; doenças associadas; antecedentes obstétricos e ginecológicos; fatores de risco para doenças do trato genital inferior, como início da atividade sexual, número de parceiros sexuais, método contraceptivo, antecedente de doença sexualmente transmissível (DST) e tabagismo; queixas ginecológicas da paciente e tempo e resultado da citologia oncótica anterior. Foram também avaliados a presença de sangramento no ato da colheita, o aspecto macroscópico do colo uterino, o aspecto do conteúdo vaginal e o resultado do teste de Schiller.

Empregamos espéculos vaginais descartáveis modelo Collins (Kolpalst), tamanho médio, fabricados em poliestireno e esterilizados a óxido de etileno, sem lubrificação e com lubrificação à base de silicone (registro no Ministério da Saúde M.S. 10237610001); escova cervical descartável esterilizada a óxido de etileno (registro no Ministério da Saúde, M.S.102376100019); espátula de Ayre com ramo longo em madeira, (registro no Ministério da Saúde M.S. 102376100024). Foram usadas também: pinça Cherron descartável (registro no Ministério da Saúde M.S. 10237610005); vaselina líquida; lâminas de vidro para microscopia; fixador líquido à base de polietilenoglicol; solução de ácido acético a 2% e solução de iodo a 2%.

A colheita do material para colpocitologia oncótica foi efetuada na ectocérvice e no endocérvice. Para a parte ectocervical, utilizou-se espátula de Ayre, colocando-se o ramo longo no óstio cervical externo, fazendo-se um movimento rotativo de 360º sobre o colo. Para a endocérvice, empregou-se a escova cervical, introduzindo-a delicadamente e girando-a 90º. O conteúdo foi estendido sobre lâmina de vidro previamente identificada e fixado com três a quatro gotas de polietilenoglicol.

Foram colhidas duas lâminas de cada paciente na mesma ocasião. Primeiramente, o material foi colhido com espéculo sem lubrificante, e após, foi colhida segunda amostra utilizando espéculo lubrificado com vaselina ou silicone, de acordo com o grupo para o qual a paciente havia sido alocada. No Grupo V o segundo espéculo utilizado era lubrificado com uma gota de vaselina, espalhada em cada face externa de ambas as valvas. Todas as lâminas foram colhidas exclusivamente pelo examinador 1. No Grupo S o segundo espéculo era lubrificado previamente no processo de fabricação com silicone e a colheita do material foi realizada exclusivamente pelo examinador 2.

A identificação de cada lâmina quanto à lubrificação foi efetuada de maneira a ser conhecida apenas pelo profissional que fazia a colheita e não pelos citotécnicos. As duas lâminas de cada paciente foram preparadas para a leitura de maneira convencional e sem distinção.

As lâminas foram analisadas exclusivamente por dois citotécnicos durante todo o estudo e todas as lâminas foram avaliadas pelos dois profissionais. Eles utilizaram método comparativo para a análise e elucidação dos resultados, comparando integralmente as duas lâminas de cada paciente. Se houvesse discordância entre os dois citotécnicos, as lâminas eram avaliadas por um patologista.

Os laudos citopatológicos foram expressos utilizando a nomenclatura de Bethesda e a classificação de Papanicolaou, padronizados na ficha de laudos do próprio hospital.

Os dados foram lançados em arquivo com o uso do programa Microsoft Excel. A análise estatística, para a variável idade, foi constituida de medidas descritivas como média, mediana, mínimo e máximo. Testou-se a igualdade de variáveis da idade nos dois grupos, utilizando-se o teste de Levene, e posteriormente realizou-se o teste t com variâncias iguais.

Compararam-se a distribuição das variáveis cor, paridade, número de parceiros sexuais, fase do ciclo menstrual, método anticoncepcional, conteúdo vaginal, sangramento durante o exame e alteração macroscópica do colo do útero nos dois grupos por meio de teste de homogeneidade de c2.

Comparou-se o estado civil, o intervalo da citologia oncótica anterior e os resultados do teste de Schiller nos dois grupos utilizando teste exato de Fisher devido à baixa freqüência de algumas categorias dessas variáveis.

Testou-se a igualdade das distribuições da concordância para os dois grupos considerados, utilizando teste exato de Fisher. Adotou-se a estatística kappa para avaliar a concordância entre os resultados dos exames. Para medidas com máximo grau de concordância, ela assume o valor 1, e para ausência de concordância, assume 0. Para valores de estatística superiores a 0,8, a concordância é considerada quase perfeita. Foi utilizado o programa estatístico SPSS para a realização dos testes. O nível de significância considerado foi de 5% para as conclusões.

Resultados

A média de idade das pacientes do Grupo V foi de 36,2 anos e de 36,9 anos no Grupo S, não havendo diferença significativa entre os grupos (p=0,620). Com relação à idade média da menarca, verificou-se que era de 12,4 anos no Grupo V e de 12,5 no Grupo S, também sem diferença significativa (p=0,74). A idade média da primeira relação sexual foi de 20,5 anos no Grupo V e de 19,7 anos no Grupo S, sem diferença significante estatisticamente (p=0,28). Também não se verificou diferença significante entre os grupos quanto à paridade (p=0,34), número de parceiros sexuais (p=0,24), regularidade dos ciclos menstruais (p=0,21), fase do ciclo menstrual (p=0,61) e método anticoncepcional (p=0,26). Quanto à raça, houve predomínio de mulheres negras no Grupo V, sendo significativa do ponto de vista estatístico a diferença entre os grupos (p=0,0001). Isso também foi observado na análise do estado civil, com predomínio de solteiras no Grupo V (p=0,01).

No Grupo V, 12 pacientes (24%) referiram queixas ginecológicas, sendo que sete relataram alteração do conteúdo vaginal, quatro DST e uma, sangramento intermenstrual. No Grupo S, 11 pacientes (22%) mencionaram queixas, sendo dez conteúdo vaginal alterado e uma DST.

Em relação aos achados do exame especular, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos no que se refere ao tipo de conteúdo vaginal (p=0,183), ao aspecto macroscópico da cérvice (p=0,799) e à positividade ou não do teste de Schiller (p=0,487), mas a diferença foi estatisticamente significante entre os grupos quanto ao sangramento na colheita, que foi mais freqüente no Grupo V (p=0,038).

Das 100 lâminas estudadas no Grupo V (vaselina), verificou-se que seis pacientes (12%) tiveram laudos discordantes entre as duas citologias, colhidas com e sem lubrificante (Tabela 1). No Grupo S, ocorreram duas (4%) discordâncias entre os pares de lâminas (Tabela 1).

Entre os seis laudos discordantes do Grupo V (Tabela 2), em dois pares de lâminas a citologia foi considerada "satisfatória, mas limitada" por uma delas não apresentar células endocervicais (uma das lâminas colhida sem lubrificante e outra com vaselina); outro par foi discordante por uma das lâminas ser classificada como "satisfatória, mas limitada" por inflamação (colhida sem lubrificante). Em outro par, a citologia colhida sem lubrificante foi considerada "satisfatória, mas limitada" por excesso de hemácias. Nos outros dois pares, as duas lâminas foram classificadas como "satisfatória, mas limitada", sendo as duas colhidas sem lubrificante por inflamação e as colhidas com vaselina por escassez de células da ectocérvice.

No Grupo S (Tabela 2), em uma lâmina de um dos pares de citologia, não foram encontradas células endocervicais, e no outro par foram visualizados fungos em uma das lâminas. Tanto a citologia sem células endocervicais quanto aquela sem fungos foram lâminas colhidas sem o uso de silicone.

Não houve diferença significativa entre os grupos quanto ao número de laudos discordantes (p=0,269), o que indica que a vaselina e o silicone foram semelhantes.

A Tabela 3 mostra os dois grupos quanto ao uso ou não de lubrificante em relação aos laudos citológicos classificados como material satisfatório e "satisfatório, mas limitado". Não houve nenhum laudo definido como insatisfatório nos dois grupos.

A hipótese de discordância entre as lâminas com e sem lubrificante nos Grupos S e V foi rejeitada (p=0,001). Adotou-se a estatística kappa para avaliar a concordância entre os resultados, com resultado de 0,802 no grupo V e 0,953 no grupo S, indicando não haver diferença quanto ao uso ou não de lubrificante nos dois grupos.

Em todos os pares de laudos discordantes nos dois grupos, as diferenças encontradas nas lâminas não comprometeram o diagnóstico e a classificação citológica. Todos os pares receberam a mesma classificação de Papanicolaou e Bethesda, independente do uso ou não de quaisquer dos dois lubrificantes. Não foram encontrados artefatos técnicos em nenhuma das 100 lâminas colhidas com lubrificantes.

Discussão

O desconforto e a dor durante a colheita de colpocitologia oncótica foram descritos como motivos para a não realização do exame8. Tentativas para diminuir estes empecilhos têm sido pesquisadas, apesar de a literatura clássica condenar o uso de produtos lubrificantes no espéculo vaginal no momento da colheita de material10-12.

A revisão retrospectiva no MEDLINE entre 1966 e 2003, usando como palavras-chave "espéculo vaginal", "lubrificação", "esfregaço cervical", "citologia oncótica", "Papanicolaou", "exame genital", "vaselina" e "silicone", revelou apenas três trabalhos que testaram o uso de lubrificantes em forma de gel solúvel em água durante a colheita de material para exame colpocitológico. Não se encontraram estudos utilizando lubrificantes oleosos, como neste trabalho.

Entre os 50 pares de lâminas obtidos no Grupo V, houve seis pares discordantes. Dois ocorreram por ausência de células endocervicais. Em uma paciente, ocorreu na lâmina colhida sem lubrificante e na outra, com vaselina, demonstrando não haver relação direta com o uso de lubrificante. Em outros dois pares, a amostra estava limitada por inflamação. Ambas ocorreram na lâmina colhida sem lubrificante, portanto sem associação direta com o seu uso. Em outro par, a lâmina colhida com espéculo não lubrificado foi limitada devido ao excesso de hemácias. Nesta paciente, durante a primeira colheita, houve sangramento do colo uterino subseqüente à introdução da escova, e que foi tamponado com algodão, sendo a segunda amostra colhida após interrupção do sangramento, não tendo relação direta com o lubrificante. No último par discordante, o resultado foi limitado por escassez de células da ectocérvice na amostra colhida por meio de espéculo com vaselina. Isto provavelmente ocorreu porque a maior parte das células descamadas foi removida na primeira colheita, portanto, também sem associação direta com o uso da vaselina.

Em relação ao Grupo S, no primeiro par a discordância foi por ausência de células endocervicais e, no segundo, por diferença na flora, ambas amostras colhidas com espéculo não lubrificado, portanto, sem relação com o uso de lubrificante.

Além de não observar, portanto, influência dos lubrificantes quando houve discordância entre pares de lâminas, o estudo estatístico mostrou não haver diferença ao se usar vaselina ou silicone. O estudo estatístico demonstrou também não haver aumento do número de citologias limitadas em associação ao tipo de lubrificante utilizado.

Ao contrário do descrito na literatura10-12, nenhum artefato foi descrito pelos citotécnicos em todas as cem lâminas da nossa amostra colhidas com lubrificante. Achados semelhantes foram encontrados por outros autores utilizando lubrificantes solúveis em água.

Em trabalho retrospectivo no qual se analisaram duzentas e cinco lâminas, das quais 96,5% foram colhidas utilizando gel solúvel em água, observa-se somente 1% de lâminas inadequadas para leitura por causa de artefatos atribuídos ao lubrificante.

Não se observou diferença quanto ao número de citologias insatisfatórias e ao número de diagnósticos de lesão intra-epitelial de baixo grau, lesão intra-epitelial de alto grau, células escamosas atípicas de significado indeterminado, células glandulares atípicas de significado indeterminado e alterações benignas quando se empregou gel lubrificante. Também não foram encontrados artefatos que dificultassem a interpretação das lâminas insatisfatórias12.

O uso de lubrificante no intróito vaginal antes da inserção do espéculo também não elevou o número de resultados insatisfatórios em comparação com o grupo que não usou lubrificante. Também não foi observada a presença de lubrificante nas lâminas13.

Neste estudo não avaliamos a quantidade de lubrificante utilizada no espéculo que possa interferir na interpretação citológica, mas a quantidade de silicone padronizada pela indústria e o emprego de uma gota de vaselina em cada valva externa do espéculo não alteraram o resultado da colpocitologia oncótica.

Os dados apresentados permitem concluir que o uso de lubrificante não alterou o resultado das lâminas quanto à classificação em satisfatória ou satisfatória mas limitada. Não ocorreram também artefatos técnicos pela lubrificação do espéculo. Essas conclusões foram válidas para os dois lubrificantes estudados, vaselina e silicone.

Conflito de interesse:

Os espéculos vaginais e espátulas de Ayre da empresa Kolplast foram utilizados neste trabalho porque ela fornece oficialmente todos os espéculos utilizados no Hospital do Servidor Público Estadual para colheita de colpocitologia oncótica. Os autores não receberam da empresa qualquer tipo de financiamento para a realização da pesquisa.

Recebido em: 6/6/2005

Aceito com modificações em: 26/6/2005

Correspondência: Josie Bittencourt da Silva

Rua Borges Lagoa, 1565-Vila Clementino - 04038-034 - São Paulo-SP - Telefone: (11) 5083-8564 - e-mail: silvajb@zipmail.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2005

Histórico

  • Aceito
    26 Jun 2005
  • Recebido
    06 Jun 2005
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