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Engajar para constituir alianças: visibilidade e políticas sexuais e de saúde na Igreja da Comunidade Metropolitana do Rio de Janeiro (ICM-Rio)

Engage to build alliances: visibility and sexual and health policies in the Metropolitan Community Church of Rio de Janeiro (ICM-Rio).

Resumos

Resumo: O presente artigo discorre sobre as formas de engajamento e de alianças promovidas pela Igreja da Comunidade Metropolitana do Rio de Janeiro (ICM-Rio). Para isso, procurou-se observar sua atuação seguindo a rubrica das políticas sexuais e de saúde atreladas à linguagem da diversidade sexual, sobretudo no enfrentamento do HIV/Aids. O recorte temporal do trabalho, entre os anos de 2018 e 2019, recolheu dados etnográficos dos cultos e outros eventos da instituição religiosa, além de entrevistas semiestruturadas. Essas mobilizações mostram o percurso religioso que, norteado pelos valores laicos, sexuais e reprodutivos, buscam a valorização da população LGBTQIA+ e a visibilidade no cenário religioso.

Palavras-chave:
ICM-Rio; diversidade sexual; políticas sexuais e de saúde; HIV/Aids.


Abstract: This article deals with the forms of engagement and alliances promoted by the Metropolitan Community Church of Rio de Janeiro (MCC-Rio). For this, we tried to observe their performance following the rubric of sexual and health policies linked to the language of sexual diversity, especially in the fight against HIV/Aids. The temporal cut of the work, between the years 2018 and 2019, collected ethnographic data from the services and other events of the religious institution, in addition to semi-structured interviews. These mobilizations show the religious path that, guided by secular values, by sexual and reproductive rights, seeks to value the LGBTQIA+ population and visibility in the religious scenario.

Keywords:
mcc Rio; sexual diversity; sexual and health policies; HIV/aids


Introdução

O objetivo do presente artigo é, por meio da análise das formas de atuação de uma instituição religiosa cristã, acionar suas ações perante os direitos humanos na linguagem dos direitos sexuais e reprodutivos. A mobilização e engajamento no cenário religioso traz um panorama de como a garantia e a ampliação desses direitos podem ser construídas por ações de visibilidade e estratégias de reconhecimento na cena pública. Ao elencar essas mobilizações, será possível perceber quais são os tensionamentos na prática da luta por políticas sexuais e de direito dentro da vida religiosa, tendo como sujeitos a população LGBTQIA+.

Dito isso, abordarei os nexos das políticas sexuais e de saúde no contexto religioso da Igreja da Comunidade Metropolitana do Rio de Janeiro (ICM-Rio). Seu início, no ano de 2000, deu-se a partir da mobilização de uma pequena rede de homossexuais que tinham interesses em comum, resultando na criação de um espaço próprio. Para tal iniciativa, esse grupo traduziu o material teológico da Metropolitan Community Church (MCC),1 1 A Metropolitan Community Church surgiu no ano de 1968 em Los Angeles pelo pastor pentecostal Troy Perry, “que havia sido expulso de sua denominação em razão de sua orientação sexual” (Natividade 2008:138). além de manter uma relação mais próxima da instituição norte-americana (Natividade 2008NATIVIDADE, Marcelo Tavares, (2008), Deus aceita como seu sou?: a disputa sobre o significado da homossexualidade entre evangélicos no Brasil. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia e Sociologia, IFCS-UFRJ.). Presente em diferentes países, a MCC tem como diretivas de atuação que se guiam pela noção de comunidade que abriga uma alternativa de acolhimento para muitas pessoas LGBTQIA+2 2 A sigla LGBTQIA+ em referência a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queers, Intersexo, Assexuais e + para outras orientações sexuais, identidades e expressões de gênero. Padronizei no decorrer do texto a sigla LGBTQIA+. A utilização dessa sigla identitária tem relação com o contexto da pesquisa e também com o termo êmico por meus interlocutores. e da ação religiosa voltada para o combate da opressão dos grupos minoritários. A expansão da MCC de forma transnacional está diretamente relacionada em adaptar sua atuação de acordo com as mudanças no contexto social como respostas ao enfrentamento do HIV/Aids e outras pautas ligadas aos sujeitos e movimentos LGBTQIA+ (Wilcox 2001WILCOX, Melisa. (2001), “Of Markets and Missions: the Early History of the Universal Fellowship of Metropolitan Community Churches”. Religion and American Culture: A Journal of Interpretation, vol. 11, nº 1: 83-108.). No ano de 2004, o anseio tomou corpo e possibilitou a fundação da ICM na cidade do Rio de Janeiro.

Em 2018, quando iniciei o trabalho de campo, a ICM-Rio era composta majoritariamente por homens cisgêneros gays em suas lideranças e membresia, apesar de a instituição se firmar enquanto promotora da diversidade sexual e de gênero. O objetivo de afirmar a diversidade foi um dos esforços levantados pelas lideranças religiosas nos anos de 2018 e 2019, quando ocorreu a pesquisa empírica, empregando nesse sentido as formas de engajamento. Nesse recorte temporal, elaborei registros em caderno de campo de duas maneiras: etnografia durante os cultos dominicais e eventos da ICM-Rio e nas interações antes e depois desses acontecimentos. Ademais, recorri à entrevista semiestruturada com membros e lideranças da Igreja, tendo em vista experiências religiosas pregressas e as percepções subjetivas a respeito da atuação da ICM-Rio. Por fim, utilizei da rede social Facebook para pensar como a instituição promove redes de apoio e divulgação on-line.

Em relação aos diversos cultos temáticos em que estive presente,3 3 Os cultos abrangeram temáticas como: Orgulho LGBT, Vigília pelas vítimas da LGBTfobia, Memorial pela vereadora Marielle Franco e Visibilidade Lésbica. coloco em evidência o culto em memória à vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em 2018. Ativista dos direitos humanos, mulher negra e lésbica, a parlamentar foi incorporada pelas lideranças como promotora de engajamento por meio da denúncia social. De forma correlata, o acionamento dos direitos humanos, através da gramática da diversidade sexual e de gênero, pode ser visto na participação da ICM-Rio na Parada do Orgulho LGBTQIA+ do Rio de Janeiro, em 2019.

Marcelo Natividade (2008NATIVIDADE, Marcelo Tavares, (2008), Deus aceita como seu sou?: a disputa sobre o significado da homossexualidade entre evangélicos no Brasil. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia e Sociologia, IFCS-UFRJ.) descreve as atividades religiosas da ICM-Rio como espaços de sociabilidade e convivência, por exemplo, a Escola Bíblica Dominical, rodas de conversas, seminários, cinedebates e outros eventos. Partindo desse mesmo viés, descrevo o evento organizado pela igreja denominado Chá das Drags, enquanto lócus de visibilidade religiosa e enfrentamento ao HIV/Aids. Outro ponto a ser desenvolvido é a política de engajamento da instituição na luta pelos direitos sexuais e de saúde. Essa atuação segue o sentido de luta contra discriminação e inacessibilidade dos sujeitos aos programas de prevenção ao HIV/Aids mediante a ocupação de uma cadeira no Comitê Comunitário Assessor (CCA) do Instituto Oswaldo Chagas - Fiocruz. Enquanto representante da sociedade civil, a igreja encaminha membros e lideranças para participar de projetos de pesquisa e programas já efetivados de saúde coletiva.

Darei o enfoque a Esther Morgannah de Araújo, uma das pessoas inseridas nos projetos da Fiocruz no momento da pesquisa empírica. Pessoa intersexo, 52 anos, técnica em gastronomia, feirante e diaconisa da instituição,4 4 Desde o ano de 2019. Esther foi uma das lideranças a participar de programas e projetos sociais que serão elencados nos próximos tópicos. Por meio dessa rede de apoio, ela obteve auxílio aos trâmites legais/burocráticos para alteração do seu nome no registro civil, para que pudesse ter acesso pleno aos seus direitos sociais. Ao criar vínculos com a Fiocruz, alcançou acesso ao cuidado de saúde sexual e mental e ao projeto conhecido como PREParadas. Este último, em período de testes, tinha como público pessoas intersexo, transexuais e travestis e objetivou trabalhar com a profilaxia de pessoas que não tenham testagem positiva para o HIV/Aids. As ações do programa também possibilitaram acompanhamento médico especializado para tal público, bem como o acesso a exames médicos com elevado custo. A partir dessa vivência, Esther passou a fazer parte do quadro de lideranças da ICM-Rio. Sua atuação religiosa no programa da rádio comunitária do Instituto Nise da Silveira será abordada como a produção de visibilidade das ações voltadas para a diversidade sexual na igreja. As experiências pessoais e religiosas pregressas de Esther serão mobilizadas para entender os nexos entre a religião e a diversidade sexual e de gênero.

Os acontecimentos elencados nos parágrafos anteriores estão atrelados aos caminhos percorridos pela ICM-Rio na construção de sua visibilidade e inserção no cenário religioso. Essa busca perpassa pela luta dos direitos sexuais e de saúde das pessoas LGBTQIA+, com a formação de alianças em diversos espaços, no âmbito das políticas públicas e dos movimentos e coletivos sociais. Essas articulações se mostram a partir da resposta aos percalços sofridos pela denominação durante a elaboração do trabalho. No próximo tópico, procuro estabelecer quais são os obstáculos que a ICM-Rio enfrenta ao conciliar a diversidade sexual e vida religiosa.

Entre ataques e alianças

No ano de 2018, quando iniciei o trabalho de campo, a ICM-Rio estava recém-instalada em uma sala comercial na área térrea do Edifício Liazzi, à rua do Senado, Centro do Rio de Janeiro. No início ou término do culto, as pessoas que frequentavam a ICM-Rio costumavam ficar na calçada do prédio conversando enquanto não começavam as atividades. A presença da instituição nesse espaço urbano causava olhares de curiosidade e estranhamento dos moradores do edifício e transeuntes. Na parte térrea do edifício, encontravam-se duas salas comerciais, sendo uma delas destinada ao templo. No meio das salas havia o acesso à portaria do edifício residencial de seis andares. O espaço comercial e residencial confunde-se com uma arquitetura dividida entre prédios que contam a história da corte portuguesa na cidade do Rio de Janeiro, tão bem narrada no conto de Machado de Assis intitulado de “A Missa do Galo”, no qual o escritor traz, em minúcia, o período em que residia na rua supracitada ao final do século XIX.

O ápice de uma expressão de desaprovação teria ocorrido quando um morador do edifício despejou um balde de urina sobre as pessoas após o culto. Em registro etnográfico ao final de um dos ritos, Esther narrou outra agressão sofrida pelo mesmo morador, que esvaziou um balde de água quando ela adentrava o templo religioso. Da mesma forma, em uma de minhas incursões ao campo de pesquisa, me arremessaram bolas de papel de um dos apartamentos no início do culto e, ao final, o mesmo morador dos ataques anteriores transitou em frente à igreja, lançando olhares intimidadores. A partir desse momento, os membros me relataram que, na inauguração da igreja naquele espaço, em 2017, o agressor teria invadido o espaço religioso aos gritos e tomado posse de objetos pessoais de fiéis até que o pastor da época conseguisse apaziguar e resolver a situação. Em entrevista semiestruturada com o pastor Luiz Gustavo,5 5 No ano de 2017, o pastor Luiz Gustavo assumiu como pastor da ICM-Rio. Em 2021, Luiz Gustavo passou a ocupar na hierarquia religiosa a posição de reverendo. No decorrer do texto me refiro como pastor, titulação que ocupava ao longo da pesquisa empírica. foram relatados problemas com a administração do prédio. Dentre outros, a falha no abastecimento de água e as constantes reclamações por parte dos moradores a respeito do som emitido nos cultos aos finais de semana. Em sua interpretação, esses obstáculos tinham como intenção a retirada da instituição religiosa daquele espaço físico por meio da falta de necessidades básicas de higiene.

Ao consultar a rede social Facebook, foi possível encontrar registros relacionados a esses episódios. No vídeo em tom de denúncia, o pastor fez a leitura desses ataques como uma afronta à liberdade de expressão e uma violação dos direitos humanos. Expôs, no material midiático, sua ação de gritar na rua em frente ao prédio em resposta aos ataques: “Vocês são fascistas! Respeitem a dignidade do outro! Não tem amor à vida?!” Comparou a ação com a mensagem religiosa de buscar a libertação, assim como faziam os profetas e profetizas. A exemplo, evocou o pastor batista norte-americano Martin Luther King Jr. (1929-1968), a irmã católica norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang (1931-2005), o arcebispo católico salvadorenho Dom Oscar Romero (1917-1980) e a vereadora carioca assassinada Marielle Franco (1979-2018), como exemplos de luta pelos direitos humanos.6 6 Figura proeminente do movimento dos direitos civis norte-americano, Matin Luther King foi pastor batista e ativista negro na luta pela pauta da segregação racial e pelo voto da população afro-americana entre as década de 1950 e 1960 (Faria 2021). Dom Oscar Romero foi um dos ícones do catolicismo da libertação na América Latina, tendo a sua trajetória religiosa voltada à denúncia social e à política da repressão estatal salvadorenha aos setores populares na década de 1970 (Valério 2020). A missionária Doroty Stang ficou conhecida, no começo dos anos 2000, pela sua mobilização social que denunciava a exploração madeireira ilegal, a grilagem de terras, a expansão de pastagens e os atos de violência contra posseiros no município de Anapu, no estado do Pará (Sales et al. 2019). No caso de Marielle Franco, a sua forma de atuação será abordada em seguida. Em analogia à narrativa bíblica, falou sobre Jerusalém, comparando-a à cidade do Rio de Janeiro e outras localidades brasileiras que matam seus profetas, como foi morto Jesus Cristo. Seguiu proferindo que a justiça social, a dignidade humana, a busca ao respeito a qualquer religião, orientação sexual e identidade de gênero seriam missões da ICM-Rio. Para ele, seria incompatível agir com passividade a esses acontecimentos e da importância de não negligenciar a vida da comunidade religiosa. Na fala do pastor, mesmo que o pacifismo cristão seja um valor da ICM-Rio, responder a tais atos de violência seria não perpetuar um contexto de extrema intolerância em diferentes esferas da vida que levariam a pensamentos fascistas. Esse posicionamento procura estabelecer o “eu” desvinculado de crenças e práticas fundamentalistas, conservadoras e fascistas em relação ao “outro” (Burity 2018BURITY, Joanildo. (2018), “A onda conservadora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder?” In: R. Almeida; R. Toniol (org.). Conservadorismos, fascismos e fundamentalismo: análises de conjuntura. Campinas; São Paulo: Editora da Unicamp.).

Assim, o discurso religioso na ICM-Rio volta-se aos direitos humanos, utilizando de uma gramática da diversidade sexual e de gênero como uma missão profética individual. Na análise de Marcelo Natividade e Leandro Oliveira (2013NATIVIDADE, Marcelo Tavares; OLIVEIRA, Leandro de. (2013), As novas guerras sexuais: diferença, poder religioso e identidades LGBT no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond Universitária.), a instituição religiosa se pauta em novas formas de pecado que fogem da ideia convencional. Estas seriam a homofobia, a discriminação, as desigualdades sociais e toda forma de opressão que os seres humanos reproduzem que, segundo a denominação, também os distanciam do projeto de Deus.

Nesse seguimento, o culto dedicado a Marielle Franco, citada no vídeo do pastor como referência profética nessa missão individual, retoma a busca pela luta dos direitos humanos e demonstra o posicionamento da ICM-Rio. Realizado no dia 21 de março de 2018, o evento ocorreu dias após o assassinato da vereadora e seu motorista, Anderson Gomes. Marielle Franco, socióloga e ativista, atuou à frente de organizações da sociedade civil na Brazil Foundation e no Centro de Ações Solidárias da Maré (CEASM). Em sua atuação parlamentar, dirigiu o grupo de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Eleita com expressiva votação (46.502 votos) para a cadeira legislativa municipal do Rio de Janeiro, tornou-se a mulher negra e lésbica mais bem votada até o momento. De acordo com Lilia Schwarcz (2019SCHWARCZ, Lilia Moritz. (2019), Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras.:149), a figura da parlamentar tornou-se um símbolo de luta das minorias para um país mais cidadão e inclusivo. A execução da parlamentar tomou projeções nacionais e internacionais e passou a ser encarada enquanto crime político. A pesquisadora levanta a questão do anonimato que costuma encobrir casos de pessoas que têm a mesma cor, gênero e origem social que ela, mas não obtêm tal visibilidade política para a busca dos responsáveis pelo crime (Schwarcz 2019:149).

Na pregação, a figura de Marielle Franco assumiu uma crítica à injustiça social permeada por complexas desigualdades sociais. A importância em manter viva sua memória foi interpretada pelas lideranças religiosas como denúncia a formas de opressão, ressaltando valores de justiça social, cidadania e direitos humanos que seriam propalados pela ICM-Rio. Outra liderança destacou o ocorrido com Marielle e outros militantes dos direitos humanos como vidas que seriam retiradas dos planos de Cristo. A trajetória da parlamentar foi acionada tal qual um compromisso e uma aliança na construção de uma memória comum na luta pelos direitos sociais das Igrejas da Comunidade Metropolitana. O pastor cita que a agenda de luta social da vereadora discursa contra o racismo, o machismo, a lesbofobia, a transfobia e a homofobia. Então, em seguida, frisou que a resistência individual às opressões de cada pessoa e sua presença, nesse momento, seria a própria presença de Marielle Franco. No evento, a carta em manifesto escrita pela Comissão de Direitos Humanos da ICM-Rio foi lida. Tal documento, compartilhado por suas Igrejas ao redor do mundo, apresentou a trajetória pessoal e política da vereadora e descreveu o episódio que levou seus assassinos a desejarem a sua execução:

A Comissão de Direitos Humanos das Igrejas da Comunidade Metropolitana vem a público manifestar o profundo pesar pela execução de Marielle Franco, vereadora eleita na cidade do Rio de Janeiro com amplo e expressivo número de votos. Marielle era mulher, mãe, preta, lésbica e favelada. Pesando sobre ela todos os estigmas próprios das pessoas que são colocadas à margem de uma sociedade hierarquizada e regulada pela heteronormatividade branca, cisgênero7 7 Segundo Jaqueline Gomes de Jesus (2015:11), por “cisgênero” compreende-se “as pessoas que se identificam com o gênero que lhe foi designado socialmente, ou seja, as pessoas não-transgênero”. Como debatido pela teoria transfeminista, esse conceito procura formular uma “resposta teórica à falha do feminismo de base biológica em reconhecer plenamente o gênero como uma categoria distinta da de sexo” (Jesus 2015:10). A mobilização deste desse conceito no manifesto da ICM-Rio, também evocado nos cultos e atividades, busca denunciar a naturalização de um sistema de sexo/gênero, sobretudo, nos discursos que colocam os corpos e os gêneros das pessoas transexuais como ilegítimos e menos inteligíveis. e masculina, Marielle conseguiu ir além, superando os preconceitos e se permitindo ascender no âmbito dos estudos através de um pré-vestibular comunitário, que a levou a entrar na universidade. Socióloga e mestra em administração pública, seu caminho não parou nos círculos acadêmicos. Ela ousou ir além. Guerreira, candidatou-se à vereança da Cidade Maravilhosa e foi a quinta parlamentar mais votada no Rio de Janeiro, iniciando seu primeiro mandato no ano de 2015. Mas o maligno, a desesperança e a perversidade resolveram se materializar na última quarta-feira (14), quando, em uma emboscada, Marielle Franco foi executada a tiros. [...] Nós participamos desses atos como igreja e como cidadãs e cidadãos (Caderno de campo, 18/03/2018).

A figura da vereadora retoma a intersecção das categorias de raça, classe, gênero, sexualidade e religião (Collins & Bilge 2020COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. (2020), Intersectionality. [S. l.]: John Wiley & Sons.). Esse pedido de justiça na carta produzida pela instituição reforça uma forma de cidadania ao exercer o direito de manifestar contra as estruturas de poder que mantêm a desigualdade social. Dessa forma, a consciência dos atos da vereadora projetou a mobilização de um mundo material de possibilidades para essa prática de direitos humanos. Rita Segato (2006SEGATO, Rita Laura. (2006), “Antropologia e direitos humanos alteridade éticas no movimento de expansão dos direitos universais”. Revista Mana , vol. 12, nº 1: 207-236.) argumenta que a responsabilidade do “eu ante o outro” tem por finalidade a busca por direitos conquistados que são vistos na história através de impulsos de insatisfatórios. Assim, a mobilização das minorias sociais para a tomada de atitudes demonstra, na maioria das sociedades, um anseio ético e universal dentre membros de um grupo com objetivos variáveis (Segato 2006:225). Nesse sentido, trazer esse culto temático para se colocar como instituição que promove a luta por direitos humanos retoma a consciência ética de responsabilidade do outro dentro de sua comunidade moral (Segato 2006).

O assassinato da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes pode ser utilizado como exemplo de uma cena pública que desestabilizou a hierarquia da autoridade política ao escapar o controle e produzir uma ética da responsabilidade no lugar de uma ética da violência, sobretudo, ao romper com o seu contexto temporal e gerar uma trajetória de comoção, surpresa e indignação. As manifestações públicas dessa brutalidade seriam forma de disputar o enquadramento do sentido da vida e uma nova gramática de se conhecer e reconhecer na cena pública. Judith Butler (2015aBUTLER, Judith._ ( (2015a), Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira .) propõe a reflexão, a partir das fotos de guerra e poesia do cárcere,8 8 Vinte e duas poesias dos prisioneiros iraquianos em Guantánamo foram reproduzidas em copos de isopor e, muitas delas, censurados pelo governo dos EUA. Aquelas poesias que os agentes carcerários conseguiram extraviar foram recuperadas por advogados dos direitos humanos e internacionalizadas. das possibilidades de tornar a vida vivível através do reconhecimento do sujeito passível de luto. Nesse sentido, a distribuição desigual do luto público estaria em disputa ao ser controlada pelos governos que reconhecem os sujeitos que merecem ou não serem lamentados publicamente (Butler 2015a). No caso de Marielle, houve uma transposição dessa barreira de controle estatal, desencadeando a indignação diante da injustiça ou, na verdade, de uma perda irreparável, possuindo um enorme potencial político (Butler 2015a).

Visto isso, por meio do uso da figura de Marielle Franco enquanto símbolo da luta por direitos humanos, a ICM-Rio mostra como a instituição norteia suas estratégias de ação viáveis para mudança social (Collins 2015COLLINS, Patricia Hill. (2015), “Intersectionality’s Definitional Dilemmas”. Annual Review of Sociology , vol. 41: 1-20.). Nos próximos tópicos, demonstrarei as atuações pautadas na resistência aos ataques sofridos pela igreja, tendo em vista o seu engajamento nas pautas LGBTQIA+ e políticas sexuais e de saúde.

Engajar para resistir: a presença da ICM na cena pública

A presença na Parada do Orgulho LGBTQIA+ do Rio de Janeiro, no ano de 2019, foi uma das formas de atuação da ICM-Rio na cena pública. A edição do evento naquele ano teve como lema Pela democracia, liberdade e direitos: ontem e sempre. A igreja participou da ala criada pela organização da Parada destinada à liberdade religiosa. Assim como outros segmentos religiosos presentes, a ICM-Rio também distribuiu panfletos de divulgação que informavam sobre as atividades e localização da instituição. Com as cores do arco-íris e os dizeres Deus ama todas as pessoas, uma grande bandeira foi estendida durante o evento. Em minhas incursões ao templo na pesquisa de campo, pude observar esse adereço ornando a lateral do púlpito.

A análise da participação da instituição religiosa no presente trabalho deu-se por meio de publicações em sua página no Facebook, nas quais foram possíveis encontrar inúmeros registros fotográficos da bandeira nessa e em outras edições do evento. Torna-se viável perceber, em suas postagens, o uso do sentido de liberdade religiosa, buscando assegurar a separação entre Igreja e Estado visando, assim, um modelo laico em resposta às pautas morais dos atores pentecostais e carismáticos na cena pública. Como destaca Natividade e Oliveira (2013NATIVIDADE, Marcelo Tavares; OLIVEIRA, Leandro de. (2013), As novas guerras sexuais: diferença, poder religioso e identidades LGBT no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond Universitária.:132), a ICM-Rio se alicerça sob ideias liberais que problematizam a relação entre Estado e Igreja em defesa da laicidade. Nesse sentido, a mobilização acaba exprimindo as disputas e os embates que a polissemia da noção de laicidade projeta em discursos de atores religiosos no cenário político (Vital da Cunha et al. 2017VITAL DA CUNHA, Christina; LOPES, Paulo Victor. Leite; LUI, Janayna (2017), Religião e Política: medos sociais, extremismo religioso e as eleições 2014. Rio de Janeiro: Fundação Henrich Böll.). Temos como exemplo a pesquisa de Maria Machado das Dores e Joanildo Burity (2014MACHADO, Paula Sandrine. (2014), “(Des)fazer corpo, (re)fazer teoria: um balanço da produção acadêmica nas ciências humanas e sociais sobre intersexualidade e sua articulação com a produção latino-americana”. Cadernos Pagu , nº 42: 141-158.), que remonta o engajamento de atores pentecostais e carismáticos. Esses articulam estratégias e táticas em debates públicos sobre questões sociais e éticas da sociedade na defesa de valores tradicionais da família e da moralidade. Os achados dos pesquisadores apontam para uma forma de fazer política frente às pautas dos movimentos e coletivos LGBTQIA+, como a intolerância religiosa, a discriminação e a influência conservadora nos poderes legislativos evangélicos.

No contexto político do ano de 2019, a liberdade religiosa esteve em controvérsia por atores pentecostais na Câmara Legislativa Municipal do Rio de Janeiro. O vereador e pastor da Assembleia de Deus Eliseu Kessler propôs o projeto de Lei nº 1.337/2019 que previa, em sua descrição, a criação de mecanismos de proteção às crenças e dogmas de todas as religiões na cidade do Rio de Janeiro.9 9 Disponível em: http://aplicnt.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/scpro1720.nsf/f6d54a9bf09ac233032579de006bfef6/be3f4480b5fe091283258407006fc23e?OpenDocument. Acesso em: 20/09/2019. O primeiro artigo pretendia aplicar multas mediante às “manifestações públicas, culturais e/ou de gênero, a satirizarão, ridicularização e/ou toda e qualquer outra forma de menosprezar ou vilipendiar dogmas e crenças de toda e qualquer religião”. Mesmo ratificando em um de seus parágrafos a não pretensa em cercear a livre manifestação de opinião ou pensamento, a proposta do parlamentar justificava-se pelas ações que ele considerava ser de ódio, perseguição e ofensa à crença cristã. Essas ações teriam como seus supostos atores as pessoas LGBTQIA+, utilizando como exemplo a frase proferida pelo cantor Johnny Hooker “Jesus é bicha, gay e travesti” em seu show no estado de Pernambuco.10 10 Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/johnny-hooker-alvo-de-noticia-crime-apos-show-polemico-em-pernambuco-22935738. Acesso em: 20/09/2019. Citou também o protesto artístico na 19ª Parada do Orgulho LGBTQIA+ na cidade de São Paulo em 2015, na qual ocorreu a crucificação de uma mulher transexual. Na performance artística, a atriz e modelo Viviany Beleboni11 11 Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/06/veja-transexual-crucificada-e-outras-polemicas-com-simbolos-cristaos.html. Acesso em: 20/09/2019. simbolizou e denunciou o número elevado de mortes da população transexual. Essa manifestação pública foi colocada na descrição do projeto como desrespeito e intolerância religiosa.12 12 O cantor Johnny Hooker e a artista Viviany Beleboni foram alvos de inquérito policial. Por fim, as categorias mobilizadas no projeto de lei evocavam a liberdade de crença e a dignidade humana como um valor ligado aos direitos humanos. O projeto de lei anteriormente destacado aponta para a agenda conflitante dos segmentos pentecostais e carismáticos no plano legislativo frente às demandas dos movimentos e coletivos LGBTQIA+ (Machado 2015MACHADO, Maria das Dores Campos; BURITY, Joanildo. (2015), “Religião e Política no Brasil Contemporâneo: uma análise dos pentecostais e carismáticos católicos”. Religião & Sociedade , vol. 35, nº 2: 45-72.). O posicionamento político da ICM-Rio em defesa da laicidade, nesse sentido, busca sua “legitimidade no campo religioso em resposta às acusações de heresia que lhes são dirigidas por segmentos religiosos hegemônicos” (Natividade; Oliveira 2013NATIVIDADE, Marcelo Tavares; OLIVEIRA, Leandro de. (2013), As novas guerras sexuais: diferença, poder religioso e identidades LGBT no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond Universitária.:132).

Mobilizo o culto da Reforma Protestante13 13 Culto em comemoração ao movimento da Reforma Protestante, sendo o marco a publicação de Noventa e cinco teses, por Martinho Lutero, em 31 de outubro de 1517. Esse culto procura diferenciar-se das práticas religiosas de segmentos pentecostais e neopentecostais. O discurso em púlpito questiona as obrigações religiosas como o jejum, o dízimo e as normas de conduta religiosa como a virgindade e a abstinência sexual. Além disso, denuncia a incidência de grupos religiosos na cena política, acusando-as de posicionamentos conservadores e fundamentalistas. conduzido pelo pastor Luiz Gustavo, o qual participei como forma de demonstrar a disputa pela liberdade religiosa e os nexos entre ativismo e vida religiosa. A máxima “crente é aquele que protesta”, pregada pelo pastor no dia, entra em consonância com a atuação da ICM-Rio na Parada do Orgulho LGBTQIA+ em 2019. Murilo Peixoto da Mota (2016MOTA, Murilo Peixoto. (2016), “Do espetáculo da diversidade sexual à performatividade do corpo identitário: olhares sobre a XX Parada do Orgulho LGBT de São Paulo”. Bogoas - Estudos gays: gênero e sexualidade, vol. 10, nº 15: 59-74.), ao analisar a Parada LGBTQIA+ na cidade de São Paulo, a descreve como não apenas um espetáculo, mas como uma linguagem e veículo de protesto. A temática do culto retomava a ideia de protestante histórico como quem denuncia as estruturas sociais que oprimem os indivíduos. Esse significado foi notado na sua aproximação entre a profecia e o ativismo dos coletivos e movimentos sociais como forma de condução para a revolução das práticas e crenças religiosas. Em seguida, se contrapôs aos outros segmentos pentecostais, salientando que a ICM-Rio não compactua, por exemplo, com a busca pela “cura homossexual”. Seu discurso se firma na denúncia de pautas morais empunhadas por grupos cristãos que procuram minar os direitos sexuais e reprodutivos, almejando sua legitimidade enquanto uma minoria religiosa que absorve as pautas dos movimentos sociais em sua forma de atuação religiosa.

O caso da ICM-Rio engloba, de forma singular na sociedade brasileira, articulações da vida religiosa e a ética normativa dos direitos humanos que privilegia a liberdade religiosa unida às pautas dos direitos sexuais e reprodutivos. Esse posicionamento da ICM-Rio busca denunciar os atores pentecostais, sobretudo aqueles que têm projeção no espaço público por não terem uma postura laica, alegando a sobreposição de seus dogmas aos direitos das pessoas LGBTQIA+.

Chá das Drags: um espaço de sociabilidade e o enfrentamento ao HIV/Aids

O Chá das Drags é um evento organizado anualmente pelas lideranças religiosas da ICM-Rio. Dentre as atividades produzidas no templo religioso, estão as performances drags com dublagem de músicas gospel e seculares, sarau de poesias, cenas teatrais e outras intervenções artísticas. Nas edições que participei do evento, percebi que se tratava de um espaço de sociabilidade religiosa, visto que o público se diferenciava daquele observado nos cultos dominicais. O Chá das Drags se organizava em temáticas a cada edição do evento. Na visão do pastor Luiz Gustavo, por meio de entrevista semiestruturada, a atividade procura um ponto de contato com a cultura LGBTQIA+ por meio da arte drag queen e de outras manifestações artísticas.

Marcelo Natividade (2008NATIVIDADE, Marcelo Tavares, (2008), Deus aceita como seu sou?: a disputa sobre o significado da homossexualidade entre evangélicos no Brasil. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia e Sociologia, IFCS-UFRJ.:141) sinalizou para as apresentações em que performances drag - em uma linguagem descontraída e cheia de humor - dublam cantoras evangélicas. Natividade (2017NATIVIDADE, Marcelo Tavares. (2017), “Cantar e dançar para Jesus: sexualidade, gênero e religião nas igrejas inclusivas pentecostais”. Religião & Sociedade , vol. 37, nº 1: 15-33.:16) retoma que a desconstrução de visões dicotômicas de gênero que encenam uma transitividade se torna forma de sociabilidade e interação na igreja. Fátima Weiss de Jesus (2012WEISS DE JESUS, Fátima. (2012), Unindo a cruz e o arco-íris: vivência religiosa, homossexualidade e trânsitos de gênero na Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo. Florianópolis: Tese de Doutorado em Antropologia Social, UFSC.), em sua tese, refletiu sobre o Show de Talentos na ICM São Paulo como um evento de valorização das performances drag. Segundo a pesquisadora, as drags têm “importante função na ICM SP através de seus shows que acontecem em todas as festividades, após a celebração de cultos e casamentos, nos quais as drags não são apenas aceitas, mas incentivadas”14 14 De acordo com Fátima de Weiss Jesus (2012), a festa do Oscar premiou duas categorias para as drags: revelação e melhor do ano, sendo uma forma de incentivo da ICM São Paulo. (Weiss de Jesus 2012:57). Essa posição de valorização das drags relatada pelos pesquisadores na ICM também pôde ser notada pela fala pastoral como função importante nos eventos da instituição. De forma contrária à ICM SP, na ICM-Rio as montarias drags acorriam no Chá das Drags e não tinham um espaço específico destinado à regularidade dos cultos e outras atividades da igreja.

A segunda edição Especial de Natal, no ano de 2018, intitulada O amor vence o ódio, chamou a minha atenção pois celebrava, também o Dia Mundial de Luta Contra Aids.15 15 No dia 1º de dezembro. A descrição do cartaz do evento havia como figura central a participação da atriz Desirée Cher, performer e ativista do grupo Arco-Íris.16 16 Em seu site, o grupo se apresenta como uma organização não governamental fundada na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1993. Sua linha de atuação com as pessoas LGBTQIA+ procura enfocar “na cidadania, promoção de direitos humanos e de uma cultura de paz, combate à violência, justiça social, prevenção e atenção em IST, HIV-Aids e Hepatites Virais”, dentre outras ações voltadas para a qualidade de vida de seu público alvo. Disponível em: http://www.arco-iris.org.br/?page_id=83. Acesso em: 25/08/2020. Segundo a sua entrevista ao site G1, sua trajetória profissional perpassa 17 anos como drag queen em casas noturnas da cidade do Rio de Janeiro. Na notícia jornalística, ressaltou sua atuação na prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) nessas apresentações.17 17 Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/10/parada-gay-em-copacabana-espera-publico-de-1-milhao-neste-domingo.html. Acesso em: 22/05/2020. Ainda em sua declaração, atentou: “As boates estão liberando muita bebida para quem está lá. Aí o cara sai bêbado e pode acabar transando sem camisinha. Eu sempre faço um alerta nos meus shows sobre a prevenção”. Outro ponto levantado na matéria foi a respeito de seu ativismo social na Parada LGBTQIA+, que ajudou na distribuição de kits de prevenção em parceria com o Grupo Pela Vidda.18 18 O Grupo Pela Vidda foi criado pelo escritor Herbert Daniel no ano de 1989. Sediado na cidade do Rio de Janeiro, o grupo se coloca como o primeiro “fundado no Brasil por pessoas vivendo com HIV e Aids, seus amigos e familiares”. Disponível em: http://www.pelavidda.org.br/site/index.php/quem-somos/. Acesso em: 30/08/2020.

No Chá das Drags, Desirée Cher dublou e performou a canção “Dancing Queen”, do grupo Abba. No final de sua apresentação, as lideranças religiosas da ICM-Rio entregaram um certificado de reconhecimento por sua luta na prevenção do HIV/Aids na cidade do Rio de Janeiro. Em seu discurso de agradecimento, ressaltou que sua atuação não se restringe aos métodos de prevenção ao HIV/Aids, mas também ao estigma das pessoas que são diagnosticadas com o vírus têm ao iniciar o tratamento médico. Os atributos de madrinha do Chá das Drags e musa da prevenção da ICM-Rio conferidos a Desirée Cher articulam a produção de políticas públicas de saúde e saberes acerca dos modos de ser e experimentar os desejos sexuais (Natividade 2016NATIVIDADE, Marcelo Tavares. (2016), “Entre reconhecimento e demonização: um olhar antropológico para as políticas públicas sexuais e dos direitos LGBT na Baixada Fluminense”. In: M. Natividade (org.). Margens da Política: Estado, direitos sexuais e religiões. Rio de Janeiro: Garamond.). Sua participação no Chá das Drags sugere as redes de aliança que a ICM-Rio mantém com as pautas dos movimentos e coletivos LGBTQIA+. Nas conversas após os cultos dominicais anotadas em diário de campo, registrei comentários das lideranças sobre o impacto da epidemia do HIV/Aids que reconfigurou o quadro de liderança mundial da MCC. Havia, na visão dessas, um maior quantitativo de lideranças femininas em cargos eclesiásticos nos EUA em detrimento das lideranças masculinas, essas últimas acometidas pela doença. Seguindo a conversa, discursaram a respeito da insatisfação das lideranças fundadoras da MCC em referência aos posicionamentos conservadores da sociedade norte-americana em relação ao contexto do HIV/Aids, no final do século XX. Esse posicionamento, segundo as lideranças da ICM-Rio, seria o ponto de apoio para suas formas de atuação. Nessa linha, levantaram o questionamento de que o uso de preservativos não seria só para prevenção reprodutiva, mas também para os momentos de prazer.

De acordo com Natividade e Oliveira (2013NATIVIDADE, Marcelo Tavares; OLIVEIRA, Leandro de. (2013), As novas guerras sexuais: diferença, poder religioso e identidades LGBT no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond Universitária.:68), as tensões entre comportamentos responsáveis, castidade e uso de preservativos potencializaram a oposição entre correntes religiosas conservadoras e outras relativamente progressistas. Por meio do Chá das Drags, a instituição busca construir um espaço de sociabilidade e de alianças que promovam a sua visibilidade entre a população LGBTQIA+, voltando-se às políticas sexuais e de saúde, sobretudo, no enfrentamento ao HIV/Aids.

Religião e diversidade sexual: os percursos de Esther Morgannah

Nas conversas informais com membros e lideranças religiosas, os relatos registrados em caderno de campo fizeram menção às experiências pregressas de preconceito e discriminação da diversidade sexual. Uma dessas lideranças relatou a respeito das tentativas insistentes de sua denominação pregressa em escolher uma esposa para ele. Esse casamento teria, em sua percepção, a intenção de apagamento da sua homossexualidade de forma velada, ato reproduzido pelos pastores da antiga congregação. Essa experiência negativa foi retomada pela mesma liderança em um culto, mobilizada para afirmar que a ICM-Rio seria como um espaço de sociabilidade e religiosidade que procura amenizar a consequência do preconceito e da falta do amor amor-próprio. Seguindo a fala, a mensagem religiosa atenta que a autoridade religiosa somada à LGBTfobia podem acarretar efeitos espirituais e existenciais que trazem traumas psicológicos para os sujeitos na vivência religiosa. Nesse sentido, a transformação individual alinha-se às práticas de cura e libertação por envolver e mobilizar sentidos de respeito e dignidade (Natividade 2008NATIVIDADE, Marcelo Tavares, (2008), Deus aceita como seu sou?: a disputa sobre o significado da homossexualidade entre evangélicos no Brasil. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia e Sociologia, IFCS-UFRJ.) nas diferentes esferas da vida.

Portanto, destaco a seguir a entrevista semiestruturada com Esther Morgannah, diaconisa na ICM-Rio,19 19 Anteriormente ocupava a posição de obreira da instituição religiosa. no intuito de pensar a relação entre a diversidade sexual e vida religiosa. De origem religiosa familiar judaica ortodoxa, Esther Morgannah também percorreu o espiritismo, a bruxaria, o Hare Krishna e o pentecostalismo. Como narrou a entrevistada, seu conflito enquanto mulher intersexual a impediu de seguir plenamente sua religião de origem. A problemática se iniciou quando o rabino de sua comunidade religiosa justificou à época para os familiares que Esther passava por problemas de saúde devido às incertezas de sua identidade de gênero. O conflito religioso foi lido pela entrevistada como um erro de seu pai em desejar um menino, algo que seria agraciado por sua religião, já que Esther foi a filha primogênita. Assim, a registrou levando em conta uma identidade sexual masculina. Na fase da puberdade, explicou Esther que “começou a haver a transformação [corpórea] que, no meu caso, foi para menina”. Porém, devido à condição financeira da família, seu pai conseguiu que o rabino de sua mesquita fizesse a cerimônia do Bar Mitzvá aos 15 anos. Esse ritual de iniciação20 20 Esther explica que nessa ocasião ritual recitou as escrituras da Torá. masculino do judaísmo, segundo Esther, foi visto de forma estigmatizada por outros judeus que a achavam muito feminina.

Essas incertezas sobre a sua identidade de gênero foram narradas como uma experiência de conflito religioso por ser vista como uma aberração/um “bicho” tanto pela família como pela comunidade judaica. Esther relatou, então, que se sentiu renegada nos rituais e festas judaicas e que, por fim, incidiu no seu afastamento dos vínculos familiares. Relembrou que, ao se sentir renegada pela família na fase da adolescência, começou a frequentar festas e ingerir bebidas alcóolicas, além de frequentar vários espaços religiosos a fim de se encontrar. Esther discorreu a sua primeira visita à ICM-Rio a partir da seguinte percepção:

Foi uma aceitação como mulher transexual. Me abençoaram. Sabiam que eu era intersexual. Me deram um apoio. Sabiam que era judia. Eu era muito esquisita. Eu tinha muito medo. Eu ia de quipá, de peyote. Como nós somos ortodoxas, a gente usava o peyote, que são aqueles cachinhos que os ortodoxos usam. A gente usava. Eu andava de preto com medo de não ser aceita. Quando eles me aceitaram, eu tirei tudo. Eu vi que eu era aceita do jeito que eu era, então foi assim a minha trajetória. Me apoiaram em tudo. Me ajudaram (Entrevista realizada em 24/04/2021).

Desvencilhar de símbolos religiosos que rementem a à identidade judaica como o quipá, utilizado pelos homens nas cerimonias religiosas e nos afazeres cotidianos, e os fios de cabelo do peyote (Ferreira 2019FERREIRA, Paula Barbosa da Silva Fontanezzi. (2019), “Judaísmo messiânico, genealogia e agência: relações entre judeus e não judeus em sinagoga messiânica paulistana”. Religião & Sociedade, vol. 39: 15-35.) remetem para seu lugar masculino no ritual religioso judeu no qual Esther fora socializada. A partir do momento em que passou a frequentar a ICM-Rio, passou a não usar esses elementos religiosos, atitude relevante para a sua auto aceitação e imagem positiva de si (Natividade; Oliveira 2013NATIVIDADE, Marcelo Tavares; OLIVEIRA, Leandro de. (2013), As novas guerras sexuais: diferença, poder religioso e identidades LGBT no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond Universitária.). O relato de si de Esther enquadra-se nesse ato que exige dar e receber reconhecimento de forma reflexiva que retira a ideia de uma narrativa completa. A cena de interpelação que Esther se encontrava engajada nessa atividade reflexiva está permeada, parafraseando Butler, por um horizonte normativo que o “outro me vê, me escuta e me reconhece” para me conhecer e reconhecer através de uma “abertura crítica” (Butler 2015bBUTLER, Judith. (2015b), Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica.:27). Essa forma de falar com o outro estabelece, além da linguagem, a “conduta de um desejo e como instrumento retórico que busca agir sobre a própria cena interlocutória” (Butler 2015b:54).

Ao recordar a sua entrada na ICM-Rio, o seu relato direcionou para a sua reflexão acerca da aceitação positiva de seu corpo transexual e intersexual em um espaço religioso. Nádia Perez Pino (2007PINO, Nádia P. A. (2007), “Teoria queer e os intersex: experiências invisíveis de corpos des-feitos”. Cadernos Pagu , vol. 28: 149-174.) traz a discussão a partir da teoria butleriana dos paradoxos identitários que vivem as pessoas intersexo, bem como transexuais. Para se encaixarem em uma vida habitável, carecem se encaixar em categorias de reconhecimento, sobretudo, em relação à designação de gênero que perpassa por intervenções corporais drásticas. Ao transpassar a estabilidade do binarismo dos corpos em sua própria condição de vida, pessoas intersexo, como acionado na fala de Esther, transitam no reconhecimento de sua transexualidade. A escolha arbitrária de sua identidade sexual masculina acabou tendo efeitos ao longo de sua trajetória. Essa interpretação cultural do sexo sofre “emendas”, muitas vezes fora do normal no entendimento médico e comum (Santos 2013SANTOS, Ana Lúcia. (2013), “Para lá do binarismo? O intersexo como desafio epistemológico e político”. Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 102: 3-20.). A pesquisadora Paula Sandrine Machado (2014MACHADO, Paula Sandrine. (2014), “(Des)fazer corpo, (re)fazer teoria: um balanço da produção acadêmica nas ciências humanas e sociais sobre intersexualidade e sua articulação com a produção latino-americana”. Cadernos Pagu , nº 42: 141-158.), em seu estudo com pessoas intersexo,21 21 Crianças, adolescentes e jovens até 26 anos. discute as intervenções médicas e “reparos” desses sujeitos e a relação com as normas sociais. Nesse trabalho, a antropóloga chama atenção para as negociações de familiares em aceitar ou não a “ambiguidade” daquele indivíduo, visto que em maioria o discurso vê essa “ambiguidade” como “problema de saúde” ou do “corpo malformado” (Machado 2014). Podemos aproximar a história de vida de Esther ao termo “trajetória de normalização”, mobilizado por Machado (2014), que usa a definição de um sexo (binário) como solução, utilizando definições médicas e parâmetros em conjunto com a família. Em sua discussão final, Sandrine Machado (2014) diz que essas definições médicas podem ser insuficientes para responder a todas as demandas desses corpos intersexo.

Segundo Esther, em entrevista, como resultado de uma vida sacrificada, desenvolveu um quadro de depressão e outros problemas psicológicos. Retomou cenas de assédio sexual que sofreu em entrevistas de emprego, os quais, em sua reflexão, desconsideravam seu profissionalismo. A dificuldade de conseguir um emprego formal por sua objetificação sexual, segundo a entrevistada, expressou as dificuldades de pessoas transexuais, travestis e transgêneros de inserção no mercado de trabalho. O único emprego que contemplava sua atuação foi como técnica em segurança do trabalho, com atuação no setor de petróleo e gás. Com base em acusações infundadas de seus colegas de trabalho sobre um suposto relacionamento amoroso com o diretor da empresa, exemplificou as barreiras presentes em diferentes espaços profissionais. A dificuldade de acesso às vagas de trabalho fez com que Esther emigrasse do país à procura de emprego. O percurso profissional da interlocutora ilustra as formas adjetas dos corpos que fogem à normalidade do sexo, gênero e sexualidade, segundo Judith Butler (2003BUTLER, Judith. (2003), Problema de Gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.). Em relação à inserção ao mercado de trabalho temos, como exemplo, os dados analisados entre a população transexual na cidade de São Paulo22 22 Os dados têm como referência o intervalo de 2014 e 2015. e os impactos na saúde desses sujeitos (Silva et al. 2020SILVA, Maria Aparecida; LUPPI, Carla Gianna; VERAS, Maria Amélia de Souza Mascena. (2020), “Trabalho e saúde na população transexual: fatores associados à inserção no mercado de trabalho no estado de São Paulo, Brasil”. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 25, nº 5: 1723-1734.). Como afirmam os autores, existe a necessidade de políticas públicas com “objetivo de reduzir o estigma e a discriminação, melhorar o acesso à educação e à qualificação profissional das pessoas transexuais, tornando mais equânime a disputa por uma vaga no mercado de trabalho formal” (Silva et al. 2020:1.731).

Considerando, então, a narrativa de Esther como um ato de testemunhar, a diaconisa estabelece o sentido de fragmentos do seu mundo. Acionar essas experiências familiares, religiosas e profissionais se estabelecem não somente como uma memória traumática, mas também como conhecimento venoso, que parte do sofrimento de um mundo que ela havia conhecido e uma nova maneira de habitar esse mundo (Das 2011DAS, Veena. (2011), “O ato de testemunhar: violência, gênero e subjetividade” Cadernos Pagu, vol. 37: 9-41.). Esses percalços em sua trajetória demonstram como a ICM-Rio serviu como rede de apoio e suporte para tornar o seu mundo mais vivível (Butler 2018BUTLER, Judith. (2018), Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa da assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira .). Na busca por outras formas de aliança, o tópico a seguir privilegia o relato de Esther em um programa de rádio comunitário, no qual articulou suas experiências de vida como uma pessoa intersexo voltadas às políticas públicas sexuais e de saúde. Ademais, sua trajetória na ICM-Rio demonstra a busca da visibilidade e legitimidade da instituição na cena pública.

Políticas sexuais e de saúde como pauta de visibilidade religiosa: a participação de Esther no programa de rádio

A partir das experiências de Esther na ICM-Rio desde 2015, somada à sua posição no cargo de diaconisa, ela foi convidada a participar do programa Xexelento do Peri. Produzido, dirigido e apresentado por Bruno Black e vinculado à Rádio Revolução do Centro Comunitário Pedro II, o programa de rádio faz parte do Instituto Municipal Nise da Silveira. A edição semanal, transmitida pela página do Facebook no ano 2019, me forneceu algumas questões a serem analisadas. As atrações do programa foram compostas pela porta-voz da igreja, uma psicóloga e uma banda de pagode. Quando perguntei sobre a sua participação no Xexelento do Peri, Esther explicou que se tratava de um programa comunitário que aborda questões psiquiátricas. Em relação a sua participação nesse dia, atentou que foi chamada para falar sobre ser uma pessoa intersexo e evangélica, utilizando do meio midiático para trazer visibilidade à ICM-Rio.

Nessa ocasião, duas perguntas foram elaboradas pelo apresentador Bruno Black: “O que é o divino? O que é ser aceito?”. Seguiu sua fala externando surpresa por haver evangélicos que não seguiam a visão doutrinária de pecado e que reconheciam o casamento e construção de família das pessoas LGBTQIA+. Dado esse panorama, completou indagando à Esther como uma denominação religiosa redireciona esse olhar para as questões de gênero e da sexualidade não heterossexuais. Em resposta, Esther elaborou um panorama sobre sua instituição religiosa:

A nossa igreja aceita tudo e todos, cabendo no coração de Deus. Gênero e sexualidade está tudo junto perante o coração de Deus. Então, se a pessoa é trans, se a pessoa é bissexual, se a pessoa é gay, se é pansexual, se é drag queen, se é crossdresser, ou se é assexuado, seja o que for, não importa, porque para Deus ele quer saber do amor no coração de cada um de nós e nós perante a divindade. Então, a nossa igreja tem como lema: Qual é o maior pecado? É não amar o próximo como a si mesmo. Então, se você ama o próximo, é porque nós fomos feitos à imagem e semelhança de Deus (Notas de caderno de campo, 04/09/2019).

Em um dos cultos que participei, a questão da importância para a denominação da valorização da diversidade sexual e de gênero foi abordada pelo pastor como a manifestação do amor de Deus. Assim como a fala de Esther elucida no programa de rádio, torna-se possível perceber no discurso da instituição que a aceitação das subjetividades é se desvencilhar do pecado, fugindo de uma ideia convencional (Natividade; Oliveira 2013NATIVIDADE, Marcelo Tavares; OLIVEIRA, Leandro de. (2013), As novas guerras sexuais: diferença, poder religioso e identidades LGBT no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond Universitária.). Na entrevista de rádio, Esther segue dizendo que:

Nós acreditamos que, quando a gente entra em contato com uma igreja da diversidade, uma igreja inclusiva, literalmente inclusiva, que aceita todos nós. Porque muitas igrejas inclusivas não aceitam as transexuais, as travestis, queers, eles só são gays e lésbicas. E a nossa não, nós temos heterossexuais, bissexuais, transexuais, travestis (Notas de caderno de campo, 04/09/2019).

Essa passagem registrada em caderno de campo retoma a ideia de que, para a ICM-Rio, a prática em agregar a diversidade, diferente de outras igrejas cristãs que se restringem ao público gay e lésbico, é algo primordial para sua atuação religiosa. Marcelo Natividade (2008NATIVIDADE, Marcelo Tavares, (2008), Deus aceita como seu sou?: a disputa sobre o significado da homossexualidade entre evangélicos no Brasil. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia e Sociologia, IFCS-UFRJ.:197) ressaltou duas estratégias para lidar com a diferença na ICM e na Igreja Cristã Contemporânea (ICC). Em linhas gerais, a ênfase das lideranças religiosas da ICM em desconstruir as fronteiras de gênero e da homofobia generalizada da sociedade brasileira tem como mecanismo valorizar a diversidade sexual a partir da diferença como positiva e que deve ser celebrada. Em relação à ICC, a pesquisa do autor indicou a pouca ênfase na diferença entre homossexuais e heterossexuais, sendo parte de uma busca espiritual lutar contra os demônios e desejos carnais, promovendo o ethos da contenção (evitar dar pinta na igreja) e demarcando os modelos de gênero (Natividade 2008:198). Nesse sentido, Esther aborda no programa de rádio a demanda identitária da igreja, materializada na sigla “i” de intersexo no movimento LGBTQIA+:

Esther: Quando eu era criança, chamava de hermafrodita. Hoje em dia essa nomenclatura não vale mais. Então eu sou muito mais uma mulher do que um menino. Jornalista: Eu lembro que a Roberta Close sofreu muito com isso. Esther: [...] Na época, meu pai viu uma coisa ali e achou que aquilo iria desenvolver e tornar um menino, só que eu me tornei uma mulher linda e inteligente. E agora, nós temos a voz. Por isso, a nomenclatura tá aumentando as letras como o I [intersexo], o Q dos queers e o A dos assexuados e andrógenos. Entrevistador: Então dizem que os LGBTs são todas as caras agora são todas as letras. Esther: Então essa é a base da nossa igreja. Amar e respeitar todas as crenças, todos os valores de todas as religiões, todos seus gêneros, suas identidades de gênero, toda a sexualidade, porque Deus não quer saber disso, mas do nosso coração. Isso é muito importante (Notas de caderno de campo, 04/09/2019).

No início da fala, Esther estabeleceu as modificações da nomenclatura “hermafrodita” para o entendimento de intersexo e sigla oficial do movimento LGBTQIA+. Como sinaliza Regina Facchini (2002FACCHINI, Regina. (2002), “Sopa de letrinhas”? - movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90: um estudo a partir da cidade de São Paulo. Campinas: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Unicamp.), a partir da década de 1990, o movimento homossexual organizado seguiu como estratégia uma significativa visibilidade na esfera pública,23 23 A realização da Conferência Nacional LGBT demonstra os avanços desse movimento social. De acordo com Facchini (2002), o movimento tem se fortalecido através por meio de Frentes frentes Parlamentares parlamentares na proposição de projetos de lei e normativas de associações profissionais e no combate da patologização e discriminação das pessoas LGBTQIA+. No entanto, encontram dificuldades em “encaminhar suas demandas via Legislativo e um acolhimento via Judiciário que, embora importante, tem se limitado a decisões tomadas por juízes ou localidades consideradas mais ‘progressistas’”. (Facchini 2009:139). por meio de relações com o Estado, o mercado, as relações internacionais de financiamento e o suporte como organizações ativistas na promoção de direitos humanos e de prevenção do HIV/Aids. A pesquisadora atenta para os conflitos e alianças na produção e difusão de identidades políticas, no termo êmico sopa de letrinhas, presentes na agenda e na sigla24 24 As nomenclaturas do movimento LGBTQIA+. do movimento (Facchini 2002). No testemunho de Esther acima, a inclusão de outras siglas no movimento faz referência a esse contexto de inserção das siglas flexíveis, tornando possível se reconhecer ou ser reconhecidos (as) a partir de categorias enunciadas no sujeito político do movimento (Facchini 2009:133). Assim, apoia-se no reconhecimento de uma identidade política que esteve, ao longo dos anos, fora da inteligibilidade por discordâncias dentro do próprio movimento social.

No bloco final do programa, o apresentador Bruno Black abordou a prevenção sexual. Apontou, também, para a associação histórica do HIV/Aids à população LGBTQIA+, alertando para a prática sexual precoce entre os jovens e a falta de informação sobre diversidade de gênero e de sexualidades nas escolas. Em resposta, Esther relatou a sua participação no programa PrEP SUS,25 25 No ano de 2012, o PrEP teve seu início nos EUA e somente no ano de 2017, após pesquisas com grupos alvo, foi adotado de forma restritiva, para 7 mil pessoas, pelo Ministério da Saúde. As pesquisas em PrEP consideraram os grupos-chave como homens gays, pessoas transexuais e travestis, profissionais do sexo e relacionamento soro divergente (uma pessoa infectada e outra não). Disponível em: https://epoca.globo.com/saude/noticia/2017/05/brasil-incorpora-ao-sus-terapia-que-previne-hiv-mas-restringe-acesso.html. Acesso em: 20/05/2019. do Instituto Nacional de Infectologia da Fiocruz:

Eu tomo PrEP para me proteger contra o HIV/Aids. Eu também sou militante e divulgo essas medicações que vêm dos Estados Unidos. E agora a gente já consegue. Dentro da Fiocruz é fabricada a medicação para gente fazer junta, unificada, à camisinha e o PrEP para vocês se protegerem. Se você entrar em contato com o vírus HIV, sabe que você não vai ser contaminado porque você toma medicação e cria imunidade para não pegar o HIV. É importante que as pessoas saibam que existe a janela imunológica. Uma coisa que a gente tem que saber para nos proteger. Saber que quem tem o vírus HIV e toma o remédio regularmente não transmite o HIV para o seu parceiro e para ninguém. Então, isso já é comprovado. O CD4 e o CD8, a carga viral zerada não vai transmitir o vírus HIV. A Aids não é desenvolvida. A quantidade desse vírus não consegue ser transmitida para ninguém. Então vamos nos conscientizar (Notas de caderno de campo, 04/09/2019).

No programa, Esther relata a vivência que a inseriu, por meio de sua participação na ICM-Rio e nas políticas públicas de saúde fornecidas pelo Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) em conjunto com o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). O acesso a esse programa de saúde foi resultado da participação da ICM-Rio como representante da sociedade civil no Comitê Comunitário Assessor (CCA) da Fiocruz. Ao ocupar uma cadeira nessa instância, a instituição religiosa convida os seus membros de forma voluntária aos projetos de pesquisa do INI. Por meio dessa parceria, Esther foi indicada para participar do projeto PrEParadas, na instituição Fiocruz. Em entrevista semiestruturada, a liderança religiosa explicou que esse grupo se destinava a mulheres transexuais e travestis que não tenham o vírus do HIV para testagem da profilaxia em casos de contaminação, à época experimental. Esther ressaltou que ingressar nesse projeto possibilitou acompanhamento médico especializado, acesso a exames médicos com elevado custo e a inclusão social das pessoas que faziam parte do programa. No que consiste este último, chamou atenção para as atividades que incluíam passeios, reuniões e incentivo à educação formal. Sintetizou considerar o grupo formado através do programa uma grande família. Inicialmente, Esther passou a ser chamada para testemunhar sobre a sua vida em eventos do próprio grupo.

Com essas experiências, Esther assumiu a posição de representante da igreja e militante na prevenção do HIV/Aids. Sempre que possível, nas atividades religiosas, Esther destacava, então, ser a garota propaganda da PrEP,26 26 O programa tratava-se da pesquisa a respeito do medicamento para Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) em pessoas que não testaram positivo para o HIV/Aids. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/faq/qual-e-diferenca-entre-prep-epep#:~:text=a%20pep%20%e2%80%93%20profilaxia%20p%c3%b3s%2dexposi%c3%a7%c3%A3o,ocupacional%20(com%20instrumentos%20perfurocortantes%20ou. Acesso em: 12/12/2019. desde o ano de 2015. De forma pedagógica, mostrava seu arcabouço sobre a questão do HIV/Aids,27 27 Ao citar formas de exames laboratoriais (CD4; CD8) como forma de controle da carga viral, assim, a em um nível indetectável dificultando a reprodução dos vírus do HIV no sistema sanguíneo, o que não quer dizer que exista uma cura, mas o “impedimento” que o vírus manifeste no corpo humano. procurando minimizar os estigmas historicamente construídos sobre seus portadores. Victor Hugo de Souza Barreto (2017BARRETO, Victor Hugo de Souza. (2017), “Risco, prazer e cuidado: técnicas de si nos limites da sexualidade”. Avá: Revista de Antropologia, nº 31: 119-142.) descreve a respeito da prevenção de doenças, cuidado de si e avaliação dos riscos. Ressalta, dessa forma, que o conhecimento biomédico através da trajetória dos pacientes ou grupos em tratamento são experiências subjetivas e sociais que andam juntas na prevenção do corpo e da saúde. Nesse sentido, o conhecimento de Esther a respeito do HIV/Aids veio por meio do cuidado de si resultantes de suas experiências no grupo da Fiocruz.

No término da sua participação no programa de rádio Xexelento do Peri, Esther atentou sobre a importância de procurar o serviço de saúde pública e sobre os programas desenvolvidos pelo Instituto Fiocruz:

Vamos falar que existe e procurar nas redes públicas de saúde, procurar a Fiocruz. Como eu sou militante, eu estou lá e visto a camisa. Como uma mulher intersexo que eu sou, eu levo a bandeira dos meus grupos que muita gente não se sente representada por mim por ser uma mulher intersexo ou uma mulher transexual ou travesti, mas eu sou representada por todos vocês. [...] Eu que tenho que saber o que quero na minha vida e não vai ser homem, não vai ser justiça que vai falar que eu tenho direito. Eu tenho direito de ser feliz, pois somos uma grande família (Notas de caderno de campo, 04/09/2019).

As afirmações de Esther a colocam como uma vida que existe e requer reconhecimento em diferentes instâncias sociais, inclusive como sujeito de direitos. Assim, a interlocutora demostra a representação de uma mulher intersexo na cena pública, salientando a existência de seu corpo que possui inteligibilidade de ser reconhecido e que importa (Butler 2003BUTLER, Judith. (2003), Problema de Gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.). Em entrevista semiestruturada, Esther relatou a sua dificuldade, até o momento de seu ingresso na ICM-Rio, de possuir legitimidade enquanto cidadã através da conquista de mudança de sua identidade civil. Uma vez que ainda havia em seu registro o “nome masculinoescolhido por seu pai, o acesso aos seus direitos de forma plena era negado. Berenice Bento (2014BENTO, Berenice. (2014), “Nome social para pessoas trans: cidadania precária e gambiarra legal”. Contemporânea-Revista de Sociologia da UFSCar, vol. 4, nº 1: 165-165.) discorre sobre a possibilidade do nome social28 28 A jurisprudência previu que transexuais, travestis, transgêneros, intersexos e queer pudessem alterar o seu nome do registro civil nas chamadas das escolas e não na documentação (Bento 2014). agir como uma cidadania precária, algo paliativo, visto que a negação da documentação freia e impede a ampliação e a garantia de direitos plenos às populações excluídas (Bento 2014:157). Esse entendimento da autora aponta para uma “dupla negação: nega a condição humana e de cidadãos/cidadãs de sujeitos que carregam no corpo determinadas marcas”. No caso do nome social, esse acaba criando iniciativas a conta-gotas de uma cultura política que impede a cidadania do Estado a pessoas transexuais, travestis, transgêneros e intersexo (Bento 2014). A discordância entre o nome no documento e a performance de gênero, muitas vezes marcada por situações humilhantes e vexatórias ao longo da vida do sujeito, estaria próxima dessa cidadania precária presente no contexto brasileiro (Bento 2014). Por sua vez, a conquista desse documento é algo letárgico. Esther conta que o apoio da ICM-Rio no auxílio aos trâmites legais/burocráticos facilitou essa conquista.

Esther acrescentou, para além da alteração do seu nome, outras formas de apoio da ICM-Rio, como o encaminhamento ao serviço público de saúde no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Mediante suas experiências subjetivas enquanto mulher intersexo, desenvolveu um quadro de depressão que pôde ser tratado com especialistas de forma gratuita. O acesso aos programas de saúde e serviços estatais elencados anteriormente demonstram que essa forma de cidadanização, que é normalmente negada, resulta das redes de apoio, alianças e mediações da instituição religiosa. Esse caso adensa o compromisso com os valores dos direitos sexuais e reprodutivos como estratégia que a ICM-Rio compõe na cena pública.

Finalizo atentando para as minhas percepções a respeito de alguns elementos presentes no templo religioso. As estratégias descritas ao longo deste artigo se materializam no dia a dia da ICM-Rio por meio de elementos que retomam o enfrentamento ao HIV/Aids e a legitimidade das pessoas LGBTQIA+. Observa-se, ao lado púlpito, a bandeira do arco-íris bordada com os dizeres “Deus ama todas as pessoas”. Além disso, estão expostos em uma mesa, ao lado da bandeira, preservativos, lubrificantes e pilhas de panfletos relacionados à missão da instituição e os projetos por ela apoiados, como o de prevenção de IST e o PrEP, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). A instituição, com essas iniciativas, passa da responsabilidade individual para um cuidado público que busca a participação dos sujeitos de maneira coletiva, a partir de com uma perspectiva da vulnerabilidade e dos direitos humanos (Calazans et al. 2018CALAZANS, Gabriela Junqueira; PINHEIRO, Thiago Félix; AYRES, José Ricardo de Carvalho Mesquita. (2018), “Vulnerabilidade programática e cuidado público: panorama das políticas de prevenção do HIV e da Aids voltadas para gays e outros HSH no Brasil”. Sexualidad, Salud y Sociedad, nº 29: 263-293.) sexuais e de gênero.

De acordo com Michel Foucault (1999FOUCAULT, Michel. (1999), A história da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, vol. 1, 13º ed.), entre o século XIX até meados do século XX, observa-se um regime da sexualidade pautada em discursos científicos eugênicos de controle populacional do Estado pelo viés racista e nacionalista. O discurso de interesse estatal do sexo enquanto reprodução é, para Foucault (1999), um dispositivo da sexualidade que emerge da regulação moral. Ao analisar essas inflexões no âmbito dos movimentos LGBTQIA+ e feminista, Sérgio Carrara (2010) aponta para o modo como ocorreu a promoção dessa pauta pela via dos direitos sexuais, sobretudo após a Constituinte de 1988. Segundo o autor, o novo regime sexual, pautado na linguagem dos direitos humanos, desvinculado das práticas sexuais voltadas apenas à procriação, demanda a proteção do Estado brasileiro aos grupos estigmatizados e discriminados por seus desejos e práticas sexuais desviantes. As tensões que abarcam essa luta são trazidas ao equacionarem a homossexualidade à pedofilia, perpetuando “o velho critério da reprodução e heterossexualidade como valores fundamentais na estratificação sexual” (Carrara 2015CARRARA, Sérgio. (2015), “Moralidades, racionalidades e políticas sexuais no Brasil contemporâneo”. Revista Mana, vol. 21, nº 2: 323-345.:334). Isso levanta a questão do julgamento de vínculos afetivos não estáveis enquanto promíscuos, principalmente no contexto da Aids e gravidez na adolescência, como um dos perigos de “uma nova geografia do mal e do perigo sexual” (Carrara 2015:332), subterfúgio para perpetuar a moral sexual cristã. A ICM-Rio, ao trazer elementos de prevenção (lubrificantes, camisinhas e panfletos dos programas de políticas públicas sexuais) para o espaço religioso, ressignifica a moral sexual cristã em nome da legitimidade e cidadania das pessoas LGBTQIA+.

Ao longo da pesquisa empírica, as formas de apoio mobilizadas por Esther e as diversas alianças que a ICM-Rio constrói em sua atuação mostram como a igreja, na gramática dos direitos sexuais e reprodutivos, fazem a vida de pessoas LGBTQIA+ uma vida vivível (Butler 2018BUTLER, Judith. (2018), Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa da assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira .).

Considerações finais

O caso da ICM-Rio articula a vida religiosa que privilegia a liberdade ecumênica unida às pautas dos direitos sexuais e reprodutivos. A instituição se alicerça sob ideias liberais que problematizam a relação entre Estado e Igreja em defesa da laicidade, demonstrado pelas políticas públicas em prol da valorização da diversidade sexual e de gênero. Essa luta é permeada de tensões advindas dos atores que procuram perpetuar a discriminação, preconceito e a negação dos direitos da população LGBTQIA+. Os ataques sofridos pela ICM-Rio desencadearam impactos para além da comunidade religiosa e também nos meus deslocamentos pelas ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro. Esses atravessamentos tomam o sentido de uma vida precária de ser vivida (Butler 2018BUTLER, Judith. (2018), Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa da assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira .). As represálias sofridas em sua trajetória buscam, de forma arbitrária, deslegitimar sua presença no cenário religioso, levantando a necessidade de criar alianças como forma de resistência.

A representatividade de uma parlamentar como Marielle intersecciona os demarcadores sociais de raça, classe, gênero, sexualidade e religião e atua enquanto estratégias de ação viáveis para mudança social. Marielle foi assassinada por militar em prol das minorias sociais, e a igreja, por sua vez, também sofre represálias em seu percurso religioso por essa forma de engajamento. A figura de Marielle Franco foi colocada como um compromisso e uma espécie de aliança na construção de uma memória comum na luta pelos direitos humanos na ICM-Rio.

Aproximar-se das pautas e das demandas dos movimentos e coletivos LGBQIA+ seria uma forma de construir alianças para além do espaço religioso. Ao levar a bandeira com os dizeres “Deus ama todas as pessoas” na Parada LGBTQIA+, na ala da liberdade religiosa, denuncia os atores pentecostais nesse espaço de protesto, mostrando sua forma de condução para a revolução das práticas e crenças religiosa. Enquanto um momento de sociabilidade, através das atividades que abordam a relação entre religião e arte drag, o Chá das Drags possibilita, também, que a ICM-Rio constitua a sua visibilidade religiosa perante o público LGBTQIA+. O reconhecimento do ativismo de Desirée Cher no enfrentamento ao HIV/Aids seria uma forma de aliança, uma vez que procura ampliar e dialogar com as políticas sexuais e de saúde.

O percurso religioso e pessoal de Esther, mulher intersexo de origem religiosa judia ortodoxa, estabelece o sentido de fragmentos do seu mundo. Os percalços que sofreu por sua identidade de gênero no âmbito religioso, profissional e biomédico demonstraram os entraves de um corpo considerado adjeto. Reverter essa lógica através das políticas públicas e de saúde sexual, como a conquista do seu registro civil, o acesso ao programa de saúde mental (CAPS) e programas da Fiocruz (PrEP, exames clínicos e profissionais especializados na questão intersexo), a reconhece como sujeito de direitos. Com essa experiência, passou a levantar a bandeira da ICM-Rio, tornando-se líder religiosa e porta-voz da instituição. No programa de rádio, trouxe a visibilidade das pessoas intersexo e da ICM-Rio como uma igreja que luta por direitos sexuais e reprodutivos da população LGBTQIA+.

Por meio dessas alianças, a ICM-Rio, alinhada à pauta dos direitos humanos, em sua gramática da diversidade sexual, constitui seu engajamento por meio das políticas públicas e de saúde, sobretudo na questão do HIV/Aids. Com um ethos religioso que privilegia a laicidade em nome da liberdade religiosa, ressignificando a moral sexual cristã, a igreja atua na legitimidade e cidadania das pessoas LGBTQIA+. Seu engajamento, através dos direitos sexuais e de gênero, demonstra como ela articula essas demandas frente aos ataques que deslegitimam sua presença e sua atuação no cenário religioso e público.

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  • 1
    A Metropolitan Community Church surgiu no ano de 1968 em Los Angeles pelo pastor pentecostal Troy Perry, “que havia sido expulso de sua denominação em razão de sua orientação sexual” (Natividade 2008:138).
  • 2
    A sigla LGBTQIA+ em referência a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queers, Intersexo, Assexuais e + para outras orientações sexuais, identidades e expressões de gênero. Padronizei no decorrer do texto a sigla LGBTQIA+. A utilização dessa sigla identitária tem relação com o contexto da pesquisa e também com o termo êmico por meus interlocutores.
  • 3
    Os cultos abrangeram temáticas como: Orgulho LGBT, Vigília pelas vítimas da LGBTfobia, Memorial pela vereadora Marielle Franco e Visibilidade Lésbica.
  • 4
    Desde o ano de 2019.
  • 5
    No ano de 2017, o pastor Luiz Gustavo assumiu como pastor da ICM-Rio. Em 2021, Luiz Gustavo passou a ocupar na hierarquia religiosa a posição de reverendo. No decorrer do texto me refiro como pastor, titulação que ocupava ao longo da pesquisa empírica.
  • 6
    Figura proeminente do movimento dos direitos civis norte-americano, Matin Luther King foi pastor batista e ativista negro na luta pela pauta da segregação racial e pelo voto da população afro-americana entre as década de 1950 e 1960 (Faria 2021FARIA, João Paulo Martins. (2021), FBI, Moviemento Negro e Guerra Fria: as Investigações sobre a Malcolm X e Martin Luther King Jr. (1953-1968). São Paulo: Dissertação de Mestrado em História Social, USP.). Dom Oscar Romero foi um dos ícones do catolicismo da libertação na América Latina, tendo a sua trajetória religiosa voltada à denúncia social e à política da repressão estatal salvadorenha aos setores populares na década de 1970 (Valério 2020VALÉRIO, Mairon Escorsi. (2020), “Por uma santidade da libertação: a canonização de D. Oscar Romero e a institucionalização do modelo profético-martirial”. Revista Brasileira de História das Religiões, vol. 13, nº 38: 165-186.). A missionária Doroty Stang ficou conhecida, no começo dos anos 2000, pela sua mobilização social que denunciava a exploração madeireira ilegal, a grilagem de terras, a expansão de pastagens e os atos de violência contra posseiros no município de Anapu, no estado do Pará (Sales et al. 2019SALES, Sammy Silva; PORRO, Roberto; PORRO, Sakiara Miyasaka. (2019), “Campesinato de fronteira, pagamentos e serviços ambientais: análise da expressão diferenciada da lógica de mercado em Anapu, Pará”. Amazônica - Revista de Antropologia, vol. 11, nº 1: 267-297.). No caso de Marielle Franco, a sua forma de atuação será abordada em seguida.
  • 7
    Segundo Jaqueline Gomes de Jesus (2015JESUS, Jaqueline Gomes de (2015), Transfeminismo: teoria e prática. Rio de Janeiro: Metanoia.:11), por “cisgênero” compreende-se “as pessoas que se identificam com o gênero que lhe foi designado socialmente, ou seja, as pessoas não-transgênero”. Como debatido pela teoria transfeminista, esse conceito procura formular uma “resposta teórica à falha do feminismo de base biológica em reconhecer plenamente o gênero como uma categoria distinta da de sexo” (Jesus 2015JESUS, Jaqueline Gomes de. (2015), Transfeminismo: teoria e prática . Rio de Janeiro: Metanoia .:10). A mobilização deste desse conceito no manifesto da ICM-Rio, também evocado nos cultos e atividades, busca denunciar a naturalização de um sistema de sexo/gênero, sobretudo, nos discursos que colocam os corpos e os gêneros das pessoas transexuais como ilegítimos e menos inteligíveis.
  • 8
    Vinte e duas poesias dos prisioneiros iraquianos em Guantánamo foram reproduzidas em copos de isopor e, muitas delas, censurados pelo governo dos EUA. Aquelas poesias que os agentes carcerários conseguiram extraviar foram recuperadas por advogados dos direitos humanos e internacionalizadas.
  • 9
    Disponível em: http://aplicnt.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/scpro1720.nsf/f6d54a9bf09ac233032579de006bfef6/be3f4480b5fe091283258407006fc23e?OpenDocument. Acesso em: 20/09/2019.
  • 10
    Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/johnny-hooker-alvo-de-noticia-crime-apos-show-polemico-em-pernambuco-22935738. Acesso em: 20/09/2019.
  • 11
    Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/06/veja-transexual-crucificada-e-outras-polemicas-com-simbolos-cristaos.html. Acesso em: 20/09/2019.
  • 12
    O cantor Johnny Hooker e a artista Viviany Beleboni foram alvos de inquérito policial.
  • 13
    Culto em comemoração ao movimento da Reforma Protestante, sendo o marco a publicação de Noventa e cinco teses, por Martinho Lutero, em 31 de outubro de 1517. Esse culto procura diferenciar-se das práticas religiosas de segmentos pentecostais e neopentecostais. O discurso em púlpito questiona as obrigações religiosas como o jejum, o dízimo e as normas de conduta religiosa como a virgindade e a abstinência sexual. Além disso, denuncia a incidência de grupos religiosos na cena política, acusando-as de posicionamentos conservadores e fundamentalistas.
  • 14
    De acordo com Fátima de Weiss Jesus (2012), a festa do Oscar premiou duas categorias para as drags: revelação e melhor do ano, sendo uma forma de incentivo da ICM São Paulo.
  • 15
    No dia 1º de dezembro.
  • 16
    Em seu site, o grupo se apresenta como uma organização não governamental fundada na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1993. Sua linha de atuação com as pessoas LGBTQIA+ procura enfocar “na cidadania, promoção de direitos humanos e de uma cultura de paz, combate à violência, justiça social, prevenção e atenção em IST, HIV-Aids e Hepatites Virais”, dentre outras ações voltadas para a qualidade de vida de seu público alvo. Disponível em: http://www.arco-iris.org.br/?page_id=83. Acesso em: 25/08/2020.
  • 17
    Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/10/parada-gay-em-copacabana-espera-publico-de-1-milhao-neste-domingo.html. Acesso em: 22/05/2020.
  • 18
    O Grupo Pela Vidda foi criado pelo escritor Herbert Daniel no ano de 1989. Sediado na cidade do Rio de Janeiro, o grupo se coloca como o primeiro “fundado no Brasil por pessoas vivendo com HIV e Aids, seus amigos e familiares”. Disponível em: http://www.pelavidda.org.br/site/index.php/quem-somos/. Acesso em: 30/08/2020.
  • 19
    Anteriormente ocupava a posição de obreira da instituição religiosa.
  • 20
    Esther explica que nessa ocasião ritual recitou as escrituras da Torá.
  • 21
    Crianças, adolescentes e jovens até 26 anos.
  • 22
    Os dados têm como referência o intervalo de 2014 e 2015.
  • 23
    A realização da Conferência Nacional LGBT demonstra os avanços desse movimento social. De acordo com Facchini (2002), o movimento tem se fortalecido através por meio de Frentes frentes Parlamentares parlamentares na proposição de projetos de lei e normativas de associações profissionais e no combate da patologização e discriminação das pessoas LGBTQIA+. No entanto, encontram dificuldades em “encaminhar suas demandas via Legislativo e um acolhimento via Judiciário que, embora importante, tem se limitado a decisões tomadas por juízes ou localidades consideradas mais ‘progressistas’”. (Facchini 2009FACCHINI, Regina. (2009), “Entre compassos e descompassos: um olhar para o ‘campo’ e para a ‘arena’ do movimento LGBT brasileiro”. Bagoas, Estudos gays: gêneros e sexualidades, vol. 3, nº 4: 132-158.:139).
  • 24
    As nomenclaturas do movimento LGBTQIA+.
  • 25
    No ano de 2012, o PrEP teve seu início nos EUA e somente no ano de 2017, após pesquisas com grupos alvo, foi adotado de forma restritiva, para 7 mil pessoas, pelo Ministério da Saúde. As pesquisas em PrEP consideraram os grupos-chave como homens gays, pessoas transexuais e travestis, profissionais do sexo e relacionamento soro divergente (uma pessoa infectada e outra não). Disponível em: https://epoca.globo.com/saude/noticia/2017/05/brasil-incorpora-ao-sus-terapia-que-previne-hiv-mas-restringe-acesso.html. Acesso em: 20/05/2019.
  • 26
    O programa tratava-se da pesquisa a respeito do medicamento para Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) em pessoas que não testaram positivo para o HIV/Aids. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/faq/qual-e-diferenca-entre-prep-epep#:~:text=a%20pep%20%e2%80%93%20profilaxia%20p%c3%b3s%2dexposi%c3%a7%c3%A3o,ocupacional%20(com%20instrumentos%20perfurocortantes%20ou. Acesso em: 12/12/2019.
  • 27
    Ao citar formas de exames laboratoriais (CD4; CD8) como forma de controle da carga viral, assim, a em um nível indetectável dificultando a reprodução dos vírus do HIV no sistema sanguíneo, o que não quer dizer que exista uma cura, mas o “impedimento” que o vírus manifeste no corpo humano.
  • 28
    A jurisprudência previu que transexuais, travestis, transgêneros, intersexos e queer pudessem alterar o seu nome do registro civil nas chamadas das escolas e não na documentação (Bento 2014).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2022
  • Aceito
    05 Abr 2023
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